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Black Rio: música, política e identidade negra

Black Rio: Music, Politics, and Black Identity

RESUMO

O artigo examina aspectos do Black Rio: a explosão dos bailes de soul (música e dança), que aglutinavam milhares de jovens (mulheres e homens) negros no Rio de Janeiro na década de 1970. Além de abordar as controvérsias causadas pelo Black Rio na imprensa, assim como a perseguição que o movimento sofreu por parte dos órgãos de repressão da ditadura militar, o artigo demonstra como o Black Rio difundiu um discurso de afirmação da negritude conectado à rede transnacional da afrodiáspora, o que provocou um amplo debate público sobre as questões raciais no Brasil e contribuiu para o processo de ressignificação da identidade do afro-brasileiro.

Palavras-chave:
raça; população negra; cultura; nação; identidade

ABSTRACT

This article examines some aspects of the Black Rio movement: the explosion of soul parties (music and dance) which brought together thousands of black youngsters (men and women) in the 1970s Rio de Janeiro. Aside from approaching the controversies the movement caused in the press, along with the persecution imposed on it by the repressive agencies of the military dictatorship, the article shows how Black Rio disseminated an affirmative discourse of blackness, connected to the transnational Afrodiaspora, which triggered a large public debate on the issues of race in Brazil and contributed to the process of resignifying Afro-Brazilian identity.

Keywords:
Race; Black population; Culture; Nation; Identity

Em 17 de julho de 1976, o Caderno B do Jornal do Brasil, uma referência na época em termos de suplementos de cultura e entretenimento, publicou uma matéria de quatro páginas sobre um fenômeno que estava ocorrendo nos subúrbios das Zonas Norte e Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Assinada pela jornalista Lena Frias, sob o título “Black Rio: o orgulho (importado) de ser negro no Brasil”, a matéria tinha como tema os bailes, frequentados por centenas de milhares de jovens negros a cada fim de semana, ao som da soul music, gênero musical associado à cultura afro-americana e à afirmação da negritude (Black Rio, 1976aBLACK RIO: o orgulho (importado) de ser negro no Brasil. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, pp. 1 e 4-6, 17 jul. 1976a. Caderno B. ).

Embora já se realizassem desde o início da década de 1970, o fato de ocorrerem nos subúrbios tornava-os virtualmente invisíveis às elites intelectuais e políticas, geograficamente concentradas na próspera e culta Zona Sul da cidade. A reportagem - que exemplifica a influência do jornalismo sobre a história, pois foi a partir dela que se começou a falar em “Black Rio” - provocou reações de curiosidade e simpatia, mas principalmente de rejeição e temor - à esquerda e à direita do espectro político.

Para a direita, os bailes de soul representavam a chegada ao Brasil das ideias de grupos radicais afro-americanos, como os Panteras Negras1 1 Os Panteras Negras (Black Panther Party for Self-Defense) foram uma organização política fundada em Oakland, Califórnia (EUA), em 1966, por Bobby Seale e Huey Newton. Originada no contexto do Movimento por Direitos Civis nos Estados Unidos, a organização preconizava a autodeterminação do povo negro. Com o acirramento das tensões raciais, seus integrantes assumiram uma ideologia revolucionária de combate às desigualdades, advogando pela autodefesa armada dos negros frente à violência da polícia (e do Estado) contra essa comunidade. Os Panteras Negras não só defendiam um projeto de autogestão social (isto é, a comunidade afro-americana deveria se autogovernar), como implementaram vários programas sociais e educacionais para atender às necessidades da comunidade negra. A organização foi severamente perseguida pelo FBI (o Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos), o que levou à sua dissolução em 1982. , que destilavam um discurso de ódio racial, ou racismo às avessas, o que significava uma ameaça à tradição brasileira de relações harmoniosas entre pessoas brancas e negras. Já para a esquerda, e seus acólitos no mundo do samba, que viam no soul um concorrente, tratava-se, pura e simplesmente, de mais uma execrável manifestação do imperialismo estadunidense cujo objetivo seria solapar a sacrossanta cultura nacional (Alberto, 2015ALBERTO, Paulina. Quando o Rio era Black: soul music no Brasil dos anos 70. História: Questões & Debates, v. 63, n. 2, pp. 41-89, 2015.).

Em nossa visão, esse fenômeno deve ser entendido no âmbito dos movimentos identitários eclodidos pela nova fase da globalização, iniciada em meados da década de 1960, graças aos avanços nas redes de diálogos, intercâmbios e telecomunicações, a que Zygmunt Bauman deu o nome de “modernidade líquida” (Bauman, 2005BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.). O soul, segundo a maioria dos estudiosos da cultura musical dos Estados Unidos, nasceu em meados da década de 1950, a partir de uma fusão de gêneros anteriores, e se tornaria, na década seguinte, o grande veículo de divulgação das novas posturas do movimento negro estadunidense, por vezes expressas nas letras das canções, porém, de modo mais geral, no gestual, nas indumentárias e nos penteados dos músicos e intérpretes.

Deve-se ressaltar que isso ocorreu num período especialmente conturbado da história contemporânea, do início da década de 1960 até meados do decênio seguinte, em que a própria civilização ocidental se viu sob ataques e questionamentos advindos não apenas das periferias, que se insurgiam contra formas de dominação secularmente estabelecidas, como das lutas de libertação que acabaram pondo fim à colonização europeia no continente africano, mas também, e principalmente, do próprio centro do sistema, sacudido pelas mobilizações protagonizadas por negros, indígenas, mulheres, homossexuais e outros grupos historicamente discriminados, sem esquecer dos movimentos que desafiavam os valores morais, comportamentais e estéticos tradicionais, como o dos hippies, com a chamada contracultura - da liberdade sexual, dos novos tempos, novas gírias e atitudes (Dunn, 2009DUNN, Christopher. Brutalidade jardim: a tropicália e o surgimento da contracultura brasileira. São Paulo: Editora UNESP, 2009. ).

As novas possibilidades identitárias permitiram e estimularam o intercâmbio entre pessoas e grupos a partir da percepção de semelhanças, reais ou imaginadas, capazes de uni-los sob bandeiras comuns. É o caso da nova identidade negra, que emergiu nesse período, alicerçada nas ideias da afrocentricidade e nas lutas em prol dos direitos civis dos afro-americanos, com ênfase na valorização da história, da cultura e da consciência racial, tecida na África e na experiência diaspórica.

No Brasil, apesar da vigência da ditadura militar (e/ou em reação a ela), essas ideias vindas de fora causaram impacto, fazendo com que setores das elites se defrontassem com novas interpretações da nação. Uma das áreas em que esse efeito se fez sentir foi a do debate sobre a questão de raça. Até então, a ideia da excepcionalidade racial brasileira, condensada no “mito da democracia racial”, era amplamente hegemônica, em contraste com as informações que aqui chegavam sobre o cenário das relações entre pessoas negras e brancas nos Estados Unidos, então marcadas pela segregação e pelo ódio raciais, supostamente inexistentes na sociedade brasileira (Steinitz, 2017STEINITZ, Matti. Black Power in a paraíso racial? The Black Rio movement, U. S. Soul music, and Afro-Brazilian mobilizations under military rule (1970-1976). In: REHM, Lucas; KEMNER, Jochen; KALTMEIER, Olaf (Eds.). Politics of Entanglement in the Americas: Connecting Transnational Flows and Local Perspectives. Trier: Wissenschaftlicher Verlag Trier, 2017. pp. 13-30.; Alberto, 2017ALBERTO, Paulina. Termos de inclusão: intelectuais negros brasileiros no século XX. Campinas: Editora Unicamp, 2017. ). A mudança daquele cenário, com as progressivas conquistas e as novas posturas dos afro-americanos, contribuiu para que os afro-brasileiros mudassem sua percepção sobre a questão de raça no seio da nação e ampliassem as possibilidades de enfrentá-la. E os bailes de soul, com uma sonoridade devotada à celebração racial e estética afro, não só provocaram um amplo debate público sobre as relações raciais no Brasil como também deram uma contribuição importante para esse processo de redefinição da identidade do afro-brasileiro, cada vez mais inserido no circuito transnacional do Atlântico Negro (Gilroy, 2001GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Ed. 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.).

ORIGENS

Embora haja uma profusão de textos de autores estadunidenses e também de estudiosos de outras nacionalidades abordando o impacto da soul music e as motivações de seus criadores e intérpretes (Guralnick, 2002GURALNICK, Peter. Sweet Soul Music: Rhythm and Blues and the Southern Dream of Freedom. New York: Harper Collins, 2002. ; Jackson, 2004JACKSON, John A. A House on Fire: The Rise and Fall of Philadelphia Soul. Oxford: Oxford University Press, 2004.; Brackett, 2009BRACKETT, David. Música soul. Opus, v. 15, n. 1, pp. 62-68, 2009.; Wexler; Ritz, 2012WEXLER, Jerry; RITZ, David. Rhythm and the Blues: A Life in American Music. New York: Doubleday, 2012.), há uma concordância em relação a suas origens: trata-se de uma mistura, em volumes desiguais, de uma série de gêneros tradicionais afro-americanos - o jazz, o blues, o rhythm and blues e fundamentalmente o gospel das igrejas negras -, gerando um produto que acabou ultrapassando as fronteiras étnico-raciais e também nacionais. Para muitos desses estudiosos, o verdadeiro pai fundador do soul teria sido o cantor Ray Charles, ao usar os recursos vocais característicos do canto religioso negro para interpretar música “profana” - no caso, “I’ve got a woman (way accross town)”, versão secular de “I’ve got a savior (way accross Jordan)” -, o que o tornou alvo da mira de pastores e fiéis mais radicais (Ripani, 2006RIPANI, Richard J. The New Blue Music: Changes in Rhythm and Blues, 1950-1999. Jackson: The University Press of Mississippi, 2006. ).

Já o funk, um parente do soul que acabou se confundindo com ele, é um tipo de black music em que a instrumentação - mixando guitarras, teclados eletrônicos e recursos percussivos - e os vocais confluem para enfatizar o ritmo. Grandes expoentes dessa expressão musical foram James Brown, The Meters, Parliament-Funkadelic e Sly and the Family Stone. No decorrer da década de 1960, o soul - que se subdividiu em diferentes vertentes e acabaria influenciando ou gerando outros gêneros, como o reggae, o charm e o hip-hop, para não falar no chamado “funk carioca” - passou gradualmente a funcionar como um termo abrangente para a música popular negra, transformando-se numa espécie de vocabulário das novas ideias e posturas do movimento pelos Direitos Civis e do crescimento dos nacionalismos negros culturais e políticos (Brackett, 2009BRACKETT, David. Música soul. Opus, v. 15, n. 1, pp. 62-68, 2009., p. 62), sintetizadas por slogans como “Black Power” e “Black Is Beautiful”, por vezes presentes nas letras das canções, porém, com mais frequência, nos penteados, trajes e gestual de seus intérpretes.

Conforme argumenta William Van Deburg: a soul music, como “expressão da experiência coletiva afro-americana”, serviu como um “repositório da consciência racial” que transcendeu o “veículo de entretenimento” e forneceu um “ritual musical com que os afro-americanos puderam identificar-se e por meio do qual conseguiram transmitir importantes símbolos intragrupais” (Van Deburg, 1992VAN DEBURG, William L. New day in Babylon: the Black Power movement and American culture, 1965-1975. Chicago: The University of Chicago Press, 1992.; Stewart, 2005STEWART, James B. Message in the Music: Political Commentary in Black Popular Music from Rhythm and Blues to Early Hip Hop. The Journal of African American History, v. 90, n. 3, pp. 196-225, 2005.).

O êxito do gênero estimulou a criação de uma gravadora dedicada exclusivamente a ele - a Motown, fundada em 1959 pelo empresário negro Berry Gordy Jr. na cidade de Detroit, apelidada de “Motor Town”, por abrigar grande número de fábricas de automóveis; a própria gravadora era uma fábrica de intérpretes do calibre de Marvin Gaye, Stevie Wonder, The Supremes, Four Tops, Jackson Five e outros talentosos artistas afro-americanos (White; Ales, 2016WHITE, Adam; ALES, Barney. Motown: The Sound of Young America. London: Thames & Hudson, 2016.). Simultaneamente, as grandes gravadoras do mainstream criaram departamentos dedicados ao soul e seus “afins”.

Soul no Brasil

Em The Funky Diaspora: The Diffusion of Soul and Funk Music Across the Caribbean and Latin America (2007), Thomas Fawcett nos mostra a chamada Black Music (para usarmos um termo mais genérico) como “um fenômeno transnacional e multilinguístico que se disseminou pela América Latina, Caribe e além”. A seu ver, o soul e o funk foram “copiados e reinventados num amplo conjunto de países latino-americanos e caribenhos, incluindo Brasil, Panamá, Jamaica, Belize, Peru e Bahamas” (Fawcett, 2007FAWCETT, Thomas. The Funky Diaspora: The Diffusion of Soul and Funk Music Across the Caribbean and Latin America. In: ILLASA, XXVII, 1-3 fev. 2007, Austin. XXVII Annual ILLASA Student Conference. Austin, 2007. pp. 1-26. , p. 2).

No tocante à soul music, podemos identificar a sua difusão no Brasil em âmbitos diversos, por vezes, mas não necessariamente convergentes. Um deles foi o mundo da produção musical, com compositores e intérpretes dedicados exclusivamente ao gênero, ou por ele ao menos temporariamente influenciados (Palombini, 2009PALOMBINI, Carlos. Soul brasileiro e funk carioca. Opus , v. 15, n. 1, pp. 37-61, 2009., p. 47). Cabe também assinalar a importância dos festivais de música, eventos de sucesso popular de que participavam respeitados compositores e cantores da época, em que o novo gênero foi devidamente apresentado ao grande público (Mello, 2003MELLO, Zuza Homem de. A Era dos festivais. São Paulo: Editora 34, 2003.). É também curioso observar a constante presença do soul nas trilhas de novelas da época.

Se os festivais e as novelas davam amplo espaço ao gênero, tanto em sua versão original quanto na variante brasileira, não parece expressiva a influência dessas mídias sobre o que viria a ser o movimento Black soul. Mais importantes que a música em si eram a expressão corporal, o vestuário, os penteados e o estilo de seus intérpretes e promotores, que organizavam bailes com exibições de slides repletos de imagens racializadas. Havia uma profusão de iconografias de afro-americanos insurgentes e suas lutas no campo dos direitos e da cidadania. Também era comum fazer uso dos videoclipes de soul casualmente exibidos nas TVs, sem falar da exibição de películas de produções como Wattstax, uma contrapartida negra ao sucesso de Woodstock, e os chamados blaxploitation movies - filmes de ação com heróis e heroínas negros apresentados como belos, inteligentes, corajosos e cheios de orgulho racial, como Shaft, Cleopatra Jones, Trouble man e Black Belt Jones (Koven, 2001KOVEN, Mikel J. Blaxploitation Cinema. United Kingdom, Harpenden, Herts: Oldcastle Books Ltd., 2001.).

Esses filmes traziam, essencialmente, a nova gramática da modernidade afro-americana, cujas marcas visuais eram as roupas coloridas, as camisas de lapela longa, as calças boca de sino e, precipuamente, o cabelo afro ou natural - penteado que no Brasil recebeu, significativamente, o nome de “cabelo black power”. Sua fonte de inspiração foram os símbolos e artefatos dos ativistas afro-americanos e suas representações estéticas que redefiniram os signos de beleza a partir de processos de autovalorização identitária. Essas imagens negras positivadas ocuparam um espaço apoteótico nas festas black, que ganharam capilaridade ainda na primeira metade da década de 1970.

Naquele instante, a música estrangeira, particularmente a anglo-americana, predominava nos programas de rádio e, em consequência, nas paradas de sucesso - o que estimulou cantores e bandas brasileiros a cantarem em inglês e adotarem nomes artísticos nessa língua (como Steve McClean, Michael Sullivan, Light Reflections, Mark Davis [Fábio Jr.], e o mais bem sucedido de todos, Morris Albert, autor de “Feelings”, música gravada por Barbara Streisand, Shirley Bassey, Andy Williams, Ella Fitzgerald e Nina Simone). Não surpreende, assim, o sucesso de festas, sob os auspícios de produtores e disc-jóqueis (DJs, na época conhecidos como discotecários), que reuniam jovens ao som de rock, pop e, ocasionalmente, soul, num cenário em que se notabilizaram Big Boy, Monsieur Limá e Ademir Lemos.

Big Boy é tido como o primeiro a tocar música soul - num programa que apresentava numa emissora de rádio popular, em 1967 - e um grande divulgador do gênero, inclusive na televisão (Hanchard, 2001HANCHARD, Michael George. Orfeu e o poder: movimento negro no Rio de Janeiro e São Paulo. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001., p. 135). Ele, em parceria com Ademir Lemos, promovia o Baile da Pesada, realizado semanalmente no Canecão, a casa de shows e choperia de maior visibilidade do Rio de Janeiro. Como aponta Hermano Vianna, essas festas “atraíam cerca de 5 mil dançarinos de todos os bairros cariocas, tanto da Zona Sul quanto da Zona Norte”. Sua programação musical tendia ao ecletismo: “Ademir tocava pop, rock, mas não escondia sua preferência pelo soul de artistas como James Brown, Wilson Pickett e Kool and the Gang” (Vianna, 1988VIANNA, Hermano. O mundo funk carioca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1988.). O Baile da Pesada, um sucesso retumbante, teria grande influência na formação dos primeiros bailes de black soul. Com a elitização do espaço do Canecão, ele foi transferido para o subúrbio, sendo realizado a cada fim de semana em um bairro diferente: do Ginásio do América ao Cascadura Tênis Clube. Os Bailes da Pesada também ocorriam em clubes de outras cidades, chegando até a Brasília, em 1974.

Sabe-se que as primeiras equipes de som, como eram chamadas na época, dedicadas unicamente ao soul, foram criadas por jovens negros que frequentavam as festas de Big Boy e outros produtores/DJs, onde podiam, em certos momentos, exibir suas elaboradas coreografias, mas queriam estabelecer espaços em que esse gênero fosse absoluto. Há uma disputa pela primazia nessa área, reivindicada por algumas das mais de trezentas equipes, como soul Grand Prix, Jet Black, Dynamic soul, Uma Mente numa Boa, Santos Brazilian soul, Revolução da Mente. Contudo, as evidências apontam para Black Power, comandada por Paulo Santos Filho (Mister Paulão Black Power), como a precursora e talvez a que mais teve força e alcance de público (Sebadelhe; Peixoto, 2016SEBADELHE, José Octávio; PEIXOTO, Luiz Felipe de Lima. 1976: Movimento Black Rio. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016., p. 66).

OS BAILES

Os bailes de soul começaram em salões de festas na Zona Norte do Rio de Janeiro, na base do “boca a boca” informal. A precariedade da estrutura desses salões não impediu que, a princípio, comparecessem às festas em torno de 1.500 pessoas, um sucesso para os padrões da época. No seu auge, em meados da década de 1970, os bailes de soul atraíam um público de até 15 mil pessoas de cada vez, com uma multidão total estimada de um milhão e meio de frequentadores durante os finais de semana, um contingente capaz de transformar os salões dos clubes dos subúrbios e bairros do Grande Rio em feéricas e explosivas discotecas gigantes.

Atribui-se a Oséas Moura dos Santos, ou Mister Funky Santos, o pioneirismo em promover o baile black carioca no antigo Astória Futebol Clube, localizado no bairro do Catumbi, ainda no início da década de 1970. Os encontros do Astória, o reduto soul power carioca, marcaram época. Neles, milhares de rapazes e moças, negros ou mestiços, oriundos das áreas periféricas da cidade, seguiam os mesmos preceitos, trejeitos e comportamentos, em torno de um sentimento autoproclamado de orgulho racial: “de se sentir bonito com uma estética original e iconoclasta, entre iguais” (Sebadelhe; Peixoto, 2016SEBADELHE, José Octávio; PEIXOTO, Luiz Felipe de Lima. 1976: Movimento Black Rio. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016., pp. 57-59).

Vale assinalar que os bailes, como programas de lazer popular e espaços de consumo de novas modas musicais e culturais no Rio de Janeiro, constituíam uma tradição que remontava às primeiras décadas do século XX (Pereira, 2020PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. A cidade que dança: clubes e bailes negros no Rio de Janeiro (1881-1933). Campinas, SP: Editora da Unicamp; Rio de Janeiro, RJ: EdUERJ, 2020.). A novidade dos bailes de soul residia no processo de racialização e no fato de que esses eventos, nos quais se podia ouvir e dançar o gênero, tornaram-se um fenômeno de massa à medida que se expandiram para diversas localidades, para além da Zona Norte, difundindo um estilo disruptivo, atitudes de altivez e a emergência de uma cena de entretenimento black cosmopolita na cidade (Lima, 2017LIMA, Carlos Eduardo de Freitas. Sou negro e tenho orgulho!: política, identidades e música negra no Black Rio (1960-1980). Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de História, Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2017.).

Os jovens afrodescendentes, frequentadores dos bailes de soul, autointitulavam-se blacks, tratavam-se de brothers, seguiam um ritual coreográfico de saudação, identificando-se pelas roupas coloridas, e tinham como eixo focal a música soul, a única que escutavam e tocavam em seus bailes. Os blacks adotavam um estilo de moda e de comportamento que mesclava as mensagens do Atlântico Negro e várias informações visuais que recebiam por meio de revistas, filmes, programas de TV e capas de discos, o que permitiu o desenvolvimento de diferentes estratégias de contestação ao establishment.

Esse ímpeto por itens do vestuário (boinas, óculos de aro redondo, calças boquinha, calças tubinho, camisas pintadas à própria mão, blusas coladas ao corpo, casacos longos de veludo em pleno verão e, fundamentalmente, os pisantes), a utilização de cabelos esculpidos em trancinhas e, sobretudo, em volumosos black power e o pente-garfo - para fazer o penteado afro, o blackão, inspirado no visual dos integrantes do movimento Black Power estadunidense - demarcava uma tentativa de incorporação de uma estética imponente e moderna, articulada a um conjunto de símbolos notadamente afro-diaspóricos, demarcadores da diferença.

Nos bailes, as músicas possibilitavam certa dose de criatividade e improvisação, “já que eram dançáveis individualmente, não mais em pares, como as danças de salão”. A propósito, a dança assumia um “papel comunicativo”, em que o corpo organizava discursos que estabeleciam um repertório identitário e cujos gestos e movimentos revelavam criativas representações coreográficas. A dança, assim, ensejava novas experiências de subjetividade “em que corpos, cabelos, roupas e performances se convertiam em depósitos de autoestima, memórias e ideais”. Além de deleite, fascínio e prazer sensorial, dançar o soul era o vocabulário de um estilo que “apresentava novas possibilidades de agência cultural e política” (Oliveira, 2018OLIVEIRA, Luciana Xavier de. A cena musical da Black Rio: estilo e mediações nos bailes soul dos anos 1970. Salvador: EDUFBA, 2018., pp. 266-267).

Cada equipe carregava seu público com os seus principais dançarinos. Quando abria a “roda” nos bailes, era um momento mágico, em que os dançarinos disputavam entre si, criando coreografias próprias e demonstrando toda a sua arte performática corporal. Além da potência do som e das batalhas entre os dançarinos, o principal fator que incentivava a disputa entre as equipes era a exclusividade dos hits. Cada equipe desenvolvia suas estratégias para a obtenção do repertório importado e sua fonte de discos raros. Para muitos adeptos do soul, James Brown era o ídolo e o principal interlocutor dessa forma de expressão musical, com canções como “Say it loud: I’m black and I’m proud”, um grande sucesso nos Estados Unidos e uma espécie de hino entre os adeptos do Black soul no Brasil.

Essa perspectiva dos bailes, como espaços de afirmação racial, é endossada por Asfilófio de Oliveira, o Dom Filó, líder da equipe soul Grand Prix e criador da Noite do Shaft em 1972, que se realizava aos domingos no Renascença, um clube negro situado no bairro do Andaraí:

Optamos por um nome, a Noite do Shaft, baseado no filme do diretor Gordon Parks e na música de Isaac Hayes, que tinha acabado de ganhar um Oscar de melhor trilha sonora original. Como podia exibir trechos do filme em slides, com o carismático detetive John Shaft (personagem central e símbolo de herói da negritude), foi aí que a ideia fechou. [...] Esse foi o pulo do gato do evento, porque misturávamos as imagens do filme com imagens em slides dos frequentadores do baile. Aquele efeito, quase pirotécnico, fazia a galera vibrar e se ver com orgulho próprio (apud Sebadelhe; Peixoto, 2016SEBADELHE, José Octávio; PEIXOTO, Luiz Felipe de Lima. 1976: Movimento Black Rio. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016., p. 62).

A expectativa dos jovens, homens e mulheres, participantes da Noite do Shaft, era a mesma: “compartilhar o clima de sensualidade e magia da festa soul, que cada um contribuía para promover através da dança, do ritmo, mas também da roupa, do cabelo, de certos jeitos e meneios” e de slides projetados nas paredes, que “exibiam, alternadamente, imagens do Shaft e closes dos frequentadores” (Giacomini, 2006GIACOMINI, Sonia Maria. A alma da festa: família, etnicidade e projetos num clube social da Zona Norte do Rio de Janeiro - Renascença Clube. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006., p. 95). Carlos Alberto Medeiros, membro do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), lembra-se de quando, na sua juventude, esse espírito de autoestima racial elevada emergiu: quando foi pela primeira vez a um baile black, na Noite do Shaft, no Clube Renascença:

Pra mim foi um impacto muito grande, porque me deparei com centenas de jovens negros, homens e mulheres, a maioria de cabelo afro. Daí eu percebi que aquelas pessoas estavam ali, não porque elas só poderiam frequentar aquele lugar, ou seja, não era por uma questão de segregação. Elas estavam ali porque elas queriam celebrar a sua negritude, a sua beleza, o seu cabelo e a sua estética. Foi uma experiência muito forte para mim, para perceber a minha própria personalidade (apud Sebadelhe; Peixoto, 2016SEBADELHE, José Octávio; PEIXOTO, Luiz Felipe de Lima. 1976: Movimento Black Rio. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016., p. 77).

Os depoimentos de Dom Filó e Carlos Alberto Medeiros expressam, do ponto de vista do público, o principal fator de magnetismo dos bailes de soul: a celebração de uma identidade negra forjada na experiência afro-diaspórica, com a valorização de corpos, danças, músicas, estilos e subjetividades de um segmento populacional marginalizado pelo mainstream. Ou seja, o que de fato atraía os jovens negros para aqueles eventos era a exaltação do orgulho racial em espaços nos quais eles não seriam depreciados, chamados por apelidos racistas ou inferiorizados, como costumavam ser nos vários ambientes nos quais, embora não se fizesse abertamente distinção de “cor”, prevaleciam os mecanismos internalizados e naturalizados que impunham e reforçavam os privilégios da branquitude.

Os bailes de soul se popularizaram no contexto de rearticulação do protesto negro no bojo da ditadura militar, quando uma nova geração de ativistas começou a produzir narrativas e estratégias inovadoras de combate ao racismo. No Rio de Janeiro, um novo ciclo de mobilização negra aos poucos ganhou densidade, o que desembocou na criação da Sociedade de Intercâmbio Brasil-África (Sinba), em 1974, e do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), em 1975 (Alberto, 2017ALBERTO, Paulina. Termos de inclusão: intelectuais negros brasileiros no século XX. Campinas: Editora Unicamp, 2017. ). Embora não houvesse uma conexão formal entre as novas organizações antirracistas e os promotores dos bailes de soul, havia uma ligação entre ambas as instâncias em função de dois motivos: o fato de haver ativistas que frequentavam os bailes, e de estes serem grandes e concorridos espaços de construção e afirmação de uma identidade negra positivada - um dos pontos principais na agenda do novo movimento negro2 2 Carlos Alberto Medeiros relata que seu engajamento na luta antirracista se deu a partir da confluência do movimento negro e dos bailes soul. Afinal, foi num desses bailes - A Noite do Shaft - que ele ficou sabendo de uma reunião no Centro de Estudos Afro-Asiáticos: “Eu entrei no movimento negro via baile. O mais interessante é que minha trajetória no movimento negro começou frequentando as Noites do Shaft. Foi em uma ocasião em que fiquei sabendo de uma reunião que seria realizada no Centro de Estudos Afro-Asiáticos, da Faculdade Cândido Mendes, em Ipanema. Decidi ir a esse encontro, e a partir dali me tornei um militante” (apud Oliveira, 2018, pp. 116-117). Lélia Gonzalez também relata que os bailes soul foram importantes para a sua própria transição de concepção esquerdista tradicional para a militância racial (Gonzalez, 1982, pp. 32-33). . De acordo com Hermano Viana, o soul “perdia suas características de pura diversão, ‘curtição’, um fim em si (no discurso das equipes) e passava a ser um meio para se atingir um fim - a superação do racismo (no discurso do Movimento Negro)” (Vianna, 1988VIANNA, Hermano. O mundo funk carioca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1988., p. 53).

NA MIRA DA DIREITA E DA ESQUERDA

O movimento soul fez sucesso no Brasil durante a ditadura militar, quando a questão racial era um tema ausente, para não falar silenciado, do debate público. Os governos militares e as elites civis brasileiras defendiam veementemente a imagem do Brasil como uma democracia racial. Quem ousasse contrapor-se a essa imagem era tachado de “antibrasileiro” ou da prática do “racismo às avessas”. Era comum essas acusações partirem de políticos de direita, intelectuais conservadores e porta-vozes dos meios de comunicação. O argumento padrão era de que os únicos problemas raciais no Brasil se originavam da agitação daqueles que afirmavam que eles existiam.

Havia outro fator que contribuía para a ausência de discussão sobre o assunto: a repressão do regime autoritário. Os sucessivos governos militares exerceram severo controle sobre os meios de comunicação e as manifestações públicas, sobretudo no terreno artístico-cultural. Justificavam a repressão como necessária para enfrentar a ameaça da “subversão”. Contudo, os militares classificavam como “subversivos” não apenas os militantes e agrupamentos políticos que esposaram a luta de resistência à ditadura, mas também os intelectuais que questionavam a democracia racial, como Florestan Fernandes e Otavio Ianni, os ativistas do movimento negro e até mesmo os adeptos dos bailes de soul (Skidmore, 1994SKIDMORE, Thomas. O Brasil visto de fora. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. , pp. 137-138; Kossling, 2011KOSSLING, Karin Sant’Anna. Vigilância e repressão aos movimentos negros (1964-1983). In: GOMES, Flávio; DOMINGUES, Petrônio (Orgs.). Experiências da emancipação: biografias, instituições e movimentos sociais no pós-abolição (1890-1980). São Paulo: Selo Negro, 2011. pp. 287-307.).

O governo autoritário amiúde intervinha para suprimir notícias que refutassem a imagem oficial de harmonia racial. Sob o regime de censura, a televisão, o rádio, os jornais, as revistas, o teatro e o cinema eram cerceados, particularmente quando abordavam assuntos referentes aos problemas raciais, fossem no Brasil ou nos Estados Unidos. Em 1969, Compasso de espera, um filme dirigido por Antunes Filho, que trazia como protagonista Jorge, um personagem interpretado pelo ator Zózimo Bulbul, e abordava o drama das pessoas negras que passavam pela experiência de ascensão social, foi censurado, sendo lançado apenas em 1973, com circulação reduzida (Alberto, 2015ALBERTO, Paulina. Quando o Rio era Black: soul music no Brasil dos anos 70. História: Questões & Debates, v. 63, n. 2, pp. 41-89, 2015., p. 57; Steinitz, 2017STEINITZ, Matti. Black Power in a paraíso racial? The Black Rio movement, U. S. Soul music, and Afro-Brazilian mobilizations under military rule (1970-1976). In: REHM, Lucas; KEMNER, Jochen; KALTMEIER, Olaf (Eds.). Politics of Entanglement in the Americas: Connecting Transnational Flows and Local Perspectives. Trier: Wissenschaftlicher Verlag Trier, 2017. pp. 13-30.).

Foi nesse contexto de caça às bruxas que os bailes de soul despertaram a atenção de um público mais amplo, tornando-se alvo de críticas de todos os lados do espectro político-ideológico. Para os articulistas da imprensa, intelectuais e políticos de direita, o Black Rio representava a importação nefasta do racismo ao estilo dos Estados Unidos para o Brasil, onde as relações entre as pessoas brancas, negras e indígenas seriam fraternais, despidas, assim, de racismo. Já alguns setores da esquerda recriminavam o caráter “mercantilista” dos bailes e das equipes, ao passo que intelectuais progressistas e sambistas tradicionais enxovalhavam os participantes da cena, rotulando-os de “colonizados”, “imitadores”, que estariam colocando o samba e a cultura nacional em perigo.

Em novembro de 1976, uma matéria na revista Veja daria início à cruzada contra os blacks, com um artigo os retratando pela ótica da excentricidade (Black Rio, 1976bBLACK RIO. Veja, São Paulo, pp. 156-160, 24 nov. 1976b.). Em 26 de abril de 1977, um articulista do jornal O Globo vociferou em tom de alarde: “Não se pode considerar autêntico, nem positivo, qualquer movimento - musical, esportivo ou que outro pretexto tenha - que, em nome de uma manifestação artística, ou mesmo de simples entretenimento, procure dividir a sociedade brasileira com uma cunha racial” (Racismo, 1977RACISMO. O Globo . Rio de Janeiro, p. 10, 26 abr. 1977. Caderno Estado do Rio.). O articulista via o Black soul como um movimento racista, essencialmente oposto aos valores brasileiros de unidade nacional e harmonia racial.

Intelectuais aliados ao regime militar, como Gilberto Freyre, igualmente atacavam o movimento soul de modo sensacionalista. Em artigo intitulado “Atenção brasileiros”, publicado no Diário de Pernambuco em 16 de maio de 1977, Freyre acusava a onda soul de ser mera importação funesta dos repertórios culturais e políticos dos afro-americanos, nocivos à “democracia racial” no Brasil. O discurso de afirmação racial, a seu ver, era uma militância que poderia provocar “ódios”, mas também conjugava interesses do imperialismo, que estaria utilizando a juventude black como instrumento de um projeto de dominação:

Teriam os meus olhos me enganado? Ou realmente li que, dos Estados Unidos, estariam chegando ao Brasil - se é que já não se encontram - vindos da tradicionalmente muito amiga República dos Estados Unidos da América do Norte, americanos de cor encarregados - por quem? - de convencer brasileiros, também de cor, que suas danças e seus cantos afro-brasileiros deveriam ser de “melancolia e de revolta”? [...] Se é verdade o que suponho ter lido, trata-se de mais uma tentativa da mesma origem no sentido de introduzir-se num Brasil crescentemente, fraternalmente, brasileiramente moreno - o que parece causar inveja a nações também bi ou tri-raciais nas suas bases - o mito de uma negritude (Atenção brasileiros, 1977ATENÇÃO BRASILEIROS. Diário de Pernambuco. Recife, p. A-13, 15 maio 1977. ).

Os críticos conservadores também viam o fenômeno do soul, com sua valorização de uma negritude polarizada nos moldes dos afro-americanos, como um ataque perigoso à identidade mestiça da nação. Antonio Viçoso Cotta Gomes, um leitor do Jornal do Brasil, depois de ler uma reportagem sobre o Black Rio, comentou: “É mister lembrar que em nosso país sempre houve harmonia entre brasileiros, independentemente de raça. A miscigenação de nosso povo - branco, preto e índio -, segundo Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala, é um privilégio” (Seção de cartas do leitor, 1976SEÇÃO DE CARTAS DO LEITOR. Jornal do Brasil . Rio de Janeiro, 22 jul. 1976. ).

Por sua vez, os jornalistas, intelectuais e políticos da esquerda, preocupados com a preservação das tradições nacionais “autênticas” e com os riscos que um movimento com base na raça podia representar para a consciência de classe mais ampla, argumentavam que os adeptos dos bailes de soul eram “alienados”, inocentes úteis do imperialismo econômico e cultural estadunidense. Esses jovens negros teriam renunciado às suas raízes e tradições culturais nacionais (sobretudo o samba) em troca de um modismo estrangeiro; nesse sentido, o fenômeno do soul nunca poderia representar uma consciência política “verdadeira”.

Já na matéria assinada por Lena Frias - “Black Rio: o orgulho (importado) de ser negro no Brasil” - e publicada no Jornal do Brasil em 17 de julho de 1976, a jornalista vocalizava um discurso de esquerda e um viés nacionalista, que considerava inautênticas e alienantes manifestações que tivessem um cunho “internacionalizado” (proveniente dos Estados Unidos), sem falar de seu caráter mercantil. Ao longo da matéria, Frias também ressaltava a falta de um suposto sentido político para o movimento soul, enfatizando seu caráter de “modismo” e “imitação” (Black Rio, 1976aBLACK RIO: o orgulho (importado) de ser negro no Brasil. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, pp. 1 e 4-6, 17 jul. 1976a. Caderno B. ).

Na mesma direção de Lena Frias, políticos e vários outros jornalistas de esquerda de órgãos de imprensa reforçaram as críticas em relação à natureza comercial e importada do soul. Em 1977, Pedro de Toledo Pizza, então Secretário Municipal de Turismo do Rio de Janeiro, declarou ao Jornal do Brasil que o “Black Rio é um movimento comercial com uma filosofia racista”, cujo desenvolvimento era imputado a “um problema sociocultural” (Turismo vê só comércio..., 1977TURISMO VÊ SÓ COMÉRCIO no Black Rio. Jornal do Brasil . Rio de Janeiro, p. 20, 15 maio 1977. 1. Caderno B.).

Ao questionamento à legitimidade do movimento soul somavam-se os ataques aos seus adeptos, considerados pessoas despreparadas para resistir às coqueluches musicais mercantis estrangeiras, propagadas pela mídia. José Ramos Tinhorão, um importante crítico musical, avaliava que o Black Rio até tinha motivações raciais legítimas, mas não passava de uma cópia dos protestos dos afro-americanos, logo, inadequada ao contexto brasileiro. As questões da classe e da nacionalidade eram fatores que deveriam prevalecer sobre a etnicidade na luta pela superação da desigualdade social - e não racial:

[...] é que o grande desejo dos brasileiros de pele negra das grandes cidades (ao menos os do Rio e de São Paulo, onde o movimento black já existe) é parecer o mais possível com os negros norte-americanos. Isto é, deixarem de ser trabalhadores explorados num contexto subdesenvolvido, para se tornarem a imagem de trabalhadores explorados num contexto superdesenvolvido (Protesto “Black” é fonte..., 1977PROTESTO “BLACK” É FONTE de renda “White”. Jornal do Brasil . Rio de Janeiro, p. 2, 14 jun. 1977. Caderno B.).

Tinhorão considerava a questão da classe como superior às ações baseadas na raça ou na cultura. No entanto, as acusações mais virulentas à inautenticidade do Black Rio vieram d’O Pasquim, um jornal alternativo, de oposição à ditadura, que reunia importantes intelectuais da esquerda. No artigo “Carta aberta ao Black-Rio”, o crítico musical Roberto Moura definia a cena do soul carioca como uma “insidiosa campanha publicitária neocolonialista”, que visava a apenas criar as condições para o consumo do “excedente de uma produção” da indústria cultural estrangeira. Moura frisava a falta de consciência política de um agrupamento que “não está pensando; está sendo pensado. De fora para dentro. Se de repente, vier uma ordem concitando a um outro tipo de roupa, ele tira a jaqueta e descalça o pisante” (Carta aberta ao Black-Rio, 1977CARTA ABERTA AO BLACK-RIO. O Pasquim. Rio de Janeiro, pp. 2-8, set. 1977. ). Vê-se aí refletida uma das principais bandeiras da esquerda brasileira na área cultural naquela época: o discurso anti-imperialista, de que o principal inimigo da nação era a intervenção ianque (Napolitano, 2017NAPOLITANO, Marcos. Coração civil: a vida cultura brasileira sob o regime militar (1964-1985) - ensaio histórico. São Paulo: Intermeios, 2017.). A onda soul era percebida como um pastiche de uma invasão cultural que estaria utilizando como massa de manobra a juventude negra, homogeneizada, nessa visão, como macaqueadora, fantoche, inculta e alienada.

Os detratores ainda acusavam os adeptos do soul de traidores das tradições culturais brasileiras, mais particularmente do samba. Embora apresentando-se hoje como expressão de resistência cultural afro-brasileira, o samba, a partir da década de 1930, passou por um processo de apropriação por parte das classes médias, das elites e dos regimes autoritários, a ponto de ter se convertido em instrumento de propagação oficial e símbolo da “brasilidade”, com destaque para a sua narrativa de celebração à mestiçagem, que supostamente caracterizaria a nação (Fernandes, 2014FERNANDES, Dmitri Cerboncini. A negra essencialização do samba. Luso-Brazilian Review, v. 51, n. 1, pp. 132-56, 2014. ). À luz dessa concepção de “brasilidade”, até sambistas negros chegaram a espinafrar o movimento soul pela sua falta de autenticidade cultural, à medida que atentava contra as raízes da nacionalidade. Essa rivalidade foi alimentada sobretudo por Candeia, cantor, compositor e fundador da escola de samba Grêmio Recreativo de Artes Negras Quilombo, em 1975, que cumpriu um papel importante na valorização das tradições musicais negras no Rio de Janeiro (Bocskay, 2017BOCSKAY, Stephen. Undesired Presences: Samba, Improvisation, and Afro-politics in 1970s Brazil. Latin American Research Review, v. 52, n. 1, pp. 64-78, 2017.; Treece, 2018TREECE, David. Candeia, o projeto Quilombo e a militância antirracista nos anos 1970. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 70, pp. 166-188, 2018.). Naquele contexto de rivalidade, ele gravou um samba cuja letra expressava a sua rejeição pelo movimento Black soul:

Eu não sou africano, eu não/Nem norte-americano!/Ao som da viola e pandeiro/sou mais o samba brasileiro! Menino, tome juízo/escute o que vou lhe dizer/o Brasil é um grande samba/que espera por você/podes crer, podes crer!

À juventude de hoje/dou meu conselho de vez:/quem não sabe o be-a-bá/não pode cantar inglês/aprenda o português! Este som que vem de fora/não me apavora nem rock nem rumba/pra acabar com o tal de soul /basta um pouco de macumba!/Eu não sou africano! O samba é a nossa alegria/de muita harmonia ao som de pandeiro/quem presta à roda de samba/não fica imitando estrangeiro/somos brasileiros! Calma, calma, minha gente pra que tanto bambambam/pois os blacks de hoje em dia são os sambistas de amanhã!/Eu não sou africano! (Candeia, 1977CANDEIA. Sou mais samba. Quatro Grandes do Samba (LP), interpretação de Candeia, com participação de Dona Ivone Lara. Rio de Janeiro. Gravadora RCA, 1977. ).

É importante salientar que os adeptos e fãs do samba e do soul chegaram a desenvolver um clima de disputa e trocar farpas efetivamente (Oliveira, 2014OLIVEIRA, Iris Agatha de. Black soul e “samba de raiz”: convergências e divergências do movimento negro no Rio de Janeiro - 1975-1985. Dissertação (Mestrado em Memória Social) - Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2014. ). No entanto, também houve interações profícuas entre ambos os segmentos (basta dizer que alguns bailes do Black soul eram realizados em escolas de samba) e, ao que parece, aquela rivalidade de Candeia, incentivada e explorada pela mídia, era uma estratégia de marketing da Warner/WEA - a gravadora contratante tanto dele quanto da soul Grand Prix - como meio de criar polêmica e atrair os holofotes para seus artistas. Em depoimento pessoal, Dom Filó relata que Candeia confessou ter composto “Sou mais samba”, cujo título soa como um convite à união dos gêneros, por encomenda da gravadora Warner - produtora de discos de samba e de soul -, interessada em promover uma controvérsia que serviria para chamar a atenção de potenciais consumidores (Sebadelhe; Peixoto, 2016SEBADELHE, José Octávio; PEIXOTO, Luiz Felipe de Lima. 1976: Movimento Black Rio. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016., pp. 116-120).

VIGILÂNCIA E REPRESSÃO

Toda a polêmica em torno do movimento soul acabou por despertar a atenção também da ditadura, que passou a vigiar e investigar bailes, DJs e produtores. A polícia secreta e seus órgãos de inteligência começaram a monitorar e espionar o Black soul, com receio de que os eventos festivos estivessem sendo usados para a implantação no Brasil de uma célula subversiva dos Panteras Negras ou de outros movimentos radicais dos afro-americanos, como o movimento Black Power.

Em 2015, a Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-RJ) trouxe à baila o relatório de pesquisa “Colorindo memórias e redefinindo olhares: Ditadura Militar e Racismo no Rio de Janeiro”, no qual expõe diversos documentos do Departamento de Investigações Especiais (DGIE) que estavam engavetados no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, atestando como os investigadores dos órgãos de repressão ficaram no encalço de artistas e produtores do Black soul, sob a suspeita de que um revolucionário afro-americano estaria no Brasil arregimentando ativistas negros nos bailes. Uma reportagem sobre o assunto, assinada pela jornalista Flávia Oliveira, foi publicada n’O Globo, em 11 de julho de 2015. O ponto de partida dessa descoberta foi um relatório enviado pelo I Exército aos órgãos de informação, incluindo o DOPS do antigo estado da Guanabara, em fevereiro de 1975. No relatório intitulado Black Power (Informe 17/75-B) havia um alerta sobre a formação de um grupo de jovens negros “de nível intelectual acima da média, com pretensões de criar no Brasil um clima de animosidade entre brancos e pretos”. Esse grupo estaria recebendo instruções e financiamento do exterior, possivelmente dos Estados Unidos. Suas metas incluiriam “sequestrar filhos de industriais brancos; criar um bairro só de negros; criar ambientes de aversão aos brancos” (Oliveira, 2015OLIVEIRA, Flávia. Ditadura perseguiu até bailes black no Rio de Janeiro. O Globo, 7 nov. 2015. Disponível em: Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/ditadura-perseguiu-ate-bailes-black-no-rio-de-janeiro-16733859 . Acesso em: 17 fev. 2023.
https://oglobo.globo.com/politica/ditadu...
).

Mesmo os investigadores não conseguindo comprovar as denúncias, seus relatórios serviram de pretexto para a perseguição aos organizadores dos bailes - equipes de som como Black Power e soul Grand Prix e seus membros eram nominalmente citados. Os informes ainda traziam descrições detalhadas dos bailes: o valor do ingresso, o perfil do público presente, as expressões utilizadas pelos frequentadores etc. Sob a suspeita de subversivos, alguns promotores dos bailes e líderes de equipes de soul foram detidos, fichados e interrogados:

Em 1976, Asfilófio de Oliveira Filho, o Dom Filó, da soul Grand Prix, foi capturado perto do Renascença Clube, na saída da Noite do Shaft. Encapuzado, foi lançado num carro. Terminou numa sala úmida, com a visão ofuscada por uma luz forte. Passou a madrugada sob tortura psicológica, sem saber onde estava. A descrição do ambiente coincide com depoimentos de presos políticos que passaram pelo DOI-Codi, cuja sede ficava no Quartel do 1º Batalhão da Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca. “As vozes perguntavam onde estava o US$ 1 milhão. Mas aquilo não existia”, lembra Dom Filó, deixado horas depois no Lins de Vasconcelos (Oliveira, 2015OLIVEIRA, Flávia. Ditadura perseguiu até bailes black no Rio de Janeiro. O Globo, 7 nov. 2015. Disponível em: Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/ditadura-perseguiu-ate-bailes-black-no-rio-de-janeiro-16733859 . Acesso em: 17 fev. 2023.
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).

Nirto, primo de Filó, e os membros da equipe Black Power (Paulo Santos Filho, Emilson Moreira dos Santos e Adilson Francisco dos Santos) também foram detidos e interrogados, na tentativa dos agentes infiltrados de confirmarem a suspeita de que radicais afro-americanos estariam financiando o movimento (Alberto, 2015ALBERTO, Paulina. Quando o Rio era Black: soul music no Brasil dos anos 70. História: Questões & Debates, v. 63, n. 2, pp. 41-89, 2015., p. 56). Além de postularem que, nos bailes, os negros provocavam agitações e estimulavam o confronto contra os brancos, insuflando uma revolta racial no Brasil, o serviço secreto temia que o soul constituísse uma célula de esquerda, comunista e da “resistência” à ditadura. Esse temor fazia parte da “histeria anticomunista” da época, segundo a qual “qualquer voz dissidente era percebida com parte da grande conspiração marxista” (Hanchard, 2001HANCHARD, Michael George. Orfeu e o poder: movimento negro no Rio de Janeiro e São Paulo. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001., p. 139). Sem dúvida, havia uma preocupação tácita em buscar conexões, pelo menos dos integrantes mais famosos do Black soul, com as organizações comunistas, citando nominalmente Tony Tornado, Monsieur Limá, Big Boy, Ademir Lemos e membros das equipes. De acordo com Lucas Pedretti, que realizou pesquisa nos arquivos do DGIE, não foi possível corroborar nenhuma das suspeitas dos órgãos de repressão, como o investimento de capital e membros estrangeiros no movimento soul; a existência de ataques contra pessoas brancas ou de incitação aos conflitos raciais; o uso de drogas nos bailes; a crítica direta ao regime político ou a presença de propaganda comunista (Pedretti, 2022PEDRETTI, Lucas. Dançando na mira da ditadura: bailes soul e violência contra a população negra nos anos 1970. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2022.).

Alguns autores, como Bryan Mccann (2002MCCANN, Bryan. Black Pau: Uncovering the History of Brazilian Soul. Journal of Popular Music Studies, n. 14, pp. 33-62, 2002. ) e Sonia Giacomini (2006GIACOMINI, Sonia Maria. A alma da festa: família, etnicidade e projetos num clube social da Zona Norte do Rio de Janeiro - Renascença Clube. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006.), consideram que a cena Black Rio começou a entrar em crise no final dos anos 1970 devido a alguns fatores, como a repercussão negativa provocada pelos ataques e descréditos das reportagens jornalísticas, o clima de medo entre muitos donos de equipes por conta da vigilância e da perseguição impetradas pelos órgãos de repressão, as críticas por parte dos porta-vozes tanto do pensamento de direita quanto de esquerda e de artistas ligados ao mundo do samba, sem contar a introdução meteórica da disco music no mercado musical. As festas, as reportagens nos jornais, os contratos para a gravação de discos e shows e os especiais de televisão foram minguando. A era disco teve duração curta, mas foi o suficiente para desarticular a cena black, e os bailes de soul voltaram a acontecer somente na periferia, em menor número. Para alguns participantes do movimento, a superexposição do Black Rio na mídia e no mercado musical colaborou para sua decadência. A saturação acabou sendo inevitável, e o público se voltou para outras novidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O termo soul evoca um ritmo ou gênero musical, porém remete igualmente a uma forma singular de interpretar canções de modo a expressar a alma negra (Brackett, 2009BRACKETT, David. Música soul. Opus, v. 15, n. 1, pp. 62-68, 2009.; Giacomini, 2006GIACOMINI, Sonia Maria. A alma da festa: família, etnicidade e projetos num clube social da Zona Norte do Rio de Janeiro - Renascença Clube. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006., p. 199). Foi com esse sentido polissêmico que o soul foi apropriado no Brasil, dando origem a um genuíno movimento que conquistou as mentes e os corações de milhares de jovens negros e mestiços frequentadores de bailes que aconteciam nos finais de semana em clubes e quadras de escolas de samba do Rio de Janeiro (nas Zonas Norte, Oeste e na Baixada Fluminense). Mais de trezentas equipes de som movimentavam um mercado pulsante em várias direções e setores: moda (roupas, calçados, cosméticos e produtos capilares), entretenimento, técnica de som e indústria fonográfica, sem contar o contingente de blacks que buscava uma maneira muito própria de se comportar, algo que seria considerado uma provocação ao establishment.

O movimento soul, com uma sonoridade voltada à celebração do orgulho racial e à ostentação de símbolos e artefatos culturais afro-diaspóricos, cumpriu um importante papel na cena cultural brasileira: quebrou a “lei do silêncio” que predominava em torno das questões raciais durante os governos militares, para os quais qualquer movimento que evocasse uma consciência negra era visto como uma ameaça divisionista e impatriótica. Os órgãos de repressão do regime entendiam que as atividades de cunho racial colocavam em risco a segurança nacional, na medida em que poderiam gerar tensões e antagonismos no seio da nação e acarretar, no limite, a desintegração da sociedade brasileira (Kossling, 2011KOSSLING, Karin Sant’Anna. Vigilância e repressão aos movimentos negros (1964-1983). In: GOMES, Flávio; DOMINGUES, Petrônio (Orgs.). Experiências da emancipação: biografias, instituições e movimentos sociais no pós-abolição (1890-1980). São Paulo: Selo Negro, 2011. pp. 287-307.; Alberto, 2017ALBERTO, Paulina. Termos de inclusão: intelectuais negros brasileiros no século XX. Campinas: Editora Unicamp, 2017. ).

O movimento Black soul sofreu resistência e desconfiança por parte das elites brasileiras, assim como recebeu uma saraivada de críticas de intelectuais conservadores e progressistas. Isso se deu por medo ou receio de algo que nunca tinham visto: uma grande aglutinação de jovens negros buscando a afirmação racial como ideal num baile. Essas críticas eram, em última instância, um pretexto para o temor mais amplo de que o Black soul fosse o prenúncio de um movimento de autodeterminação e protesto dos afro-brasileiros em torno de uma plataforma capaz de colocar em xeque o status quo racial no Brasil.

Apesar da rejeição dos intelectuais e das elites, tanto militares quanto civis, o movimento Black soul provocou um amplo debate público sobre a questão racial, sinalizando para novas formas de afirmação identitária e ação política. Um debate, aliás, que ganhou dimensão nacional e despertou a atenção de diversos veículos de mídia, com a publicação de reportagens nos principais jornais e revistas de todo o país, chegando até a ganhar destaque no New York Times. Já do ponto de vista dos blacks, o movimento significou um “momento ímpar que soube tratar as questões raciais de uma forma muito astuta e eficaz, através do entretenimento e da cultura como formas de empoderamento” (Jornegro, 1979JORNEGRO, São Paulo, n. 7, 1979.).

Fato é que o soul permitiu que alguns afro-brasileiros mudassem sua percepção sobre a questão de raça e ampliassem as possibilidades de enfrentá-la. O movimento plantou a semente contestatória e fomentou a consciência racial daquela juventude. De forma sutil, utilizou uma tática baseada na dança, na música, na autoafirmação e no orgulho próprio como uma atitude desafiadora. Mesmo não tendo o devido reconhecimento como agente emancipador, o movimento assumiu um papel inquestionável de mudança de paradigmas e foi elemento motivacional de novos comportamentos. Representou o fio condutor de uma ressignificação de ideias e políticas raciais que assumiram um viés transgressor (Mccann, 2002MCCANN, Bryan. Black Pau: Uncovering the History of Brazilian Soul. Journal of Popular Music Studies, n. 14, pp. 33-62, 2002. ). Foi a “pedra de toque para uma possibilidade de transformação da civilização brasileira, no que tange às questões da cultura negra e contra a discriminação racial” (Sebadelhe; Peixoto, 2016SEBADELHE, José Octávio; PEIXOTO, Luiz Felipe de Lima. 1976: Movimento Black Rio. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016., p. 220).

No livro Lideranças negras, a socióloga Márcia Contins mostra o impacto dos bailes de soul na formação da consciência da maioria dos militantes negros por ela entrevistados (Contins, 2005CONTINS, Márcia. Lideranças negras. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2005. ). Da mesma forma, o antropólogo Antônio Risério, em Carnaval ijexá (1992RISÉRIO, Antonio. Carnaval ijexá. Salvador: Corrupio, 1982. ), revela que a origem dos blocos afro de Salvador repousa na experiência dessas festas, nas quais jovens negros tiveram a ideia de criar organizações culturais, centradas no carnaval, a fim de enfrentar o racismo que se manifestava nos blocos tradicionais.

A cena Black Rio se definiu como um território político-cultural do qual emergiu uma identidade negra corporificada que rejeitava a exaltação da mestiçagem e a ideologia da democracia racial. Os blacks, apesar das ambiguidades e tensões, não compactuavam com uma negritude mediada pela brasilidade, apropriando-se de signos e referenciais transnacionais do circuito afro-diaspórico, sobretudo da experiência afro-americana. Os adeptos do soul assumiram, assim, um outro espaço de referência para pensar e construir o negro: “em lugar do Brasil, e da brasilidade, apresenta-se agora um espaço mais amplo, transnacional: a diáspora negra, o povo negro ou os negros tout court” (Giacomini, 2006GIACOMINI, Sonia Maria. A alma da festa: família, etnicidade e projetos num clube social da Zona Norte do Rio de Janeiro - Renascença Clube. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006., p. 216).

Nos bailes de soul, os estilos de penteados e de indumentária tornaram-se importantes não apenas como marcas simbólicas, mas por estarem associados à construção de uma identidade coletiva que não mais podia ser definida exclusivamente dentro dos limites do Brasil. No entanto, os blacks não abriam mão da condição de brasileiros; simplesmente tentavam inventar e fazer valer uma outra maneira de ser brasileiro, que pudesse incluir, de forma íntegra e definida, um espaço para a identidade negra ou étnica no interior mesmo da brasilidade (Giacomini, 2006GIACOMINI, Sonia Maria. A alma da festa: família, etnicidade e projetos num clube social da Zona Norte do Rio de Janeiro - Renascença Clube. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006., p. 218). A identidade nacional, fundada na “fábula das três raças” e na ideia da mestiçagem, foi colocada em xeque pelo projeto de nação multirracial e pluricultural, baseado na valorização das raízes identitárias e étnicas específicas.

Para as pessoas negras, participar dos bailes de soul era se deparar com uma noção de negritude mais altaneira do que, por exemplo, a encenada nas escolas de samba cariocas. Ser black conferia uma assertividade maior à identidade negra, pois era articulada a signos cosmopolitas e à ideia de luta contra o racismo, em oposição a uma “identidade sambista”, compreendida como mestiça e, naquele contexto, menos insurgente. O soul também permitia que jovens negros não mais almejassem uma beleza e uma aparência conforme o padrão eurocentrado, deixando de alisar o cabelo e buscando definir uma moda própria, em consonância com uma experiência identificada como “mais negra” e vista como “mais autêntica” (Oliveira, 2018OLIVEIRA, Luciana Xavier de. A cena musical da Black Rio: estilo e mediações nos bailes soul dos anos 1970. Salvador: EDUFBA, 2018., p. 276).

Do ponto de vista estético, ser negro no contexto do Black soul era um ideal valorizado, por razões distintas. Ora porque esse novo significante black assumia um valor positivo ao ser associado a imagens de alegria, espontaneidade, beleza, força e juventude; ora por se apresentar como uma negritude alternativa, moderna e cosmopolita, que poderia acenar para um novo futuro no que concernia às relações raciais no Brasil (Oliveira, 2018OLIVEIRA, Luciana Xavier de. A cena musical da Black Rio: estilo e mediações nos bailes soul dos anos 1970. Salvador: EDUFBA, 2018., p. 277). Os bailes de soul se revelaram eventos de mobilização política pautados pela cultura, pela identidade, pelo consumo musical e pelo “lazer líquido”.

O Black Soul foi expressão de uma cultura negra constitutiva das diásporas, um conceito que articula a cultura africana tradicional e suas derivações na modernidade, em tempo e espaço diversos, como parte de um processo e uma lógica comuns, que conectam as pessoas de ascendência africana dos Estados Unidos e do Brasil, em uma rede de trocas, diálogos e influências mútuas. O soul repercutia sentimentos positivos de vínculo com os povos e as culturas da diáspora africana (Steinitz, 2019STEINITZ, Matti. “Calling out Around the World”: How Soul Music Transnationalized the African American Freedom Struggle in the Black Power Era (1965-1975). In: KALTMEIER, Olaf; RAUSSERT, Wilfried (Orgs). Sonic Politics: Music and Social Movements in the Americas. Routledge: London, 2019. pp. 88-105.), indicando como os afro-brasileiros estavam inseridos no circuito transnacional do Atlântico Negro. A juventude buscou, na identificação com o soul, uma liberdade de expressão, em um contexto em que uma nova consciência sobre a identidade e a cultura negras se manifestava em escala global.

A experiência do Black Rio serviu de fonte de inspiração para o surgimento de movimentos similares pelo Brasil - Black São Paulo, Black Bahia, Black Porto (Porto Alegre) e até Black Uái (Belo Horizonte) -, como também deixou um legado de referências político-culturais, inclusive na esfera do antirracismo (Treece, 2021TREECE, David. Música Popular Black and Anti-racist Struggles: Musical Cosmopolitanism and the Soul aesthetic in Brazil (1963-1978). Brasiliana: Journal for Brazilian Studies, v. 10, n. 2, pp. 407-441, 2021.). Nos últimos anos, tem ocorrido no Brasil uma espécie de revivescência dos anos 1970, com grande número de negros (homens e mulheres), especialmente jovens, adotando uma estética afro que inclui trajes, penteados e turbantes, frequentemente associada à celebração da identidade e da ancestralidade de matriz africana. Movimentos como Transição Capilar, Empoderamento Crespo e eventos como as Marchas das Mulheres Negras, além de revelarem um viçoso protagonismo feminino, constituem exemplos de que as posturas identitárias de que foi veículo o Movimento Black não foram proscritas cinquenta anos depois.

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  • 1
    Os Panteras Negras (Black Panther Party for Self-Defense) foram uma organização política fundada em Oakland, Califórnia (EUA), em 1966, por Bobby Seale e Huey Newton. Originada no contexto do Movimento por Direitos Civis nos Estados Unidos, a organização preconizava a autodeterminação do povo negro. Com o acirramento das tensões raciais, seus integrantes assumiram uma ideologia revolucionária de combate às desigualdades, advogando pela autodefesa armada dos negros frente à violência da polícia (e do Estado) contra essa comunidade. Os Panteras Negras não só defendiam um projeto de autogestão social (isto é, a comunidade afro-americana deveria se autogovernar), como implementaram vários programas sociais e educacionais para atender às necessidades da comunidade negra. A organização foi severamente perseguida pelo FBI (o Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos), o que levou à sua dissolução em 1982.
  • 2
    Carlos Alberto Medeiros relata que seu engajamento na luta antirracista se deu a partir da confluência do movimento negro e dos bailes soul. Afinal, foi num desses bailes - A Noite do Shaft - que ele ficou sabendo de uma reunião no Centro de Estudos Afro-Asiáticos: “Eu entrei no movimento negro via baile. O mais interessante é que minha trajetória no movimento negro começou frequentando as Noites do Shaft. Foi em uma ocasião em que fiquei sabendo de uma reunião que seria realizada no Centro de Estudos Afro-Asiáticos, da Faculdade Cândido Mendes, em Ipanema. Decidi ir a esse encontro, e a partir dali me tornei um militante” (apud Oliveira, 2018OLIVEIRA, Luciana Xavier de. A cena musical da Black Rio: estilo e mediações nos bailes soul dos anos 1970. Salvador: EDUFBA, 2018., pp. 116-117). Lélia Gonzalez também relata que os bailes soul foram importantes para a sua própria transição de concepção esquerdista tradicional para a militância racial (Gonzalez, 1982GONZALEZ, Lélia. O Movimento negro na última década. In: GONZALEZ, Lélia; HASENBALG, Carlos. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982. pp. 9-66., pp. 32-33).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2023
  • Aceito
    05 Out 2023
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