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Análise da Sensibilidade de um Esquema de Microfísica Single-Moment a Variações na sua Configuração

Sensitivity Analysis of a Single-Moment Microphysics Scheme to Changes in its Configuration

Resumo

Este trabalho tem como objetivo determinar a sensibilidade da chuva gerada pelo esquema de microfísica de Ferrier a mudanças na sua configuração e selecionar as modificações com maior potencial na redução da precipitação. Foi utilizado o modelo Kinematic Driver, uma plataforma para isolar o esquema de microfísica das complexas interações que têm lugar nos modelos de previsão do tempo e o clima, que permite simular situações hipotéticas na atmosfera de forma espacialmente unidimensional. Foi analisada a influência das taxas dos processos de microfísica representados, assim como o efeito produzido por diferentes métodos de cálculo da autoconversão e do intercepto da distribuição de tamanhos da chuva. Também foram testados diferentes valores da concentração de gotas de nuvem e da fração entre o conteúdo de gelo de nuvem e o conteúdo de neve. A coleta de água de nuvem por gotas de chuva foi o processo dominante na geração de precipitação, permitindo controlar a produção de chuva quente e de origem mista. Além disso, as modificações nos métodos de cálculo da autoconversão e do intercepto da distribuição de tamanhos das gotas de chuva, assim como na concentração de gotículas de nuvem, mostraram potencialidade na redução da chuva.

Palavras-chave:
testes de sensibilidade; parametrização de microfísica de nuvens; modelo KiD

Abstract

In order to determine the sensitivity of the rain generated by the microphysics scheme to changes in its configuration and select the changes with the greatest potential in reducing precipitation, this research was conducted. The Kinematic Driver model, a platform to isolate the microphysics of the complex interactions that take place in weather and climate models, was used to simulate hypothetical situations in the atmosphere. The influence of varying the rates of microphysics processes, as well as the effect produced by different methods to estimate the autoconversion and the intercept of rain size distribution, was analyzed. Variations in the cloud droplet concentration and in the cloud ice-snow ratio were also tested. The cloud water collection by raindrops was the most influential process in the generation of precipitation, it allowed to remarkably decrease the rain generated by both warm and mixed-phase clouds. In addition, some changes in methods to estimate the autoconversion rate and the intercept of the rain size distribution, as well as in the concentration of cloud droplets have shown potential in reducing the rain.

Keywords:
sensibility tests; cloud microphysics parameterization; Kinematic Driver

1. Introdução

A parametrização dos processos de microfísica de nuvens é particularmente importante na representação dos campos meteorológicos por modelos numéricos. Estes processos influenciam diretamente a precipitação e a umidade, e modificam a temperatura do ar a partir das interações das nuvens com a radiação e da absorção e liberação de calor latente resultante das mudanças de fase da água.

As parametrizações de microfísica se agrupam tipicamente em enfoques bulk e bin. Os enfoques bin resolvem a equação da tendência da função de distribuição de tamanhos dos hidrometeoros, dividindo o espectro de massa das gotas em determinada quantidade de categorias chamadas “bins”, o que permite que a distribuição de tamanhos evolua livremente, de acordo com a situação simulada (Tzivion et al., 1987TZIVION, S.; FEINGOLD, G.; LEVIN, Z. An efficient numerical solution to the stochastic collection equation. Journal of the Atmospheric Sciences, v. 44, n. 21, p. 3139-3149, 1987.). Por sua vez, os enfoques bulk utilizam as equações das tendências dos momentos das funções de distribuição de tamanhos dos hidrometeoros, considerando que a quantidade de bins é 1. Para isso, deve-se supor uma distribuição de tamanhos específica para os hidrometeoros de uma mesma espécie, o que limita a versatilidade destes esquemas. Comumente, são utilizadas funções exponenciais inversas ao estilo de Marshall e Palmer (1948)MARSHALL, J.S.; PALMER, W.M.K. The distribution of raindrops with size. Journal of Meteorology, v. 5, n. 4, p. 165-166, 1948., ou distribuições gamma, como nos trabalhos de Ziegler (1985)ZIEGLER, C.L. Retrieval of thermal and microphysical variables in observed convective storms. Part 1: Model development and preliminary testing. Journal of the Atmospheric Sciences, v. 42, n. 14, p. 1487-1509, 1985. e Ferrier (1994)FERRIER, B.S. A double-moment multiple-phase four-class bulk ice scheme. Part I: Description. Journal of the Atmospheric Sciences, v. 51, n. 2, p. 249-280, 1994.. Devido ao seu baixo custo computacional, com relação aos bin, os enfoques bulk são amplamente aplicados, e numerosas técnicas têm sido desenvolvidas para melhorar seu funcionamento.

Os esquemas do tipo bulk que preveem somente a razão de mistura (massa), são chamados “esquemas single-moment” (Lin et al., 1983LIN, Y.L.; FARLEY, R.D.; ORVILLE, H.D. Bulk parameterization of the snow field in a cloud model. Journal of Climate and Applied Meteorology, v. 22, n. 6, p. 1065-1092, 1983.), enquanto os “double-moment” permitem prever também a concentração (Ziegler, 1985ZIEGLER, C.L. Retrieval of thermal and microphysical variables in observed convective storms. Part 1: Model development and preliminary testing. Journal of the Atmospheric Sciences, v. 42, n. 14, p. 1487-1509, 1985.; Ferrier, 1994FERRIER, B.S. A double-moment multiple-phase four-class bulk ice scheme. Part I: Description. Journal of the Atmospheric Sciences, v. 51, n. 2, p. 249-280, 1994.; Thompson et al., 2004THOMPSON, G.; RASMUSSEN, R.M.; MANNING, K. Explicit forecasts of winter precipitation using an improved bulk microphysics scheme. Part I: Description and sensitivity analysis. Monthly Weather Review, v. 132, n. 2, p. 519-542, 2004.; Lim; Hong, 2010). Os esquemas “triple-moment” prevêem, além das propriedades anteriores, a reflectividade de cada espécie de hidrometeoro (Loftus, 2012LOFTUS, A.M. A triple-moment bulk hail microphysics scheme to investigate the sensitivities of hail to aerosols. Tese (Doutorado) - Colorado State University, Fort Collins, Colorado, 2012.). Quanto maior a quantidade de variáveis previstas, maior a aplicabilidade do esquema de microfísica, mas a demanda por poder computacional também aumenta. Diante isso, numerosas pesquisas sugerem adaptações nos processos de microfísica dominantes, tentando aprimorar o funcionamento dos esquemas mais simples, enquanto se mantem a vantagem que proporciona a sua pouca demanda computacional (e.g.Wilkinson et al. (2013)WILKINSON, J.M.; PORSON, A.N.; BORNEMANN, F.J.; WEEKS, M.; FIELD, P.R.; LOCK, A.P. Improved microphysical parametrization of drizzle and fog for operational forecasting using the Met Office Unified Model. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, v. 139, n. 671, p. 488-500, 2013., Dudhia et al. (2008)DUDHIA, J.; HONG, S.Y.; LIM, K.S. A new method for representing mixed-phase particle fall speeds in bulk microphysics parameterizations. Journal of the Meteorological Society of Japan, v. 86A, p. 33-44, 2008.).

Como mostrado por Hernández et al. (2015)HERNÁNDEZ, L.; ROQUE, A.; CHOU, S.C.; SIERRA, M.; SUEIRO, G. Avaliação orientada a objetos da previsão de precipitação acumulada em 24 horas do modelo Eta. In: WORKSHOP BRASILEIRO DE MICROMETEOROLOGIA, 9., 2015, Santa Maria. Anais... Santa Maria, RS: Universidade Federal de Santa Maria, 2015., as rodadas do modelo Eta com 1 km de espaçamento de grade, sem incluir parametrização de cúmulus, apresentam superestimativa de chuva. A parametrização de microfísica de nuvens é um dos esquemas da física do modelo que pode produzir esse erro, portanto, analisar a sensibilidade dos diferentes processos que ela representa pode ajudar a identificar formas de ajuste da precipitação gerada.

O esquema de microfísica de Ferrier (2002)FERRIER, B.; JIN, Y.; LIN, Y.; BLACK, T.; ROGERS, E.; DIMEGO, G. Implementation of a new grid-scale cloud and precipitation scheme in the NCEP Eta model. In: CONFERENCE ON WEATHER ANALYSIS AND FORECASTING, 22., 2002, Park City, Utah, Proceedings... Park City: AMS, 2002. é o mais usado atualmente no modelo Eta, no CPTEC/INPE. Esta parametrização permite prever as tendências da razão de mistura da água na coluna de ar (esquema single-moment), mediante a representação dos processos de troca de massa e energia entre o vapor de água, as gotículas de nuvens, as gotas de chuva, o gelo de nuvem, a neve e o granizo. A relativa simplicidade deste esquema poderia ser uma fonte importante de erros, porém, ao mesmo tempo constitui uma vantagem desde o ponto de vista prático, especialmente quando aumenta a demanda de cálculos pelo modelo, devido à alta resolução. Daí a importância de investir no aprimoramento deste esquema, tentando manter a sua relativa “leveza” computacional.

Para compreender melhor os efeitos provocados por mudanças no esquema de microfísica de nuvens sobre a geração de precipitação, o esquema deve ser isolado para atuar independentemente dos complicados mecanismos que atuam nos modelos de previsão numérica do tempo e o clima. Porém, para isso é necessário implementar um ambiente relativamente realista onde seja possível analisar as respostas da microfísica. Uma ferramenta empregada por numerosos autores para atingir esse objetivo é o modelo Kinematic Driver (KiD) (Shipway; Hill, 2012SHIPWAY, B.; HILL, A. Diagnosis of systematic differences between multiple parametrizations of warm rain microphysics using a kinematic framework. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, v. 138, n. 669, p. 2196-2211, 2012.). Este modelo foi constituído de forma a flexibilizar e facilitar a incorporação de qualquer parametrização de microfísica. O KiD permite a realização de comparações entre esquemas e de testes de sensibilidade, sem requerer uma alta capacidade computacional.

Este trabalho tem por objetivo analisar a sensibilidade do esquema de microfísica de Ferrier et al. (2002)SHIPWAY, B.; HILL, A. Diagnosis of systematic differences between multiple parametrizations of warm rain microphysics using a kinematic framework. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, v. 138, n. 669, p. 2196-2211, 2012. com ajuda do modelo KiD. Os testes foram realizados com dois ambientes, um corresponde a uma nuvem quente, enquanto o outro representa uma nuvem mais profunda, com presença de gelo. Os testes aqui mostrados não têm como objetivo representar condições reais, mas facilitar a compreensão do esquema de microfísica e orientar na escolha dos ajustes que poderiam ser implementados. Hernández (2016)HERNÁNDEZ, L. Esquema de microfísica de nuvens do modelo Eta: diagnóstico e testes de sensibilidade. Dissertação (Mestrado). Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos, São Paulo, 2016. apresenta os resultados dos testes de sensibilidade que foram realizados no modelo Eta, simulando casos reais e comprando com observações, baseado nas conclusões do presente trabalho.

A seguir, o modelo KiD e a parametrização de Ferrier et al. (2002)FERRIER, B.; JIN, Y.; LIN, Y.; BLACK, T.; ROGERS, E.; DIMEGO, G. Implementation of a new grid-scale cloud and precipitation scheme in the NCEP Eta model. In: CONFERENCE ON WEATHER ANALYSIS AND FORECASTING, 22., 2002, Park City, Utah, Proceedings... Park City: AMS, 2002., assim como as metodologias empregadas para a realização de testes de sensibilidade, são descritos na seção 2. Na seção 3 são apresentados os resultados obtidos, e as conclusões são resumidas na seção 4.

2. Materiais e Métodos

2.1. Modelo KiD

O modelo Kinematic Driver (KiDKiD, Kinematic Driver for microphysics intercomparison, http://appconv.metoffice.com/microphysics/index.shtml.
http://appconv.metoffice.com/microphysic...
) é uma ferramenta desenvolvida para a intercomparação de esquemas de microfísica usando uma componente de advecção comum, dada a necessidade de explicar as diferenças nos comportamentos desses esquemas (Shipway; Hill, 2012SHIPWAY, B.; HILL, A. Diagnosis of systematic differences between multiple parametrizations of warm rain microphysics using a kinematic framework. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, v. 138, n. 669, p. 2196-2211, 2012.). Ele não foi elaborado com o objetivo de representar acuradamente a dinâmica atmosférica, mas para constituir um entorno flexível para o forçamento das parametrizações de microfísica. O modelo pode operar com duas dimensões espaciais, mas, neste trabalho, somente foi usada a versão numa coluna (1-D).

As variáveis previstas no modelo são a temperatura potencial, a razão de mistura do vapor de água, os hidrometeoros e os aerossóis. Os dois últimos estão representados de forma adaptável à quantidade de espécies requerida pelo esquema de microfísica. Além disso, a quantidade de momentos e o número de bins também são facilmente ajustáveis.

Na versão do modelo KiD acessível online, vários esquemas de microfísica estão disponíveis, porém, o esquema de Ferrier et al. (2002)FERRIER, B.; JIN, Y.; LIN, Y.; BLACK, T.; ROGERS, E.; DIMEGO, G. Implementation of a new grid-scale cloud and precipitation scheme in the NCEP Eta model. In: CONFERENCE ON WEATHER ANALYSIS AND FORECASTING, 22., 2002, Park City, Utah, Proceedings... Park City: AMS, 2002. teve que ser incorporado para seu uso nesta pesquisa. Na implementação deste esquema, foram respeitadas a maioria das configurações padrão do modelo KiD, com exceção da componente do calor latente na tendência da temperatura, que ele está desenhado para desconsiderar.

As integrações do KiD se estenderam por 1,1 h (4000∐s), com um passo de tempo de 1 s, em cada um dos quais o esquema de microfísica foi executado. Na vertical, o domínio foi dividido em 120 níveis uniformemente distribuídos.

Várias versões das condições iniciais estão disponíveis para o uso no modelo. Elas têm sido adaptadas para reproduzir determinadas situações a partir da definição de diferentes perfis verticais de temperatura potencial e vapor de água. Os perfis empregados para esta pesquisa (Fig. 1) coincidem com os gerados pelo modelo Eta em alguns pontos do domínio durante simulações realizadas para a região do Rio de Janeiro (não mostrado).

Figura 1
Perfis da temperatura (K) e da razão de mistura do vapor de água (kg/kg) usados como condições iniciais das simulações realizladas com o modelo KiD.

Dois tipos distintos de nuvens foram simulados, com altura máxima do domínio situada em 3000 m e 11 000 m, respectivamente. O primeiro só reproduziu processos quentes, enquanto o segundo, mais profundo, incluiu a formação de gelo e sua interação com a água líquida. Estes casos serão referenciados como “caso quente” e “caso profundo”.

Nas simulações realizadas, a velocidade vertical foi descrita mediante a função:

(1) w ( t ) = { 0 se t t 1 w o π t t o se t < t 1

onde t representa o tempo, em segundos. O parâmetro wo tomou os valores de 2 m/s e 5 m/s nos casos quente e profundo, respectivamente, enquanto para to se utilizaram 1800 s e 1200 s. t1 foi igual a 3600 s no caso quente, e 2400 s no caso profundo.

Nem as condições iniciais, nem os mecanismos advectivos usados no modelo representam situações reais e, portanto, não é possível comparar os resultados com dados observados. A utilidade desta análise consiste em obter um melhor entendimento das complexas interações que ocorrem na parametrização de microfísica.

2.2. Esquema de microfísica de nuvens

O esquema de microfísica desenvolvido por Ferrier et al. (2002)FERRIER, B.; JIN, Y.; LIN, Y.; BLACK, T.; ROGERS, E.; DIMEGO, G. Implementation of a new grid-scale cloud and precipitation scheme in the NCEP Eta model. In: CONFERENCE ON WEATHER ANALYSIS AND FORECASTING, 22., 2002, Park City, Utah, Proceedings... Park City: AMS, 2002. (F02) permite prognosticar o vapor de água, o conteúdo de água líquida e de gelo das nuvens e a precipitação, tanto líquida quanto sólida. Além disso, ao prever o grau de riming, esta parametrização diferencia entre a neve e o granizo.

Os tamanhos dos hidrometeoros precipitantes seguem distribuições exponenciais. O diâmetro médio da neve varia entre 50 μm e 1000 μm e depende da temperatura segundo Houze et al. (1979)HOUZE, R.A.; HOBBS, P.V.; HERZEGH, P.H.; PARSONS, D.B. Size distributions of precipitation particles in frontal clouds. Journal of the Atmospheric Sciences, v. 36, n. 1, p. 156-162, 1979.. Por sua vez, o diâmetro médio das gotas de chuva varia de 50 μm a 450∐μm, e o intercepto da distribuição de tamanhos da chuva varia segundo a Eq. (2), mas garantindo um valor mínimo de 1∐×∐104 m-4.

(2) N o , r = { R q r πρ l D min 4 se R q r < R q r M i n 8 × 10 6 se R q r M i n R q r R q r M a x R q r πρ l D max 4 se R q r < R q r M a x

Na Eq. (2), Rqr representa a média temporal do conteúdo de chuva, em kg/m3. Os limiares RqrMin e RqrMax constituem o conteúdo de chuva, quando o diâmetro médio das gotas é igual a 50 μm (Dmin) e 450 μm (Dmax), respectivamente. Entretanto, ρl é a densidade da água líquida, considerada como 1000 kg/m3.

A parametrização admite a coexistência de fases da água no intervalo de 0∐°C a -10∐°C. A razão entre o conteúdo de neve e o total de água em estado sólido (Fl) é de 0,2; mas se a temperatura estiver entre -8∐°C e -3∐°C, Fl = 0,1. Um detalhe importante é que no esquema F02 não se consideram os processos de conversão de gelo de nuvem em neve. São calculadas contribuições à quantidade total de gelo, e se garante a razão Fl, em função da temperatura.

Quando a temperatura ultrapassa -10∐°C, o esquema calcula as mudanças de fase entre a água líquida e o vapor d’água: condensação, se houver supersaturação na camada, ou evaporação, caso contrário; para isso se usa o algoritmo de Asai (1965)ASAI, T. A numerical study of the air-mass transformation over the Japan Sea in winter. J. Meteor. Soc. Japan, v. 43, p. 1-15, 1965.. No cálculo da deposição ou da sublimação se utiliza a mesma lógica do esquema de Asai (1965)ASAI, T. A numerical study of the air-mass transformation over the Japan Sea in winter. J. Meteor. Soc. Japan, v. 43, p. 1-15, 1965., quando a temperatura for menor do que -10∐°C e houver supersaturação com relação ao gelo. Nestas condições, se tiver água líquida, ela será evaporada, aumentando a quantidade de vapor disponível para a deposição.

A formação e crescimento de gotas de chuva se produz por “autoconversão”, coleta de água líquida de nuvem durante a queda (no texto, este processo será mencionado usando simplesmente o termo “coleta”), riming, fusão do gelo e condensação sobre o gelo semifundido.

A autoconversão (Paut) é calculada, segundo Kessler (1969)KESSLER, E. On the distribution and continuity of water substance in atmospheric circulations. Meteorology Monographs, American Meteorological Society, 1969., como função linear do excesso de água líquida de nuvem, acima de um valor crítico (Eq. (3)).

(3) P a u t = { k ( q w q lim i a r ) se q w > q lim i a r 0 se q w q lim i a r

Na Eq. (3), k é a taxa de autoconversão; qw é a razão de mistura da água líquida de nuvem, em kg/kg; e qlimiar, o limite inferior da razão de mistura da água líquida de nuvem para a ocorrência de autoconversão.

Separadamente, se calcula a evaporação e a condensação que ocorre na superfície do gelo semiderretido, conhecido como gelo “úmido”, e a evaporação e solidificação da chuva.

2.3. Modificações

A seguir, são apresentadas as modificações do esquema de microfísica F02 testadas nesta pesquisa, e um resumo delas pode ser encontrado na Tabela 1.

Tabela 1
Modificações do esquema de microfísica F02.

2.3.1. Modificações no cálculo da autoconversão

Para ajustar a intensidade da taxa de conversão da água líquida de nuvem para gotas de chuva, é possível introduzir variações nos valores das magnitudes qlimiar e k, utilizadas no esquema de microfísica F02, como parte do método de Kessler (1969)KESSLER, E. On the distribution and continuity of water substance in atmospheric circulations. Meteorology Monographs, American Meteorological Society, 1969..

Uma das variantes testadas é o método de Yin et al. (2015)YIN, J.; WANG, D.; ZHAI, G. An attempt to improve Kessler-type parameterization of warm cloud microphysical conversion processes using CloudSat observations. Journal of Meteorological Research, v. 29, p. 82-92, 2015.. Eles estabelecem o limiar para a autoconversão em função da altitude, a partir de observações de satélite (Eq. (4)). O uso desse limiar permite que a autoconversão ocorra nos níveis altos da troposfera, onde o conteúdo de água líquida é baixo.

(4) q lim i a r = 5 × 10 4 ρ ln z 9492 , 2

Na Eq. (4), z representa a altitude medida em metros, ρ simboliza a densidade do ar (kg/m3), e qlimiar está expresso em kg/kg. Produto das limitações dos dados utilizados por Yin et al. (2015)YIN, J.; WANG, D.; ZHAI, G. An attempt to improve Kessler-type parameterization of warm cloud microphysical conversion processes using CloudSat observations. Journal of Meteorological Research, v. 29, p. 82-92, 2015., a relação definida somente é válida para altitudes entre 2 km e 9,2 km.

Considerando que a autoconversão somente é importante na criação das primeiras gotas de chuva, Schultz (1995)SCHULTZ, P. An explicit cloud physics parameterization for operational numerical weather prediction. Monthly Weather Review, v. 123, n. 11, p. 3331-3343, 1995. limita o cálculo desse processo aos instantes em que o conteúdo de gotas de chuva é zero. Baseado nesse enfoque, os testes efetuados consistiram em ativar a autoconversão somente enquanto a razão de mistura da chuva era inferior ao limiar de 10-5 kg/kg. A escolha desse valor resultou de alguns testes realizados previamente (não mostrados), em que o critério utilizado por Schultz (1995)SCHULTZ, P. An explicit cloud physics parameterization for operational numerical weather prediction. Monthly Weather Review, v. 123, n. 11, p. 3331-3343, 1995. (limiar de 0 kg/kg para as gotas de chuva) foi muito restritivo para as condições do esquema F02.

Como alternativa, a expressão de Lin et al. (1983), foi introduzida no esquema F02 para a realização de testes de sensibilidade. Os autores definiram a taxa da autoconversão como função da razão de mistura da água de nuvem, introduzindo um limiar para essa variável (Eq. (5)). Nos experimentos realizados, o cálculo da autoconversão pelo método de Lin, empregou o mesmo limiar usado pelo método padrão do esquema F02.

(5) P a u t = 1 , 0 × 10 3 ρ ( q w q lim i a r ) 2 × ( 1 , 2 × 10 4 + 1 , 6 × 10 18 N c b D b ρ ( q w q lim i a r ) ) 1

Na Eq. (5), Ncb é a concentração das gotículas na base da nuvem, em m-3, e ∐é a dispersão relativa das gotas na base da nuvem, onde σR corresponde ao desvio padrão do raio das gotículas e μR à sua média. Considerou-se Db∐=∐0,146, segundo Simpson e Wiggert (1969)SIMPSON, J.; WIGGERT, V. Models of precipitating cumulus towers. Monthly Weather Review, v. 97, n. 7, p. 471-489, 1969., para condições continentais, e Ncb = 200∐×∐106 m-3.

2.3.2. Modificações no intercepto da distribuição de tamanhos da chuva

No cálculo do valor do intercepto da distribuição de tamanhos da chuva, foram testados os métodos de Thompson et al. (2004)THOMPSON, G.; RASMUSSEN, R.M.; MANNING, K. Explicit forecasts of winter precipitation using an improved bulk microphysics scheme. Part I: Description and sensitivity analysis. Monthly Weather Review, v. 132, n. 2, p. 519-542, 2004. e Zhang et al. (2008)ZHANG, G.; XUE, M.; CAO, Q.; DAWSON, D. Diagnosing the intercept parameter for exponential raindrop size distribution based on video disdrometer observations: Model development. Journal of Applied Meteorology and Climatology, v. 47, n. 11, p. 2983-2992, 2008. de forma alternada. Estes métodos estimam o intercepto da distribuição de tamanhos segundo a razão de mistura das gotas de chuva.

No método de Thompson et al. (2004)THOMPSON, G.; RASMUSSEN, R.M.; MANNING, K. Explicit forecasts of winter precipitation using an improved bulk microphysics scheme. Part I: Description and sensitivity analysis. Monthly Weather Review, v. 132, n. 2, p. 519-542, 2004., empregou-se a seguinte relação:

(6) N o , r = N 1 , r N 2 , r 2 tanh 4 ( q r o q r ) q r o + N 1 , r + N 2 , r 2

onde N1,r = 1∐×∐1010 m-4 é o limite superior para o valor do intercepto; N2,r = 8∐×∐106 m-4, o limite inferior, qr é a razão de mistura da chuva, em kg/kg, e qro = 1∐×∐10-4 kg/kg é, em essência, a razão de mistura de transição entre os dois regimes.

Segundo Zhang et al. (2008)ZHANG, G.; XUE, M.; CAO, Q.; DAWSON, D. Diagnosing the intercept parameter for exponential raindrop size distribution based on video disdrometer observations: Model development. Journal of Applied Meteorology and Climatology, v. 47, n. 11, p. 2983-2992, 2008., a formulação de Thompson et al. (2004)THOMPSON, G.; RASMUSSEN, R.M.; MANNING, K. Explicit forecasts of winter precipitation using an improved bulk microphysics scheme. Part I: Description and sensitivity analysis. Monthly Weather Review, v. 132, n. 2, p. 519-542, 2004. gera altas (baixas) quantidades de chuva leve (forte), o que não concorda com observações de eventos meteorológicos de verão. Em contraposição, Zhang et al. (2008)ZHANG, G.; XUE, M.; CAO, Q.; DAWSON, D. Diagnosing the intercept parameter for exponential raindrop size distribution based on video disdrometer observations: Model development. Journal of Applied Meteorology and Climatology, v. 47, n. 11, p. 2983-2992, 2008. propuseram uma relação baseada em observações (Eq. (7)), que constituiu a base de um dos testes realizados nesta pesquisa.

(7) N o , r = 7 , 11 × 10 6 ( 1000 ρ q r ) 0 , 648

Na Fig. 2 evidenciam-se as diferenças entre estas duas formulações. As duas funções têm monotonias contrárias: o método de Thompson et al. (2004)THOMPSON, G.; RASMUSSEN, R.M.; MANNING, K. Explicit forecasts of winter precipitation using an improved bulk microphysics scheme. Part I: Description and sensitivity analysis. Monthly Weather Review, v. 132, n. 2, p. 519-542, 2004. define altos valores do intercepto para a chuva mais leve, ou seja, quanto menor o conteúdo de chuva, maior a concentração das gotas pequenas (função decrescente); e o contrário acontece com o método de Zhang et al. (2008)ZHANG, G.; XUE, M.; CAO, Q.; DAWSON, D. Diagnosing the intercept parameter for exponential raindrop size distribution based on video disdrometer observations: Model development. Journal of Applied Meteorology and Climatology, v. 47, n. 11, p. 2983-2992, 2008. (função crescente).

Figura 2
Intercepto da distribuição de tamanhos da chuva em função da razão de mistura das gotas de chuva. A linha identificada como T04 corresponde ao método de Thompson et al. (2004)THOMPSON, G.; RASMUSSEN, R.M.; MANNING, K. Explicit forecasts of winter precipitation using an improved bulk microphysics scheme. Part I: Description and sensitivity analysis. Monthly Weather Review, v. 132, n. 2, p. 519-542, 2004., e a denominada por Z08, corresponde ao método de Zhang et al. (2008)ZHANG, G.; XUE, M.; CAO, Q.; DAWSON, D. Diagnosing the intercept parameter for exponential raindrop size distribution based on video disdrometer observations: Model development. Journal of Applied Meteorology and Climatology, v. 47, n. 11, p. 2983-2992, 2008., considerando densidade unitária.

2.3.3. Outras modificações

Fl é considerada constante e igual a 0,2 no esquema F02, como detalhado no capítulo anterior. Ao efetuar os novos experimentos, esse parâmetro foi modificado para variar entre 0,1 e 0,4. Ao contrário da proposta de mudança na autoconversão, esta modificação não está relacionada com um único processo específico, mas altera diretamente a magnitude dos processos relacionados com a fase sólida, e indiretamente a quantidade de vapor de água, água líquida de nuvem e gotas de chuva.

Da mesma forma, variou-se a concentração de gotas de nuvem, considerada como 200∐×∐106 m-3 no esquema original, para 100∐×∐106 m-3, 190∐×∐106 m-3, 210∐×∐106 m-3 e 300∐×∐106 m-3 nos testes.

Nas parametrizações, os cálculos das taxas de conversão dos processos estão sujeitos a numerosas aproximações que podem introduzir erros nas previsões. Comumente, as expressões empregadas estão baseadas em ajustes a observações ou em análises empíricas, e precisam ser adaptadas às condições de estudo. Portanto, também foram efetuados experimentos no KiD com o objetivo de estudar os efeitos de se variar os processos parametrizados em 1 ordem de magnitude.

3. Resultados e Discussão

O modelo KiD foi utilizado como ferramenta para a realização de testes. Ele permitiu isolar a microfísica do efeito dos outros processos que atuam em um modelo atmosférico completo, assim como economizar tempo e recurso computacional.

3.1. Sensibilidade do esquema a variações nas taxas de conversão dos processos de microfísica representados

As taxas de conversão foram modificadas arbitrariamente, no sentido de diminuir a chuva à superfície, portanto, a taxa de evaporação da chuva foi aumentada, enquanto as dos demais processos foram diminuídos. O processo identificado com o termo “condensação” corresponde também à evaporação das gotículas de nuvem, quando seu valor é negativo, e o mesmo se aplica à deposição e sublimação.

A Fig. 3 mostra que a sensibilidade da chuva às mudanças na magnitude dos processos depende do grau de desenvolvimento da nuvem. O efeito de modificar os processos da fase líquida é amortecido quando a origem de chuva é mista, ou seja, quando atuam simultaneamente processos quentes e frios. Esse amortecimento é maior no caso da autoconversão, mecanismo que é mais importante nos intervalos iniciais da geração da chuva. A Fig. 3 a mostra que a variação da autoconversão influencia fortemente a produção de chuva, no entanto, na Fig. 3b se evidencia que ao intensificar o desenvolvimento da nuvem, esta influência é quase suprimida. Embora a autoconversão não modifique amplamente a intensidade da chuva no caso profundo, conserva a propriedade de regular a sua localização temporal. Nos dois casos, ao diminuir a autoconversão, a geração de chuva é retardada.

Figura 3
Precipitação à superfície gerada pelo esquema de microfísica F02 no modelo KiD, variando as magnitudes dos processos parametrizados. A legenda indica o processo modificado em cada caso. a) Caso quente, b) e c) Caso profundo.

Já o comportamento correspondente à evaporação da chuva é diferente. No caso quente (Fig. 3a), ao aumentar este processo, diminui-se a precipitação, enquanto, no caso profundo, a chuva atinge valores superiores aos da rodada padrão, em um determinado intervalo de tempo, e volta a ser menor posteriormente. A evaporação é proporcional ao déficit de saturação do ar, portanto, ao aumentar a taxa de evaporação, o déficit de saturação diminui mais rapidamente, até chegar num estado em que a evaporação, embora multiplicada artificialmente de forma sistemática, é menor do que a evaporação da rodada padrão, e, portanto, a chuva pode ser maior. Logo depois, a chuva diminui pois o conteúdo de água da nuvem é esgotado mais rapidamente. No caso profundo, embora a chuva instantânea tenha aumentado em alguns momentos quando a evaporação foi aumentada, a precipitação integrada no tempo diminuiu.

Por outro lado, mudar as taxas de condensação/evaporação e deposição/sublimação em uma ordem de magnitude não é suficiente para provocar uma diminuição perceptível da precipitação. Poderia ser argumentado que ao diminuir a condensação e a deposição diminui-se simultâneamente a evaporação da água de nuvem e a sublimação, e o efeito na precipitação se anula.

A influência da variação da coleta na taxa de precipitação, contudo, é suficientemente forte como para se evidenciar até em presença de gelo. Nesse caso, a diminuição da coleta numa ordem de magnitude causou um deslocamento da curva, correspondendo ao retardo da precipitação.

Ao diminuir as taxas da fusão do gelo e do riming, a precipitação apresenta bi-modalidade, o que se relaciona com a presença da nuvem por mais tempo, já que o riming funciona como sumidouro de água de nuvem e a fusão, como sumidouro do gelo. Essas duas modificações causam retardo na produção da chuva a partir do gelo, como ilustrado nas Figs. 4 e 5.

Figura 4
Efeitos da diminuição da taxa de fusão do gelo (kg/kg) (a), sobre a razão de mistura do gelo (kg/kg) (b), e a razão de mistura das gotas de chuva (kg/kg) (c) no caso profundo. Os valores positivos, em verde, correspondem com aumentos nas magnitudes.
Figura 5
Efeitos da diminuição da taxa de riming (kg/kg) (a), sobre a razão de mistura da água líquida de nuvem (kg/kg) (b), a razão de mistura do gelo (kg/kg) (c), e a razão de mistura das gotas de chuva (kg/kg) (d) no caso profundo. Os valores positivos, em verde, correspondem com aumentos nas magnitudes.

Na Fig. 4, é possível perceber que a diminuição da taxa de fusão do gelo resulta em manter a precipitação do gelo e sua presença em camadas inferiores às ocupadas na rodada original (entre 600 e 550 hPa aproximadamente). A aparição de gelo em novas camadas gera os valores positivos representados nas Figs. 4(a) e 4(b).

A diminuição do riming limita a conversão de água de nuvem para gelo (ou chuva), fazendo com que a nuvem permaneça por mais tempo. Na simulação, isto se reflete no aumento da razão de mistura da água de nuvem, no período de tempo entre os 15 e 27 min aproximadamente (Fig. 5(b)) e na produção de gelo nas camadas entre 550 e 600 hPa (Fig. 5(c)).

3.2. Sensibilidade do esquema a outras modificações

As alterações no esquema de microfísica mencionadas na seção 2.3 foram testadas no esquema F02 implementado no modelo KiD. As Figs. 6 e 7 ilustram o efeito destas modificações na precipitação à superfície, para os casos quente e profundo, respectivamente.

Figura 6
Precipitação à superfície gerada pelo esquema F02 no modelo KiD, na simulação do caso quente. Comparações da simulação padrão com as simulações em que: a) a autoconversão é calculada pelos métodos de Schultz (1995)SCHULTZ, P. An explicit cloud physics parameterization for operational numerical weather prediction. Monthly Weather Review, v. 123, n. 11, p. 3331-3343, 1995. (S95), Yin et al. (2015)YIN, J.; WANG, D.; ZHAI, G. An attempt to improve Kessler-type parameterization of warm cloud microphysical conversion processes using CloudSat observations. Journal of Meteorological Research, v. 29, p. 82-92, 2015. (Y15) e Lin et al. (1983)LIN, Y.L.; FARLEY, R.D.; ORVILLE, H.D. Bulk parameterization of the snow field in a cloud model. Journal of Climate and Applied Meteorology, v. 22, n. 6, p. 1065-1092, 1983. (L83), b) o intercepto da distribuição de tamanhos da chuva é diagnosticado pelos métodos de Thompson et al. (2004)THOMPSON, G.; RASMUSSEN, R.M.; MANNING, K. Explicit forecasts of winter precipitation using an improved bulk microphysics scheme. Part I: Description and sensitivity analysis. Monthly Weather Review, v. 132, n. 2, p. 519-542, 2004. (T04) e Zhang et al. (2008)ZHANG, G.; XUE, M.; CAO, Q.; DAWSON, D. Diagnosing the intercept parameter for exponential raindrop size distribution based on video disdrometer observations: Model development. Journal of Applied Meteorology and Climatology, v. 47, n. 11, p. 2983-2992, 2008. (Z08, e c) a concentração das gotas de nuvem é alterada.
Figura 7
Precipitação à superfície gerada pelo esquema F02 no modelo KiD, na simulação do caso profundo. Comparações da simulação padrão com as simulações em que: a) a autoconversão é calculada pelos métodos de Schultz (1995)SCHULTZ, P. An explicit cloud physics parameterization for operational numerical weather prediction. Monthly Weather Review, v. 123, n. 11, p. 3331-3343, 1995. (S95), Yin et al. (2015)YIN, J.; WANG, D.; ZHAI, G. An attempt to improve Kessler-type parameterization of warm cloud microphysical conversion processes using CloudSat observations. Journal of Meteorological Research, v. 29, p. 82-92, 2015. (Y15) e Lin et al. (1983)LIN, Y.L.; FARLEY, R.D.; ORVILLE, H.D. Bulk parameterization of the snow field in a cloud model. Journal of Climate and Applied Meteorology, v. 22, n. 6, p. 1065-1092, 1983. (L83), b) o intercepto da distribuição de tamanhos da chuva é diagnosticado pelos métodos de Thompson et al. (2004)THOMPSON, G.; RASMUSSEN, R.M.; MANNING, K. Explicit forecasts of winter precipitation using an improved bulk microphysics scheme. Part I: Description and sensitivity analysis. Monthly Weather Review, v. 132, n. 2, p. 519-542, 2004. (T04) e Zhang et al. (2008)ZHANG, G.; XUE, M.; CAO, Q.; DAWSON, D. Diagnosing the intercept parameter for exponential raindrop size distribution based on video disdrometer observations: Model development. Journal of Applied Meteorology and Climatology, v. 47, n. 11, p. 2983-2992, 2008. (Z08), c) Fl é variada, e d) a concentração das gotas de nuvem é alterada.

Os efeitos sobre a precipitação, causados pelas modificações na forma de calcular a autoconversão e o intercepto da distribuição de tamanhos, são menos evidentes no caso profundo (Fig. 7a,b), embora eles sejam bem perceptíveis no caso quente (Fig. 6a,b). Com relação à autoconversão, somente o método sugerido por Schultz (1995)SCHULTZ, P. An explicit cloud physics parameterization for operational numerical weather prediction. Monthly Weather Review, v. 123, n. 11, p. 3331-3343, 1995. causa diminuição na precipitação. Por outro lado, o método de Thompson et al. (2004)THOMPSON, G.; RASMUSSEN, R.M.; MANNING, K. Explicit forecasts of winter precipitation using an improved bulk microphysics scheme. Part I: Description and sensitivity analysis. Monthly Weather Review, v. 132, n. 2, p. 519-542, 2004., para o diagnóstico do intercepto, provoca excessiva produção de chuva no caso quente. Isto confirma as considerações de Zhang et al. (2008)ZHANG, G.; XUE, M.; CAO, Q.; DAWSON, D. Diagnosing the intercept parameter for exponential raindrop size distribution based on video disdrometer observations: Model development. Journal of Applied Meteorology and Climatology, v. 47, n. 11, p. 2983-2992, 2008., cujo método consegue diminuir levemente a precipitação. Quando se utiliza o método de Thompson et al. (2004)THOMPSON, G.; RASMUSSEN, R.M.; MANNING, K. Explicit forecasts of winter precipitation using an improved bulk microphysics scheme. Part I: Description and sensitivity analysis. Monthly Weather Review, v. 132, n. 2, p. 519-542, 2004., o início e o final da precipitação ocorrem de forma abrupta nos dois tipos de simulações (caso quente e caso profundo).

Por outro lado, a alteração de Fl não provoca mudanças na previsão de chuva (Fig. 7c). A variação na concentração das gotículas da nuvem causa forte variação da precipitação no caso quente (Fig. 6c), mas o efeito é muito menor no caso profundo (Fig. 7d), o que concorda com os resultados de Planche et al. (2015)PLANCHE, C.; MARSHAM, J.H.; FIELD, P.R.; CARSLAW, K.S.; HILL, A.A.; MANN, G.W.; SHIPWAY, B.J. Precipitation sensitivity to autoconversion rate in a numerical weather-prediction model. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, v. 141, n. 691, p. 2032-2044, 2015.. No caso quente, ao aumentar a concentração de gotículas, diminui-se a precipitação, sendo consistente com a ideia de que o aumento da concentração de partículas causa a diminuição do raio médio. Nesse caso, para concentrações de 300∐×∐106 m-3, a chuva é inibida.

4. Conclusões

Neste trabalho foi analisado o efeito produzido por diversas modificações no esquema de microfísica de Ferrier et al. (2002)FERRIER, B.; JIN, Y.; LIN, Y.; BLACK, T.; ROGERS, E.; DIMEGO, G. Implementation of a new grid-scale cloud and precipitation scheme in the NCEP Eta model. In: CONFERENCE ON WEATHER ANALYSIS AND FORECASTING, 22., 2002, Park City, Utah, Proceedings... Park City: AMS, 2002. sobre a precipitação acumulada à superfície utilizando o modelo KiD, visando determinar as possível formas de redução dos extremos de chuva gerados no modelo Eta ao utilizar esta parametrização, com 1 km de espaçamento de grade (Hernández, 2016HERNÁNDEZ, L. Esquema de microfísica de nuvens do modelo Eta: diagnóstico e testes de sensibilidade. Dissertação (Mestrado). Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos, São Paulo, 2016.).

No esquema de Ferrier et al. (2002)FERRIER, B.; JIN, Y.; LIN, Y.; BLACK, T.; ROGERS, E.; DIMEGO, G. Implementation of a new grid-scale cloud and precipitation scheme in the NCEP Eta model. In: CONFERENCE ON WEATHER ANALYSIS AND FORECASTING, 22., 2002, Park City, Utah, Proceedings... Park City: AMS, 2002., a precipitação gerada por uma nuvem quente apresentou significativa sensibilidade às variações de uma ordem de magnitude nas taxas de diversos processos de microfísica de nuvens, com excepção dos testes relacionados com a condensação. Nos casos de nuvens profundas, com presença de gelo, a precipitação foi pouco sensível à maior parte das modificações nas taxas dos processos da fase quente, o que foi identificado ao variar em uma ordem de magnitude estas conversões. Somente a diminuição da coleta mostrou-se suficientemente influente sobre a geração de chuva em nuvens profundas. Da mesma forma, a diminuição da deposição em uma ordem de magnitude não causou nenhum efeito importante na precipitação e, ao diminuir o riming e a fusão do gelo, maior persistência da nuvem foi induzida, causando aumento da precipitação e bimodalidade.

Por outro lado, modificações nos métodos de cálculo da autoconversão e do intercepto da distribuição de tamanhos das gotas de chuva, assim como na concentração de gotículas de nuvem, mostraram potencialidade na redução da chuva quando testados no KiD. Mas a alteração de Fl não produziu nenhum efeito significativo.

Devido à sua potencialidade na redução da chuva de origem quente, que chega a influenciar até os casos de nuvens profundas, se recomenda testar, no modelo Eta, os métodos de Schultz (1995)SCHULTZ, P. An explicit cloud physics parameterization for operational numerical weather prediction. Monthly Weather Review, v. 123, n. 11, p. 3331-3343, 1995. e Zhang et al. (2008)ZHANG, G.; XUE, M.; CAO, Q.; DAWSON, D. Diagnosing the intercept parameter for exponential raindrop size distribution based on video disdrometer observations: Model development. Journal of Applied Meteorology and Climatology, v. 47, n. 11, p. 2983-2992, 2008., para o cálculo da autoconversão e do intercepto da distribuição da chuva, respectivamente. Além disso, baseado nos resultados aqui mostrados, é recomendável aumentar a concentração das gotas de nuvens, tendo em conta a sua capacidade na redução da chuva quente.

Segundo os testes efetuados no modelo KiD, ao modificar a taxa da coleta, é reduzida apreciavelmente a precipitação, tanto no caso quente quanto no caso profundo. Embora esta modificação seja completamente empírica, sua aplicação pode ser válida na procura de um melhor ajuste da parametrização de microfísica de nuvens. A vantagem de reduzir a coleta reside na sua influência direta na produção de precipitação, enquanto outros processos, como a condensação, só influenciam de maneira indireta.

Ao diminuir a coleta, a água de nuvem deve perdurar por um tempo maior, sendo exposta a transformações por outros processos, como a autoconversão e o riming. Esses processos poderiam ser reduzidos simultaneamente, com o objetivo de confinar a água na categoria de nuvem, e evitar que as gotículas atinjam o tamanho suficiente para precipitar. Porém, na análise apresentada se evidencia que as modificações na autoconversão não produzem grandes mudanças na produção de chuva em nuvens de grande desenvolvimento vertical, e a diminuição do riming, por sua vez, tende a causar bimodalidade e aumento na precipitação, portanto, estas modificações não se consideram apropriadas.

Agradecimentos

Lianet Hernández Pardo agradece à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pela bolsa de mestrado que permitiu a realização desta pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2016
  • Aceito
    24 Abr 2017
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