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“Um grande operario da civilisação futura dos povos da amazonia” José Veríssimo (1857-1916) e o Collegio Americano (1881-1890)

“A great worker of the future civilization of the people of the Amazon”: José Veríssimo (1857-1916) and the Collegio Americano (1881-1890)

“Un gran obrador de la futura civilización de los pueblos de la Amazonía”: José Veríssimo (1857-1916) y el Collegio Americano (1881-1890)

Resumo

Este artigo analisa a experiência educacional de José Veríssimo no “Collegio Americano”, entre 1881 e 1890. Procura-se compreender as inovações pedagógicas realizadas por Veríssimo no interior do debate político entre a tradição imperial e a política científica. Em nome da educação moderna, tais inovações provocaram intensos debates sobre a sua legitimidade diante da opinião pública paraense. A partir de uma pesquisa documental e bibliográfica, considero que a experiência educacional de Veríssimo assumiu desdobramentos políticos em função dos seus pressupostos reformistas da Geração 1870. Constata-se que o “Collegio Americano” representou um espaço de organização da cultura ao defender uma educação moderna, laica, científica na sociedade civil paraense oitocentista, o que ficou evidenciado na “Questão Veríssimo Saraiva”.

Palavras-chave:
educação moderna; política científica; geração 1870

Abstract

This article analyzes the educational experience of José Veríssimo at the “Collegio Americano”, between 1881 and 1890. It seeks to understand the pedagogical innovations carried out by Veríssimo within the political debate between the imperial tradition and scientific policy. In the name of modern education, such innovations provoked intense debates about their legitimacy in the public opinion of Pará. Based on documentary and bibliographical research, I consider that Veríssimo's educational experience took on political consequences due to his reformist assumptions of the 1870 Generation. It appears that the “Collegio Americano” represented a space for the organization of culture by defending a modern, secular education, scientific in the civil society of Pará in the 19th century, which was evidenced in the “Veríssimo Saraiva Question”.

Keywords:
modern education; science policy; generation 1870

Resumen

Este artículo analiza la experiencia educativa de José Veríssimo en el “Collegio Americano”, entre 1881 y 1890. Busca comprender las innovaciones pedagógicas llevadas a cabo por Veríssimo dentro del debate político entre la tradición imperial y la política científica. En nombre de la educación moderna, tales innovaciones provocaron intensos debates sobre su legitimidad en la opinión pública de Pará. Con base en investigaciones documentales y bibliográficas, considero que la experiencia educativa de Veríssimo tomó consecuencias políticas debido a sus presupuestos reformistas de la Generación de 1870. Parece que el “Collegio Americano” representó un espacio para la organización de la cultura al defender una educación moderna, laica, científica. en la sociedad civil de Pará en el siglo XIX, lo que quedó evidenciado en la “Cuestión Veríssimo Saraiva”.

Palabras clave:
educación moderna; política científica; generación 1870

Introdução

Em março de 1881, foram publicados no Diário de Belém1 1 Há escassas informações sobre o Jornal Diário de Belém. Segundo Manoel Barata (1973, p. 247), o jornal era uma “Folha política, noticiosa e comercial, e (depois) órgão especial do comércio. 1868-1892. Pará, Tip. do Diario de Belém. Fol. gr. a 4 col. e fol. max. a 5 col. Redigido pelo bacharel Antonio Francisco Pinheiro, seu fundador e proprietário”. anúncios de vaga para lente de francês no “Collegio Americano”. Em funcionamento desde janeiro, a escola era uma iniciativa de Justus W. Nelson, missionário metodista em Belém. Nos prospectos da escola, publicados em abril, José Veríssimo era apresentado como professor de história, português e francês. Em 1884, no Noticia Geral do Collegio Americano (1888), um folheto que indicava as inovações pedagógicas da instituição de ensino, Veríssimo compartilhava a direção2 2 Convém ressaltar que as biografias sobre José Veríssimo (Prisco, 1937; Veríssimo, 1966) e os estudos (França, 2004, 2009) sobre o “Collegio Americano” se pautaram na análise do Noticia Geral... e consideravam a sua fundação a partir de 1884 sob a direção de José Veríssimo. Assim, em função da análise dos jornais paraenses do período, em especial o Diário de Belém, Moraes (2018) identificou a origem do “Collegio Americano” em 1881 com a administração de Justus W. Nelson. com Justus W. Nelson; no entanto, a parceria foi passageira em razão das divergências sobre estas inovações educativas, tais como “jardim de infância” e a secularidade do ensino e, a partir de então, Veríssimo tornou-se proprietário da escola entre 1884 e 1890 (Moraes, 2018Moraes, F. T. (2018). José Veríssimo (1857-1916), intelectual amazônico: geração 1870 e a educação no Grão-Pará (1877-1891) [Tese de Doutorado]. Universidade de São Paulo.).

Assim, a experiência como professor de francês em uma instituição particular credenciava Veríssimo para participar do concurso da cadeira de francês do Liceu Paraense. A desclassificação neste concurso possibilitou a Veríssimo o engajamento na “Sociedade Paraense Promotora da Instrução” (1883-1884). Segundo Felipe Moraes (2020Moraes, F. T. (2020). ‘Saber é poder’ e o saber do poder: José Veríssimo (1857-1916) entre a ‘marginalização’ e o ‘engajamento’ educativo na Província do Pará (1881-1884). Revista Brasileira de História da Educação, 20, e117, 2020.), há uma estreita relação entre a atividade política na “Sociedade Paraense Promotora da Instrução” e a prática pedagógica na direção do “Collegio Americano” (1884-1890). Na “Sociedade”, Veríssimo, ao lado de Conselheiro Tito Franco de Almeida e Dr. Domingos D’Almeida, promovia conferências e atividades de divulgação das modernas ideias pedagógicas com o intuito de fomentar uma “reforma intelectual” da sociedade paraense.

Na direção do “Collegio Americano”, Veríssimo incorporou estas modernas ideias pedagógicas na prática educativa da instituição particular de ensino. Isso se evidenciou ao introduzir no ensino primário as disciplinas de História, Geografia, Lições de Coisas e Educação Física, ao mesmo tempo que tentou implementar o “Jardim de Infância” (Kindergarden). Ainda instituiu outras duas inovações educativas: a coeducação de meninos e meninas e o ensino laico/secular - ou seja, sem disciplinas ou conteúdos com caráter religioso ou confessional. Estas inovações educativas foram apontadas por diversas pesquisas que demonstraram a relevância da atuação educacional de José Veríssimo na província do Pará, fosse por sua atuação no “Collegio Americano”, fosse pela reflexão teórica no A educação nacional... (Alves, 2011Alves, C. (2011). A educação nacional de José Veríssimo. In M. C. Xavier, & J. C. Hamdan (Orgs.), Clássico da educação brasileira (Vol. 2, pp. 27-48). Mazza.; Araújo & Prestes, 2010Araújo, S. M. S., & Prestes, C. A. T. (2010). Educação republicana sob a ótica de José Veríssimo. Educar em Revista, (n. esp. 2), 303-318.; Araújo & Prestes, 2007; Bontempi Júnior, 2003; Cavazotti, 2003Cavazotti, M. A. (2003). O projeto republicano de educação nacional na versão de José Veríssimo. Annablume.; França, 2004França, M. P. S. S. A. (2004). José Veríssimo (1857-1916) e a educação brasileira republicana: raízes da Renovação Escolar Conservadora [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas., 2007, 2009; Tullio, 1996Tullio, G. A. (1996). Transformação ou modernização? O projeto pedagógico de José Veríssimo para o Brasil República [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas.; Silva, 2012Silva, L. V. A. (2012). Ciência e educação científica feminina no discurso de José Veríssimo (1857-1916). História da Ciência e Ensino, 6, 49-70.).

Todavia, uma dimensão ficou ausente nestes estudos: o “debate político”, cujos desdobramentos foram ideológicos, morais e pedagógicos, entre a tradição imperial e a política científica (Alonso, 2002Alonso, A. (2002). Idéias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil-Império. Paz e Terra.). O trabalho de Moraes (2020Moraes, F. T. (2020). ‘Saber é poder’ e o saber do poder: José Veríssimo (1857-1916) entre a ‘marginalização’ e o ‘engajamento’ educativo na Província do Pará (1881-1884). Revista Brasileira de História da Educação, 20, e117, 2020.) oferece alguns indicativos deste debate ao enfocar a “marginalização” e o “engajamento” educativo de Veríssimo na “Sociedade”. Com a desclassificação do concurso de Francês do Liceu Paraense, Veríssimo sofreu uma interdição em razão de suas posições políticas anticlericais, liberais e positivistas ao escrever um breve perfil biográfico de Émile Littre no jornal O Liberal do Pará3 3 Sobre o Jornal O Liberal do Pará, Manoel Barata (1973, p. 247) afirmou: “Jornal político, comercial e noticioso. Órgão do partido liberal. 1869-1890. Pará, Tip. do Jornal do Amazonas, travessa das Mercês, n.° 23; Tip. do Liberal do Pará, ibi, e (por último) Largo das Mercês n.° 3. Fol. gr. a 4 e 5 col. Diário. 1.° número, em 10 de janeiro de 1869. Substituiu o Jornal do Amazonas”. A exemplo do Diário de Belém, que estava vinculado ao órgão especial do comércio, o Liberal do Pará era veículo oficial do Partido Liberal no Pará. , em 1881. Esta “marginalização” de uma posição prestigiosa de professor no Liceu Paraense estimulou o seu “engajamento” político na “Sociedade”, pois a decadência das instituições imperiais precisava ser contestada pela propagação das modernas ideias educacionais que incentivassem uma “reforma intelectual” da sociedade civil paraense.

Neste “engajamento” Veríssimo ocupou algumas páginas do jornal O Liberal do Pará para averiguar aquela desclassificação no concurso, gerando, com sua denúncia, uma grande polêmica sobre o favoritismo de candidatos em concursos públicos na província. Esta não foi a primeira polêmica na carreira educativa de Veríssimo no Pará. Em razão das inovações pedagógicas implementadas no “Collegio Americano”, o autor de A educação nacional... recebeu diversas críticas que questionavam a validade da educação moderna, laica e científica. Tal polêmica ficou conhecida como “Questão Veríssimo Saraiva”, que consistiu no debate entre José Veríssimo e João Saraiva, diretor do “Collegio Franco-Brazileiro”, nas páginas do jornal Diário de Belém, em 1885.

Assim, o objetivo do artigo é analisar a experiência educacional4 4 Embora este estudo vincule-se ao campo da história intelectual, pondero ser pertinente as contribuições da história social thompsoniana no campo da História da Educação para analisar o “fazer-se intelectual” de José Veríssimo, principalmente relacionado às suas atividades educativas na direção do “Collegio Americano” e ao debate educativo com João Saraiva - estas duas dimensões, como argumento neste artigo, foram fundamentais na experiência educacional de José Veríssimo. Sobre a relação entre a obra de Thompson e a História da Educação, vide: Schueler (2014) e Faria Filho e Bertucci (2009). (Thompson, 1981Thompson, E. P. (1981). O termo ausente: experiência. In E. P. Thompson. A miséria da teoria ou um planetário de erros (pp. 180-200). Zahar., 1987) de José Veríssimo no “Collegio Americano”, entre 1881 e 1890. Procura-se compreender as inovações pedagógicas5 5 Convém ressaltar que tais inovações pedagógicas consistiam em mudanças curriculares no âmbito da escola primária cuja referência fundamental eram os modelos pedagógicos europeus oitocentistas; ou seja, estas mudanças curriculares configuravam-se enquanto inovação educativa no contexto latino-americano e, por extensão, brasileiro - e paraense. Sobre essas inovações educativas na escola primária, verificar: Souza (2000). realizadas por Veríssimo no interior do debate político entre a tradição imperial e a política científica (Alonso, 2002Alonso, A. (2002). Idéias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil-Império. Paz e Terra.). Em nome da pedagogia moderna6 6 Conforme Cambi (1999) e Manacorda (1992), a pedagogia moderna desenvolveu-se no século XVIII enquanto projeto filosófico contra o Antigo Regime e transformou-se em projeto político dos nascentes Estados Nacionais no século XIX, ao apresentar o racionalismo científico, o secularismo e a formação para a cidadania como pilares da sociabilidade moderna surgida com a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. Assim, em meados do século XIX, a pedagogia moderna representou a defesa da educação pública, gratuita, laica e obrigatória sob a responsabilidade do Estado, ao mesmo tempo que a educação passava a ser compreendida como um direito inalienável do cidadão que deveria receber uma formação integral: intelectual, moral e física. Este debate ficou evidente no programa educativo do “Collegio Americano”. , tais inovações provocaram intensos debates sobre a sua legitimidade diante da opinião pública paraense. A partir de uma pesquisa documental e bibliográfica, considero que a experiência educacional de Veríssimo assumiu desdobramentos políticos em função dos seus pressupostos reformistas da Geração 1870.

Segundo Angela Alonso (2002Alonso, A. (2002). Idéias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil-Império. Paz e Terra.), as forças da “tradição imperial”, que enfrentaram as vicissitudes do Primeiro Reinado (1822-1831) e da Regência (1831-1840), consolidaram um modelo de estado imperial no Segundo Reinado (1840-1889) em função de três dimensões. Em primeiro lugar, o liberalismo estamental que, ao mesmo tempo, garantia o exercício da cidadania restrito aos proprietários de terras e de escravizados e promovia legitimidade da desigualdade social. Em segundo lugar, o catolicismo hierárquico que, a partir do regime de padroado, integrava o Estado e legitimava o poder imperial, cuja face caritativa acolhia os marginalizados pelo liberalismo (escravizados, mulheres, crianças etc.). E, por fim, o indianismo romântico forjava uma identidade nacional que a um só tempo legitimava a colonização portuguesa e silenciava sobre a escravidão negra, servindo de representação peculiar ajustada às instituições imperiais.

Ainda de acordo com Alonso (2002Alonso, A. (2002). Idéias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil-Império. Paz e Terra.), a Geração 1870 promovia uma “política científica”7 7 De acordo com Alonso (2002), a “política científica” consistia no posicionamento baseado nas perspectivas cientificistas em voga na década de 1870, tais como o positivismo, o evolucionismo cultural, o darwinismo social, o naturalismo e o determinismo geográfico, cuja lógica científica era mobilizada para a construção de teorias de reforma política dos grupos que integravam a Geração 1870. que contestava as instituições imperiais e apresentava diversas teorias da reforma na arena política. Por um lado, os “novos liberais”, liderados por Joaquim Nabuco, e os “positivistas abolicionistas”, representados por Teixeira Mendes e Miguel Lemos, esgrimiam pela reforma social pautada na abolição da escravidão, ao tecer críticas à formação social e econômica no Brasil ancoradas em heranças coloniais. Por outro lado, havia os grupos que defendiam a reforma política baseada na ideia federativa e na autonomia provincial, tais como os “liberais republicanos”, como Quintino Bocaiúva, os “federalistas positivistas gaúchos”, comandados por Julio de Castilhos e Assis Brasil, e os “federalistas científicos paulistas”, encabeçados por Alberto Salles e Pereira Barreto.

No contexto político da Província do Pará, a “tradição imperial” estava representada por Dom Macedo Costa8 8 Antônio de Macedo Costa, conhecido por Dom Macedo Costa, nasceu na cidade de Maragogipe, no interior da Bahia, em 1830. Em Salvador, ingressou no seminário em 1848; realizou o restante de sua formação eclesiástica na França, no seminário de São Sulpício, ordenando-se presbítero; concluindo com o Doutorado em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, em 1859. Em 1860, indicado por Dom Romualdo de Seixas, Arcebispo de Salvador, foi o 10º bispo do Pará. Dom Macedo Costa e Dom Vital, Bispo de Olinda, foram os principais representantes da romanização ou reforma católica no Brasil, movimento que consistiu no reforço dos valores espirituais e temporais da Igreja Católica. Tal movimento resultou na chamada “Questão Religiosa”, provocando embates entre maçons e católicos em face do crescente processo de secularização, engendrado pela modernização do país, a partir de 1870 (Martins, 2005). , o bispo do Pará, cuja defesa de uma civilização imperial e cristã na Amazônia ia da política de aldeamento até a instrução pública (Costa & Araújo, 2017). Por sua vez, a “política científica” era defendida por um “grupo paraense” da Geração 1870 a partir da atuação política e intelectual de José Veríssimo e Lauro Sodré - o primeiro deseja uma reforma social por meio da imigração, agricultura, educação; e o segundo almejava uma reforma política pautada na forma federativa de governo (Moraes, 2022Moraes, F. T. (2022). “Não basta produzir borracha”: José Veríssimo (1857-1916) e a “civilização” do sertão amazônico no Grão-Pará (1883-1886). Almanack, (32).).

Por isso, no interior do debate político entre “tradição imperial” e “política científica”, considera-se neste estudo o seu desdobramento para a dimensão educativa na oposição entre uma educação erudita, tradicional e confessional e uma educação moderna, laica e científica. Deste modo, argumenta-se que o “Collegio Americano” assumiu o papel de organizador da cultura (Gramsci, 2001Gramsci, A. (2001). Cadernos do Cárcere (Vol. 2, 2a ed., Carlos Nelson Coutinho, trad.). Civilização Brasileira.) educativa reformista ao implementar um conjunto de inovações pedagógicas que contestavam o status quo educacional e, em razão disso, gerou diversos debates sobre a legitimidade da educação reformista diante da opinião pública na Província do Pará.

O artigo divide-se em três partes. A primeira parte trata da educação na perspectiva da “tradição imperial” fortemente ancorada no caráter confessional e caritativo. Na segunda parte expõe-se o programa educativo do “Collegio Americano” sob a direção de José Veríssimo pautado na educação moderna. E, por fim, a terceira parte debruça-se na “Questão Veríssimo Saraiva”, que consistiu no debate político sobre a legitimidade social e educativa das inovações educacionais perante a opinião pública paraense.

O projeto educativo da “tradição imperial” no Grão-Pará oitocentista

Na Província do Pará, as discordâncias e oposições entre conservadores, católicos e liberais não se configuravam de modo rígido e irredutível; no processo de modernização da sociedade amazônica oitocentista, todos os grupos políticos da província desejavam a civilização da Amazônia e, em razão disso, compartilhavam os valores da modernidade associados ao trabalho, à propriedade e à família; contudo havia a divergência sobre os princípios norteadores neste processo de transformação, desdobrando no debate entre o clericalismo e a secularização (Martins, 2005Martins, K. D. (2005). Cristóforo e a romanização do inferno verde: as propostas de D. Macedo Costa para a civilização da Amazônia (1860-1890) [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas.; Rizzini, 2006Rizzini, I. (2006). O imaginário divino e o amor da pátria: tensões entre a igreja e a instrução pública nas províncias amazônicas. Revista Contemporânea de Educação, 2, 1-19.).

Considera-se que ocorria uma oposição entre as hostes da “tradição imperial” e da “política científica” no campo educativo: aqueles defendiam a “conservação” de uma educação erudita, tradicional e religiosa e estes advogavam a “reforma” pautada em uma educação moderna, científica e laica. Porém, esses grupos políticos compartilhavam a perspectiva do poder regenerador da educação, ora para formar o súdito piedoso, ora para formar o cidadão científico. Ao apontar estas aproximações e distanciamentos, apresenta-se os argumentos do projeto educativo da “tradição imperial” em função de três exemplos: a) nas propostas pedagógicas de Dom Macedo Costa; b) sobre o Instituto de Artes, Ofícios e Agricultura “Providência” em notícias publicadas no A Provincia do Pará; c) na comissão de instrução pública na Assembleia Provincial.

A proposta educativa de Dom Macedo Costa baseava-se no abrigo da infância desvalida em instituições de ensino caritativas. Iniciada aos seis anos, a educação deveria ensinar as regras sociais e a doutrina cristã; na esteira dos ensinamentos de Fenèlon, Dom Macedo Costa considerava que a instrução era um dos caminhos para a construção da virtude interior, respaldada em valores católicos. Todavia, para o bispo do Pará, a educação intelectual não estava disponível para todos, uma vez que os homens eram mais capazes do que as mulheres para o exercício de atividades intelectuais (Martins, 2005Martins, K. D. (2005). Cristóforo e a romanização do inferno verde: as propostas de D. Macedo Costa para a civilização da Amazônia (1860-1890) [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas.). Para Dom Macedo Costa, havia uma vinculação direta entre a educação feminina e o espaço doméstico; isto é, a educação das meninas deveria capacitá-las para o trabalho no lar e os cuidados com a família. Em última instância, a educação feminina formaria a boa esposa instruída na moral cristã, que consistia em uma acólita contra propagação das perniciosas “ideias modernas” (Costa, 2014).

Inaugurado em 1878, o “Asilo de Santo Antônio” representou a concretização do projeto educativo de Dom Macedo Costa vinculado à instrução feminina em situação desvalida na província do Pará. Este estabelecimento de ensino caritativo ofertava os conteúdos necessários para a constituição de mães cuidadosas e esposas piedosas; tais conteúdos referiam-se aos rudimentos de leitura, de escrita, de aritmética e de ensino religioso, dando ênfase particular às prendas domésticas. Logo, a educação das meninas desvalidas visava à conservação dos valores católicos por meio da formação da boa esposa (Bezerra Neto, 1998Bezerra Neto, J. M. (1998). As luzes da instrução: O 'Asylo' de Santo Antônio em Belém do Pará (1870-1912). In R. E. A. Marin, (Org.), A escrita da história paraense (pp. 185-206). NAEA/UFPa.; Costa, 2014; Costa & Araújo, 2017).

Ao lado do “Asilo de Santo Antônio” destinado às meninas desvalidas, havia outro estabelecimento educativo atrelado à ação pastoral de Dom Macedo Costa dedicado ao ensino de primeiras letras e de ofícios ligados à agricultura aos meninos desvalidos: o Instituto de Artes, Ofícios e Agricultura Providência (Rizzini, 2004Rizzini, I. (2004). O cidadão polido e o selvagem bruto: a educação dos meninos desvalidos na Amazônia Imperial. 2004 [Tese de Doutorado]. Universidade Federal do Rio de Janeiro., 2006). Em 1885, o jornal A Província do Pará, reconhecido por suas posições liberais na arena política paraense, publicou um editorial elogiando o empreendimento do bispo e uma missiva aversa àquela iniciativa; embora fosse um jornal liberal, nada impedia uma posição favorável diante de uma ação educativa católica que visava à civilização da província. Isto ficou evidenciado no editorial que relatava a miúde que o instituto promovia à instrução e à agricultura, ambos considerados emblemas do progresso e da civilização; por sua vez, a missiva denunciava o instituto enquanto “instrumento do papismo” e do catolicismo em matéria de instrução pública. A missiva ainda ressaltava a importância de construir estabelecimentos de ensino, embora defendesse a utilização dos “modernos processos e methodos pedagogicos” no lugar da promoção do “ensino clerical”. Por fim, o missivista destacava que a educação poderia formar cidadãos inclinados ao “amor da pátria”, em vez de engendrar o súdito crente no “imaginário divino” (Rizzini, 2006).

Tal debate não se limitou às colunas dos jornais e alcançou a tribuna da Assembleia Provincial. A comissão de instrução pública, em 1883, era constituída pelo padre Mancio Caetano Ribeiro, o cônego José Lourenço da Costa Aguiar e o médico Julio Mario da Serra Freire - este último era alcunhado pelos liberais de “padre de casaca”. Com a presidência do cônego Siqueira Campos, liderança do Partido Conservador, ocorreu neste ano a discussão sobre a reforma da instrução pública nº 1.547, cujo desdobramento foi a aprovação do polêmico artigo 42. Por sua vez, os liberais, sob a batuta d’O Liberal do Pará, contestavam o artigo aprovado porque, ao manobrar a Constituição, garantia a liberdade na abertura de escolas sob a condição do monopólio do ensino da religião oficial do Estado.

O Liberal do Pará, em extenso artigo, apontava que a reforma era pautada pelo “espirito malévolo do clericalismo” e assinalava que a comissão de instrução pública era refrataria às iniciativas legais que promovessem o ensino secular e o encerramento do ensino religioso nas escolas. O padre Mancio Ribeiro, o mais destacado membro da comissão de instrução pública, concebia que as “escolas neutras”9 9 O termo “escolas neutras” era utilizado para qualificar experiências educativas de cunho público ou privado que tinham a intenção de ofertar ensino intelectual e moral com base em valores laicos/seculares. Em outras palavras, eram iniciativas que não empregavam o ensino religioso na instrução primária. Um dos pontos de discussão entre conservadores e liberais na Assembleia Provincial foi a conservação do ensino religioso na instrução pública (Rizzini, 2006). Nesse sentido, considero que a experiência do “Collegio Americano”, a partir da direção de Veríssimo, foi uma das mais exitosas “escolas neutras” na Província do Pará. eram uma ameaça, porque o lente não era obrigado a ensinar a doutrina católica. No contexto da referida reforma, a oposição entre a laicidade e a confessionalidade em matéria de ensino ficou demarcada nas posições do padre Mancio Ribeiro, que radicava na religião o alicerce da educação, e do liberal Joaquim Cabral, que, em tom de pilhéria, apontava nas lições do “ABC” a base da educação (Rizzini, 2006Rizzini, I. (2006). O imaginário divino e o amor da pátria: tensões entre a igreja e a instrução pública nas províncias amazônicas. Revista Contemporânea de Educação, 2, 1-19.).

O presidente da Assembleia Provincial, o cônego Siqueira Mendes10 10 Natural de Cametá, no interior do Pará, José Manuel de Siqueira Mendes nasceu em 6 de setembro de 1825. Realizou os estudos primários em Cametá e os estudos seminaristas em Belém, sob a influência de Dom Romualdo Coelho. Sua vida política iniciou no Partido Liberal, no entanto consolidou-se nas fileiras do Partido Conservador, sendo uma das suas principais lideranças na década de 1870. Foi deputado geral em quatro legislaturas, presidente da Assembleia Provincial e vice-presidente da província do Pará. O coroamento de sua carreira política foi a nomeação, em 1886, ao cargo vitalício de Senador do Império (Borges, 1970). , também se posicionou neste debate, obviamente em favor do ensino religioso e chamando a atenção dos deputados liberais. Para Siqueira Mendes, a defesa do ensino laico era infração ao artigo 5º da Constituição do Império, pois constituía-se em uma agressão à religião oficial do Estado. Foi nestes termos a intervenção de Siqueira Mendes na discussão:

Com effeito, a civilisação do Brazil é obra da Religião Catholica; desde a pregação de Nobrega e Anchieta até nossos dias.

É á religião catholica que devemos as nossas luzes, a nossa nacionalidade, o nosso caracter, as nossas instituições e os nossos progressos [...].

Como, pois, avançar que o ensino da religião é uma cousa inútil, que deve se banido d’um estabelecido de educação de meninos?

Como querer o progresso, a civilisação, a instrucção, banindo a religião que é a sua origem?

(Rizzini, 2006Rizzini, I. (2006). O imaginário divino e o amor da pátria: tensões entre a igreja e a instrução pública nas províncias amazônicas. Revista Contemporânea de Educação, 2, 1-19., p. 13).

Foi neste contexto de iniciativas educativas e posições políticas da “tradição imperial” que surgiram a “Sociedade Paraense Promotora da Instrucção” e a remodelação do “Collegio Americano” sob a administração de José Veríssimo - ambos buscavam organizar a cultura educativa da “política científica” no interior da sociedade civil paraense.

“Tornar o homem bom, instruído e fórte”: as inovações pedagógicas do “Collegio Americano”

Localizado na Estrada de São João, sob a direção de Justus W. Nelson, o “Collegio Americano” funcionava, em 1882, em modelo de internato, meio-pensionado e externato; oferecia o ensino primário e secundário, bem como o curso preparatório para as provas gerais de ingresso no ensino superior da Corte; ofertava o curso comercial de escrituração mercantil baseado no método utilizado nos Estados Unidos; proporcionava atividades extracurriculares como ginástica, elocução, canto e piano; no ensino religioso eram estudados trechos das “Sagradas Escrituras”, de acordo com a edição autorizada pela Igreja Católica, rogava-se as bençãos do “Onipotente” e não se aceitava preguiça, mentira e desobediência, assim como assegurava a não intervenção na crença religiosa dos estudantes (Diário de Belém, 1882a).

Com a administração de José Veríssimo e Justus W. Nelson, localizado na Estrada de São Jerônimo, em frente à Companhia de Bonds Paraense, o “Collegio Americano” era reinaugurado em 7 de janeiro de 1884. Em 1884, de acordo com Moraes (2018Moraes, F. T. (2018). José Veríssimo (1857-1916), intelectual amazônico: geração 1870 e a educação no Grão-Pará (1877-1891) [Tese de Doutorado]. Universidade de São Paulo.), a instituição foi remodelada. Inicialmente, esta reconfiguração teve a direção partilhada entre José Veríssimo e Justus Nelson; porém as divergências pedagógicas se acentuaram e Veríssimo assumiu sozinho a direção, ao passo que Justus Nelson integrou o quadro docente como professor de inglês. O que permaneceu da organização original concebida por Justus Nelson foram o regime de internato, meio-pensionato e externato; o curso primário, secundário e preparatório; e as aulas de música e ginástica.

Na gestão de Veríssimo, emergia outro estabelecimento de ensino orientado pela “pedagogia moderna”, conforme a perspectiva teórica de Herbert Spencer. Isto ficou refletido na grade curricular com a introdução, desde o ensino primário, das disciplinas de História do Brasil, Geografia Geral e do Brasil, Lições de Coisas e Educação Física, somadas a outras, como Língua Portuguesa, Cálculo Aritmético, Geometria Prática e Sistema Métrico; o ensino secundário era formado pelas disciplinas de Língua Portuguesa, História, Geografia, Aritmética, Álgebra, Latim, Francês e Inglês.

Todas as disciplinas eram conduzidas de acordo com os princípios do método intuitivo. A escola era totalmente laica/secular ao eliminar o ensino religioso da grade curricular, ao mesmo tempo que garantia a liberdade religiosa aos alunos. Foi instituída também coeducação de meninos e meninas cursando as mesmas disciplinas no espaço escolar. E, por fim, em um primeiro momento, foi implementado o Jardim de Infância (Kindergarden), conforme o método de Froebel, para meninas na faixa etária de 3 a 6 anos, no regime de externato ou meio-pensionistas.

Todas as informações descritas acima estavam expostas no Noticia Geral do Collegio Americano. Neste prospecto, geralmente distribuídos nas livrarias, estavam divulgados os preceitos educativos, as regras de admissão, os estatutos e a tabela de preços da escola. Abundavam os anúncios do colégio nas páginas de diversos jornais, tais como O Comércio do Pará, A República, A Província do Pará e o Diário do Grão-Pará.

Na introdução do prospecto foi transcrito o discurso de inauguração da escola, intitulado Da educação moderna em geral; como a entende e pretende praticar o Collegio Americano. Enquanto manifestação da “política científica” no campo educativo, o programa pedagógico do “Collegio Americano” estabelecia relação direta com as conferências de Conselheiro Tito Franco de Almeida e Domingos d’Almeida realizadas na “Sociedade Paraense Promotora da Instrucção”.

Neste discurso, Veríssimo apropriava-se dos principais argumentos das conferências para construir a noção de “educação moderna”. Por um lado, Conselheiro Tito Franco de Almeida defendia uma educação laica e científica; por outro, Domingos d’Almeida estabelecia a diferença entre educação e instrução, ao mesmo tempo que assinalava a importância da educação da infância, conforme o modelo do “jardim de infância”. Por sua vez, o diretor do “Collegio Americano” articulou estes argumentos com as ponderações dos “notaveis pedagogistas contemporaneos”, a exemplo de Herbert Spence, Charles Robin e Alexandre Bain.

No âmbito da modernidade, Veríssimo avaliava no seu discurso que uma das grandes contribuições da filosofia positiva foi estabelecer a distinção entre “instrução” e “educação”. No livro Instruction et education, de Charles Robin, Veríssimo recorria às reflexões do educador francês, inclusive bastante semelhantes às análises de Domingos d’Almeida, para diferenciar os conceitos de “instrução” e “educação” - o primeiro significava a aprendizagem de conhecimentos sociais e naturais e o segundo apontava para a cognição dos valores morais.

Outro autor citado por Veríssimo foi Alexandre Bain e a sua obra A sciencia da educação, considerado “o melhor tratado existente de pedagogia”, o qual afirmava que ter consciência de tal distinção entre “instrução” e “educação” “[...] é a formação para melhor das faculdades intellectuaes e moraes do homem” (Notícia Geral do Collegio Americano, 1888, p. 9). E, para finalizar essa parte inicial do discurso, como síntese das definições de Robin e Bain, Veríssimo citava De l’education, de Herbert Spencer, que compreendia a educação como formação integral do homem, quer dizer, o amálgama da educação intelectual, moral e física na constituição de sujeitos aptos para a vida familiar e a vida social.

O ensino prático, científico e intuitivo na educação infantil era outra dimensão fundamental do programa educativo do “Collegio Americano”. Nesta perspectiva, as disciplinas do ensino primário enfocavam na exposição dos fatos concretos e, posteriormente, detinham-se nas definições conceituais. O ensino de Gramática era pouco recomendado para crianças menores de doze anos por julgar que a decoração demasiada resultava em pouca compreensão das regras gramaticais. Por sua vez, o ensino de História, para evitar os males da decoração, precisava ter uma abordagem prática e dinâmica pautada na leitura e em breves comentários do compêndio escolar. E apontava orientação similar para o ensino de Geografia: “[...] deixemos de lado as definições aridas e façamos estudar mais pelos mappas, globos e atlas do que pelos livros” (Notícia Geral do Collegio Americano, 1888, p. 11).

Nesse sentido, o diretor do “Collegio Americano” reconhecia os desafios para a aplicação deste programa de reforma do ensino primário:

[...] a opposição de alguns paes demasiado embuidos dos preconceitos da educação litteraria; entretanto, tenho-o organisado, quanto me é possivel já, no sentido de uma direcção, sinão rigorosamente scientifica, como o quizéra, pelo menos logica, e vos prometto que logo que o possa o mudarei com inapreciavel vantagens para a nossa mocidade atrophiada por um regimen deprimente de matérias muitas vezes inuteis apprendidas broncamente de cór (Notícia Geral do Collegio Americano, 1888, p. 11-12).

Ainda no campo da educação da infância, com base em experiências de escolas do Rio de Janeiro e da Europa, pretendia anexar ao “Collegio Americano” o “Kindergarten, ou Jardim de infancia, essa maravilhosa invenção do bemdito Froebel, que almejo ter a gloria de iniciar nesta provincia” (Notícia Geral do Collegio Americano, 1888, p. 12, grifo do autor). A partir do jardim de infância, Veríssimo introduzia a coeducação de meninos e meninas, ao passo que sublinhava a educação feminina como dimensão relevante do seu programa educativo:

[...] a lição da historia que se prova que o homem sempre ganhou moralmente quando se achou em contacto com a mulher, cuja sociedade tem sobre elle o effeito de inspirar-lhe a delicadesa dos sentimentos e abrandar-lhe as asperezas da índole (Notícia Geral do Collegio Americano, 1888, p. 17).

Ao lado da educação intelectual da infância, Veríssimo também pretendia desenvolver a educação moral com a finalidade de modificar determinados comportamentos infantis inadequados. O colégio estabeleceria um código de conduta correlacionando infração e penalidade, mas sem qualquer vinculação com castigos físicos; era construir um “systema de consequencias” no qual cada infração correspondesse a uma sanção cujo objetivo era formar o “sentimento de responsabilidade”.

Nesta educação moral da criança, a família tinha um papel estratégico. Veríssimo assegurava isso ao citar o “notável pedagogista francez sr. Gréard”, que havia escrito um artigo na Revue Politique et Litteraire, em 15 de dezembro de 1883, postulando a responsabilidade familiar na educação moral das crianças:

Não ha, diz elle em um artigo sobre os deveres da familia na educação, não ha máo systema de educação que se não melhore com a intervenção da familia, nem bom que não haja a ganhar com ella. Uma das mólas do governo interior dos collegios, [...] é a participação dos paes em tudo quanto interessa o “desenvolvimento moral da criança”. [...] A educação publica não póde dar fructos sinão sob a condição de que a familia a prepare, a sustente e a complete (Notícia Geral do Collegio Americano, 1888, p. 14-15, grifo nosso).

Para completar a concepção de educação como formação integral do homem, a educação física também estava prevista no programa educativo do “Collegio Americano”. No encerramento do ano letivo de 1886, foi realizada uma festa dedicada à educação física; nesta ocasião Veríssimo proferiu um discurso explicando como era praticada na escola. Mirava-se no exemplo dos países de “alta cultura” - a Europa e os Estados Unidos - que transformaram a educação física em disciplina obrigatória em razão de sua utilização em festividades nacionais e a paulatina introdução no espaço escolar. Para Veríssimo, principalmente no exercício da ginástica, havia uma relação direta entre cidadania, pedagogia e higiene:

Não ha, pois, senão rasões de prezarmos a gymnastica, como um meio de educação physica, si quisermos dotar a nossa pátria de cidadãos não só instruidos e moralisados, mas sãos, principalmente si forem seguidos n’esse ensino os preceitos da pedagogia de mãos dadas com a hygiene (Notícia Geral do Collegio Americano, 1888, p. 30).

Ao fomentar a educação intelectual, moral e física visando à formação integral do homem, “O Collegio Americano tem como seu mais ardente desejo [...] realizar de um modo perfeito aquelle supremo desideratum da educação moderna: - ‘tornar o homem bom, instruído e fórte’” (Notícia Geral do Collegio Americano, 1888, p. 25, grifo nosso). Nesse sentido, argumento que o programa educativo do “Collegio Americano” foi uma instância de organização da cultura (Gramsci, 2001Gramsci, A. (2001). Cadernos do Cárcere (Vol. 2, 2a ed., Carlos Nelson Coutinho, trad.). Civilização Brasileira.) reformista da “política científica” na Província do Pará.

A experiência educativa (Thompson, 1981Thompson, E. P. (1981). O termo ausente: experiência. In E. P. Thompson. A miséria da teoria ou um planetário de erros (pp. 180-200). Zahar., 1987) de José Veríssimo estabeleceu-se em função do diálogo com as conferências da “Sociedade Paraense Promotora da Instrucção”, ao mesmo tempo que se apropriou do repertório científico europeu dos “notaveis pedagogistas contemporaneos”. A proposta de educação moderna do “Collegio Americano” enquanto formação integral do homem pautada em princípios científicos, práticos e laicos estava diametralmente oposta ao projeto educativo das forças da “tradição imperial”, pautada em princípios tradicionais, confessionais e eruditos.

A questão Veríssimo e Saraiva: as inovações educativas em debate

Em 25 de abril de 1884, José Veríssimo assinava um artigo nas páginas do O Liberal do Pará no qual relatava as dificuldades de implementação do Jardim de Infância no “Collegio Americano”. Segundo ele, o grande obstáculo era encontrar uma professora qualificada para lecionar aquela modalidade de ensino; todavia este obstáculo foi superado com a contratação de Anésia Mamoré, cujo trabalho iniciaria em 1º de maio. No artigo, ao agradecer o espaço para divulgar o jardim de infância, Veríssimo destacava ainda que “[...] uma das mais nobres missões da imprensa, [era] abrir caminho por entre os preconceitos [ilegível] ás idéas e commettimentos que crê justos e bons” (O Liberal do Pará, 1884, p. 2).

O relato dos problemas não ficou apenas no artigo d’O Liberal do Pará. Na introdução do Notícia Geral, Veríssimo apontava, em uma nota de rodapé, escrita em 1885, que o Kindergarden funcionou em junho de 1884 e durou apenas três meses:

Realmente, logo em Junho, e com o concurso de uma distincta senhora educada na Allemanha, abri o Jardim de infancia do Collegio Americano. Infelizmente, não poude viver sinão trez mezes - não cobrindo siquer as despezas. Não desespero, porem, e apenas aguardo melhores tempos para renovar a tentativa, cuja plena realisação me parece do mais auspicioso futuro para a mocidade paraense. J.V - 1885 (Notícia Geral do Collegio Americano, 1888, p. 12).

Na percepção de Veríssimo, aquele tempo não estava auspicioso para a implementação de inovações pedagógicas, sobretudo porque estava filtrado pelo debate político e, em razão disso, tornava-se objeto de virulentas críticas e absorventes polêmicas.

Pode-se mencionar como exemplo de crítica virulenta o artigo “Collegio Americano”, assinado por “O Quaty”, publicado em 6 de maio de 1884 nas colunas do A Constituição, no qual contestava o ensino misto e a secularização do ensino. O articulista sublinhava, em tom debochado, se aquela casa de educação não se converteria em uma “arca de Noé”:

Da segunda vez, annunciando s.s., que ia inaugurar o jardim no próprio collegio (já de homens e mulheres) entenderão elles [os professores], e com justiça, que a coisa já era muito ridícula porque parecia mais que s.s. queria fazer do seu collegio uma espécie de “arca de Noé” (A Constituição, 1884, p. 2, grifo do autor).

Com mais seriedade, o articulista questionava sobre a possibilidade de a educação prescindir da influência da religião:

Convivencia de ambos os sexos n’uma casa onde não se ensina a religião como fundamento da moral! Convivem meninos e meninas n’uma casa cujo chefe não tem religião, nem rei, nem roque [...] fóra de lá o Borges, seu comendador, os tôlos que sigam (A Constituição, 1884, p. 2).

Aponta-se como exemplo de absorvente polêmica a discussão com o diretor do “Collegio Franco-Brazileiro”, o senhor João Saraiva11 11 Não foi possível encontrar informações detalhadas da trajetória de João Saraiva. Das informações disponíveis em jornais paraenses do período, encontrei, no Diário de Belém, um prospecto de divulgação do “Collegio Franco-Brazileiro” de 1882, no qual João Saraiva aparece como fundador e diretor da escola, na qual lecionava as disciplinas de História e Língua Portuguesa, e tendo como vice-diretor Raymundo Bertoldo Nunes (Diário de Belém, 1882b). , ocorrida entre novembro e dezembro de 1885, cuja repercussão foi nomeada de “Questão Veríssimo e Saraiva”.

A polêmica tomou as páginas do Diário de Belém. Por um lado, os artigos com o título Ao sr. José Verissimo, educador reformado, assinado por João Saraiva; por outro, as respostas intituladas Eu e o sr. Saraiva, Director do Collegio Franco-Brazileiro, escritos por José Veríssimo. Esta troca de farpas tinha como escopo tratar da legitimidade das inovações pedagógicas que, por vezes, chegaram às raias do ataque pessoal.

Em 24 de novembro de 1885, a polêmica iniciava com João Saraiva nos seguintes termos: “A deslealdade e injustiça com que s.s. me fere nas injuriosas allusões do seu discurso publicado no ‘Liberal’ [...] me levam forçosamente á atitude, por mim, agora desejada” (Diário de Belém, 1885a, p. 3). Nesta intervenção, o diretor do “Collegio Franco-Brasileiro” esperava mobilizar o público em geral e, em particular, os pais de alunos, em torno de sua resposta, de modo que a opinião pública julgasse quem tinha razão.

Saraiva, provavelmente, fazia referência ao discurso de José Veríssimo, divulgado em 19 de novembro de 1885 n’O Liberal do Pará. Neste discurso, alusivo ao encerramento do ano letivo de 1885, Veríssimo realizava um breve balanço do segundo ano da escola e, devido às inovações pedagógicas empregadas, retomava as críticas instigadas pela “[...] philosophia do egoismo, que na maior parte não é sinão o habito da indifferença”; e relembrava ainda que, em 1883, motivado pelo projeto de abrir uma casa de instrução, ignorava a responsabilidade de tal intento:

Não me refiro nem aos juízos falsos, nem as accusações de ganancia ou de presumpção, de incapacidade ou de impossibilidade, ou aos ataques surdos, covardes, medrosos - que não falharam - que despertaria forçosamente uma tentativa, que era pelo menos desejo meu, “distanciasse-se, de quejandas fundações já existentes” (O Liberal do Pará, 1885b, p. 2, grifo nosso).

As “quejandas fundações já existentes”, neste contexto de 1885, talvez fosse uma insinuação ao “Collegio Franco-Brazileiro”, que prestava seus serviços desde 1882 sob a direção de João Saraiva.

Em 6 de dezembro de 1885, no Diário de Belém, a “resposta cabal dos insultos” de João Saraiva exigia o direito de defesa e fazia um convite ao público para a acompanhar aquele debate educativo que, em alguma medida, reputava ser de interesse geral. O artigo dirimia qualquer dúvida, pois a resposta de Saraiva era uma reação ao discurso de Veríssimo publicado n’O Liberal do Pará. Em tom de deboche, Saraiva afirmava que, por meio do “monumental discurso-relatorio”, tomou conhecimento do “PRIMEIRO EDUCADOR DO IMPERIO” cujo mérito foi erigir uma imagem de si como “educador”, além de dirigir injúrias, insultos e ofensas aos outros estabelecimentos de ensino da província. Neste particular, Saraiva realizava uma referência direta às “quejandas instituições existentes”:

Promettendo tirar do passado de seu collegio “lições e ensinamentos”, que muito aproveitem os seus meninos, limita-se s.s. a mostrar que, depois de ter medido todas as dificuldades inherentes a fundação de um collegio, estabeleceu - “o distanciado completamente de quejandas fundações existentes!” (Diário de Belém, 1885b, p. 3, grifo do autor).

Saraiva ficava surpreso que todo esse distanciamento de José Veríssimo era baseado em “sua VERDE idade” e, principalmente, nas “luzes e experiência” de Justus W. Nelson. Aliás, segundo Saraiva, tal parceria não teria durado sete dias, sendo auxiliada por ilustres colaboradores “tão seus, quanto dos outros collegios quejandos”.

Ainda conforme Saraiva, o programa educativo “bombástico” do “Collegio Americano” provocou o pasmo de uns e o riso de outros pelas grotescas reformas anunciadas. Tal programa e as suas reformas era uma combinação de “grandeza e mizeria”, o que levava a concluir que o “Collegio Americano” era apenas mais “uma vulgaridade chata” do educador “reformado”:

De facto a superioridade de um collegio sobre outro consiste na differença, para melhor, de lentes, de compendios, de methodo, da disciplina; mas estes elementos no “Americano” não são diversos dos outros collegios; logo o educador “reformado” cahiu na valla das vulgaridades da terra (Diário de Belém, 1885b, p. 3, grifo do autor).

A razão do rompimento entre José Veríssimo e Justus W. Nelson, segundo Saraiva, foi o educador “reformado” ter escondido o projeto do Jardim de Infância e sendo este o pretexto “sufficiente para abrir brecha na probidade do reformado”.

Ao enfrentar tais intempéries e vicissitudes, Veríssimo considerava em seu discurso que estava cumprindo a rigor o programa educativo do “Collegio Americano”, ao passo que João Saraiva questionava “[...] ‘está doido o sr. Verissimo’? Realmente n’este discurso s.s revela-se de uma incoherencia e leviandade inaudita” (Diário de Belém, 1885b, p. 3, grifo nosso).

Na conclusão da resposta cabal, Saraiva destacava a sua experiência em denunciar a petulância de José Veríssimo:

Ora quem conhece um pouco a santa causa da instrucção certo estranhará a insensatez; a petulância do sr. Verissimo tanto para com os seus collegas, professores do seu collegio, como para com o publico decente e bem intencionado que lhe confiou os seus filhos. Em conclusão perguntaremos a que fica reduzida a escola do “reformado”, cujos professores são ignorantes, cujos compendios são imprestaveis e mãos, cujo serviço pedagogico é minguado e estéril? Responde-nos a experiencia: a um centro de conservação do espirito, a loco de maus habitos, ou, pelo menos, de virtudes negativas.

Entretanto o sr. Verissimo prometteu um collegio vasado nos moldes da pedagogia moderna, burilado pelas doutrinas NEO-CALVINISTAS da sua seita, e, ao cabo de dois annos de “dedicação e energia inteligente”, quer mystificar-nos com gymnastica e esgrima! (Diário de Belém, 1885b, p. 3, grifo do autor).

Como é possível notar na crítica de Saraiva, José Veríssimo foi acusado de “reformado” incompetente à neocalvinista, assim como de mistificar a instrução com a pedagogia moderna. A resposta de Veríssimo não tardaria em estampar as páginas do Diário de Belém.

Em 8 de dezembro de 1885, Veríssimo iniciava a sua resposta ao ataque de Saraiva recordando que a expressão “quejandas fundações já existentes” se referia às escolas em geral, que sua crítica era genérica; no entanto, aparentemente, Saraiva leu aquela expressão da seguinte forma “Qual sr. Verissimo, quando se fala de um diretor de collegio sem vergonha e impudente, não póde ser sinão commigo”; deste modo, com a entrega desta “franca e conscienciosa confissão”, ficava confirmada, segundo Veríssimo, a impressão geral daqueles que tiveram o desprazer em conhecê-lo, “Um ignorante audacioso, despejado e impudente” (Diário de Belém, 1885c, p. 3).

Veríssimo também respondeu aos questionamentos de Saraiva sobre suas qualidades intelectuais e seus valores morais. Neste primeiro aspecto, Veríssimo tinha certeza de que seu adversário não era a pessoa mais competente para lhe avaliar, “[...] deixe essa tarefa ao publico esclarecido, que para julgar-me a mim - consinta que lh’o diga - sempre encontrará alguns ‘documentos’, d’esses que não podem ser sofisticados, em quanto que o sr...” (Diário de Belém, 1885c, p. 3, grifo nosso).

Ao defender seus valores morais, Veríssimo realizou uma ofensiva contra a vida privada e pública de João Saraiva. Na dimensão privada, ele se ocupava com “[...] o ‘alcool, na orgia e a vida dissipada’ que tem levado não lhe afogaram ainda n’alma essa coisa que nós outros chamamos consciencia” (Diário de Belém, 1885c, p. 3, grifo nosso). Na vida pública, mesmo que Saraiva simulasse compromisso com a causa da instrução, ele nada mais era do que “[...] caloteiro de profissão, despejado de escrupulos, que expulso das casas de educação onde estudava ou servia, sem ter onde cair morto, arvora-se em diretor de um collegio para ‘enganar os paes, para enganar as familias’, e sobre todo, para enganar seus incautos fornecedores! [...]” (Diário de Belém, 1885c, p. 3, grifo nosso).

Eis, afinal, o pomo da discórdia: “enganar os paes, enganar as famílias” - a questão de formar a opinião pública sobre as inovações pedagógicas em curso. Se na intervenção de Saraiva era evocada atenção dos pais de família para aquele debate com utilidade pública, Veríssimo apontava: “[...] já o julgaram, retirando seus filhos da casa de perdição que o sr. dirige (‘cerca de 20 vieram para cá’) a qual este anno viveu apenas do calote pregado a muitos, das promessas de antemão falsas feitas a outros e das concessões fervorosamente suplicadas de outros” (Diário de Belém, 1885c, p. 3, grifo nosso).

Ao lado do programa educativo do “Collegio Americano”, também estava em disputa a concorrência entre duas escolas particulares. “A Questão Veríssimo e Saraiva” buscou mobilizar a opinião pública sobre o mérito das reformas educativas e o seu benefício para a educação da mocidade. Em outras palavras: houve um grande “bate-boca educativo” para convencer opinião pública sobre a casa de educação mais qualificada para educar os filhos das famílias paraenses, cujo desdobramento era a concorrência entre a escola com métodos tradicionais e a escola com métodos inovadores.

Contudo, a discussão não se encerrou. Em 10 de dezembro de 1885, ainda das páginas do Diário de Belém, João Saraiva escreveu um artigo considerando-se satisfeito pela resposta aos ataques profissionais e pessoais: “Refutada d’esta arte a miserável e estupida baboseira do hydrophobo canalha, do ‘aventureiro das lettras paraenses’, do bajulador despresivel, do tisico sem caracter, passemos ao ponto principal da discussão” (Diário de Belém, 1885d, p. 3, grifo do autor). Neste artigo, retomava as críticas às reformas educativas do “Collegio Americano”, qualificando-o como uma instituição de “vulgaridade chata” e classificando o seu diretor como “um charlatão”; apontava que a prática da educação física, especialmente a ginástica, era inadequada para o clima quente e úmido, “Todavia a ignorancia do sr. Verissimo dá-lhe os fóros da educação physica! Ah! ‘Pedagogo de uma figa!’” (Diário de Belém, 1885d, p. 3, grifo nosso).

No dia 11 de dezembro de 1885, no mesmo jornal, José Veríssimo respondia enfocando ao impropério de “aventureiro das letras paraenses”, de ser membro do calvinismo e da manutenção da ginástica como disciplina escolar. Em sua intervenção, Veríssimo fazia questão de apontar os “documentos” e de indicar os “juízes” que afiançavam sua competência intelectual; neste “bate-boca educativo”, ele lançava uma “carteirada intelectual” que demonstrava a sua rede de sociabilidade na Europa, na América Latina e no Brasil:

Atire-me a pecha de ignorante de aventureiro das lettras paraenses, o que quiser a este respeito do seu juizo appello para o de homens do valor intellectual e moral como Sylvio Romero, o illustre critico brazileiro e professor de philosophia no Collegio de Pedro 2º, que cita o meu nome com louvor em mais de uma obra sua; de Franklin Tavora, que não me conhecendo siquer de vista, escreveu sobre mim um estudo critico biográfico e faz-me constantemente a honra de citar-me; dos illustres mythologos francezes Emilio Guimet e Malloné que a vista dos meus trabalhos a esse assumpto convidaram-me a collaborar na importante revista Annalles du Musée Guimet, como das cartas que tenho em meu poder; do operoso historiografho brazileiro Cesar Augusto Marques, que tambem não me conhece pessoalmente e do qual tenho as mais lisonjeiras cartas; do Theophilo Braga, o celebre historiador da litteratura portugueza, de Pinheiro Chagas; do dr. Ernesto Quesada, de Buenos Ayres, um moço que conta os annos pelos volumes publicados; dos illustres sabios italianos Giglioli e Mantegazza, por cuja proposta eu fui aceito unanimente socio correspondente honorário da Sociedade de anthropologia e ethnologia de Florença; de Macedo Soares, o jurisconsulto e ethnologista brazileiro, que fala de mim com as mais lisonjeiras expressões; etc. etc.

Quem tem ‘d’estes juízes a seu favor’, sr. Saraiva, póde bem despresar qualquer conceito que o sr. possa fazer de suas aptidões (Diário de Belém, 1885e, p. 3, grifo do autor em itálico e grifo nosso entre aspas).

Ao nomeá-lo de “calvinista” em razão de sua relação com o missionário metodista Justus W. Nelson, no contexto de uma sociedade de maioria católica, a intriga religiosa estava armada: “A intriga resume-se n’isto: ‘eu sou calvinista, os paes, catholicos, não me ponhais os filhos ao collegio’. Já outro dia um maltrapilho que anda por ahi pregou a mesma coisa n’um a pedido da ‘Constituição’” (Diário de Belém, 1885e, p. 3, grifo nosso).

Tanto A Constituição quanto Saraiva, ambos adeptos do catolicismo e representantes da “tradição imperial”, buscavam alimentar a animosidade religiosa das famílias católicas contra o “Collegio Americano”. Deste modo, Veríssimo surpreendia com a sua peremptória afirmação ao dizer que “Erram porém o alvo, um e outro. Eu não sou nem calvinista nem neo-calvinista. ‘Sou catholico, apostolico, romano’ - a prova é que estou apto para exercer qualquer funcção publica, para a qual exija-se a qualidade de catholico, apostolico, romano (Diário de Belém, 1885e, p. 3, grifo nosso).

A resposta categórica de Veríssimo demonstra que na conjuntura política os modos de agir nem sempre são congruentes com os modos de pensar (Alonso, 2002Alonso, A. (2002). Idéias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil-Império. Paz e Terra.). Pois, na “Questão Veríssimo e Saraiva”, Veríssimo secundarizava o biógrafo anticlerical de Émile Littré e o diretor de uma escola moderna, científica e laica, visando a não se indispor com a família católica paraense.

Ao tratar da questão da ginástica, Veríssimo defendia a inovação educativa: “[...] cada dia me convenço mais da sua utilidade hygienica e da sua importancia como principal agente de educação physica [...]”, e para concluir o artigo, ratificava “Para completar a educação physica, tenho encommendado - pergunte aos srs. Paiva Cª que fizeram a encomenda desde o mez passado - excellentes jogos como o cricket (de collegio) o foot ball, o lawn tênis e outros” (Diário de Belém, 1885e, p. 3, grifo do autor).

Evidencia-se, assim, a dinâmica do jogo político, entre avanços e concessões. Concede assumindo-se católico e, ao mesmo tempo, avança ao defender a educação moderna. A “Questão Veríssimo e Saraiva” estava situada no contexto de disputa política entre a “tradição imperial” e a “política científica” no campo educativo. Nesta disputa estava em questão a validade e o reconhecimento das reformas educativas realizadas em nome da educação moderna. O debate elegia como interlocutor privilegiado os pais dos alunos, ao passo que visava formar a opinião pública, transformando as páginas do Diário de Belém na arena do embate político.

Evidentemente este “bate-boca educativo” não ficou incólume à moderação das autoridades provinciais. Em uma nota no Diário de Belém, de 15 de dezembro de 1885, o diretor da Instrução Pública decretava sumariamente o fechamento das duas instituições de ensino: “Consta-nos que hontem o sr. dr. Diretor da instrucção publica mandou fechar os collegios ‘Americano’ e ‘Franco-Brazileiro’, em virtude da polemica jornalistica travada entre os diretores d’aquelles estabelecimentos de educação” (Diário de Belém, 1885f, p. 2).

Neste contexto de escola fechada, não tardou a mobilização da família dos alunos. Em 27 de dezembro de 1885, na “Secção Livre”, d’O Liberal do Pará, a comunidade escolar do “Collegio Americano”, formada por pais, tutores e correspondentes, publicou um abaixo-assinado12 12 Transcrevo os nomes que assinaram a manifestação a favor de Veríssimo: “José Cardoso da Cunha Coimbra, Dr. José Rodrigues Pereira Junior, Capitão-tenente Joaquim Raymundo de Lamare, Bernardino José Darans, Visconde de Santo Elias, Commendador Antonio Bento Dias de Mello, Commendador Antonio Homem de Loureiro Siqueira, José Marques Braga, Francisco Joaquim Pereira & Comp., Lourenço Evangelista de Paula, Theophilo de Oliveira Condurú, José Baptista da Silva Barros, Teixeira & Ruiz, João Baptista Beckmann, Joaquim Antonio Corrêa de Miranda, José Agostinho da Silva Rebello, Antonio José de Pinho, Commendador Manoel de Jesus e Silva, Commendador Leandro Ferreira Campos, Tenente-coronel Antonio Joaquim Rodrigues dos Santos, Ricardo José da Cruz & Cª., Estevão da Costa Gomes, Commandante Antonio dos Santos Sarmanho, Roberto Hesskett, Barão Motta Bacellar, B. A. Antunes & Cª., João de Brito Antunes, José Joaquim de Araujo, Ignacio Quadros, Domingos José Dias, Commendador Julio Marques Careppa, Capitão Affonso de Pinho de Castilho, José Pedro Aury, Luiz Antonio Ferreira Bentes, Dr. Theotonio Raymundo de Brito, Miguel Antonio Nobre Ledo, Jayme de Menezes, José Antonio Joaquim de Oliveira Campos e Luiz de Moraes Bittencourt” (O Liberal do Pará, 1885, p. 2). Como é possível notar, a lista é dominada por homens com diversos títulos de nobreza, condecorações e distinções sociais demonstrando que o “Collegio Americano” tinha uma clientela vinculada aos grupos médios e altos da sociedade paraense, cuja influência política e econômica fizeram-se ouvir pelo presidente de província e resultando na revogação do fechamento da escola. em defesa de José Veríssimo:

Nós abaixo assignados, paes, correspondente e tutores de alumnos do Collegio Americano, dirigido pelo sr. commendador José Verissimo, declaramos que estamos plena e inteiramente satisfeitos com o referido collegio, que o seu director pelo seu procedimento, quer como cidadão, quer com pae de familia e director de collegio, nos merece toda a confiança e atestamos que jamais veio ao nosso conhecimento um só facto de que seja mesmo collegio “desrespeitada a consciencia religiosa dos meninos” ou outro qualquer que possa ser citado em desabono, seja do sr. commendador José Verissimo seja da casa de educação que elle tão criteriosamente dirige. Pará, 14 de dezembro de 1885 (O Liberal do Pará, 1885, p. 2, grifo do autor).

Pelo abaixo-assinado, os próprios responsáveis dos alunos do “Collegio Americano” testemunhavam publicamente a satisfação com o trabalho educativo de José Veríssimo, ao destacar o seu respeito pela consciência religiosa dos alunos e ao ressaltar a sua reputação de bom cidadão, de bom pai de família e de criterioso diretor de escola.

Em resposta ao abaixo-assinado e ao recurso interposto por Veríssimo, na seção “Expediente do Governo” do A Constituição, de 2 de janeiro de 1886, o presidente da província revogava a decisão da diretoria da Instrução Pública por ponderar que a manifestação dos pais dos alunos garantia a probidade do diretor do “Collegio Americano”:

O presidente da provincia, tendo em vista o recurso interposto por José Verissimo, proprietario e director do collegio “Americano”, do acto 14 corrente, da directoria da instrucção publica, mandando fechar o mesmo collegio, sob o fundamento de haver o referido director em artigos assignados, de polemica, com o de outro collegio, “offendido a moral, tornando-se por isso incompatível para o magisterio particular na forma do art. 5º §§ 2ºe 4º da lei n. 1031 de 7 de maio 1880”; e attendendo a prova de idoneidade do recorrente e atestação abonatória dos paes cujos filhos frequentam o collegio, as quaes foram pelo suplicante junto á sua petição, resolve dar provimento ao citado recurso para fim de ser revogado o acto da directoria da instrucção publica na parte relativa ao mesmo recorrente e poder continuar a funccionar o collegio de que é proprietario e director (A Constituição, 1886, p. 1, grifo nosso).

Como ficou evidenciado n’A Constituição, as escolas foram fechadas por violarem a moral pública de acordo com a lei nº 1031/1880, e diante do abaixo-assinado pelos distintos pais do “Collegio Americano” e o próprio recurso interposto por Veríssimo, o fechamento foi revogado - provavelmente o “Collegio Franco-Brazileiro” não ficou fechado por muito tempo, no entanto não encontrei evidências de quando ocorreu sua reabertura.

Dois anos depois de deflagrada a polêmica entre José Veríssimo e João Saraiva, em 20 de novembro de 1888, n’O Liberal do Pará, o redator redigiu uma nota comentando uma carta enviada ao jornal pelo diretor da Instrução Pública; nela, José Veríssimo era cumprimentado pela realização da festa da educação física no fim do ano letivo e o seu trabalho educativo era reconhecido em favor da mocidade paraense. Nas palavras do redator, verifica-se que Veríssimo gozava de prestígio e de consideração, cuja qualificação foi empregada no título deste artigo:

O sr. commendador José Verissimo de Mattos é “um grande operario da civilisação futura dos povos da Amazonia”; o “Collegio Americano”, que fundou e dirige com toda a sollicitude, revela que o illustre preceptor da mocidade aprecia bem, que no desenvolvimento e boa orientação da intelligencia, desde que ela começa a desabrochar, está a maior garantia do progresso do paiz (O Liberal do Pará, 1888, p. 2, grifo nosso).

Os comentários encomiásticos do redator serviram de guisa introdutória à carta do diretor da Instrução Pública, Raymundo Nina Ribeiro13 13 Conhecido também por Nina Ribeiro, foi importante advogado, jornalista e político paraense, que nasceu em 2 de setembro de 1854. Concluiu o curso de Direito na Faculdade de Recife em 1879. Retornando ao Pará, ingressou no Partido Conservador sob o comando de Siqueira Mendes. Exerceu a advocacia no mesmo escritório de Samuel Mac-Dowell, outro destacado membro do Partido Conservador. Foi deputado provincial no Império e senador no regime republicano. Morreu em 1894, aos 39 anos, ainda exercendo o cargo de senador pelo Pará. Nesse sentido, é relevante apontar que o diretor da instrução pública era conservador e reconhecia as atividades educativas de José Veríssimo, um notório liberal. Sobre a trajetória de Raymundo Nina Ribeiro, vide: Borges (1970). , que foi transcrita na nota e tinha o mesmo tom de congratular o trabalho pedagógico de José Veríssimo:

N. 271. - Directoria geral da instrucção publica do Pará, 5 de novembro de 1888. - Illm. sr. - Tenho grande satisfação em apresentar a v.s. os mais vivos louvores pelos inestimaveis resultados ante-hontem colhidos na festa de educação physica, em seu excellente collegio.

Devo, sobretudo, fazer sentir a v.s. o contentamento d’esta directoria que v.s., “verdadeiramente orientado dos melhores processos educativos hodiernos”, tem sabido abrir á educação physica dos seus alumnos. - Deus guarde v.s. - Illm. sr. commendador José Verissimo de Mattos, m. d. diretor do “Collegio Americano”. - Raymundo Nina Ribeiro (O Liberal do Pará, 1888, p. 2 , grifo nosso).

Como é possível observar por estas manifestações na imprensa, o reconhecimento das reformas educativas promovidas por Veríssimo não se restringiu ao abaixo-assinado contestando o fechamento do “Collegio Americano”, mas se estendeu à carta escrita pelo diretor da Instrução Pública que demonstrou o entusiasmo do poder público com o seu “excellente collegio”.

Assim, a opinião pública, que era tão evocada por João Saraiva em suas intervenções na polêmica com José Veríssimo, evidenciava sua simpatia pelas reformas educativas realizadas por Veríssimo. A sociedade civil paraense participava do debate político. As inovações educativas do “Collegio Americano” eram filtradas por esse contexto de disputa. Na verdade, a prática educativa de Veríssimo era uma prática política que promovia a educação moderna, científica e laica. E, em razão disso, Veríssimo recebeu a alcunha de “um grande operario da civilisação futura dos povos da Amazonia”.

Considerações Finais

A historiografia que examinou a trajetória educacional de Veríssimo reconhece as inovações educativas associadas à educação moderna no “Collegio Americano”, assim como a contribuição desta prática educativa reformista na reflexão teórica do A educação nacional. No entanto, como argumento neste estudo, no escopo de tais pesquisas, ficou ausente situar as inovações educativas realizadas por Veríssimo no debate político provincial entre a “tradição imperial e a política científica”. O auge deste debate foi a “Questão Veríssimo e Saraiva” cujo epicentro foi a legitimidade da “educação reformada” e o seu desdobramento na formação da opinião pública, especialmente a família dos estudantes.

Por um lado, o projeto educativo da “tradição imperial”, capitaneado pelas iniciativas caritativas de Dom Macedo Costa, visava à manutenção de uma educação tradicional, erudita e confessional - sobretudo, confessional. Tais iniciativas investiram no acolhimento da infância desvalida de meninas e de meninos cujo desdobramento era a oferta de educação segundo o sexo: para meninas, prendas domésticas; para meninos, artes e ofícios na agricultura. Junto a este acolhimento, havia a defesa intransigente da religião como base do processo educativo. Nesse sentido, foi exemplar a intervenção do Presidente da Assembleia Provincial, cônego Siqueira Mendes, ao evocar a religião oficial do Estado como o fundamento da civilização e que, invariavelmente, deveria ser o fundamento da educação.

Por outro lado, o programa educativo da “política científica” ficou expresso no lema do “Collegio Americano: tornar o homem bom, instruído e forte”. Tal divisa significava a construção de uma educação integral que desenvolvesse as dimensões intelectuais, morais e físicas. O próprio esforço de distinguir “instrução” e “educação”, de acordo com as contribuições dos pedagogistas, demonstrava o esmero em ofertar uma educação moderna. E ressalte-se uma educação integral totalmente secular/laica e para ambos os sexos. Pois o homem ficaria “instruído” com as disciplinas de História, Geografia e Ciências ministradas conforme princípios práticos e científicos; o homem ficaria “bom” com uma educação moral que estabelecessem a correlação entre erro e responsabilidade; o homem ficaria “forte” com o emprego da Educação Física, especialmente da ginástica, visando à disposição e à robustez. E, por fim, a educação da infância com a utilização do Jardim de Infância (Kindergarden).

Nesse sentido, a “Questão Veríssimo e Saraiva” consistiu em uma dimensão fundamental da experiência educativa (Thompson, 1981Thompson, E. P. (1981). O termo ausente: experiência. In E. P. Thompson. A miséria da teoria ou um planetário de erros (pp. 180-200). Zahar., 1987) de José Veríssimo, pois a polêmica educativa possibilitou defender as posições da “política científica” no campo educativo. Isto ficou demonstrado nas críticas de João Saraiva ao programa educativo do “Collegio Americano”, sobretudo à educação física, assim como no reconhecimento pelo abaixo-assinado dos pais de alunos do “Collegio Americano” e pela carta do diretor da Instrução Pública. Tais críticas e reconhecimentos credenciavam o “Collegio Americano” como uma instância de organização da cultura (Gramsci, 2001Gramsci, A. (2001). Cadernos do Cárcere (Vol. 2, 2a ed., Carlos Nelson Coutinho, trad.). Civilização Brasileira.) reformista, cuja existência contestava os pressupostos do projeto educativo da “tradição imperial”.

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  • Rodadas de avaliação:

    R1: três convites; três pareceres recebidos.
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  • Licenciamento:

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  • 1
    Há escassas informações sobre o Jornal Diário de Belém. Segundo Manoel Barata (1973Barata, M (1973). Jornais, revistas e outras publicações periódicas (1822 a 1908). In M. Barata. Formação histórica do Pará (pp. 223-292). Editora da Universidade Federal do Pará., p. 247), o jornal era uma “Folha política, noticiosa e comercial, e (depois) órgão especial do comércio. 1868-1892. Pará, Tip. do Diario de Belém. Fol. gr. a 4 col. e fol. max. a 5 col. Redigido pelo bacharel Antonio Francisco Pinheiro, seu fundador e proprietário”.
  • 2
    Convém ressaltar que as biografias sobre José Veríssimo (Prisco, 1937Prisco, F. (1937). José Verissimo: sua vida e suas obras. Brigueit.; Veríssimo, 1966) e os estudos (França, 2004, 2009) sobre o “Collegio Americano” se pautaram na análise do Noticia Geral... e consideravam a sua fundação a partir de 1884 sob a direção de José Veríssimo. Assim, em função da análise dos jornais paraenses do período, em especial o Diário de Belém, Moraes (2018Moraes, F. T. (2018). José Veríssimo (1857-1916), intelectual amazônico: geração 1870 e a educação no Grão-Pará (1877-1891) [Tese de Doutorado]. Universidade de São Paulo.) identificou a origem do “Collegio Americano” em 1881 com a administração de Justus W. Nelson.
  • 3
    Sobre o Jornal O Liberal do Pará, Manoel Barata (1973Barata, M (1973). Jornais, revistas e outras publicações periódicas (1822 a 1908). In M. Barata. Formação histórica do Pará (pp. 223-292). Editora da Universidade Federal do Pará., p. 247) afirmou: “Jornal político, comercial e noticioso. Órgão do partido liberal. 1869-1890. Pará, Tip. do Jornal do Amazonas, travessa das Mercês, n.° 23; Tip. do Liberal do Pará, ibi, e (por último) Largo das Mercês n.° 3. Fol. gr. a 4 e 5 col. Diário. 1.° número, em 10 de janeiro de 1869. Substituiu o Jornal do Amazonas”. A exemplo do Diário de Belém, que estava vinculado ao órgão especial do comércio, o Liberal do Pará era veículo oficial do Partido Liberal no Pará.
  • 4
    Embora este estudo vincule-se ao campo da história intelectual, pondero ser pertinente as contribuições da história social thompsoniana no campo da História da Educação para analisar o “fazer-se intelectual” de José Veríssimo, principalmente relacionado às suas atividades educativas na direção do “Collegio Americano” e ao debate educativo com João Saraiva - estas duas dimensões, como argumento neste artigo, foram fundamentais na experiência educacional de José Veríssimo. Sobre a relação entre a obra de Thompson e a História da Educação, vide: Schueler (2014Schueler, A. (2014). Educação, experiência e emancipação: contribuições de E. P. Thompson para a História da Educação. Revista Trabalho Necessário, 12(18).) e Faria Filho e Bertucci (2009Faria Filho, L. M., & Bertucci, L. M (2009). Experiência e cultura: contribuições de E. P. Thompson para uma história social da escolarização. Currículo sem Fronteiras, 9(1), 10-24.).
  • 5
    Convém ressaltar que tais inovações pedagógicas consistiam em mudanças curriculares no âmbito da escola primária cuja referência fundamental eram os modelos pedagógicos europeus oitocentistas; ou seja, estas mudanças curriculares configuravam-se enquanto inovação educativa no contexto latino-americano e, por extensão, brasileiro - e paraense. Sobre essas inovações educativas na escola primária, verificar: Souza (2000Souza, R. F. (2000). Inovação educacional no século XIX: a construção do currículo da escola primária no Brasil. Cadernos Cedes, XX(51).).
  • 6
    Conforme Cambi (1999Cambi, F. (1999). História da pedagogia. Unesp.) e Manacorda (1992Manacorda, M. (1992). História da educação: da antiguidade aos nossos dias (3a ed.). Cortez; Autores Associados.), a pedagogia moderna desenvolveu-se no século XVIII enquanto projeto filosófico contra o Antigo Regime e transformou-se em projeto político dos nascentes Estados Nacionais no século XIX, ao apresentar o racionalismo científico, o secularismo e a formação para a cidadania como pilares da sociabilidade moderna surgida com a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. Assim, em meados do século XIX, a pedagogia moderna representou a defesa da educação pública, gratuita, laica e obrigatória sob a responsabilidade do Estado, ao mesmo tempo que a educação passava a ser compreendida como um direito inalienável do cidadão que deveria receber uma formação integral: intelectual, moral e física. Este debate ficou evidente no programa educativo do “Collegio Americano”.
  • 7
    De acordo com Alonso (2002Alonso, A. (2002). Idéias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil-Império. Paz e Terra.), a “política científica” consistia no posicionamento baseado nas perspectivas cientificistas em voga na década de 1870, tais como o positivismo, o evolucionismo cultural, o darwinismo social, o naturalismo e o determinismo geográfico, cuja lógica científica era mobilizada para a construção de teorias de reforma política dos grupos que integravam a Geração 1870.
  • 8
    Antônio de Macedo Costa, conhecido por Dom Macedo Costa, nasceu na cidade de Maragogipe, no interior da Bahia, em 1830. Em Salvador, ingressou no seminário em 1848; realizou o restante de sua formação eclesiástica na França, no seminário de São Sulpício, ordenando-se presbítero; concluindo com o Doutorado em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, em 1859. Em 1860, indicado por Dom Romualdo de Seixas, Arcebispo de Salvador, foi o 10º bispo do Pará. Dom Macedo Costa e Dom Vital, Bispo de Olinda, foram os principais representantes da romanização ou reforma católica no Brasil, movimento que consistiu no reforço dos valores espirituais e temporais da Igreja Católica. Tal movimento resultou na chamada “Questão Religiosa”, provocando embates entre maçons e católicos em face do crescente processo de secularização, engendrado pela modernização do país, a partir de 1870 (Martins, 2005Martins, K. D. (2005). Cristóforo e a romanização do inferno verde: as propostas de D. Macedo Costa para a civilização da Amazônia (1860-1890) [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas.).
  • 9
    O termo “escolas neutras” era utilizado para qualificar experiências educativas de cunho público ou privado que tinham a intenção de ofertar ensino intelectual e moral com base em valores laicos/seculares. Em outras palavras, eram iniciativas que não empregavam o ensino religioso na instrução primária. Um dos pontos de discussão entre conservadores e liberais na Assembleia Provincial foi a conservação do ensino religioso na instrução pública (Rizzini, 2006Rizzini, I. (2006). O imaginário divino e o amor da pátria: tensões entre a igreja e a instrução pública nas províncias amazônicas. Revista Contemporânea de Educação, 2, 1-19.). Nesse sentido, considero que a experiência do “Collegio Americano”, a partir da direção de Veríssimo, foi uma das mais exitosas “escolas neutras” na Província do Pará.
  • 10
    Natural de Cametá, no interior do Pará, José Manuel de Siqueira Mendes nasceu em 6 de setembro de 1825. Realizou os estudos primários em Cametá e os estudos seminaristas em Belém, sob a influência de Dom Romualdo Coelho. Sua vida política iniciou no Partido Liberal, no entanto consolidou-se nas fileiras do Partido Conservador, sendo uma das suas principais lideranças na década de 1870. Foi deputado geral em quatro legislaturas, presidente da Assembleia Provincial e vice-presidente da província do Pará. O coroamento de sua carreira política foi a nomeação, em 1886, ao cargo vitalício de Senador do Império (Borges, 1970Borges, R. (1970). Vultos notáveis do Pará. Conselho Estadual de Cultura.).
  • 11
    Não foi possível encontrar informações detalhadas da trajetória de João Saraiva. Das informações disponíveis em jornais paraenses do período, encontrei, no Diário de Belém, um prospecto de divulgação do “Collegio Franco-Brazileiro” de 1882, no qual João Saraiva aparece como fundador e diretor da escola, na qual lecionava as disciplinas de História e Língua Portuguesa, e tendo como vice-diretor Raymundo Bertoldo Nunes (Diário de Belém, 1882b).
  • 12
    Transcrevo os nomes que assinaram a manifestação a favor de Veríssimo: “José Cardoso da Cunha Coimbra, Dr. José Rodrigues Pereira Junior, Capitão-tenente Joaquim Raymundo de Lamare, Bernardino José Darans, Visconde de Santo Elias, Commendador Antonio Bento Dias de Mello, Commendador Antonio Homem de Loureiro Siqueira, José Marques Braga, Francisco Joaquim Pereira & Comp., Lourenço Evangelista de Paula, Theophilo de Oliveira Condurú, José Baptista da Silva Barros, Teixeira & Ruiz, João Baptista Beckmann, Joaquim Antonio Corrêa de Miranda, José Agostinho da Silva Rebello, Antonio José de Pinho, Commendador Manoel de Jesus e Silva, Commendador Leandro Ferreira Campos, Tenente-coronel Antonio Joaquim Rodrigues dos Santos, Ricardo José da Cruz & Cª., Estevão da Costa Gomes, Commandante Antonio dos Santos Sarmanho, Roberto Hesskett, Barão Motta Bacellar, B. A. Antunes & Cª., João de Brito Antunes, José Joaquim de Araujo, Ignacio Quadros, Domingos José Dias, Commendador Julio Marques Careppa, Capitão Affonso de Pinho de Castilho, José Pedro Aury, Luiz Antonio Ferreira Bentes, Dr. Theotonio Raymundo de Brito, Miguel Antonio Nobre Ledo, Jayme de Menezes, José Antonio Joaquim de Oliveira Campos e Luiz de Moraes Bittencourt” (O Liberal do Pará, 1885, p. 2). Como é possível notar, a lista é dominada por homens com diversos títulos de nobreza, condecorações e distinções sociais demonstrando que o “Collegio Americano” tinha uma clientela vinculada aos grupos médios e altos da sociedade paraense, cuja influência política e econômica fizeram-se ouvir pelo presidente de província e resultando na revogação do fechamento da escola.
  • 13
    Conhecido também por Nina Ribeiro, foi importante advogado, jornalista e político paraense, que nasceu em 2 de setembro de 1854. Concluiu o curso de Direito na Faculdade de Recife em 1879. Retornando ao Pará, ingressou no Partido Conservador sob o comando de Siqueira Mendes. Exerceu a advocacia no mesmo escritório de Samuel Mac-Dowell, outro destacado membro do Partido Conservador. Foi deputado provincial no Império e senador no regime republicano. Morreu em 1894, aos 39 anos, ainda exercendo o cargo de senador pelo Pará. Nesse sentido, é relevante apontar que o diretor da instrução pública era conservador e reconhecia as atividades educativas de José Veríssimo, um notório liberal. Sobre a trajetória de Raymundo Nina Ribeiro, vide: Borges (1970Borges, R. (1970). Vultos notáveis do Pará. Conselho Estadual de Cultura.).

Editor-associado responsável:

José Gonçalves Gondra (UERJ)
E-mail: gondra.uerj@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-0669-1661

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2023
  • Aceito
    19 Dez 2023
  • Publicado
    09 Fev 2024
Sociedade Brasileira de História da Educação Universidade Estadual de Maringá - Av. Colombo, 5790 - Zona 07 - Bloco 40, CEP: 87020-900, Maringá, PR, Brasil, Telefone: (44) 3011-4103 - Maringá - PR - Brazil
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