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Surto de conjuntivite aguda no período de 2017-2018 em Recife, Brasil

RESUMO

Objetivo:

Avaliar o perfil clínico, epidemiológico e o impacto econômico do surto de conjuntivite no período 2017-2018 no município de Recife-PE.

Métodos:

Estudo transversal com base na análise de prontuários de pacientes com diagnóstico de conjuntivite, atendidos na emergência da Fundação Altino Ventura entre dezembro/2017 e março/2018. Os dados coletados incluíram manifestações oculares no exame, complicações subsequentes, manejo e dias de licença médica.

Resultados:

Dos 12.712 pacientes atendidos na FAV entre dezembro de 2017 e março de 2018, 6.359 (50,0%) foram diagnosticados com conjuntivite, dos quais 3.543 pacientes (55,7%) foram atendimentos únicos. A média de idade dos pacientes ao atendimento foi de 29,5 ± 14,1 anos (variação, 1-85 anos), com distribuição semelhante entre os sexos (2.288 casos [50,1%] masculino; 2.282 casos [49,9%] feminino). O diagnóstico mais comum foi conjuntivite sem pseudomembrana (5.645 casos [88,8%]). Hiperemia conjuntival (6.278 casos [98,7%]) e reação folicular (6.255 casos [98,4%]) foram os achados mais frequentes ao exame. A complicação mais frequente foi pseudomembrana (1.062 casos [16,7%]). Os colírios lubrificantes (4.308 [67,7%]) e os colírios de associação antibiótico com corticoide (2.033 [32%]) foram os mais prescritos no tratamento. A média de dias de atestado médico foi de 4,8 ± 2,9 dias (variação, 1- 47 dias) e a perda de produtividade estimada em R$1.159.329,14.

Conclusão:

O surto de conjuntivite em Pernambuco foi responsável por metade das consultas em um pronto-socorro oftalmológico. Surtos de conjuntivite podem causar um impacto econômico, uma vez que afeta principalmente adultos jovens em idade produtiva. As características clínicas observadas sugerem um surto de conjuntivite de etiologia viral.

Descritores:
Conjuntivite/diagnóstico; Lubrificantes oftálmicos; Tratamento Farmacológico; Epidemias

Abstract

Purpose:

To evaluate the epidemiological and clinical profile and economic impact of the acute conjunctivitis outbreak in the period of 2017-2018 in Recife-PE.

Methods:

Cross-sectional study based on the analysis of medical records of patients diagnosed with conjunctivitis at the emergency room of the Altino Ventura Foundation (FAV) between December 2017 and March 2018. The collected data included ocular manifestations at examination, subsequent complications, management, and days of sick leave.

Results:

Out of 12,712 patients assisted at FAV from December 2017 to March 2018, 6,359 (50.0%) were diagnosed with conjunctivitis. The mean age of patients was 29.5 ± 14.1 years (range, 01-85 years), with similar distribution between sex (2,288 50.1% male; 2,282 49.9% female). The most common diagnosis was non-pseudomembranous conjunctivitis (5,645 cases 88.8%). Conjunctival hyperemia (6,278 cases 98.7%) and follicular reaction (6,255 cases 98.4%) were the most frequent ocular findings. The most common complication was pseudomembrane in 1,062 cases (16.7%). Lubricants (4,308 67.7%) and antibiotic associated to corticosteroid eyedrops (2,033 32.0%) were the most prescribed medications. The average days of sick leave per patient was 4.8 ± 2.9 days (range, 1- 47 days) and the productivity loss estimated in R$1.159.329,14.

Conclusion:

The conjunctivitis outbreak in Pernambuco, Brazil was responsible for half of the consultations in an ophthalmic emergency room. Conjunctivitis outbreaks may cause an economic impact as it mostly affects young adults in their productive ages and take in average a 5-day sick leave. The clinical characteristics observed suggest an outbreak of conjunctivitis of viral etiology.

Keywords:
Conjunctivitis/diagnosis; Lubricant eye drops; Drug therapy; Epidemics

INTRODUÇÃO

a atenção primária, o atendimento oftalmológico tem a conjuntivite como a entidade clínica mais prevalente dentro dos diagnósticos possíveis para a Síndrome do Olho Vermelho.(11 Oh JJ, Rho CR. Causes of epidemic keratoconjunctivitis and therapeutic measures. J Korean Med Assoc. 2017;60(6):491-6.) A conjuntivite é uma doença comum de origem infecciosa (bacteriana, fúngica ou viral), química ou alérgica, que geralmente é autolimitada. Surtos de conjuntivite infecciosa não são um evento incomum,(22 Martin M, Turco JH, Zegans ME, Facklam RR, Sodha S, Elliott JA, et al. An outbreak of conjunctivitis due to atypical Streptococcus pneumoniae. N Engl J Med. 2003;348(12):1112-21.) ainda assim a doença causa perturbações significativas às atividades diárias normais dos indivíduos afetados e instituições.(33 Pryor JH, Martin MT, Whitney CG, Turco JH, Baumgartner YY, Zegans ME. Rapid response to a conjunctivitis outbreak: the use of technology to leverage information. J Am Coll Health. 2002;50(6):267-71.)

A conjuntivite é caracterizada por um intenso processo inflamatório da conjuntiva bulbar e ou tarsal, resultando em dilatação de vasos, hiperemia e quemose.(44 Origlieri C, Bielory L. Emerging drugs for conjunctivitis. Expert Opin Emerg Drugs. 2009;14(3):523-36.) Devido às suas características de alto contágio e transmissibilidade, a doença causa um grande impacto socioeconômico, resultando no afastamento da população ativa das atividades laborais. Nos EUA foi observado um gasto que ultrapassa 377 milhões de dólares ao ano somente para o tratamento dessa patologia.(55 Azari AA, Barney NP. Conjunctivitis: a systematic review of diagnosis and treatment. JAMA. 2013;310(16):1721-9.)

Entre dezembro de 2017 e março de 2018, o Brasil registrou um aumento alarmante no número de casos de conjuntivite para o período, principalmente no Nordeste do país. No estado de Pernambuco, a Fundação Altino Ventura notificou um aumento de 800% nos casos de conjuntivite.(66 Pernambuco. Secretaria da Saúde. Conjuntivite: SES capacita rede para atendimento de casos [Internet]. Recife: Secretaria da Saúde; 2019 [citato 2018 Jun 4]. Disponível em: http://portal.saude.pe.gov.br/noticias/secretaria-executiva-de-atencao-saude/conjuntivite-ses-capacita-rede-para-atendimento-de
http://portal.saude.pe.gov.br/noticias/s...
) Desta forma, o objetivo deste trabalho foi avaliar o perfil clínico, epidemiológico e o impacto econômico deste surto de conjuntivite no final do ano de 2017 e início de 2018 no município de Recife, Pernambuco, e descrever o manejo e complicações observadas.

MÉTODOS

Este estudo transversal analisou dados de prontuários eletrônicos digitalizados dos pacientes atendidos na emergência oftalmológica da Fundação Altino Ventura, no período de dezembro de 2017 a março de 2018. A coleta dos dados se iniciou após aprovação do presente projeto no Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Altino Ventura (nº 3.008.774).

Inicialmente foi realizada uma busca no banco de dados eletrônico da instituição utilizando as palavras chaves "conjuntivite", "conj", "H10.3" e "H10". Foram incluídos apenas prontuários que contivessem informações completas. Destes, os dados demográficos, da anamnese, exame de biomicroscopia de segmento anterior, diagnóstico e conduta foram coletados para análise.

Pacientes com mais de um atendimento num decorrer de 30 dias consecutivos foram contabilizados como único prontuário, após esse período o mesmo paciente foi contabilizado como novo prontuário.

O levantamento e comparação de dados epidemiológicos, como sexo, idade e cidade de origem da amostra estudada foram realizados. As características principais comuns de sintomatologia também foram avaliadas, sendo elas, presença de alteração oftalmológica ao exame, como descrição de edema palpebral, secreção ocular, hiperemia conjuntival, reação folicular, reação papilar, hemorragia subconjuntival, e quemose conjuntival. Dados sobre complicações subsequentes a esse tipo de conjuntivite que se mostraram presentes, como formação de pseudomembrana, ceratites, úlceras corneanas, abrasões, precipitados ceráticos e infiltrados subepiteliais foram coletados. Além disso, foi avaliado o tempo médio necessário de afastamento das atividades laborais, realizado a média de atestados médicos de acordo com o número de atendimentos.

Ademais, foi avaliado a terapêutica instituída aos pacientes com diagnóstico de conjuntivite aguda no período de surto, através da análise da prescrição médica de antibiótico tópico, anti-inflamatório tópico e oral, lubrificante ocular, compressas frias, corticoide milesimal tópico e colírio combinado de antibiótico com corticoide. Comparando, assim, as diferenças de manejo adotado na instituição oftalmológica indicada para o estudo.

Os dados coletados foram organizados em planilhas no programa Microsoft Office Excel® (Microsoft Corporation, Albuquerque, EUA) com as váriaveis acima citadas e criação de um contador, em que se pesquisou palavras chaves para cada variável estudada, contendo pelo menos duas palavras chaves de pesquisa para cada campo.

A perda de produtividade indireta foi calculada com base no método do Capital Humano, que considera que as faltas ao trabalho não podem ser compensadas por aumento de carga horária ou contratação de outros trabalhadores. Portanto, o método assume que a perda de produtividade pode ser estimada a partir dos salários perdidos em decorrência do afastamento do trabalhador.(77 Teich V, Piha T, Fahham L, Squiassi HB, Paloni EM, Miranda P, et al. Acute coronary syndrome treatment costs from the perspective of the supplementary health system. Arq Bras Cardiol. 2015;105(4):339-44.) Neste trabalho, para estimar a perda de produtividade em R$ foi utilizada a seguinte fórmula: A x B x C x D, onde A- número de atendimentos de pacientes em idade economicamente ativa ( ≥ 14 anos); B - renda média nominal/dia; C- média de dias de afastamento (atestado médico); e D - nível de ocupação. Os itens B e D foram obtidos a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C) divulgados para o primeiro trimestre de 2018.(88 Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua [Internet]. IBGE; 2018 [citado 2020 Jul 17]. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pnadct/tabelas
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)

RESULTADOS

Entre dezembro de 2017 e março de 2018, a Fundação Altino Ventura realizou 12.712 atendimentos, dos quais 6.359 (50,0%) foram casos de conjuntivite. Destes atendimentos, 55,7% (3.543) foram atendimentos únicos e 44,3% (2.816) foram de atendimentos múltiplos, uma incidência estimada de 38,9 casos/10.000 habitantes.

A média de idade dos pacientes foi de 29,5 ± 14,1 anos (variação, 1- 85 anos), com distribuição semelhante entre os sexos (2.288 [50,1%] masculino e 2.282 [49,9%] feminino). O pico do número de atendimentos por conjuntivite ocorreu no mês março de 2018 (2.963 casos [46,6%]; Figura 1).

Figura 1
Distribuição dos casos de conjuntivite de acordo com o mês de atendimento médico

Dentre os 90 bairros do município do Recife, aqueles com maior número de casos foram Cohab (231 casos [5,1%]), Nova Descoberta (179 casos [3,9%]), Afogados (174 casos [3,8%]), Santo Amaro (149 casos [3,3%]), e Água fria (148 casos [3,2%]) (Figura 2).

Figura 2
Distribuição dos casos de conjuntivite nos bairros de Recife. (Mapa de calor dos números de casos por bairro em recife; área em branco não foram detectados casos)

O diagnóstico estipulado em prontuário médico no campo de hipótese diagnóstica de conjuntivite sem pseudomembrana foi identificado em 88,8% (n = 5.645) dos casos, enquanto conjuntivite com pseudomembrana estava presente em 11,2% (n =714) dos casos. Os principais sinais oftalmológicos encontrados foram hiperemia conjuntival (6.278 pacientes [98,7%]), reação folicular (6255 pacientes [98,4%]), edema palpebral (176 pacientes [2,8%]), quemose conjuntival (76 pacientes [1,2%]), hemorragia subconjuntival (32 pacientes [0,5%]), secreção mucoide (16 pacientes [0,3%]), secreção purulenta (9 pacientes [0,1%]) e reação papilar (5 pacientes [0,1%]) (Tabela 1).

Tabela 1
Principais achados oftalmológicos em pacientes tratados durante o surto de conjuntivite na Fundação Altino Ventura

As principais complicações observadas, em campo biomicroscopia dos prontuários, foram formação de pseudomembrana (1062 pacientes [16,7%]), ceratite puntata (65 pacientes [1,0%]), infiltrados subepiteliais (37 pacientes [0,6%]) abrasão de córnea (34 pacientes [0,5%]), ceratite filamentar (10 pacientes [0,2%]) e úlcera de córnea (6 pacientes [0,1%]) (Tabela 2).

Tabela 2
Complicações resultantes do surto de conjuntivite em pacientes atendidos na Fundação Altino Ventura

Com relação ao tratamento adotado, as principais prescrições foram colírios lubrificantes (n = 4308 [67,7%]), associação antibiótico com corticoide (n = 2033 [32%]), compressas frias (n = 1084 [18,6%]), corticoide milesimal tópico (n = 423 [6,7%]), o uso de colírio antibiótico isolado (n = 215 [3,4%]), anti-inflamatório não-esteroide oral (n = 82 [1,3%]) e tópico (n = 28 [0,4%]) (Tabela 3).

Tabela 3
Tratamento instituído em pacientes da Fundação Altino Ventura durante o surto de conjuntivite

A média de dias de atestado médico por paciente foi de 4,8 ± 2,9 dias (variação, 1- 47 dias; Figura 3).

Figura 3
Total de dias de atestado médico

O custo indireto associado à perda de produtividade causada pelo surto foi estimado em R$1.159.329,14 no período do estudo.

DISCUSSÃO

A conjuntivite é uma doença comum no Nordeste brasileiro, em que o clima quente e úmido favorece a disseminação de agentes infecciosos (vírus e bactérias). No entanto, entre 2017 e 2018, o estado de Pernambuco registrou um aumento de 800% no número de casos de conjuntivite.(66 Pernambuco. Secretaria da Saúde. Conjuntivite: SES capacita rede para atendimento de casos [Internet]. Recife: Secretaria da Saúde; 2019 [citato 2018 Jun 4]. Disponível em: http://portal.saude.pe.gov.br/noticias/secretaria-executiva-de-atencao-saude/conjuntivite-ses-capacita-rede-para-atendimento-de
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)

Os dados do presente estudo mostram que a conjuntivite foi responsável por metade dos atendimentos de emergência na Fundação Altino Ventura entre dezembro de 2017 e março de 2018. Neste surto não houve distinção significativa entre os sexos e a maioria dos pacientes acometidos eram jovens, em faixa etária para desenvolvimento de atividade laboral. Balasopoulou et al. (99 Balasopoulou A, Kokkinos P, Pagoulatos D, Plotas P, Makri OE, Georgakopoulos CD, et al. A molecular epidemiological analysis of adenoviruses from excess conjunctivitis cases. BMC Ophthalmol. 2017;17(1):51.) mostraram que o gênero não apresenta uma incidência significativa associada ao diagnóstico de conjuntivite, bem como demonstraram que o pico de ocorrência em relação a faixa etária ocorreu em pacientes jovens, corroborando com o comportamento seguido pelo surto ocorrido em Pernambuco.

O pico do número de casos de conjuntivite foi registrado em março de 2018. Esse período coincidiu com o retorno das férias escolares e a sucessão da festividade carnavalesca no país. Este último é um dos eventos de maior movimento de pessoas em Recife, em que há maior aglomeração de pessoas, fator que pode ter colaborado com o número de casos registrados.

A área de maior prevalência de conjuntivite durante esse período foi o bairro Cohab (5,1%), o qual possui a terceira maior densidade demográfica do Recife (157,97 habitantes/hectare).(1010 Recife. Prefeitura da Cidade. Pesquisa perfil dos bairros: 2018 [Internet]. Recife: Prefeitura Municipal; 2018 [citado 2019 Jun 16]. Disponivel em: www.recife.pe.gov.br/servico/perfil-dos-bairros
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) Uma vez que a conjuntivite é uma doença infectocontagiosa, com alta transmissibilidade através de secreções oculares, mãos contaminadas ou até mesmo itens pessoais, o alto conglomerado urbano neste bairro pode ter favorecido uma maior transmissão da doença.

O perfil clínico deste surto apresentou como principais manifestações clínicas hiperemia conjuntival e reação folicular, corroborando com achados na literatura. Pinto et al. (1111 Pinto RD, Lira RP, Abe RY, Zacchia RS, Felix JP, Pereira AV, et al. Dexamethasone/Povidone eye drops versus artificial tears for treatment of presumed viral conjunctivitis: a randomized clinical trial. Curr Eye Res. 2015;40(9):870-7.) observaram em seu estudo que a reação folicular, linfonodo pré-auricular, epífora, hiperemia, quemose, hiperemia palpebral e pseudomembranas foram as principais manifestações encontradas nos casos de conjuntivite viral. Barbosa Júnior et al.(1212 Barbosa Junior JB, Regatieri CV, de Paiva TM, Benega MA, Ishida MA, Corrêa KO, et al. Diagnóstico de conjuntivite adenoviral pelo RPS Adenodetector. Arq Bras Oftalmol. 2007;70(3):441-4.) dissertam que a presença de folículos, principalmente no fórnice inferior é um sinal bastante clássico de conjuntivite adenoviral, se associado com os achados de hiperemia conjuntival, fotofobia, lacrimejamento e sensação de corpo estranho, facilitando a hipótese diagnóstica. Azari et al.(55 Azari AA, Barney NP. Conjunctivitis: a systematic review of diagnosis and treatment. JAMA. 2013;310(16):1721-9.) também afirmam que os vírus são os principais agentes etiológicos causadores da conjuntivite na população adulta. Adicionalmente, os quadros que se apresentam com quemose ou secreção serosa também podem possuir maior associação com essa etiologia. Diante destas comparações, sugere-se que o agente etiológico deste surto tenha sido um vírus. Devido aos elevados custos no diagnóstico laboratorial e escassez de recursos financeiros pelo Sistema Único de Saúde (SUS), no nosso estudo não foi possível comprovação etiológica, sendo esta uma limitação do mesmo.

Segundo Smith et al.,(1313 Smith AF, Waycaster C. Estimate of the direct and indirect annual cost of bacterial conjunctivitis in the United States. BMC Ophthalmol. 2009;9(1):13.) através da análise de sensibilidade unidirecional na incidência anual e nos custos relacionados ao tratamento e manejo dos pacientes com conjuntivite nos EUA, no ano de 2005, variam entre 469 a 705 milhões de dólares ao ano. A relevância quanto a avaliação dos dias de atestado tem como intuito prover uma noção de estimativa do quanto essa patologia pode ser onerosa a sociedade. Em Recife, considerando apenas os custos indiretos da perda salarial no período do estudo, o surto de conjuntivite causou uma perda de produtividade em mais de R$ 1 milhão (≈ US$ 350 mil). Vale ressaltar que este custo é subestimado, já que ele não inclui gastos com consultas médicas, exames, medicamentos e transporte dos pacientes. Filleul et al.,(1414 Filleul L, Pagès F, Wan GC, Brottet E, Vilain P. Costs of conjunctivitis outbreak, Réunion Island, France. Emerg Infect Dis. 2018;24(1):168-70.) ao avaliar um surto de conjuntivite ocorrido em 2015 na Ilha Réunion, França, estimou os custos com consultas médicas e medicamentos em ($ 3.341.191,00 (≈ R$ 11 milhões de reais). Estes dados demonstram que surtos agudos de conjuntivite podem ter um impacto substancial na economia da população.

Existe uma série de terapias indicadas na literatura para o tratamento de conjuntivite aguda, visto que as causas vão desde infecções virais, sendo estas as mais comuns, até etiologias bacterianas e alérgicas. Nas conjuntivites virais a doença geralmente apresenta curso autolimitado, com resolução espontânea em duas a quatro semanas(1111 Pinto RD, Lira RP, Abe RY, Zacchia RS, Felix JP, Pereira AV, et al. Dexamethasone/Povidone eye drops versus artificial tears for treatment of presumed viral conjunctivitis: a randomized clinical trial. Curr Eye Res. 2015;40(9):870-7.,1515 Visscher KL, Hutnik CM, Thomas M. Evidence-based treatment of acute infective conjunctivitis: breaking the cycle of antibiotic prescribing. Can Fam Physician. 2009;55(11):1071-5.). O mesmo pode ser observado nas conjuntivites bacterianas agudas, em que aproximadamente 60% dos casos também são autolimitados em 1 a 2 semanas.(55 Azari AA, Barney NP. Conjunctivitis: a systematic review of diagnosis and treatment. JAMA. 2013;310(16):1721-9.) Além disso, o tratamento adotado para conjuntivite tem efetividade na redução de apenas um a dois dias do quadro. Por esses motivos, alguns autores não indicam realização de qualquer tratamento para a doença.(55 Azari AA, Barney NP. Conjunctivitis: a systematic review of diagnosis and treatment. JAMA. 2013;310(16):1721-9.,1111 Pinto RD, Lira RP, Abe RY, Zacchia RS, Felix JP, Pereira AV, et al. Dexamethasone/Povidone eye drops versus artificial tears for treatment of presumed viral conjunctivitis: a randomized clinical trial. Curr Eye Res. 2015;40(9):870-7.,1515 Visscher KL, Hutnik CM, Thomas M. Evidence-based treatment of acute infective conjunctivitis: breaking the cycle of antibiotic prescribing. Can Fam Physician. 2009;55(11):1071-5.)

O manejo mais adotado, afim de alívio dos sintomas, é a prescrição de compressas frias e lagrimas artificiais, além de anti-histamínico tópico, se houver queixa de prurido significativo.(55 Azari AA, Barney NP. Conjunctivitis: a systematic review of diagnosis and treatment. JAMA. 2013;310(16):1721-9.,1111 Pinto RD, Lira RP, Abe RY, Zacchia RS, Felix JP, Pereira AV, et al. Dexamethasone/Povidone eye drops versus artificial tears for treatment of presumed viral conjunctivitis: a randomized clinical trial. Curr Eye Res. 2015;40(9):870-7.,1515 Visscher KL, Hutnik CM, Thomas M. Evidence-based treatment of acute infective conjunctivitis: breaking the cycle of antibiotic prescribing. Can Fam Physician. 2009;55(11):1071-5.) Em nossa análise foi evidenciada que o tratamento mais instituído foi de lubrificante (67,7%), colírio de associação de corticoide e antibiótico tópico (32%) e compressa gelada (18,6%), proporcionando melhor conforto dos sintomas para os pacientes diagnosticados com conjuntivite nesse serviço.

Os pacientes que apresentam maior susceptibilidade a infecções secundárias bacterianas ou os que tiverem maior suspeita clínica de conjuntivite bacteriana podem ter indicação de uso de antibiótico tópico.(1111 Pinto RD, Lira RP, Abe RY, Zacchia RS, Felix JP, Pereira AV, et al. Dexamethasone/Povidone eye drops versus artificial tears for treatment of presumed viral conjunctivitis: a randomized clinical trial. Curr Eye Res. 2015;40(9):870-7.,1515 Visscher KL, Hutnik CM, Thomas M. Evidence-based treatment of acute infective conjunctivitis: breaking the cycle of antibiotic prescribing. Can Fam Physician. 2009;55(11):1071-5.) Atualmente, acredita-se que o uso indiscriminado de antibióticos tópicos induzirá mais resistência microbiana, toxicidade medicamentosa ou alergia, além de levar a um risco maior de possível contaminação do frasco de medicação e subsequente transmissão para o olho contralateral.(55 Azari AA, Barney NP. Conjunctivitis: a systematic review of diagnosis and treatment. JAMA. 2013;310(16):1721-9.,1515 Visscher KL, Hutnik CM, Thomas M. Evidence-based treatment of acute infective conjunctivitis: breaking the cycle of antibiotic prescribing. Can Fam Physician. 2009;55(11):1071-5.) Desta forma, a indicação de antibioticoterapia deve ser instituída com cautela.

Outra terapêutica adotada é a prescrição de corticosteroides tópicos, em especial a dexametasona, visto que é um esteroide bem tolerado e potente, podendo ser usado em monoterapia ou combinado com outras drogas. São bastante utilizados para reduzir a inflamação local e controlar a dor ocular, agindo com eficácia para amenizar as queixas dos pacientes, principalmente em casos de formação de complicações apresentadas pela conjuntivite, como pseudomembrana e infiltrados subepiteliais.(1212 Barbosa Junior JB, Regatieri CV, de Paiva TM, Benega MA, Ishida MA, Corrêa KO, et al. Diagnóstico de conjuntivite adenoviral pelo RPS Adenodetector. Arq Bras Oftalmol. 2007;70(3):441-4.) Todavia, apresenta como desvantagem do seu uso em conjuntivites virais, a possibilidade de prolongar a replicação viral e aumentar a infectividade, mesmo com o pequeno curso de uso e a baixa potência.(1111 Pinto RD, Lira RP, Abe RY, Zacchia RS, Felix JP, Pereira AV, et al. Dexamethasone/Povidone eye drops versus artificial tears for treatment of presumed viral conjunctivitis: a randomized clinical trial. Curr Eye Res. 2015;40(9):870-7.,1616 O'Brien TP, Jeng BH, McDonald M, Raizman MB. Acute conjunctivitis: truth and misconceptions. Curr Med Res Opin. 2009;25(8):1953-61.)

O uso de antibiótico tópico nesse surto foi realizado de forma empírica em 35,4% dos pacientes com diagnóstico de conjuntivite, levando em consideração a conduta médica instituída em outros centros oftalmológicos. Esta conduta concorda com aquilo que foi proposto previamente por Bro,(1717 Bro T. [Right treatment of red eyes - prescription of topical antibiotics for infectious conjunctivitis is still common in Sweden]. Lakartidningen. 2018;115:1-4. Swedish.) que demonstra que 1 em cada 3 pacientes em uso de antibioticoterapia se beneficiará, evidenciando que 66% dos pacientes com conjuntivite não purulenta tiveram esse tratamento instituído mesmo sem indicação formal. Além disso, foi levado em consideração o alto tempo de espera para atendimento oftalmológico de emergência nessa instituição e o grande número de pessoas em um mesmo ambiente na espera por atendimento, aumentando assim a possibilidade de coinfecção bacteriana.

Erdin et al.(1818 Erdin BN, Pas SD, Durak I, Schutten M, Sayiner AA. A 5-year study of adenoviruses causing conjunctivitis in Izmir, Turkey. J Med Virol. 2015;87(3):472-7.) descrevem que entre as complicações mais encontradas nos pacientes portadores de conjuntivite, a formação de pseudomembrana e infiltrados corneanos subepiteliais têm maior prevalência. O nosso estudo é concordante com a literatura vigente, sendo as complicações mais frequentes pseudomembrana (16,7%), ceratite puntata (1,0%) e infiltrados subepiteliais (0,6%). A formação de pseudomembrana, sendo uma complicação, caracteriza uma das formas graves da conjuntivite aguda, assim como, os infiltrados subepiteliais.(44 Origlieri C, Bielory L. Emerging drugs for conjunctivitis. Expert Opin Emerg Drugs. 2009;14(3):523-36.) Porém, os achados nesse estudo foram mais importantes em relação a presença de pseudomembranas, isso pode ser justificado devido ao maior número de consultas oftalmológicas de urgência únicas em detrimento aos retornos, visto que infiltrados subepiteliais surgem, geralmente, entre uma e duas semanas após início do quadro infeccioso.(1111 Pinto RD, Lira RP, Abe RY, Zacchia RS, Felix JP, Pereira AV, et al. Dexamethasone/Povidone eye drops versus artificial tears for treatment of presumed viral conjunctivitis: a randomized clinical trial. Curr Eye Res. 2015;40(9):870-7.)

A duração da conjuntivite é variável de acordo com o seu agente etiológico. As conjuntivites por adenovírus, por exemplo, podem apresentar contágio até o 14º dia após o quadro inicial, em média.(1212 Barbosa Junior JB, Regatieri CV, de Paiva TM, Benega MA, Ishida MA, Corrêa KO, et al. Diagnóstico de conjuntivite adenoviral pelo RPS Adenodetector. Arq Bras Oftalmol. 2007;70(3):441-4.) Devido ao seu alto potencial de contágio, o paciente é afastado das suas atividades laborais durante o período sintomático. Nesse surto, a emissão de dias de atestado médico foi de 1 a 47 dias, com média de 4,8 dias. Possivelmente devido a instituição de medidas terapêuticas para todos os pacientes diagnosticados, com potencial redução do tempo de doença, o número de dias de afastamento de trabalho foi menor nessa instituição.

O principal modo de transmissão da conjuntivite é o contato direto, logo orientações e educação em saúde realizadas no intuito de promover um esclarecimento à população e com isso reduzir a transmissibilidade da doença são de suma importância. Dentre as medidas que foram propostas estiveram as orientações de lavagem com frequência das mãos; não tocar ou coçar os olhos; não compartilhar objetos pessoais; não compartilhar o colírio. Essas informações foram repassadas de forma verbal e por meio de cartazes expostos na emergência desse serviço. Ademais, em decorrência da grande aglomeração de paciente infectados e suscetíveis a aquisição da conjuntivite na instituição, foi implementado o uso de luvas descartáveis em cada atendimento e a troca de diária de colírios usados no setor da emergência oftalmológica desse serviço afim de reduzir a disseminação iatrogênica.

CONCLUSÃO

O surto de conjuntivite observado no município do Recife apresentou uma maior incidência entre os adultos jovens em idade economicamente ativa. Consequentemente, o tempo de trabalho perdido e a redução na produtividade dos pacientes devido à doença pode ter causado um impacto negativo na economia. Os achados oculares mais observados neste surto foram a hiperemia ocular, a reação folicular, a formação de pseudomembranas e infiltrados subepiteliais. Embora os achados oftalmológicos sugerissem que o agente etiológico seja um vírus, a confirmação laboratorial não foi possível de ser realizada em nosso estudo. Todavia, a promoção de medidas educativas e conscientização da população devem ser empregadas para evitar novos surtos. Sugerimos ainda, a realização de protocolo para casos de atendimentos de surtos em emergências oftalmológicas, a fim de agilizar o diagnóstico, instituição terapêutica precoce e padronização de dados.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer ao Departamento de Investigação Científica da Fundação Altino Ventura por todo o apoio prestado durante o desenvolvimento trabalho

  • Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Altino Ventura (Protocolo nº 2.338.153).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2021

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2020
  • Aceito
    21 Nov 2020
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