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Apontamentos sobre a pedagogia dos oratorianos na América Portuguesa

Apuntes sobre la pedagogía de los oratorianos en la América Portuguesa

Resumo

Este texto investiga a atuação da Congregação do Oratório, especialmente na Capitania de Pernambuco, e discute sua pedagogia e relevância para os estudos na área de história da educação no Brasil. A pesquisa é de caráter bibliográfico e documental. A atividade educacional dos oratorianos foi se desenvolvendo a partir das demandas da Coroa e da elite da sociedade portuguesa. Os privilégios régios possibilitaram aos oratorianos sua inserção no campo da educação, como uma alternativa ao ensino jesuítico. Suas ações também repercutiram fora da metrópole portuguesa, como ocorreu em Pernambuco, na América Portuguesa e em Goa. O papel político, religioso e educacional dos oratorianos em Pernambuco foi significativo entre os séculos XVII e XVIII e se estendeu até 1830. As escolas oratorianas eram voltadas para o estudo da língua nacional em vez do latim; além disso, havia uma grande valorização da matemática, das ciências naturais, da história ligada à geografia e da experimentação.

Palavras-chave:
História da Educação; Religião; Oratorianos; Pedagogia

Resumen

Este texto investiga la actuación de la Congregación del Oratorio, especialmente en la Capitanía de Pernambuco, y plantea su pedagogía y relevancia para los estudios en el área de la historia de la educación en Brasil. La investigación es de carácter bibliográfico y documental. La actividad educacional de los oratorianos se ha desarrollado a partir de las demandas de la Corona y de la élite de la sociedad portuguesa. Los privilegios regios posibilitaron a los oratorianos su inserción en el ámbito de la educación, como una alternativa a la enseñanza jesuítica. Sus acciones también repercutieron fuera de la metrópoli portuguesa, como ocurrió en Pernambuco, y en la América Portuguesa y en Goa. El papel político, religioso y educacional de los oratorianos em Pernambuco fue significativo entre los siglos XVII y XVIII y se extendió hasta 1830. Las escuelas oratorianas se volvieron hacia el estudio de la lengua nacional en lugar del latín; Además, había una gran valoración de la matemática, de las ciencias naturales, de la historia vinculada a la geografía y de la experimentación.

Palabras clave:
História de la Educación; Religión; Oratorianos; Pedagogía

Abstract

This text studies the work carried out by the Congregation of the Oratory - especially in the Captaincy of Pernambuco. It also discusses its pedagogy and its relevance to the studies in the field of history of education in Brazil. The research is bibliographic and document-based. The educational activity of the Oratorians was developed from the Crown’s and the Portuguese society’s elite demands. The royal privileges enabled the Oratorians to enter the field of education as an alternative to Jesuit teaching. Their actions also had repercussions outside the Portuguese metropolis, as they happened in Pernambuco - in Portuguese America - and in Goa. The political, religious, and educational role of the Oratorians was relevant between the 17th and 18th centuries and lasted until 1830. The Oratorian schools were focused on the study of the national language rather than Latin. In addition, there was a strong emphasis on mathematics, natural sciences, history related to geography, and experimentation.

Keywords:
History of Education; Religion; Oratorians; Pedagogy

Introdução

O tema deste texto é a educação desenvolvida pela Congregação do Oratório, especialmente nos séculos XVII e XVIII na América Portuguesa. A inserção da Congregação do Oratório no Brasil ocorreu a partir 1659 com a chegada de dois padres: João Duarte do Sacramento e João Rodrigues Vitória, que atuaram na criação de novas vilas e da diocese de Olinda em 1676. A partir de 1759, com a instituição das chamadas “reformas pombalinas da instrução pública”, medida que daria início às amplas reformas no ensino português em todos os níveis, os oratorianos ganharam maior expressão, tendo em vista que assumiram importantes instituições jesuítas no Reino de Portugal (Carvalho, 1978Carvalho, L. R. (1978). As reformas pombalinas da Instrução Pública. Saraiva.). Essas medidas inovaram uma vez que puseram o Estado como orientador da educação e da instrução. Como o Estado português ainda era regido pelo estatuto do padroado, as ideias da pedagogia do iluminismo racionalista, até aquele momento, se encontravam vinculadas à Igreja. Da presença e atuação dos oratorianos no Brasil, temos a memória registrada em dois extraordinários monumentos barrocos: A Igreja da Madre de Deus, construída entre os anos 1680 e 1709, e o Convento dos padres oratorianos de São Felipe Néri, construído entre os anos 1720 e 1732 (hoje um centro comercial), ambos em Recife. No convento era feita a formação dos candidatos à vida religiosa sob a regra oratoriana.

Normalmente se enfatiza o período entre 1549 e 1759, dominado pelas práticas educacionais jesuíticas. Certamente, a Companhia de Jesus prestou uma grande contribuição para o campo da história da educação e foi hegemônica; contudo outras ordens religiosas também se destacaram, com sua história, visão de mundo e pela maneira como lidaram com a questão da educação.

No campo da história da educação, trata-se de um tema pouco explorado, ainda mais quando é analisado o papel histórico das Ordens Religiosas pela historiografia da educação brasileira. Para compreendermos a atuação da Congregação do Oratório no Brasil, é necessário, primeiramente, discutir sobre a sua origem em Portugal e os conflitos com os jesuítas. É importante esclarecer que a Congregação do Oratório não nasceu marcada pela vocação pedagógica.

De acordo com o P. Bartolomeu de Quental, fundador da Congregação em Portugal, o objetivo maior da espiritualidade oratoriana envolvia a difusão de um novo entendimento de vivência religiosa e assistência aos mais carentes. A necessidade de formação dos novos religiosos e daqueles que quisessem aprender em suas escolas impulsionou a criação de aulas destinadas ao aprendizado das primeiras letras, bem como para aqueles que quisessem prosseguir e aprofundar os estudos.

As atividades religiosas dos oratorianos dependiam da dedicação à ciência que possibilitasse o ensino, à pregação, à salvação de almas e à glorificação a Deus. Nesse contexto, a progressiva consolidação da atividade pedagógica entre os oratorianos estava intrinsecamente ligada às necessidades religiosas. Para coordenar as atividades pastorais, de pregar e dirigir as consciências, foi necessário que a congregação investisse na formação de seus quadros.

O trabalho catequético e formador desenvolvido pelos oratorianos em Portugal e na América portuguesa marcou um período de mudanças significativas na educação. As marcas dessa pedagogia podem ser visualizadas na prática educativa dos oratorianos. Vale destacar, por exemplo, no campo da formação elementar, a utilização da obra intitulada Instrucção de principiantes, e novo methodo de se aprenderem as primeiras letras para o uso das escolas da Congregação do Oratorio, escrita em 1780 pela Congregação do Oratório, destinada a ser um manual pedagógico importante para a formação nas primeiras letras.

Alguns livros didáticos da Congregação do Oratório publicados no início de século XVIII são importantes referências de estudo para a História da Educação brasileira, uma vez que o programa pedagógico dos oratorianos, seguindo determinação régia e pontifícia de 1745, possibilitou a ação educativa dos religiosos oratorianos no campo da educação pública, elementar e secundária.

A educação, na América Portuguesa, teve um papel estratégico e visava à implantação do modelo civilizatório que previa a cristianização dos indígenas para domínio do território. Era parte fundamental do movimento histórico de Portugal, que se modernizava. E os oratorianos disputaram a hegemonia política e educacional, além de religiosa, com jesuítas e franciscanos, propondo metodologias de ensino e currículos alternativos.

Para a realização da pesquisa, buscamos referências sobre os oratorianos em teses e dissertações defendidas em diferentes universidades: Universidade Federal de Pernambuco; Universidade Federal Fluminense; Universidade Estadual de Maringá; Universidade Federal do Paraná; Universidade de Lisboa; Universidade do Porto e Universidade Católica Portuguesa. A grande maioria dos trabalhos é voltada para estudos históricos, com destaque para o trabalho dos oratorianos em aldeamentos, o trabalho intelectual de religiosos da Ordem e questões voltadas à arqueologia. No campo da educação, destacamos o trabalho sobre a pedagogia dos oratorianos, escrito por Antônio Alberto Banha de Andrade, em 1981Andrade, A. A. B. de. (1981). A pedagogia dos Oratorianos e a didática da instrução de base [Tese de Doutorado, Universidade de Lisboa]., como resultado de seu doutoramento em História pela Universidade de Lisboa.

Para analisarmos o papel dos oratorianos na educação, realizamos uma discussão sobre a presença dessa congregação na América Portuguesa. Num segundo momento, na parte final, analisamos o texto intitulado “A Congregação do Oratório de São Filipe Néri em Pernambuco”, escrito por José Antonio Gonsalves de Mello, publicado em 1984Mello, J. A. G. (1984). A Congregação de São Filipe Neri em Pernambuco: introdução. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, 57, 41-44. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/jn001461.pdf
http://www.dominiopublico.gov.br/downloa...
, bem como o texto denominado “A Biblioteca dos Oratorianos”, publicado em 1978, ambos publicados na Revista do IAHG de Pernambuco.

Os oratorianos na América Portuguesa

Para falarmos sobre os oratorianos na América Portuguesa devemos, ainda que brevemente, destacar o seu surgimento em Portugal. A congregação surgiu em Portugal na segunda metade do século XVII. A espiritualidade e a inspiração religiosa dos oratorianos não se assemelhavam à religiosidade inaciana. O projeto inaciano se fundamentava numa prática religiosa contrarreformista, e o que os aproximava eram os objetivos: evangelização e cristianização. Os oratorianos não se ligavam à obediência nem a votos perpétuos. A prática pedagógica também divergia. Nas escolas oratorianas, havia maior espaço para as práticas de ensino da língua nacional, em contraposição ao ensino de latim (Cambi, 1999Cambi, F. (1999). História da Pedagogia. Edunesp.).

Os inacianos desenvolviam uma formação pautada pela racionalidade, lógica e retórica. A ação pedagógica inaciana era, praticamente, a mesma em qualquer parte do mundo. As estratégias de intervenção e diretrizes de atuação eram precisas. E as divergências no plano da ação eram avaliadas pelos membros hierárquicos superiores, sem direito a recursos. A eficácia na formação de professores, recrutamento e preparação de alunos tornou os inacianos reconhecidos e prestigiados. Eram ouvidos por reis, ministros, militares, governadores e pela elite colonial. A influência política e cultural dos inacianos quase sempre foi inquestionável. Nesse sentido, discursar sobre a época moderna portuguesa sem destacar o legado inaciano seria um erro gravíssimo (Santos, 2010Santos, E. (2010). Oratorianos. In J. E. Franco (Dir.). Dicionário Histórico das Ordens: Institutos Religiosos e Outras Formas de Vida Consagrada Católica em Portugal (pp. 231-240). Gradiva.).

A atuação dos oratorianos, se comparada com a dos inacianos, poderia ser enquadrada num papel modesto, dado o número reduzido de membros, o número de instituições em Portugal e nas Américas e o período de atuação na sociedade. Além disso, cabe destacar que a formação de uma parte dos primeiros oratorianos foi resultado do trabalho intelectual dos inacianos, como os padres Bartolomeu do Quental e Manuel Bernardes, Luiz Antônio Verney, dentre outros.

Os religiosos oratorianos são reconhecidos, historicamente, pelo papel que desempenharam em Portugal e em suas colônias, tanto no plano pedagógico quanto teológico, inspirados pela filosofia moderna. Dentre as inovações, destacamos o estudo direto da língua vernácula, da gramática e da ortografia portuguesa sem a intermediação do estudo do latim. Filipe Néri (1515-1595) frequentava os espaços inacianos, apreciava a organização e os planos de ação dos jesuítas. Era admirador do trabalho de São Francisco Xavier (1506-1552), desenvolvido no Oriente. O trabalho de Filipe Néri não era fundamentado na típica religiosidade da contrarreforma. A sua atuação era mais discreta, sempre se pautava pela sensibilidade, afetividade, caridade e paciência. Os congregados da fraternidade dos chamados “oratorianos” não realizavam os votos das ordens monásticas.

O que os ligava era o trabalho pastoral. Cada religioso tinha total liberdade de ação. A congregação do Oratório se constituía como instituição original e sem equivalentes. Para compreender seus objetivos e estrutura de funcionamento, é necessário levar em consideração a história de vida e a ação religiosa de Filipe Néri, seu fundador.

Ele era de origem toscana. Os seus primeiros ensinamentos ocorreram no mosteiro dominicano de Florença, com os frades de San Marco. Em 1533, foi morar em Roma, para atuar como missionário. Lá, trabalhou como tutor na casa de um aristocrata; dois anos depois, iniciou os seus estudos, sob a orientação dos agostinianos. Filipe viveu como leigo em Roma mais de 17 anos. Em 1544, conheceu Inácio de Loyola (1491-1556). Para atender peregrinos pobres, em 1548, fundou, com seu confessor Persiano Rossa, a confraria da Santíssima Trindade de Peregrinos e Convalescentes.

A confraria tornou-se um núcleo de prestação de auxílio aos pobres. Eles acolhiam, confessavam, orientavam, ajudavam na meditação e na oração. O trabalho era realizado próximo à Igreja de S. Jerônimo da Caridade, pouco tempo depois, o local passou a ser conhecido pelo nome de “Oratório”. Em 1564, o espaço foi se organizando como uma comunidade de clérigos e leigos, unidos a partir dos ideais de Filipe Néri. Eles viviam em total simplicidade. Por ser de Florença, a ele foram concedidos os encargos eclesiásticos da Igreja de São João dos Florentinos, o que permitiu a organização diária de práticas de leitura, meditação individual, diálogos sobre temas diversos e sermões; também realizava os cânticos das horas canônicas e as obras de misericórdia, corporais e espirituais (Santos, 2010Santos, E. (2010). Oratorianos. In J. E. Franco (Dir.). Dicionário Histórico das Ordens: Institutos Religiosos e Outras Formas de Vida Consagrada Católica em Portugal (pp. 231-240). Gradiva.).

A comunidade organizada por Filipe Néri viveu assim por muitos anos, na prática de uma ação coletiva de livre iniciativa. Os membros dessa comunidade não praticavam jejuns ou abstinências. As práticas desenvolvidas pela comunidade se tornaram conhecidas pelo papado. Eles foram orientados a estruturar a comunidade como uma congregação para que a prática permanecesse, mesmo depois da morte de seus fundadores.

Filipe Néri assumiu os encargos da Igreja de S. Maria Novella, em 1575, época em que o Papa Gregório XIII (1502-1585, papa de 1572 a 1585) solicitou aos oratorianos, como já eram conhecidos, que se transformassem em congregação religiosa secular e que adotassem uma Regra. Eles adotaram, provisoriamente, uma em 1583. No ano de 1588, fizeram modificações; e em 1595, realizaram atualizações mais profundas.

A aprovação da Congregação do Oratório ocorreu em 1612 pelo papado. A instituição religiosa do oratório nasceu com características próprias: os membros não professavam nenhum tipo de votos; mantinham os seus bens de raiz e ajudavam na manutenção do seu próprio sustento. Aqueles que não possuíam bens deveriam arrumar um padrinho para custeio de suas despesas. As atividades educacionais que realizavam eram destinadas aos membros da Congregação e também à comunidade externa. No geral, os oratorianos seguiam uma vida exemplar, dedicados à obediência aos bispos e ao serviço da cristandade. Os oratorianos de Nápoles seguiram outra orientação. Possuíam uma visão mais centralista, monástica e secular da ação pastoral.

Com a morte de Filipe em 1595, beatificado em 1615 e canonizado em 1622, surgiu uma série de biografias de Filipe Néri, a mais antiga foi escrita por Gallonio, amigo e colaborador de Filipe, em 1600. Biografias de Filipe Néri foram publicadas em latim, italiano e castelhano e circulavam entre as elites religiosas do século XVII, o que impulsionou, expressivamente, a fundação de novas casas por toda a Europa.

Na França também surgiram casas oratorianas. As casas foram organizadas por Pedro de Bérulle, em 1611. Alguns dos princípios do Oratório francês foram inspirados nas ideias de Filipe Néri; porém, aos poucos, foram se distanciando. Pedro Bérulle era da aristocracia, com sólida formação em filosofia e teologia. Defendia o exercício da autoridade como caminho essencial para a manutenção de uma sociedade estruturada. Ele colaborou com a política francesa e escreveu muitas obras, dentre as quais se destaca: Breve discurso da abnegação interior e o Discurso do estado e as grandezas de Jesus (Santos, 2010Santos, E. (2010). Oratorianos. In J. E. Franco (Dir.). Dicionário Histórico das Ordens: Institutos Religiosos e Outras Formas de Vida Consagrada Católica em Portugal (pp. 231-240). Gradiva.).

Bérulle conseguiu a aprovação para a constituição da congregação oratoriana francesa em 1613. A congregação, como o Oratório italiano, excluía os votos perpétuos e era uma associação de padres ligados por laços de amizade e confiança. Defendia o culto da vida interior, a meditação, o exercício do sacerdócio e a espiritualidade cristocêntrica, na qual Cristo é modelo e o meio para se chegar ao Pai. A Congregação francesa previa um Superior Geral e a realização de assembleias gerais para a tomada de decisões em todas as casas.

Os oratorianos franceses se destacavam entre os religiosos. Eles eram cultos, educados e empregavam uma linguagem de nível cultural elevado, o que atraiu a atenção dos bispos, que lhes entregaram a administração de seminários respeitados, especialmente em Paris. Pelos colégios oratorianos, passaram intelectuais importantes e de prestígio na chamada França moderna. A formação educacional nos colégios oratorianos era dedicada às Ciências da Natureza, com base na experimentação e nas Línguas Vivas, não restritas à Filosofia ou ao estudo dos Clássicos.

Os colégios oratorianos eram prestigiados, sendo procurados pelas elites e, no final do século XVII, reconhecidos no meio acadêmico. Na América Portuguesa, não foi diferente. Nos textos analisados, observamos as marcas dessa formação mais voltada aos estudos matemáticos e experimentais. Eles foram grandes divulgadores do pensamento newtoniano e da física moderna àquela época, influenciados pelos religiosos oratorianos franceses.

A Congregação do Oratório francês inspirou o português, particularmente no que se referia às práticas pedagógicas e didáticas. Em Portugal, a Congregação do Oratório foi fundada em Lisboa, pelo padre Bartolomeu do Quental (1626-1698), em 1659, com influência, também, das ideais de Filipe Néri. Dos oratorianos italianos, seguiu: a prática da caridade, a oração mental, a organização de irmandades leigas, a restrição às mortificações e a liberdade dos religiosos para saírem quando quisessem. Do modelo francês, seguiu o programa curricular de ensino e a forma mais centralizada de organização (Ishaq, 2004Ishaq, V. F. S. (2004). Catolicismo e Luzes. A Congregação do Oratório no mundo português, séculos XVI-XVIII [Tese de Doutorado, Universidade Federal Fluminense].).

A pedagogia oratoriana se desenvolveu na América dentro do modelo científico moderno. As principais disciplinas do curso de Filosofia passaram a ser a Lógica, a Física e a Ética. O texto “A Biblioteca dos Oratorianos” reforça esse argumento, ou seja, de que a pedagogia deveria ser fundamentada nos filósofos modernos. Essas mudanças foram introduzidas a partir da época de Bartolomeu de Quental. Ele desempenhou importante papel eclesiástico em Portugal como pregador e confessor no reinado de D. João IV (1604-1656), rei de Portugal e Algarves de 1640 até a sua morte, e seus sucessores Afonso VI (1643-1683), rei de Portugal e Algarves de 1656 até a sua morte; e D. Pedro II de Portugal (1648-1706), rei de 1683 até a sua morte. O período vivido por Bartolomeu do Quental foi marcado pelos reflexos do avanço da Reforma Protestante, pelo humanismo cristão e pelo esplendor da chamada “Idade de Ouro” da espiritualidade espanhola, a qual teve uma influência significativa em seu modo de pensar e agir, a partir dos exemplos de Santo Inácio de Loyola, São Francisco Xavier, Frei Luís de Granada (1504-1588), Santa Teresa de Jesus (1515-1582), São João da Cruz (1542-1591), dentre outros (Gomes, 2016Gomes, C. L. (2016). O Padre Bartolomeu do Quental: fundador da Congregação do Oratório em Portugal: vivência e uma aproximação às origens da Congregação do Oratório em Portugal [Dissertação de Mestrado, Universidade Católica Portuguesa, Porto]. Repositório da Universidade Católica Portuguesa. https://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/21298
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).

O padre Bartolomeu do Quental recebeu influência da Devotio moderna, movimento de renovação da espiritualidade católica entre os séculos XIV e XVI. Ele conhecia a maior dificuldade do reino português, a saber: a falta de preparação do clero para o exercício do sacerdócio. Nesse contexto, a fundação do Oratório em Portugal objetivava mudar a prática da vida religiosa. Ele introduziu na Capela Real um tipo de oração num esquema de oração mental; além disso, desempenhou forte atividade missionária em Portugal.

Ele percorreu vilas e aldeias da diocese de Lisboa desenvolvendo práticas de pregação da doutrina, buscando combater a ignorância religiosa e, por meio de confissões gerais, levava o arrependimento aos fiéis. Defendia o desenvolvimento de uma ação missionária que ajudasse as pessoas a crescer espiritualmente.

A missão dos oratorianos na América Portuguesa iniciou por volta de 1659, no governo de André Vidal de Negreiros (1620-1680), governador da Capitania de Pernambuco de 1657 até 1660, com a vinda para o Brasil do padre português oratoriano João Duarte do Sacramento (1610-1686), acompanhado do seu confrade João Rodrigues Vitória. Bartolomeu de Quental tinha interesse em missionar no Brasil, ainda mais depois da expulsão dos holandeses, e enviou seus confrades para restituir a fé católica. Houve relatos de que os moradores viviam sem assistência espiritual. Eles tinham como finalidade o estabelecimento de missões no interior da Capitania de Pernambuco para catequizar os indígenas (Gomes, 2016Gomes, C. L. (2016). O Padre Bartolomeu do Quental: fundador da Congregação do Oratório em Portugal: vivência e uma aproximação às origens da Congregação do Oratório em Portugal [Dissertação de Mestrado, Universidade Católica Portuguesa, Porto]. Repositório da Universidade Católica Portuguesa. https://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/21298
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; Medeiros & Medeiros, 1993Medeiros, A., & Medeiros, C. F. (1993). As origens do ensino da física. In M. C. Medeiros. Igreja e dominação no Brasil escravista: o caso dos oratorianos de Pernambuco (1659-1830). Ideia.).

Os padres João Duarte do Sacramento e João Rodrigues Vitória tomaram posse da ermida de Santo Amaro, na cidade de Olinda, em 1662. Pouco tempo depois, construíram, com a ajuda de moradores e do governador Francisco de Brito Freire (1625-1692), governador de Pernambuco de 1661 a 1664, um convento em volta da ermida e aumentaram a Igreja, dedicada à Nossa Senhora da Encarnação.

Oficialmente, a Congregação do Oratório de São Filipe Néri de Pernambuco foi fundada em 1670, com sede em Olinda. A Santa Sé concedeu o Breve Ex injuncto nobis coelitres, em 17 de julho de 1671, pelo Papa Clemente X (1590-1676, papa de 1670 até a sua morte). O padre João Rodrigues Vitória foi o enviado a Roma para obter a aprovação definitiva de filiação à Congregação de São Filipe Néri. Na época, antes de ir a Roma, passou por Portugal e, a pedido de Bartolomeu de Quental, também solicitou aprovação e filiação para a Congregação de Portugal.

Os oratorianos da América Portuguesa abdicaram de sua autonomia para se vincular à Congregação do Oratório de Portugal em troca de apoio ao trabalho de missionação. A incorporação ocorreu em 29 de março de 1686, na cidade de Lisboa. O novo superior da Congregação, o padre José Lobo, partiu para o Brasil, acompanhado dos dois procuradores e mais vinte padres e irmãos para colaborar com o projeto missionário dos oratorianos brasileiros.

O início das práticas educacionais ocorreu tempos depois com a instalação dos oratorianos em Recife, no Convento da Madre de Deus, construído entre 1679 e 1680. A Capela foi tornada pública em 1683. No Convento, os religiosos começaram a ministrar cursos para candidatos ao sacerdócio e para a comunidade externa. A preocupação com a qualidade do ensino fez com que os religiosos trouxessem intelectuais famosos no ensino de Filosofia e de Teologia. Os privilégios régios, doações e intercessões da Coroa portuguesa aos oratorianos contribuíram, significativamente, para os fins pedagógicos, espirituais e políticos desses religiosos, consolidando sua presença no reino português.

O padre João do Sacramento respondeu como substituto pelo recém-criado bispado de Pernambuco, em 1677, com sede em Olinda, enquanto o prelado D. Estêvão Brioso de Figueiredo (1630-1689), que exercia a função de vigário-geral do Arcebispado de Lisboa, não chegasse. O padre Sacramento respondeu pelo bispado até 1678, quando D. Estêvão chegou ao Brasil. Devido ao carisma, à dedicação e ao respeito da população, o padre Sacramento foi escolhido para suceder na Sé de Olinda ao primeiro bispo, quando este retornou para Portugal para assumir o bispado de Funchal, na Ilha da Madeira.

Os principais centros de catequização dos oratorianos em Pernambuco foram: Ipojuca (indígenas Tabajaras), Iratagui (atual Alhandra), Limoeiro (Tupis), Ararobá (Xucurus). Cabe destacar que nem todas essas missões foram criadas pelos oratorianos; algumas delas haviam sido fundadas pelos jesuítas (Lima, 1979Lima, E. (1979, abr./jun.). As missões oratorianas no Brasil: informação sobre as missões oratorianas no Nordeste. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 323, 69-118.). Com a expansão das atividades dos oratorianos no Convento de Recife, D. Pedro II concedeu uma licença para que o convento se tornasse o principal da Congregação. Essa autorização ocorreu por meio de Breve Apostólico emitido pela Santa Sé em primeiro de julho de 1688, entregue aos oratorianos pelo terceiro Bispo, D. Matias de Figueiredo e Melo (1653-1694). O Breve determinava o Convento de Recife como o principal da Congregação; e o Convento de Santo Amaro, em Pernambuco, passaria a servir como hospício para os convalescentes e de local de férias para os estudantes (Simis, 2005Simis, T. C. (2005). Convento dos Oratorianos de São Filipi Néri: leituras arqueológicas de um convento que virou shopping [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco]. Repositório Digital de UFPE. https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/532
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).

Os oratorianos trabalharam na missionação em Pernambuco entre os séculos XVII e XVIII, especialmente. As missões contribuíram para a ocupação do interior do sertão. Foram iniciadas após a expulsão dos holandeses em 1654, com expansão das atividades de pecuária e distribuição de terras. A Junta de Missões, organismo consultivo ligado à administração central, foi o órgão regulador das missões que, em Pernambuco, compreendia as regiões de Alagoas, Itamaracá e Paraíba.

O Seminário para os estudos Oratorianos foi fundado no século XVII em Recife; e ampliado em 1754. Nele, os religiosos se dedicavam ao ensino de Filosofia, Teologia, Artes e Humanidades; e respondiam pela formação de novos religiosos e de leigos. A obra Instrucção de principiantes, e novo methodo de se aprenderem as primeiras letras para o uso das escolas da Congregação do Oratorio era utilizada como cartilha para o primeiro grau na formação de seus religiosos. A biblioteca dos oratorianos era muito estimada, porque possuía um vasto acervo, com mais de quatro mil livros. As atividades missionárias no interior aos poucos foram sendo direcionadas para a cidade do Recife. As fazendas dos oratorianos existentes no interior foram vendidas e, com isso, conseguiram aumentar o patrimônio imobiliário na cidade do Recife (Aula Patrimônio..., 2007).

Para esse Seminário, vieram mestres renomados no campo da Filosofia e da Teologia para ministrar aulas, tais como: frei Bartolomeu do Pilar (1667-1733), primeiro bispo nomeado da Diocese de Belém, tomou posse por procuração em 1721, e sua chegada a Belém ocorreu em 1724. Em 1702, em Lisboa, frei Bartolomeu ganhou o grau de doutor apostólico em Teologia. Ele era um orador reconhecido, tendo vários de seus sermões impressos. Em Pernambuco também atuou como: Examinador Sinodal, Visitador Comissário (1699) e Comissário dos Conventos Carmelitas (1704). Em 9 de setembro de 1717, frei Bartolomeu foi escolhido para ser o primeiro bispo do Grão-Pará; a nomeação foi confirmada em 4 de março de 1720 pelo Papa Clemente XI, na Bula Apostolatus officium.

Dentre as razões para a vinda dos Oratorianos para a América Portuguesa, podemos destacar: necessidade de orientação espiritual dos cristãos diante da presença dos holandeses - expulsos em 1654. Faltava religiosos para a catequização dos indígenas, pregadores nas aldeias, não havia práticas das obrigações cristãs e da frequência de sacramentos. Muitas das aldeias dirigidas pelos jesuítas ficaram sem religiosos, uma vez que muitos deles atuaram decisivamente na defesa do território contra os holandeses; porém diversas aldeias foram tomadas entre o período de 1630 a 1654 (Lima, 1979Lima, E. (1979, abr./jun.). As missões oratorianas no Brasil: informação sobre as missões oratorianas no Nordeste. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 323, 69-118.). Com a expulsão dos holandeses, essas aldeias ficaram desprovidas de orientação e instrução, ainda mais pela necessidade de expurgar as ideias calvinistas disseminadas.

Pela apresentação das obras “Notícia que dão os Padres da Congregação de Pernambuco acerca da sua Congregação, desde a sua ereção” e “A Biblioteca dos Oratorianos”, vemos que a pedagogia oratoriana tem inspiração no sucesso de seus confrades franceses. A ação educativa desses religiosos se desenvolveu no interior da congregação para a formação de seus membros e de populares, na medida em que desenvolviam trabalhos de catequese e de cristianização. Autores do oratório francês contribuíram para a reformulação dos estudos oratorianos portugueses e, consequentemente, da América.

A Congregação do Oratório de São Filipe Néri em Pernambuco

O manuscrito denominado “Notícia que dão os Padres da Congregação de Pernambuco acerca da sua Congregação, desde a sua ereção”, publicado por José Antonio Gonsalves de Mello (1916-2002), na Revista do IAHGP (Mello, 1984), foi resultado de seu trabalho de leitura e de atualização da ortografia. Trata-se de uma referência importante, já que nele podemos identificar as principais atividades missionárias e formativas desenvolvidas pelos religiosos da Ordem. Eles desempenharam papel fundamental na organização dos documentos orientadores da nova proposta de ensino em Portugal e na América Portuguesa. A pedagogia desenvolvida pelos oratorianos foi uma importante base do projeto pedagógico pombalino, período que corresponde às reformas ocorridas no ensino em Portugal e em suas colônias, especialmente a partir de 1759.

Na época, a Companhia de Jesus possuía domínio na educação tanto em Portugal quanto em suas colônias (1534-1773) e eram os principais defensores da tradição escolástica, mas também debatiam as ideias modernas. No Brasil, por exemplo, os jesuítas possuíam exclusividade na chamada educação secundária. A reforma ocorreu em seguida à expulsão dos jesuítas em 1759 e devido à necessidade de reforma do ensino; no entanto, apesar dos esforços dos oratorianos, a expulsão da Companhia de Jesus deixou Portugal e suas colônias sem professores suficientes para atender o ensino secundário e o ensino superior; além disso, a expulsão também correspondeu aos anseios da monarquia referentes às reformas econômicas, necessárias para a transição da etapa mercantil para a industrial (Fonseca, 2006Fonseca, S. M. (2006). Reformas pombalinas de educação. Coleção “Navegando pela História da Educação Brasileira”. HISTEDBR. https://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/artigos/marques-de-pombal-e-a-reforma-educacional-brasileira
https://www.histedbr.fe.unicamp.br/naveg...
; Calazans, 1992Calazans, F. J. (1992). As reformas pombalinas e a educação no Brasil: as reformas pombalinas e seu impacto sobre a colônia. Estudos Ibero-Americanos, 18(2), 5-41. https://doi.org/10.15448/1980-864X.1992.2.29223
https://doi.org/10.15448/1980-864X.1992....
; Seco & Amaral, 2006Seco, A. P., & Amaral, T. C. I. (2006). Marquês de Pombal e a Reforma Educacional Brasileira. HISTEDBR, Coleção "Navegando pela História da Educação Brasileira”. https://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/artigos/marques-de-pombal-e-a-reforma-educacional-brasileira
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).

Pelo documento “Notícia que dão os Padres da Congregação de Pernambuco acerca da sua Congregação, desde a sua ereção”, compreendemos que os oratorianos difundiram novas correntes de pensamento em Portugal e na América Portuguesa. Eles foram os propagadores e defensores de uma nova pedagogia. Defenderam a difusão das ideias de Descartes, Newton, Galileu, Mussembroeck, Gravesande, dentre outros. A disseminação dos princípios básicos do iluminismo filosófico pela pedagogia oratoriana era apoiada numa concepção de homem que pensasse por si e defendesse os interesses da coletividade aos do indivíduo. Os compêndios elaborados estimulavam a formação de bons costumes e de modelos para a sociedade da época.

A obra Tratado de la eleccion y metodo de los estudios, escrita por Claudio Fleury (1717Fleury, C. (1717). Tratado de la elección y método de los estudios. Francisco del Hierro.), traduzida para o castelhano, em Madrid, pela imprensa de Francisco de el Hierro, em 1717, foi uma importante referência de ensino francês que influenciou o pensamento português. Na primeira parte, sua discussão é centrada no método de estudo nas escolas públicas; para tanto, recorre à origem da história dos estudos. Nos próximos capítulos, retoma a história dos estudos entre os Gregos, Romanos, Cristãos, Franceses, Árabes e os estudos escolásticos. No capítulo VIII, Fleury escreveu sobre os estudos em Teologia, Direito, Medicina e Artes. No nono, fala a respeito do estudo das Artes liberais: a gramática, a retórica, a dialética, a aritmética, a música, a geometria e a astronomia. Explica que os estudos em Teologia, Filosofia, Direito e Artes consistiam, basicamente, no estudo de Aristóteles. E, no último capítulo da primeira parte, dialoga sobre a necessidade de renovação dos estudos.

Na segunda parte, Fleury propõe, no início, a necessidade de compreensão do que era ensinar e o que devia ser proposto para estudo. Parte do argumento de que o estudo deve possuir um caráter utilitário. O conhecimento, segundo ele, deve possuir uma aplicação, e, principalmente, que os homens possam cumprir as suas obrigações profissionais, a partir do emprego desses conhecimentos. Defende que, no ensino das crianças, grande parte delas carece de atenção e de experiência. Oferecer a elas o conhecimento de grandes princípios não seria eficaz para o entendimento da ciência, muito menos do Criador. O conhecimento deve ser ensinado com base na experiência, de maneira que os conceitos sejam explicados de maneira clara, satisfazendo a curiosidade dos estudantes. Nesse sentido, na discussão dos estudos, defendia que estudar era um aprendizado para a vida. Portanto, ele deveria ser escolhido com cuidado, partindo sempre daqueles conhecimentos necessários à vida cotidiana.

Eles organizaram em Portugal e na América Portuguesa um programa curricular de ensino inspirado no modelo dos colégios franceses (Cambi, 1999Cambi, F. (1999). História da Pedagogia. Edunesp.). Os oratorianos realizaram a reforma da metodologia de ensino escolástica pela difusão das teorias cartesianas e newtonianas. A teoria da educação preconizada enfatizava o método; além disso, apresentava um caráter de utilidade prática. Segundo essa pedagogia, o ser humano era capaz de chegar ao Criador. Defendiam o estudo da lógica como instrumento para se alcançar a verdade e para se evitar o erro.

A pedagogia dos oratorianos portugueses sustentou-se a partir de um conjunto de metodologias já amplamente testadas nas salas de aulas dos oratorianos franceses. As marcas dessa metodologia de ensino estavam presentes, por exemplo, nas aulas de Filosofia Moderna, de João Baptista (1705-1761); bem como na obra Novo Methodo da Gramática Latina, de Manuel Monteiro, escrita em 1746. Sem contar, também, a sua presença na obra de Luís António Verney: Verdadeiro Método de Estudar (Santos, 2002Santos, Z. C. (2002). Literatura e espiritualidade na obra de Teodoro de Almeida (1722-1804) [Tese de Doutorado, Universidade do Porto]. Repositório Aberto da Universidade do Porto. https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/67022
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).

A Congregação elaborou uma série de publicações com a finalidade de servirem como documentos de orientação pedagógica para a realização das práticas de ensino (Araújo, 2017Araújo, T. (2017). Ensinar por decreto e por “diálogo”: manuais oratorianos dos meados de setecentos. Limite, 11(1), 73-88. https://research.unl.pt/ws/portalfiles/portal/4094736/Ensinar_por_decreto_e_por_dia_logo.pdf
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). Essas obras foram escritas em português, em diálogo, por meio de uma linguagem simples e de fácil acesso. Tratava-se de uma proposição pedagógica com a premissa de que o saber científico não era exclusivo e restrito às instituições escolares, muito menos aos que detinham o conhecimento de latim. A proposta pedagógica desenvolvida objetivava que todos pudessem compreender os fenômenos da natureza (Domingues, 1988Domingues, F. C. (1988). Um projecto enciclopédico e pedagógico: a Recreação Filosófica de Teodoro de Almeida. Revista de História das ideias, 10, 235-48.).

A Ordem dos Oratorianos no Brasil ficou responsável pelas missões em Ipojuca, Uratagui, Limoeiro e Ararobá. Nessas localidades, desenvolviam pregações e outras atividades religiosas como, por exemplo: conversões, confissões e ensino da doutrina cristã. Para o ensino de primeiras letras, os oratorianos traduziram o “Catecismo de Montpellier”. Essa obra era considerada um texto de referência. Os oratorianos desenvolveram uma nova pedagogia, com novas formas e conteúdos destinados à formação, em todos os seus níveis.

Na América Portuguesa, os estudos superiores da Ordem em Recife serviram como base ao trabalho de catequização, de ensino e de cristianização. A formação em Filosofia e Teologia ocorria em Recife, na casa mãe da Congregação do Oratório em Pernambuco (Notícia que dãos os padres..., 1984). Os religiosos realizavam nas localidades vizinhas sermões, conferências espirituais, além do ensino da doutrina cristã e dos rudimentos da fé. Um de seus ex-alunos, o padre João Álvares da Encarnação, foi considerado um dos grandes nomes do trabalho de missionação oratoriana desenvolvida no Ceará (Maia, 2013Maia, L. O. (2013). Aldeias e missões nas capitanias do Ceará e Rio Grande: catequese, violência e rivalidades. Revista Tempo, 19(35), 7-22. https://doi.org/10.5533/TEM-1980-542X-2013173502
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). Em relação às práticas de ensino de conversão dos indígenas, usavam as forças da persuasão, a caridade e a prática das virtudes (Studart Filho, 1956Studart Filho, C. (1956). Dados para uma história eclesiástica do Ceará (1603-1750). Revista do Instituto do Ceará, 70, 37-61.). O trabalho de missionação dos religiosos era muito valorizado, uma vez que era considerado um pré-requisito para a estabilidade do povoamento português na região nordeste do Brasil e possibilitando uma adequada condição para o aproveitamento das riquezas, conforme consta no documento Memória das drogas que há nestas cinco Capitanias de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba, Rio Grande e Ceará (Conselho Ultramarino, 1681).

Aos oratorianos, foram conferidos um conjunto de privilégios. No capítulo sexto, “Em que sumariamente se dá relação de todos os papéis que se acham no cartório desta Congregação do Recife, pelos quais se verão os Breves, privilégios e doações que tem tido esta Congregação”, há indicação de uma série de breves concedidas aos oratorianos pela Santa Sé. No terceiro maço de breves, constam os privilégios missionários concedidos aos oratorianos. No maço quarto, há vários papéis; no quinto, constam breves concedidas pelo Papa Inocêncio XIII no ano de 1772; no maço sexto, há inventários de relíquias; no sétimo, cartas de Roma em resposta a alguns negócios da Congregação no Brasil; no maço oitavo, informações que o padre Sacramento retirou do cabido da Bahia, para a fundação da Congregação; item de certidões das religiões e carta do governador Francisco de Brito Freire; item - procuração em que o Bispo D. Estevão Brioso, primeiro bispo, concedeu ao padre Sacramento para tomar posse no bispado; item - uma provisão do mesmo bispo em que declara o padre Sacramento Provisor e Governador do Bispado, em sua ausência que fez para Lisboa, Portugal. E, no maço nove, constam vários originais sobre a vida de religiosos, como: padre Sacramento; padre João Álvares da Encarnação e do padre Luís Ribeiro (A Congregação do Oratório..., 1945).

No segundo repartimento do Cartório, encontram-se inquirições dos padres e de irmãos da Congregação do Oratório do Brasil. No terceiro repartimento, há escrituras de patrimônios de alguns padres e testamentos. No quarto repartimento, apresentam-se várias provisões e cartas reais. Em outro maço, constam cartas do padre Bartolomeu do Quental e outro maço de cartas de propósitos da Congregação do Reino para a de Pernambuco. No quinto repartimento, há diversas cartas de procuradores da Congregação e de outras pessoas referentes a negócios da casa do Brasil. No repartimento sexto, encontra-se título de terras nas quais os oratorianos criavam gado e lavouras para sustentação da casa. No repartimento sétimo, indicação das listas de indígenas das tribos catequizadas e ensinadas pelos oratorianos. No repartimento oitavo, cartas dos procuradores de Lisboa e do Porto. No nono, constam vários créditos, recibos e quitações pertencentes à Congregação. No repartimento décimo, vários pareceres de padres sobre a construção de uma nova casa da Ordem em Recife. No repartimento décimo primeiro, diversos livros pertencentes ao governo da casa no Brasil, da entrada de novos irmãos e disposições das juntas. E no décimo segundo, há uma comunicação dos sufrágios da congregação brasileira (A Congregação do Oratório...,1945).

O documento ajuda na compreensão da reestruturação das práticas de ensino vivenciadas no contexto da América portuguesa. Tais mudanças ocorreram em acordo com as propostas de reforma do ensino na Universidade de Coimbra e dos estudos menores. As mudanças nas universidades ocorridas na Europa se disseminaram pela Corte Portuguesa. Nesse espírito, foram criados, por exemplo, a Academia Real de História Portuguesa e a Academia Médica em 1722. Foi nesse contexto que os oratorianos conseguiram permissão para instalar escolas secundárias em Portugal e em suas colônias. Eles buscaram facilitar os modelos de ensino e de leitura, na medida em que adotaram o experimentalismo.

O governo de Pernambuco também se preocupou com a falta de professores, dada a expulsão dos jesuítas. Era preciso assegurar o direito ao estudo às camadas mais abastadas da população. A reforma do ensino iniciada em Portugal, na visão do governador de Pernambuco, seria a solução para os problemas enfrentados. É importante destacar que as reformas pedagógicas foram fruto de uma estratégia política governamental, visando ao fortalecimento e à modernização da monarquia e do Estado Português.

Na Carta do Governador de Pernambuco para Sebastião José de Carvalho e Mello, em 25 de maio de 1759, o governador solicitou ao Conde de Oyeiras a abertura de classes de gramática e escolas de ler e escrever em sua capitania, uma vez que, em seu entendimento, eram notórios os progressos advindos com o novo método de ensinar latinidades (Verri, 2005Verri, G. M. W. (2005). Tinta sobre papel: livros e leitura na Capitania de Pernambuco entre 1759 e 1808 [Tese de Doutorado, Universidade Federal de Pernambuco]. Repositório Digital de UFPE. https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/7492
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).

As obras Novo Methodo da Grammatica Latina: dividido em duas partes dos Mestres das Escolas da Congregação do Oratório, escrita pelo padre António de Figueiredo (1725-1797), em 1752; a Instrução sobre a lógica, ou Diálogo sobre a Filosofia Racional, escrita pelo padre Manuel Álvarez (1739-1777), em 1760, e a obra Recreação Filosófica, ou Diálogo sobre Filosofia Natural, para instrução de Pessoas Curiosas que não frequentarão as aulas, escrita pelo padre Teodoro de Almeida (1722-1804), foram amplamente divulgadas nos cursos de Filosofia dos oratorianos no Brasil.

A obra Novo Methodo da Grammatica Latina foi inspirada no texto Grammaire Générale et Raisonnée de Port-Royal, elaborada por Antoine Arnauld (1612-1694) e Claude Lancelot (1615-1695). Essa obra articulava uma preocupação pedagógica dos jansenistas com os ensinamentos teológicos, que se destinavam ao ensino de jovens. As novas regras de ensino direcionavam as práticas pedagógicas que partiam da língua vernácula para o ensino de gramática. Os textos religiosos eram vistos como uma oportunidade para o ensino da língua. Nesse sentido, a Gramática, do padre António Pereira de Figueiredo, contribuiu para a difusão das ideias de Port-Royal (Verri, 2005Verri, G. M. W. (2005). Tinta sobre papel: livros e leitura na Capitania de Pernambuco entre 1759 e 1808 [Tese de Doutorado, Universidade Federal de Pernambuco]. Repositório Digital de UFPE. https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/7492
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).

O texto sobre os oratorianos, publicado na Revista do IAHGP, menciona a prática de evangelização, catequização e ensino elementar idealizada pelos religiosos nas aldeias em que se fixaram, como: aldeia de Ipojuca (1729), Urataugui (1729), Carnijós (1760), Limoeiro (1729), Ararobá de Tapuias (1729/1760), Sertão do Rio São Francisco, Nossa Senhora da Escada (1760), Aratagui (1760), dentre outros. No texto “Aldeamentos e política indigenista no bispado de Pernambuco”, escrito por Alessandra Figueiredo Cavalcanti (2009Cavalcanti, A. F. (2009). Aldeamentos e política indigenista no bispado de Pernambuco - Séculos XVII e XVIII [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco].), como resultado de conclusão de seu mestrado em História, na Universidade Federal de Pernambuco, também encontramos referências ao trabalho desenvolvido pelos oratorianos no interior da Capitania de Pernambuco. Os compêndios utilizados no Brasil na formação elementar eram os mesmos utilizados em Portugal.

Os textos fundamentais dos compêndios oratorianos eram os seguintes: Carta de Letras, Sílabas e Palavras para uso das Escolas de Nossa Senhora das Necessidades, de 1820; Carta de Aritmética para uso das Escolas de Nossa Senhora das Necessidades, de 1796; Instrução de Principiantes e novo Methodo de se aprenderem as primeiras letras; Diálogo da Esfera Celeste e Terrestre para uso das Escolas da Congregação de Nossa Senhora das Necessidades, de 1751; Diálogo de História Grega, de 1829; Diálogo de História Romana, de 1807; Diálogo sobre os autores de Língua Latina, de 1760; Exercício de Língua Latina e Portuguesa, contendo três fascículos: 1) Catecismo Latino e Português, de 1748; 2) Saudações e Diálogos, de 1751 e 3) Acerca de diversas couzas, de 1751 (Andrade, 1981Andrade, A. A. B. de. (1981). A pedagogia dos Oratorianos e a didática da instrução de base [Tese de Doutorado, Universidade de Lisboa].).

As obras seguiam como método, isto é, instrumento de análise a clareza e a brevidade. Elas ajudavam a organizar o discurso, com a finalidade de promoção de uma aprendizagem rápida. Os compêndios utilizados nas escolas oratorianas se fundamentavam em princípios de método, clareza e brevidade (Santos, 2002Santos, Z. C. (2002). Literatura e espiritualidade na obra de Teodoro de Almeida (1722-1804) [Tese de Doutorado, Universidade do Porto]. Repositório Aberto da Universidade do Porto. https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/67022
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).

No texto “A Biblioteca dos Oratorianos”, escrito por Glaúcio Veiga (1978Veiga, G. (1978). A Biblioteca dos Oratorianos. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, 50, 51-65.) na Revista do IAHGP, o autor destaca o seminário dos oratorianos no Recife como um centro de referência de atividade intelectual. No século XIX, a biblioteca dos oratorianos contribuiu para compor a biblioteca da Faculdade de Direito do Recife, constituindo-se como o maior acervo da Faculdade.

A maior parte do acervo da Biblioteca dos Oratorianos era teológica; contudo havia uma porcentagem significativa de obras de Matemática e Ciências Naturais. O acervo possuía obras de Newton, tais como: Philosophiae Naturalis Principia Mathemática, em três volumes; Opúscula Mathemática, Philosophica et Philologica, em três volumes; e, em volume único: Opera Omnia.

O Curso de Matemático da biblioteca contava com oitos volumes, e o Curso de Física, com três volumes. Os oratorianos foram grandes divulgadores de Newton e da Física moderna. Em 1737, Castro Sarmento divulgou a obra Teórica Verdadeira dos Marés, escrita por Issac Newton. A biblioteca contava com apostilas contendo todos os fundamentos e as experiências dos filósofos modernos. A edição de Elementos de Mathemática, traduzida de Elementa Matheseos Universae, de 1715, foi desdobrada em cinco volumes.

No catálogo oratoriano também se registra a presença dos chamados Compêndios de Wolf, cuja lógica era recomendada na Universidade de Alcalá de Henares. O padre Tosca também constava no catálogo. A sua obra “Filosofia” foi editada em cinco volumes, e a sua obra “Matemática”, em nove volumes. O padre Tosca era um renomado matemático e exerceu grande influência, por exemplo, no pensamento de frei Manuel do Cenáculo (1724-1814).

A Biblioteca dos Oratorianos apresentava uma série de outras referências do campo da Filosofia, da Matemática, da Física e das Ciências Naturais, o que demonstra que os processos educativos do período, com suas teorizações pedagógicas inovadoras, também são referência importante da pedagogia no Brasil. Os novos modelos educativos vinculados à discussão do método, da práxis da experimentação e da valorização da matemática e da lógica fundamentam toda a organização da instrução. Assim, as transformações sociais, culturais e pedagógicas impulsionaram os novos modelos de ensino e de aprendizagem, e o período, certamente, é uma importante referência de estudos da história da educação no Brasil.

Considerações finais

A presença da Congregação do Oratório no Brasil entre os séculos XVII e XVIII foi um período significativo para o campo da educação e para a história da educação brasileira. Nesse contexto, os processos educativos, as instituições formativas e as teorizações pedagógicas foram renovadas. Trata-se de uma época essencial para o estudo da pedagogia, particularmente da história da educação, na medida em que os processos educativos penetram todos os setores da sociedade. No Brasil, esse contexto foi também marcado pela presença da Congregação do Oratório. Essa instituição religiosa impulsionou as instituições escolares com novos modelos pedagógicos.

Em parte, os oratorianos foram os responsáveis pela organização dos documentos de orientação para a reforma do ensino. A reforma dos estudos ocorreu em Portugal e em suas colônias. O Alvará de 28 de junho de 1759, conhecido como Lei Geral dos Estudos Menores, impulsionou as mudanças idealizadas por Sebastião José de Carvalho e Melo. Ele veiculou a ideia de que a educação sob o domínio dos jesuítas ocasionou um significativo atraso cultural e pedagógico.

É importante destacar que o conflito entre Pombal e os jesuítas esteve mais centrado numa questão de política colonial, mais propriamente relacionada à demarcação das fronteiras da América Portuguesa, e também em relação à atuação dos jesuítas junto aos indígenas. O conflito não se explica exclusivamente, como muitos acreditam, pela posição em relação ao sistema educacional, aspectos políticos merecem maior destaque. Pelo Alvará da reforma dos estudos de 1759, os jesuítas são apontados como conspiradores, uma vez que utilizaram um método de ensino que havia posto Portugal numa posição cultural inferior às demais potências econômicas da época. Nesse contexto, os oratorianos eram considerados mais abertos às inovações e novidades no campo da filosofia. A escolha de Pombal pelos oratorianos ocorreu como resultado de suas divergências com os jesuítas e de suas estratégias políticas de alinhamento com a Igreja Católica e a consolidação de um iluminismo nacionalista e cristão.

No Brasil, os oratorianos desempenharam um importante papel religioso, político e educacional. Destaque para o trabalho missionário desenvolvido, único meio capaz de controlar os povos indígenas e permitir o desenvolvimento das atividades econômicas. Os aldeamentos missionários também contribuíram para a interiorização da ocupação do território das capitanias e para a “redução” dos indígenas. O papel político dos religiosos foi decisivo como parte do aparelho burocrático colonial e de sustentação da conquista diante dos conflitos com os povos indígenas. Foi necessário inserir os indígenas no projeto colonial, as missões, formadas por indígenas reduzidos, colaboraram para o povoamento dos territórios.

No campo do ensino, os manuais pedagógicos publicados pela Congregação do Oratório para uso em suas classes também ensinavam alunos externos. A formação ocorria, primeiramente, nos primeiros segmentos, ou seja, para o ensino elementar e para o ensino secundário. A literatura escolar dos oratorianos foi organizada para atender às quatro diferentes classes de ensino: a primeira de doutrina cristã, ler, escrever e calcular; a segunda de gramática e retórica; a terceira era focada na teologia moral, e a quarta era destinada ao ensino de filosofia.

A pedagogia oratoriana atendia aos mais diferentes segmentos sociais: a catequização e doutrinação dos povos indígenas e negros; a formação elementar e secundária nos povoamentos e a instrução de nível superior nos cursos de filosofia e de teologia tanto de futuros religiosos quanto de membros da comunidade. Eles não se preocupavam somente com o ensino da doutrina cristã, gramática, retórica, teologia moral e filosofia, também se dedicaram ao ensino de física a partir de aulas práticas de experimentação em laboratórios com o uso de equipamentos modernos.

Os primeiros religiosos oratorianos em Pernambuco se dedicaram às missões no interior, visando à organização dos aldeamentos, catequização e doutrinação, para a fixação dos portugueses nos mais diferentes povoamentos em atenção ao projeto de colonização. Era imperioso povoar o Brasil para se fazer frente aos estrangeiros, tais como os holandeses, ingleses e franceses, que insistiam na fixação de alianças com os indígenas para o desenvolvimento de trocas comerciais. Com a fixação da Congregação do Oratório em Recife, novas frentes de trabalho se impuseram, e a principal delas eram as atividades de ensino.

No Convento da Madre de Deus, em Recife, os oratorianos realizavam atividades pedagógicas voltadas não somente à formação de futuros religiosos da ordem, como também à instrução de leigos. A instituição se preocupava com a qualidade do ensino e, para atender a tais anseios, trouxeram renomados professores em filosofia e teologia, como frei Bartolomeu do Pilar, que embarcou para Pernambuco em 1696, lecionando por vários anos na Congregação do Oratório. Em 1702, o cardeal Miguel Ângelo Conti, futuro papa Inocêncio XIII (1721-1724), concedeu-lhe o título de doutor em teologia. Frei Bartolomeu era conhecido por seus conhecimentos intelectuais, pregador respeitado, além disso, em Pernambuco, atuou como Examinador Sinodal e Visitador Comissário (1699); Comissário dos Conventos Carmelitas (1704) e qualificador do Santo Ofício.

O apoio da coroa e da aristocracia portuguesa foi fundamental para que os colégios oratorianos fossem uma alternativa aos colégios dos jesuítas. Em parte, a pedagogia dos oratorianos se constituiu um expressivo esforço de renovação cultural e intelectual do Estado Português. Nas escolas do Oratório, valorizou-se o estudo da língua nacional em contraposição ao latim e incentivou-se o estudo da matemática, das ciências naturais e da história vinculada à geografia. Contudo é oportuno destacar, também, que a monarquia, com as reformas, potencializou os mecanismos de arrecadação e controle das atividades econômicas, sobretudo, nas colônias. Em parte, elas significaram mais coerção e mais intervenção; além disso, no campo da educação, as reformas pedagógicas produziram desacertos, em particular, pela falta de recursos humanos e materiais, ainda mais pelas dimensões do Brasil.

Desse modo, o formato da escola assumiu um caráter de formação das classes dirigentes e de controle da vida escolar. As escolas vinculadas às instituições religiosas na contramão dos interesses do Estado impulsionaram a oferta de escolas para o povo, objetivando o combate ao analfabetismo e à formação elementar. É preciso destacar que, nos Estatutos da Congregação do Oratório, vemos elementos importantes das bases da pedagogia moderna, sobretudo, relacionados à necessidade de formação não somente de religiosos, mas, igualmente, da formação do homem civil. Assim, o papel educativo das instituições escolares voltou-se para o ensino das práticas de civilização das boas maneiras.

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  • Rodadas de avaliação:

    R1: 3 convites; 2 pareceres recebidos.
  • Financiamento:

    A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Editado por

Editor-associado responsável:

Raquel Discini de Campos (UFU)
E-mail: raqueldiscini@uol.com.br
https://orcid.org/0000-0001-5031-3054

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2023
  • Aceito
    02 Ago 2023
  • Publicado
    10 Out 2023
  • Publicado
    03 Nov 2023
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