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Alterações retinianas em pacientes com leucemia linfocítica aguda (lla): discussão de tema a partir de relato de caso

RESUMO

A Leucemia Linfocitica Aguda (LLA) é uma doença caracterizada por uma alta taxa de sobrevida, porém o número absoluto de crianças que morrem por ela representa uma grande parcela dos casos de óbitos infantis por câncer. A morbidade decorrente de seu tratamento pode deixar sequelas em pessoas com grande expectativa de vida, tornando-se extremamente necessário o entendimento da patogênese desta doença, possibilitando o desenvolvimento de novos tratamentos e diminuição de sequelas provocadas pela doença. O diagnóstico precoce é importante para se evitar complicações oculares que possam levar a baixa de acuidade visual em longo prazo e para avaliação de recaídas de tratamento sendo determinante no direcionamento de condutas.

Descritores:
Leucemia linfocitica aguda; Infiltracão leucêmica; Leucemia; Doeças retinianas; Papiledema

ABSTRACT

The Acute Lymphocytic Leukemia (ALL) is a disease characterized by a high survival rate, but the absolute number of children who die from it represents a large proportion of cases of infant deaths from cancer. The morbidity resulting from its treatment can leave sequelae in people with high life expectancy, making it extremely necessary to understand the pathogenesis of this disease, enabling the development of new treatments and reduction of sequelae caused by the disease. This early diagnosis is important to avoid ocular complications that may lead to low long-term visual acuity and to evaluate treatment relapses and determine the conducts.

Keywords:
Acute lymphocytic leukemia; Leukemical infiltration; Leukemia; Retinal diseases; Papilledema

INTRODUÇÃO

Leucemia Linfoblástica Aguda (LLA) é a neoplasia mais frequente na infância, correspondendo a 30-35% dos casos de câncer neste segmento.(11 Smith OP, Ham IM. Clinical features and treatment of lymphoblastic leukemia. In: Arceci RJ, Hann IM, Smith OP, Hoffbrand A, editors. Pediatric hematology. Massachusetts: Blackwell Publishing; 2006. p. 450-81.) Seu pico de incidência ocorre entre 2 e 5 anos de idade, sendo 4 vezes mais frequente que a leucemia mieloide aguda (LMA). As alterações oftalmológicas promovidas pela LLA podem ser devido a infiltração direta do globo ocular e órbita por células neoplásicas, podem ser também secundárias a anormalidades vasculares tumor induzidas ou relacionadas ao uso de quimioterápicos ou glicocorticoides. É de grande importância o diagnóstico precoce de alterações oftalmológicas, pois é uma doença oncológica com alto potencial de cura, que afeta principalmente indivíduos jovens com alta expectativa de vida.

Diante disso, neste relato, será abordado um caso de LLA com acometimento ocular importante, no qual as alterações oftalmológicas foram definidoras no diagnóstico e manejo da doença sistêmica. A motivação para escolha desse tema foi ressaltar a importância que a avaliação oftalmológica tem na determinação de condutas de pacientes que apresentam outras doenças diagnosticadas e relatar especialmente a importância da avaliação conjunta da oftalmologia nos pacientes em vigência de doença oncológica.

Relato de caso

D.F.R., masculino, 10 anos, natural do Rio de Janeiro, em tratamento no serviço de Hematologia Pediátrica do Hospital Federal da Lagoa (HFL) com diagnóstico de Leucemia Linfocítica Aguda, internado em Centro de Terapia Intensivo Pediátrico devido a comprometimento do estado geral e relato de piora de acuidade visual. Foi solicitado parecer oftalmológico pela equipe assistente, o qual foi respondido por residente médico sob supervisão do staff no dia 27 de dezembro de 2018.

O paciente se apresentava com relato de piora da acuidade visual em ambos os olhos. Ao exame oftalmológico realizado beira-leito o paciente apresentava:

Acuidade visual sem correção:

Olho Direito: 20/200 (pela tabela de Snellen - distância tabela - paciente correspondendo a 6 metros ).

Olho Esquerdo 20/200 (pela tabela de Snellen distância tabela - paciente correspondendo a 6 metros).

Biomicroscopia indireta: Olho calmo AO, Conjuntiva clara AO, Córnea transparente AO, Pupilas isofotorreagentes AO, Fácico AO.

Mapeamento de Retina: Edema de papila AO, sem infiltração retiniana evidente AO, Mácula preservada AO, Hemorragia em arcada temporal inferior OE, Retina aplicada 360 graus AO. Não foi documentada a primeira avaliação, pois paciente se encontrava em unidade de CTI, não sendo viável transporte apenas para documentação em aparelho de retinografia.

Foi realizada na mesma semana tomografia de Crânio que evidenciou espessamento de Nervo Óptico. Fez Ressonância Nuclear Magnética de crânio em 30 de dezembro de 2018, que não demonstrou alterações (Imagens não disponíveis pois foram realizadas em outro serviço). Devido acometimento do Sistema Nervoso Central foi indicado Radioterapia Terapêutica em conjunto com Quimioterapia.

Paciente do dia 21/01/2019 ate dia 05/02/2019 estava em curso de Bloco de Quimioterapia, porém durante o bloco apresentou quadro de paralisia facial associado a turvação visual. Foi realizada RNM que evidenciou infiltração de par craniano e consequente recaída do SNC.

RNM do encéfalo/pares cranianos do dia 12 de fevereiro de 2019, evidenciou: Impregnação de contraste nas porções intracanaliculares distais, timpânicas e mastoidea do nervo facial direito e na porção do gânglio geniculado. Sem sinais de infiltração de sulcos, cissuras e cisternas da base. (Imagens não disponíveis, pois foram realizadas em outro serviço).

Foi solicitada nova avaliação pela oftalmologia sendo avaliado pela oftalmologia no dia 18 de fevereiro de 2019, onde foi evidenciado no Mapeamento de Retina: Borramento de Nervo Óptico bilateral com alterações vasculares peripapilares; Retina sem hemorragias AO; Mácula preservada AO, sendo realizada retinografia para documentação (Figuras 1-12).

Figure 1
Retinografia -18/2/2019).

Figure 2
Retinografia -18/2/2019).

Figure 3
Retinografia -18/2/2019).

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Retinografia -18/2/2019).

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Retinografia -18/2/2019).

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Retinografia -18/2/2019).

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Retinografia -18/2/2019).

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Retinografia -18/2/2019).

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Retinografia -18/2/2019).

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Retinografia -18/2/2019).

Figure 11
Retinografia -18/2/2019).

Figure 12
Retinografia -18/2/2019).

Paciente foi reavaliado no dia 15 de maio de 2019 no ambulatório de oftalmologia e apresentava ao exame oftalmológico:

Acuidade visual sem correção:

Olho Direito: 20/70 (pela tabela de Snellen- distância tabela - paciente correspondendo a 6 metros).

Olho Esquerdo: 20/30 (pela tabela de Snellen- distância tabela - paciente correspondendo a 6 metros).

Biomicroscopia: Cílios e pálpebras fisiológicos AO, conjuntiva clara AO, córnea transparente AO, ceratite limbar inferior e tempo de ruptura do filme lacrimal reduzido AO, Câmara anterior formada AO, Iris trófica AO, pupilas fotorreagentes AO, cristalino transparente AO.

Tonometria: 12/12 mmHg as 10:00 (Goldman).

Mapeamento de Retina: Disco óptico corado em olho esquerdo. D.O. levemente pálido com depósito leucêmico OD. Bordas dos Discos Ópticos mais nítidos comparados a avaliação anterior com aspecto sequelar AO., Escavação 0,3 x 0,3 AO. Mácula com brilho preservado AO. Retina aplicada 360 graus AO. Foi prescrito lagrima artificial e realizado 3 dias após nova retinografia AO para documentação (Figuras 13-24).

Figura 13
Retinografia -18/5/2019

Figura 14
Retinografia -18/5/2019

Figura 15
Retinografia -18/5/2019

Figura 16
Retinografia -18/5/2019

Figura 17
Retinografia -18/5/2019

Figura 18
Retinografia -18/5/2019

Figura 19
Retinografia -18/5/2019

Figura 20
Retinografia -18/5/2019

Figura 21
Retinografia -18/5/2019

Figura 22
Retinografia -18/5/2019

Figura 23
Retinografia -18/5/2019

Figura 24
Retinografia -18/5/2019

Paciente evolui com relato de piora da acuidade visual em olho direito há 2 dias sendo internado no HFL no dia 05 de julho de 2019 e solicitado nova avaliação da oftalmologia no dia 08 de julho de 2019, avaliação realizada em ambulatório.

Ao exame oftalmológico do dia 08 de julho de 2019 paciente apresentava:

Acuidade visual sem correção visual:

Olho Direito: Conta dedos a 3 metros (pela tabela de Snellen- distância tabela - paciente correspondendo a 6 metros).

Olho Esquerdo: 20/25 (pela tabela de Snellen- distância tabela - paciente correspondendo a 6 metros).

Biomicroscopia: Cílios e pálpebras fisiológicos AO, conjuntiva clara AO, córnea transparente AO, sem ceratite AO, Câmara Anterior Formada AO, íris trófica AO, pupilas fotorreagentes AO, cristalino transparente AO.

Tonometria: 10/13 mmHg as 10:00 ( Goldman)

Mapeamento de Retina: Edema de papila em ambos os olhos com infiltração retiniana peripapilar em ambos os olhos (com padrão mais difuso em olho direito). Retina aplicada 360 AO. Realizada nova retinografia para documentação (Figuras 25-36).

Figura 25
Retinografia -18/5/2019

Figura 26
Retinografia -18/5/2019

Figura 27
Retinografia -18/5/2019

Figura 28
Retinografia -18/5/2019

Figura 29
Retinografia -18/5/2019

Figura 30
Retinografia -18/5/2019

Figura 31
Retinografia -18/5/2019

Figura 32
Retinografia -18/5/2019

Figura 33
Retinografia -18/5/2019

Figura 34
Retinografia -18/5/2019

Figura 35
Retinografia -18/5/2019

Figura 36
Retinografia -18/5/2019

Discutido caso entre Equipe de Onco-hematologia pediátrica do HFL e equipe de Oncologia Instituto Nacional do Câncer - INCA sobre a possibilidade de radioterapia associada a quimioterapia e as duas equipes chegam ao consenso por apenas tratamento quimioterapico de forma solada . Sobre a proposta de radioterapia associada , foi decidido que somente seria proposta se mantivesse a baixa de acuidade visual após novo ciclo de Quimioterapia e que seria localizada em nervos ópticos .

A proposta das duas equipes foi não irradiar crânio e neuro-eixo. Paciente segue em quimioterapia.

Foi solicitada nova avaliação pela oftalmologia no dia 26 de setembro de 2019, pois o paciente se encontrava em vigência de plaquetopenia importante (20.000 plaquetas), acompanhado de queda importante de hemoglobina e hematócrito e evoluía nas últimas 8 horas com desorientação importante e alteração de nível de consciência. Paciente em CTI pediátrico no aguardo de TC de crânio, ainda não realizada pois Tomógrafo do Hospital não estava funcionante. Paciente estava em aguardo de TC que seria realizada em outra unidade de Saúde.

Ao exame, paciente com Escala de Coma Glasgow 12, sendo inviável realizar acuidade visual nessa avaliação.

Biomicroscopia indireta: Olho calmo AO, Hemorragia subconjuntival OE, Córnea transparente AO, Pupilas isofotorreagentes AO, Fácico AO.

Mapeamento de Retina: Disco pálido em olho direito (3+/4) com bordas com padrão sequelar, sem edema de papila OD. D.O. hipocorado (2+/4+) em olho esquerdo, sem edema papilar OE. Atrofia generalizada de EPR AO. Drusas perimaculares AO. Retina aplicada 360 AO. Não observo padrão de infiltração leucêmica evidenciado em avaliação anterior. Foi realizada nova Tomografia de crânio em outra unidade de saúde, que não evidenciou sinais de hemorragias ou sangramentos agudos. Foi realizada TC de crânio que não evidenciou sangramento ativo. Paciente evoluiu para ventilação mecânica e se manteve em estado gravíssimo por 3 semanas. Paciente evolui para óbito no dia 19 de outubro de 2019.

DISCUSSÃO

As leucemias são neoplasias originadas de células hematopoiéticas, que proliferam a princípio na medula óssea, antes de irem para o sangue periférico, baço, linfonodos e outros tecidos. A classificação das leucemias varia de acordo com sua célula de origem (linfoide ou mieloide), assim como varia de acordo com a velocidade de seu curso clínico (aguda ou crônica). A Leucemia aguda consiste na proliferação clonal de células hematopoiéticas imaturas. De acordo com a linhagem divide-se em: leucemia mieloide aguda (mieloblastos ou promielócitos) ou leucemia linfocítica aguda (linfoblastos).(22 Bitirgen G, Belviranli S, Caliskan U, Tokgoz H, Ozkagnici A, Zengin N. Ophthalmic manifestations in recently diagnosed childhood leukemia. Eur J Ophthalmol. 2016;26(1):88-91.)

A Leucemia infantil é caracterizada por se apresentar em 95 % dos casos na forma de Leucemia Linfoblástica Aguda e é responsável por aproximadamente 70% dos casos de Leucemia em crianças.(22 Bitirgen G, Belviranli S, Caliskan U, Tokgoz H, Ozkagnici A, Zengin N. Ophthalmic manifestations in recently diagnosed childhood leukemia. Eur J Ophthalmol. 2016;26(1):88-91.)

O envolvimento ocular aparece mais frequentemente na leucemia mieloide do que na leucemia linfoide e é mais frequente em adultos do que em crianças.(22 Bitirgen G, Belviranli S, Caliskan U, Tokgoz H, Ozkagnici A, Zengin N. Ophthalmic manifestations in recently diagnosed childhood leukemia. Eur J Ophthalmol. 2016;26(1):88-91.)

O diagnóstico das leucemias agudas é determinado com bases em achados laboratoriais e através de biópsia de medula óssea. No hemograma é encontrado anemia, trombocitopenia e o número total de leucócitos pode estar aumentado, reduzido e até mesmo dentro da normalidade. É importante para o diagnóstico o achado laboratorial de blastos no sangue e um exame citológico de medula óssea, que demonstre infiltração de células leucêmicas.(33 Nemcanská S, Stepanov A, Nemcanský J. Ophthalmic manifestations of acute leukaemias. Cesk Slov Oftalmol. 2018;74(3):98-101.)

Percebe-se a existência de massas de células leucêmicas em tecidos moles, contudo, a leucemia extra medular com acometimento ocular pode ser anterior ao comprometimento visto na medula óssea.(44 Kincaid MC, Green WR. Ocular and orbital involvement in leukemia. Surv Ophthalmol. 1983;27(4):211-32.)

O tratamento da Leucemia é baseado na aplicação de quimioterapia combinada e varia de acordo com protocolos e tem como objetivo erradicar a maior quantidade de medula óssea patologicamente alterada. Outra abordagem do tratamento é o transplante de medula óssea e terapia adjuvante. A imunossupressão e supressão da medula óssea são induzidas na primeira fase do tratamento representando um sinal prognóstico favorável de reposta ao tratamento. A supressão da hematopoese normalmente leva a anemia, fadiga, palidez da pele e mucosas, dispneia, cefaleia, tonteiras, palpitações cardíacas e trombocitopenia com manifestações hemorrágicas nas membranas, mucosas e pele sob a forma de petéquias ou hematomas.(55 Hejcmanová D, Jebavá R, Hak J, Slavík Z, Vanásek J, Simáková E. [Isolated leukemic infiltration of the iris]. Cesk Oftalmol. 1993;49(6):374-9. Czech.

6 Hejcmanová D, Langrová H, Jebavá R, Hak J. Unusual ocular findings in children's acute leukemia cases. Acta Medica (Hradec Kralove). 1997;40(2):51-6.
-77 Rozsíval P. Ocní lékarství. Praha: Karolinum; 2006. p. 323-4.)

Manifestações oftalmológicas da leucemia

O olho é o único local onde se pode observar diretamente o envolvimento leucêmico de nervos e vasos sanguíneos. Os sintomas oculares podem ser a primeira manifestação observada na doença sistêmica ou a primeira manifestação de recaída após quimioterapia indutora de remissão.(44 Kincaid MC, Green WR. Ocular and orbital involvement in leukemia. Surv Ophthalmol. 1983;27(4):211-32.)

As manifestações oculares da Leucemia podem ser classificas em primárias ou caracterizadas por infiltração leucêmica direta ou secundária caracterizada por envolvimento ocular indireto.(88 Sharma T, Grewal J, Gupta S, Murray PI. Ophthalmic manifestations of acute leukaemias: the ophthalmologist's role. Eye (Lond). 2004;18(7):663-72.)

A infiltração leucêmica direta pode ser observada em diferentes padrões como: infiltração uveal, infiltração orbital, hifema espontâneo e sinais neuro-oftalmológicos de acometimento do Sistema Nervoso Central, que incluem infiltração do nervo óptico, paralisia do nervo craniano e papiledema.(88 Sharma T, Grewal J, Gupta S, Murray PI. Ophthalmic manifestations of acute leukaemias: the ophthalmologist's role. Eye (Lond). 2004;18(7):663-72.)

As alterações secundárias são o resultado de anormalidades hematológicas da leucemia, como anemia, trombocitopenia e hiperviscosidade. Podem se manifestar como hemorragia retiniana ou vítrea, infecções e oclusões vasculares.(88 Sharma T, Grewal J, Gupta S, Murray PI. Ophthalmic manifestations of acute leukaemias: the ophthalmologist's role. Eye (Lond). 2004;18(7):663-72.). Há também as manifestações oculares secundárias ao tratamento antileucêmico.

Estudos recentes demostraram que o envolvimento ocular está relacionado a pior prognóstico da leucemia na infância. Russo et al.(99 Russo V, Scott IU, Querques G, Stella A, Barone A, Delle Noci N. Orbital and ocular manifestations of acute childhood leukemia: clinical and statistical analysis of 180 patients. Eur J Ophthalmol. 2008;18(4):619-23.) mostraram que, tanto na leucemia mieloide aguda (LMA) quanto na leucemia linfocítica aguda (LLA), a presença de lesões orbitais e oculares específicas foi associada a uma maior frequência de recidivas da medula óssea e envolvimento do SNC, levando a uma menor taxa de sobrevida.

A prevalência de envolvimento ocular em pacientes leucêmicos tem sido relatada entre 9% e 90% em vários estudos.(44 Kincaid MC, Green WR. Ocular and orbital involvement in leukemia. Surv Ophthalmol. 1983;27(4):211-32.,1010 Alemayehu W, Shamebo M, Bedri A, Mengistu Z. Ocular manifestations of leukaemia in Ethiopians. Ethiop Med J. 1996;34(4):217-24.

11 Reddy SC, Jackson N, Menon BS. Ocular involvement in leukemia-a study of 288 cases. Ophthalmologica. 2003;217(6):441-5.

12 Buchan J, McKibbin M, Burton T. The prevalence of ocular disease in chronic lymphocytic leukaemia. Eye (Lond). 2003;17(1):27-30.

13 Charif Chefchaouni M, Belmekki M, Hajji Z, Tahiri H, Amrani R, El Bakkali M, et al. [Ophthalmic manifestations of acute leukemia]. J Fr Ophtalmol. 2002;25(1):62-6. French.
-1414 Lang GE, Spraul CW, Lang GK. [Ocular changes in primary hematologic diseases]. Klin Monatsbl Augenheilkd. 1998 ;212(6):419-27. Germany.)

Acredita-se que esta grande variação se deva a natureza com caráter transitório dos achados oculares leucêmicos, que aumentam e diminuem com o curso e tratamento da doença. Também pode ser devido a não uniformidade dos desenhos de estudos utilizados.

É estimado que até 69% dos pacientes com leucemia venham a apresentar alterações no fundo de olho em algum momento da doença.(1010 Alemayehu W, Shamebo M, Bedri A, Mengistu Z. Ocular manifestations of leukaemia in Ethiopians. Ethiop Med J. 1996;34(4):217-24.) Reddy et al. relataram que alterações oculares estavam presentes em 49,1% dos adultos e 16,5% das crianças com leucemia.(1111 Reddy SC, Jackson N, Menon BS. Ocular involvement in leukemia-a study of 288 cases. Ophthalmologica. 2003;217(6):441-5.)

Alterações leucêmicas primárias ou causadas por infiltração de células blásticas:

A infiltração leucêmica é relativamente rara. A invasão direta pelas células neoplásicas acomete principalmente áreas com bom suprimento sanguíneo como coroide, retina e nervo óptico. Os tecidos avasculares como cristalino e vítreo são preservados. Infiltrações orbitárias em pacientes com câncer hematopoiético são raras, com cerca de 44 casos relatados na literatura.(1515 Yellu MR, Engel JM, Ghose A, Onitilo AA. Overview of recent trends in diagnosis and management of leptomeningeal multiple myeloma. Hematol Oncol. 2016;34(1):2-8. Retractation in Hematol Oncol. 2017;35(1):142.)

A infiltração primária de órbita está associada a protrusão dolorosa de rápido desenvolvimento do globo ocular, edema das pálpebras e quemose conjuntival (Figura 37).(1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.) O envolvimento orbitário ocorre particularmente em crianças.(1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.) Em relação a infiltração direta de estruturas do segmento anterior do olho pode ocorrer infiltração do tecido da íris causando espessamento difuso em conexão com o fechamento das criptas, ou espessamento nodular da íris com formação de nódulos na borda da pupila.(55 Hejcmanová D, Jebavá R, Hak J, Slavík Z, Vanásek J, Simáková E. [Isolated leukemic infiltration of the iris]. Cesk Oftalmol. 1993;49(6):374-9. Czech.,66 Hejcmanová D, Langrová H, Jebavá R, Hak J. Unusual ocular findings in children's acute leukemia cases. Acta Medica (Hradec Kralove). 1997;40(2):51-6.,1717 Kuchynka P. Ocní lékarství. Praha: Grada; 2007. p. 733-4.) No caso de infiltração mais extensa do tecido da íris as células leucêmicas penetram na câmara anterior formando pseudo-hipópio composto de células blásticas.(1515 Yellu MR, Engel JM, Ghose A, Onitilo AA. Overview of recent trends in diagnosis and management of leptomeningeal multiple myeloma. Hematol Oncol. 2016;34(1):2-8. Retractation in Hematol Oncol. 2017;35(1):142.,1717 Kuchynka P. Ocní lékarství. Praha: Grada; 2007. p. 733-4.) Pode ocorrer também alterações na coloração setorial ou total da íris, pseudouveite e aumento da pressão intraocular devido acometimento direto de células neoplásicas que se depositam na malha trabecular. Em relação a córnea pode ocorrer ulcerações perilímbicas.(1818 Talcott KE, Garg RJ, Garg SJ. Ophthalmic manifestations of leukemia. Curr Opin Ophthalmol. 2016;27(6):545-51.)

Figura 37
Envolvimento orbitário da leucemia aguda. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.)

Na coroide, que constitui a camada mais vascularizada do globo ocular, é usualmente encontrado infiltrados coroides amarelos, isolados ou agrupados(11 Smith OP, Ham IM. Clinical features and treatment of lymphoblastic leukemia. In: Arceci RJ, Hann IM, Smith OP, Hoffbrand A, editors. Pediatric hematology. Massachusetts: Blackwell Publishing; 2006. p. 450-81.); Manifestações de infiltração da coroide, são melhor identificadas pela ultrassonografia representadas pelo seu espessamento difuso.

Os infiltrados leucêmicos da retina são vistos como nódulos branco-acinzentados com variabilidade de tamanho, no decorrer das leucemias crônicas apresentando um número grande de células blásticas circulantes (Figura 38).(1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.) Quanto ao vítreo, pode acontecer, porém, em menor escala, já que, a membrana limitante interna faz uma barreira.(11 Smith OP, Ham IM. Clinical features and treatment of lymphoblastic leukemia. In: Arceci RJ, Hann IM, Smith OP, Hoffbrand A, editors. Pediatric hematology. Massachusetts: Blackwell Publishing; 2006. p. 450-81.)

Figura 38
Infiltrados esbranquiçados na retina. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Está se tornando cada vez mais frequente pacientes com envolvimento leucêmico do SNC devido ao aumento da taxa de sobrevida associada a melhoria na eficácia dos tratamentos. Os sinais e sintomas de acometimento do SNC incluem queixas de perda de foco da visão, diplopia, paralisia muscular extraocular devido ao envolvimento de pares cranianos e edema do disco óptico, que pode aparecer principalmente como resultado da infiltração direta da cabeça do nervo óptico pelas células leucêmicas ou secundariamente devido ao aumento da pressão intracraniana.(11 Smith OP, Ham IM. Clinical features and treatment of lymphoblastic leukemia. In: Arceci RJ, Hann IM, Smith OP, Hoffbrand A, editors. Pediatric hematology. Massachusetts: Blackwell Publishing; 2006. p. 450-81.)

No paciente que relatado foi evidenciado Edema de Disco Óptico ao longo do acompanhamento, o que implicou em evidenciar o acometimento neurológico pela Leucemia. Em um estudo prospectivo de Karesh et al.,(2020 Karesh JW, Goldman EJ, Reck K, Kelman SE, Lee EJ, Schiffer CA. A prospective ophthalmic evaluation of patients with acute myeloid leukemia: correlation of ocular and hematologic findings. J Clin Oncol. 1989;7(10):1528-32.) nenhum dos pacientes com edema do disco óptico apresentou evidência clínica de leucemia do SNC. Eles sugeriram que relacionar o achado de edema do disco diretamente à infiltração leucêmica não é razoável na ausência de confirmação histopatológica.

A alteração do nervo óptico em todas as variantes da leu19cemia, embora seja mais comum na LLA, na infância, é constituída por uma urgência oftalmológica, já que o seu comprometimento tem impacto na visão do paciente.(2121 Hong SS, Park HR, Kim KS, Choi SH. [Late effects, social adjustment, and quality of life in adolescent survivors of childhood leukemia]. J Korean Acad Nurs. 2014;44(1):55-63. Korean.)

A infiltração do nervo óptico foi relatada em 5% a 13% dos pacientes com leucemia.(2222 Nagpal MP, Mehrotra NS, Mehta RC, Shukla CK. Leukemic optic nerve infiltration in a patient with acute lymphoblastic leukemia. Retin Cases Brief Rep. 2016;10(2):127-30) Camera et al.(2323 Camera A, Piccirillo G, Cennamo G, Tranfa F, Rosa N, Frigeri F, et al. Optic nerve involvement in acute lymphoblastic leukemia. Leuk Lymphoma. 1993;11(1-2):153-5.) observaram que a infiltração do nervo óptico leucêmico ocorre em 1,4% dos casos pediátricos com LLA. A infiltração do nervo óptico pelas células leucêmicas raramente foi relatada em pacientes adultos com LLA, e eles podem apresentar início abrupto com deterioração progressiva da acuidade visual.

A clínica pode distinguir 2 tipos de infiltração, já que, a porção pré ou retro-laminar do nervo é acometida primeiro. Assim, de início, o tumor pode ser visto surgindo diretamente da papila, associado a uma lenta e progressiva piora da acuidade visual, ou ser evidenciado mais tardiamente um edema de papila (Figuras 39, 40)(1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.) associado a uma rápida piora da acuidade visual.(2121 Hong SS, Park HR, Kim KS, Choi SH. [Late effects, social adjustment, and quality of life in adolescent survivors of childhood leukemia]. J Korean Acad Nurs. 2014;44(1):55-63. Korean.)

Figura 39
Edema de disco com depósito leucêmico e hemorragias retinianas associadas. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Figura 40
Disco óptico pálido com bordos não nítidos associado a múltiplas hemorragias peripapilares e retinianas em quatro quadrantes. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Quando ocorre dano ao nervo óptico, diz-se que aconteceu infiltração no sistema nervoso central; tendo o paciente uma sobrevida de 50% aos 6 meses, enquanto que em um ano, o óbito é de até 90%.(2323 Camera A, Piccirillo G, Cennamo G, Tranfa F, Rosa N, Frigeri F, et al. Optic nerve involvement in acute lymphoblastic leukemia. Leuk Lymphoma. 1993;11(1-2):153-5.)

Outra consideração relevante é a conduta a ser utilizada, já que, a porção intra-orbitária do nervo óptico está fora do escopo da quimioterapia devido à barreira hemato-ocular, assim, a radioterapia externa, tem que ser avaliada (2525 Fraunfelder FT, Meyer SM. Ocular toxicity of antineoplastic agents. Ophthalmology. 1983;90(1):1-3.).

A perda súbita de visão devido acometimento unilateral do nervo óptico é extremamente rara e a redução da acuidade visual pode ser o único sintoma da invasão leucêmica do nervo. O oncologista deve estar ciente dessas manifestações e causas em pacientes com LLA, mesmo em pacientes que estão em processo de remissão da doença. Sempre deve se pensar em outras causas de perda de visão no paciente em vigência de LLA durante o período de remissão da doença como causas infecciosas, vasculites, efeitos colaterais induzidos por radioterapia, efeitos adversos dos quimioterápicos.

Para um paciente previamente livre de recidivas, a recidiva em um local isolado sugere que a área deve ter sido um santuário para células leucêmicas durante o tratamento (Figuras 41-44).(2222 Nagpal MP, Mehrotra NS, Mehta RC, Shukla CK. Leukemic optic nerve infiltration in a patient with acute lymphoblastic leukemia. Retin Cases Brief Rep. 2016;10(2):127-30) O nervo óptico geralmente é blindado durante a irradiação cerebral, quando usado como estratégia padrão.(2222 Nagpal MP, Mehrotra NS, Mehta RC, Shukla CK. Leukemic optic nerve infiltration in a patient with acute lymphoblastic leukemia. Retin Cases Brief Rep. 2016;10(2):127-30)

Figura 41
A: Fotografia do fundo após 1 mês de radioterapia curativa em paciente mostrando disco óptico pálido com margens claras e resolução de hemorragias retinianas. B: Tomografia de coerência óptica evidenciando infiltrados nasais da fóvea. Nagpal et al. (2222 Nagpal MP, Mehrotra NS, Mehta RC, Shukla CK. Leukemic optic nerve infiltration in a patient with acute lymphoblastic leukemia. Retin Cases Brief Rep. 2016;10(2):127-30).

Figura 42
A: Fotografia do fundo do LE após 1 mês de radioterapia curativa mostrando disco óptico normal com hemorragia retiniana quase resolvida. B: Tomografia de coerência óptica do LE mostrando um estudo normal. Nagpal et al. (2222 Nagpal MP, Mehrotra NS, Mehta RC, Shukla CK. Leukemic optic nerve infiltration in a patient with acute lymphoblastic leukemia. Retin Cases Brief Rep. 2016;10(2):127-30).

Figura 43
A: Fotografia do fundo mostrando recidiva de LLA evidenciada por edema grave do disco com infiltrados brancos. B: Tomografia de coerência óptica demostrando espessamento peripapilar. Nagpal et al. (2222 Nagpal MP, Mehrotra NS, Mehta RC, Shukla CK. Leukemic optic nerve infiltration in a patient with acute lymphoblastic leukemia. Retin Cases Brief Rep. 2016;10(2):127-30).

Figura 44
Fotografia evidenciando disco óptico pálido com margens claras. Nagpal et al. (2222 Nagpal MP, Mehrotra NS, Mehta RC, Shukla CK. Leukemic optic nerve infiltration in a patient with acute lymphoblastic leukemia. Retin Cases Brief Rep. 2016;10(2):127-30).

A radiação orbital é uma modalidade de tratamento aceita para a infiltração do nervo óptico na leucemia. Para o envolvimento do nervo óptico pré e retro-laminar, um curso típico de 2000 cGy para a órbita por um período de 1 a 2 semanas pode resultar em retorno significativo da visão e resolução de anormalidades clínicas.(2222 Nagpal MP, Mehrotra NS, Mehta RC, Shukla CK. Leukemic optic nerve infiltration in a patient with acute lymphoblastic leukemia. Retin Cases Brief Rep. 2016;10(2):127-30)

A instituição precoce de quimiorradioterapia mais agressiva ou transplante de células-tronco hematopoiéticas deve ser considerada quando a neuropatia craniana anuncia uma recaída sistêmica. Apesar da profilaxia ideal e do tratamento de resgate, o resultado para adultos com LLA com recorrência do sistema nervoso central é bem desfavorável.

Alterações leucêmicas secundárias ou causadas por envolvimento ocular indireto:

Essas alterações oculares são observadas com mais frequência e neste perfil estão: a retinopatia leucêmica, retinopatia aguda por hiperleucocitose, retinopatia isquêmica-proliferativa periférica da leucemia crônica e anormalidades vasculares conjuntivais.

O achado mais comum é a retinopatia leucêmica também chamada de fundo leucêmico. A retinopatia leucêmica consiste no conjunto de alterações retinianas definidas pela presença de vasos tortuosos e dilatados, revestimento esbranquiçado perivascular, hemorragias intrarretinianas; agregados de plaquetas e fibrina ou acúmulo de células leucêmicas e exsudatos algodonosos no quadro de um paciente acometido pela doença (2616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

As hemorragias são tipicamente retinianas e sub-hialoides com palidez central, sendo denominadas manchas de Roth (Figuras 45-52).(1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.) As manchas de Roth são caracterizadas por serem hemorragias intrarretinianas com centros esbranquiçados e acredita-se que esse elemento branco seja composto de fibrina coagulada, na maioria dos casos. Elas são encontradas nas leucemias agudas e em outras doenças como bacteremia, principalmente na endocardite bacteriana subaguda, e em outras doenças como Hipertensão Arterial Sistêmica, Diabetes e Anemia.(1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.)

Figura 45
Fundo leucêmico: hemorragias intarretinianas, exsudatos moles e manchas de Roth. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Figura 46
Numerosas hemorragias em chama com manchas algodonosas e pontos de Roth. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Figura 47
Hemorragia pré-macular. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Figura 48
Hemorragia retro-hialoide – uma camada de células brancas separadas é evidente. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Figura 49
Pontos de Roth com aparência típica. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Figura 50
Pontos de Roth com lesão grande. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Figura 51
Lesão Macular na leucemia mieloide aguda. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Figura 52
OCT da lesão macular na LMA observada na figura 14. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

A doença costuma ser assintomática com exceção aos casos em que as hemorragias retinianas se encontrem em área macular. Também podem ser encontrados microaneurismas, neovascularização retiniana periférica e hemorragias pré-retinianas, sub-retinianas e vítreas. A neovascularização retiniana periférica é uma característica ocasional da Leucemia Mieloide Crônica (Figura 53).(1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.) Podem ocorrer a formação de infiltrados retinianos e coroidais, que são mais comuns em região posterior ao equador e que podem ser "mascarados" como "uveites posteriores". Na leucemia crônica podem apresentar uma aparência de "pele de leopardo" (Figura 54 e 55).(1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.)

Figura 53
Neovascularização retiniana periférica na leucemia mieloide crônica. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Figura 54
Depósito coriorretiniano leucêmico. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Figura 55
Aparência de “pele de leopardo” devido infiltração coroidal na leucemia crônica. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

A Retinopatia por hiperleucocitose consiste no quadro oftalmológico por aumento da viscosidade sanguínea a partir da hiperleucocitose extrema, superior a 200 x 109 / L.(2424 Lyu S, Zhang M, Gao Y. Acute bilateral retina hemorrhages beneath internal limiting membrane: an unusual ophthalmological case report of acute leukemia during complete clinical remission. Medicine (Baltimore). 2018;97(7):e0000.) O aumento dos leucócitos circulantes leva ao surgimento de um estado de hiperviscosidade, o que leva ao surgimento de várias patologias raras. Esse processo é mais comum nas leucemias crônicas. As características oculares dos estados de hiperviscosidade incluem hemorragias retinianas, alterações venosas e ocasionalmente oclusão de veia retiniana e telangiectasia conjuntival.

Manifestações oculares secundárias ao tratamento antileucêmico

Essas manifestações acontecem a partir de infecções oportunistas em pacientes neutropênicos, toxicidade vinda da quimioterapia e radioterapia e, complicações após transplantes de medula óssea e recorrência de malignidade. São mais evidentes no segmento anterior do olho, onde são evidenciadas alterações como ceratoconjuntivite secca, conjuntivites (pseudomembranosa, bacteriana e viral), úlceras de córnea e o desenvolvimento de catarata e glaucoma. No segmento posterior do olho as manifestações de imunodepressão e alterações hematológicas são menos comuns, mas apresentam maior gravidade e maior risco de perda visual.

A imunossupressão aliada à insuficiência medular própria da doença faz com que os pacientes se tornem muito suscetíveis a infecções oportunistas e microrganismos como o Citomegalovírus, vírus do Herpes Simples, Vírus Varicela Zoster e Sarampo, destas sendo a mais comum a Coriorretinite por Citomegalovírus.

A Retinite por Citomegalovírus é observada comumente em paciente imunocomprometidos, sendo uma patologia muito comum em pacientes com SIDA, nos quais podem evidenciar uma infecção latente. Se não ocorrer rápida identificação a perda visual se torna grave e inevitável. A doença costuma se manifestar com redução da visão devido acometimento macular ou moscas volantes devido a vitreíte. Em geral, inicialmente apenas um olho é afetado, mas pode ocorrer evolução para acometimento bilateral em até 50% dos casos, se não tratada. Pode ocorrer uveíte anterior com padrão leve e presença de pouca ou nenhuma injeção. A vitreíte também costuma ser leve. A catarata pode ocorrer, sendo um achado comum da fase mais tardia da doença.(1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.)

A retinite por CMV tem aparência característica de uma ou duas áreas de densa infiltração da retina branca associada a hemorragias vindas da retina em forma de chama ("pizza" ou "pizza marguerita"), com início de forma periférica e que se estende ao longo das arcadas vasculares. Apenas 10% tem início central. As áreas periféricas possuem aspecto granular com pouca vasculite e poucas hemorragias circulares. São descritos 2 padrões clínicos: indolentes (mais periférico e menos agressivo) e fulminante (Figuras 56-60).(1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.)

Figura 56
Hemorragias retinianas e dilatação venosa grosseira e segmentação na hiperviscosidade. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Figura 57
Retinite por CMV indolente com aparência granular típica. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Figura 58
Retinite por CMV – Doença fulminante. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Figura 59
Retinite por CM – Doença avançada envolvendo cabeça de nervo óptico. Kanski (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Figura 60
Retinite por CMV – Grande ruptura posterior da Retina com descolamento raso e localizado – existe um embainhamento vascular reminescente de angiíte de ramo congelado. Bowling B. (1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Pode também ocorrer Neurite Óptica por propagação direta ou envolvimento primário. Necrose retiniana é evidente em áreas que tem inflamação ativa estabelecida, sendo caracterizada por pigmentação irregular, buracos e atrofias muitas vezes evoluindo com descolamento de retina. Laser pode ser feito nas áreas predispostas a descolamento de retina. Em cerca de 6% dos casos podem ocorrer um embainhamento vascular acentuado caracterizando uma Angiíte de ramos congelados. O tratamento envolve o uso de Valganciclovir, um pró-fármaco do ganciclovir, porém o mesmo é associado a neutropenia. Nesses casos é associado o filgrastim (fator de estimulação de colônias de granulócitos). Vitrectomia com demarcação endolaser e óleo de silicone é avaliada individualmente. Pode também ocorrer a Síndrome de Recuperação Autoimune, que se caracteriza por ser um distúrbio inflamatório crônico que ocorre com a melhora da imunidade do paciente e que é caracterizado por apresentar intensa uveíte anterior e vitreíte que podem estar associadas a papilite e edema macular cistoide. O tratamento dessa síndrome é realizado com corticoides.(1616 Bowling B. Kanski oftalmologia clínica: uma abordagem sistêmica. 8a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.)

A exposição prolongada a drogas antineoplásicas aumenta o risco de efeitos colaterais em diferentes órgãos e tecidos. As medicações quimioterápicas atuam em células hígidas e neoplásicas com proporções diferentes. As células tumorais possuem alta taxa de divisão celular, porém outros tecidos possuem também essa característica como os folículos pilosos e revestimento de mucosas, o que faz com que os quimioterápicos possam produzir também efeitos tóxicos.

De acordo com o National Registry of Drug-Induced Ocular Side Effects, a toxicidade ocular das drogas antineoplásicas pode se manifestar por alterações da superfície ocular e do filme lacrimal, tais como ceratoconjuntivite sicca, conjuntivite, blefarite, ceratite, opacidade da córnea, além de ectrópio cicatricial, edema periorbitário, estenose canalicular, ptose, paralisia dos músculos extraoculares, diplopia, distúrbios visuais, catarata, retinopatia e atrofia óptica.(11 Smith OP, Ham IM. Clinical features and treatment of lymphoblastic leukemia. In: Arceci RJ, Hann IM, Smith OP, Hoffbrand A, editors. Pediatric hematology. Massachusetts: Blackwell Publishing; 2006. p. 450-81.,1515 Yellu MR, Engel JM, Ghose A, Onitilo AA. Overview of recent trends in diagnosis and management of leptomeningeal multiple myeloma. Hematol Oncol. 2016;34(1):2-8. Retractation in Hematol Oncol. 2017;35(1):142.,2525 Fraunfelder FT, Meyer SM. Ocular toxicity of antineoplastic agents. Ophthalmology. 1983;90(1):1-3.)

Dentre as drogas utilizadas no tratamento do LLA a Vincristina é associada a neuropatia óptica. A Citarabina pode causar toxicidade corneana reversível e o uso de esteroides está vinculado ao surgimento e ao desenvolvimento de catarata e glaucoma.

É importante uma avaliação oftalmológica inicialmente após o diagnóstico da LLA. Essa avaliação oftalmológica deve incluir um exame oftalmológico geral, incluindo medida de PIO, e mapeamento de retina e esse paciente deve ser seguido de perto nos primeiros 6 meses de diagnóstico da doença. A necessidade do exame oftalmológico após os 6 primeiros meses de tratamento deve ser avaliada a partir da sintomatologia, nuances do tratamento e resposta do paciente ao mesmo.

CONCLUSÃO

É importante a atuação multidisciplinar em pacientes internados com quadros oncológicos, pois em alguns casos as alterações em determinados órgãos são determinantes na direção a qual as condutas médicas serão tomadas. A detecção precoce do acometimento ocular pelo oftalmologista pode ajudar a preservação da função visual do paciente e auxiliar no prognóstico do câncer desse paciente.

Cabe ao médico oftalmologista não apenas reconhecer as alterações patológicas e funcionais do olho humano, mas também atuar no conforto do paciente esclarecendo os pontos importantes das alterações oculares na doença de base do paciente, de forma clara e objetiva. Nesse caso em especial, a delicadeza com que se passa as informações é um fator bem importante, pois a criança também necessita participar do processo da doença de uma forma mais ativa.

  • Hospital Federal da Lagoa, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2021

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2020
  • Aceito
    14 Out 2020
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