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Um espião na Corte: política, clientelismo e espionagem no Rio de Janeiro da década de 1850

A Spy in the Court: Politics, Clientelism and Espionage in Rio de Janeiro in the 1850s

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar os bastidores da política do chamado Gabinete da Conciliação, na década de 1850, através da trajetória de um pintor e moedeiro falso, o português José Maria Cândido Ribeiro. O gabinete ministerial liderado por Honório Hermeto Carneiro Leão é marcado pela historiografia por ter conciliado os interesses dos dois principais grupos políticos do Império, Luzias e Saquaremas, trazendo estabilidade e governabilidade ao período. Cândido Ribeiro, condenado na Bahia por moeda falsa, atuou na Corte como agente de José Tomás Nabuco de Araújo e João Maurício Wanderley, dois ministros da Conciliação. Utilizando a correspondência enviada por Cândido Ribeiro a João Maurício Wanderley, as Atas do Parlamento Brasileiro e os periódicos do período, pretendo apresentar um outro olhar sobre o ambiente político e as relações clientelísticas característicos do Brasil Imperial.

Palavras-chave:
Gabinete da Conciliação; clientelismo; política no Brasil Império; trajetória; José Maria Cândido Ribeiro

ABSTRACT

This paper aims to analyze the political backstage of the so-called Conciliation Ministry, in the 1850s, through the trajectory of a painter and coiner, the Portuguese José Maria Cândido Ribeiro. The ministerial office led by Honório Hermeto Carneiro Leão is marked by historiography for having reconciled the interests of the Empire’s two main political groups, the Luzias, and the Saquaremas, bringing stability and governability to the period. Cândido Ribeiro, convicted in Bahia for counterfeiting, acted in the court as an agent of José Tomás Nabuco de Araújo and João Maurício Wanderley, two conciliation ministers. Using the correspondence sent by Cândido Ribeiro to João Maurício Wanderley, the minutes of the Brazilian Parliament, and periodicals of the time, I intend to present another view on the political environment and the clientelistic relations characteristic of Imperial Brazil.

Keywords:
Conciliation Ministry; Clientelism; Politics in Imperial Brazil; Trajectory; José Maria Cândido Ribeiro

Em 5 de março de 1855 aportava no Rio de Janeiro o brigue Almirante. Entre os passageiros, vindo da Bahia, “um tal Cândido Ribeiro, sua família, fâmulos e escravos” (Atrocissimo escandalo, 1855ATROCISSIMO ESCANDALO. O Repúblico, Rio de Janeiro, p. 3, 20 abr. 1855., p. 3). Tratava-se de José Maria Cândido Ribeiro, pintor português condenado por moeda falsa em Salvador no final de década de 1840. Chegava à Corte sob a proteção de dois dos políticos mais influentes do Império naquele período, o então Ministro da Justiça, José Tomás Nabuco de Araújo, e João Maurício Wanderley, futuro Barão de Cotegipe, que ocupava o cargo de presidente da província da Bahia.

Em 1849, enquanto chefe de polícia em Salvador, João Mauricio Wanderley foi responsável pela prisão de Cândido Ribeiro por falsificação de moeda. Profundo conhecedor do submundo do crime, o pintor e moedeiro falso atuou como espião e delator de outros falsificadores, colocando-se a serviço do chefe de polícia. Seus préstimos lhe renderam a comutação da pena de galés perpétuas em 4 anos de degredo, por intermédio de Wanderley, que tinha relações próximas com o ministro Nabuco de Araújo. Porém, antes mesmo da comutação da pena, Cândido Ribeiro desembarcou livre no Rio de Janeiro, onde participaria da vida política do Império, agindo nas sombras em nome de seus protetores.

O presente artigo objetiva acompanhar a trajetória de José Maria Cândido Ribeiro na Corte da década de 1850, enfatizando sua participação nos bastidores da política imperial enquanto agente de João Maurício Wanderley e Nabuco de Araújo. Como demonstrarei, a proteção dos políticos ocasionou não apenas a comutação da pena do falsário, mas também a sua permanência em liberdade. Em um primeiro momento, o texto analisará a natureza da relação de Ribeiro com seus protetores; na sequência, acompanhará a sua atuação no submundo da Corte, como intermediário em negociações moralmente delicadas - como o suborno à imprensa de oposição - e como espião da polícia. A observação do cenário político imperial em escala reduzida permitirá um olhar qualitativo sobre fenômenos característicos do período, como o clientelismo e a reciprocidade entre atores hierarquicamente desiguais.

A década de 1850 é marcada pela historiografia como um momento de conciliação entre os dois principais grupos políticos do Império, Luzias e Saquaremas, representado pela formação do gabinete ministerial de 06 de setembro de 1853, liderado por Honório Hermeto Carneiro Leão, futuro Marquês de Paraná, que reuniu representantes dos dois partidos. A origem dessa interpretação historiográfica pode ser localizada em dois textos ainda do século XIX: um panfleto publicado em 1855 pelo jornalista Justiniano José da Rocha, chamado Ação, reação e transação (Rocha, 1956ROCHA, Justiniano J. Ação, reação e transação: duas palavras acerca da atualidade. In: MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Três panfletários do segundo reinado. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956. pp. 159-205.), e a biografia de Nabuco de Araújo escrita por Joaquim Nabuco (Nabuco, 1899NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império: Nabuco de Araújo, sua vida, suas opiniões, sua época. Paris; Rio de Janeiro: H. Garnier , 1899.).

O panfleto de Rocha, possivelmente influenciado pela dialética hegeliana, estabelecia três períodos de diferentes orientações para a política imperial: o período da ação, que iria de 1822 até 1836, seria marcado pela predominância do princípio democrático, impulsionado por ideias liberais; um segundo ciclo, da reação, se estenderia de 1836 a 1852 e seria marcado pelo princípio da centralização monárquica sob o domínio do partido conservador. O último período seria o de transação, que teria se iniciado em 1852 e perdurava até a data de confecção do panfleto. Era marcado por uma conciliação entre os dois princípios anteriores, entre ideias conservadoras e liberais, voltando-se a uma espécie de síntese que possibilitaria uma melhor governabilidade.

Joaquim Nabuco endossa a periodização proposta por Justiniano José da Rocha, e centra a sua atenção principalmente no período da conciliação, perseguindo a atuação do pai, Nabuco de Araújo, tanto na assembleia legislativa quanto no ministério. A historiografia mais recente questionou a aceitação acrítica da periodização apresentada no panfleto, demonstrando que as questões políticas, bem como as relações entre partidos e seu reflexo na sociedade, foram bem mais complexas do que as apresentadas pela tradição historiográfica inaugurada com Justiniano José da Rocha e Joaquim Nabuco1 1 Sobre isso, ver Janotti (1982), Guimarães (2007) e Parron (2016). .

Alguns apontamentos importantes das pesquisas mais recentes demonstram as fragmentações internas dos grupos políticos do Império na década de 1850. Os conservadores, estando no poder desde 1848, haviam sofrido uma ruptura interna, fomentada principalmente pelos membros pernambucanos do grupo, que não se sentiram contemplados pelas políticas dos gabinetes imediatamente anteriores ao gabinete do Marquês de Paraná (Ferraz, 2013FERRAZ, Paula Ribeiro. O Gabinete da Conciliação: atores, ideias e discursos (1848-1857). Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2013.). Mesmo a posse do gabinete da conciliação não foi suficiente para reunificar o partido, pois a nova postura do ministério continuava sofrendo várias críticas de políticos conservadores, inclusive João Mauricio Wanderley. Quanto ao grupo liberal, embora tivesse alguns membros compondo o ministério e um certo número de apoiadores na bancada, seguiu como que subordinado aos interesses conservadores, sofrendo assim várias críticas internas que geravam rupturas. Portanto, seria muito simplista constatar que o período trouxe realmente uma conciliação de interesses entre os dois grupos políticos, como também simplista seria acreditar que um dos partidos aderiu completamente ao programa da conciliação enquanto o outro fazia oposição. O que na realidade se vê é um complicado jogo de interesses que se fazia entre políticos da corte e das províncias, que possibilitava que grupos de ambos os partidos tanto apoiassem quanto fizessem oposição ao gabinete da conciliação, não sendo raras as mudanças de postura (Ferraz, 2013FERRAZ, Paula Ribeiro. O Gabinete da Conciliação: atores, ideias e discursos (1848-1857). Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2013.; Estefanes, 2013ESTEFANES, Bruno Fabris. Conciliar o Império: o marquês de Paraná e a política imperial, 1842-1856. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2013.).

Por outro lado, as disputas políticas e o descontentamento presentes dentro do parlamento ecoavam pela imprensa - a qual jamais foi unânime quanto ao desempenho do Gabinete de Paraná -, o que nos permite acompanhar uma crescente oposição ao ministério, tanto por parte de jornais liberais quanto conservadores. É a essa complexidade política, que a historiografia recente tem demonstrado, que pretendo dar minha contribuição com a análise da trajetória de Ribeiro e da sua relação com os políticos da conciliação.

Nabuco de Araújo ocupava o Ministério da Justiça no gabinete de Carneiro Leão desde sua montagem, em 1853. João Mauricio Wanderley assumiria o Ministério da Marinha em 1855, e, posteriormente, a pasta da Fazenda, em 1856. Quando Cândido Ribeiro desembarcou na Corte, em março de 1855, a imprensa de oposição destacou os inconvenientes de sua relação com os dois políticos, primeiramente nas páginas de O Repúblico, periódico editado por Antônio Borges da Fonseca.

A estreita ligação entre o criminoso condenado e os ministros foi combustível para uma série de artigos. Segundo o jornal, Cândido Ribeiro havia sido condenado a galés no “presídio da ilha de Fernando” como moedeiro falso, mas, por ser português e protegido do presidente da Bahia, chegou ao Rio “como se livre fora, e estabeleceu-se com sua família [...] às barbas do imperador Pedro II” (Atrocissimo Escandalo, 1855ATROCISSIMO ESCANDALO. O Repúblico, Rio de Janeiro, p. 3, 20 abr. 1855., p. 3). Nos meses que se seguiram, a imprensa de oposição continuou explorando a ligação entre Cândido Ribeiro e os ministros, destacando a proximidade de suas relações2 2 Além de O Repúblico, os ataques se centraram principalmente em três periódicos: O Correio Mercantil, A Pátria e, principalmente, O Athleta, todos do Rio de Janeiro. As notícias sobre José Maria Cândido Ribeiro e sua relação com os ministros são: Fazer do ladrão fiel (1856, p. 4), Notas falsas (1856, p. 3), A escolha dos senadores (1856, pp. 1-2), Escandalo na administração da justiça (1856, p. 1), Ao Banco do Brasil e ao comercio (1856, p. 1), Costa Junior (1856, p. 1), O sr. Wanderley trahindo o imperador (1856, p. 2), Correspondência do interior (1857, pp. 1-2), Góes (1856, pp. 1-2), Góes (1856, p. 1). Todos os periódicos encontram-se digitalizados na Hemeroteca Digital Brasileira. .

É possível atestar essa ligação através da correspondência pessoal de João Maurício Wanderley, hoje sob a guarda do arquivo do IHGB. Nela encontram-se cartas de Ribeiro durante o período em que esteve na Corte. Em janeiro de 1855, quando Wanderley ainda ocupava o cargo de presidente da Província da Bahia, Ribeiro lhe escrevia pedindo uma vaga de carcereiro na Prisão do Aljube para um amigo:

Convencido de que V. Exa. nunca esquece, mesmo quando já delas não precisa, as pessoas que a bem de lhe servir dedicadas tem prestado ao País valorosos serviços; venho lembrar a V. Exa. uma que julgo está neste caso: é Francisco Bento de Paula Bahia filho do Major Bahia (Ribeiro, 1855RIBEIRO, José Maria Cândido. Carta dirigida por José Maria Cândido Ribeiro a João Maurício Wanderley; Coleção Barão de Cotegipe, Lata 59, Pasta 149, fl. 1. Rio de Janeiro (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro-IHGB). 1855., fl. 1).

Embora tais pedidos fossem comuns no Império, essa categoria de favorecimento não poderia ser solicitada por alguém sem um conhecimento prévio, uma certa proximidade com a autoridade em questão. José Maria Cândido Ribeiro era um artista reconhecido dentro de seu ofício. A natureza de sua arte facilitava seu acesso a personagens das elites econômicas e políticas dos lugares por onde circulava (Ferreira Júnior, 2017FERREIRA JÚNIOR, Francisco. O Rei dos Falsários: a trajetória de um moedeiro falso no Brasil Imperial (1830-1861). Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2017.). Dessa maneira, ele tinha facilidade em se inserir nas redes locais para usufruir do benefício de pessoas que detinham algum tipo de poder. Richard Graham (1997GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1997.) demonstrou quão importantes foram as práticas clientelísticas para a dinâmica política do Império do Brasil, postulando inclusive que apenas graças a essas práticas o Império conseguiu manter sua unidade nas disputas entre os interesses das elites locais e do governo central. Como fontes principais para seu trabalho, Graham utilizou correspondências pessoais de políticos importantes da segunda metade do Oitocentos (entre elas as de João Maurício Wanderley) para demonstrar o funcionamento dos laços clientelísticos que ligavam as províncias ao governo central. Basicamente, segundo o autor, o poder das elites locais poderia ser medido principalmente pela clientela que conseguissem manter. Uma das formas de retribuição dessa clientela, que recebia proteção e benesses dos poderosos, era o voto no candidato indicado pelo patrão. O grupo político que comandasse o gabinete do ministério mobilizava os poderosos locais com a intenção de eleger o maior número possível de deputados e senadores do partido, e retribuía a fidelidade dos potentados principalmente com a distribuição de cargos na polícia e no judiciário, o que, por sua vez, permitia um maior controle em nível local (Graham, 1997GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1997.).

Dessa maneira, estabelecia-se uma cadeia clientelística que tinha em um extremo as elites provinciais e no outro a cúpula do governo imperial, e que utilizava como intermediários deputados e senadores, num jogo de trocas que atendia aos interesses de todos, permitindo, ao mesmo tempo, a governabilidade do Império e a manutenção do controle e dos interesses locais3 3 O trabalho de Graham sofreu algumas críticas, sendo uma das mais repercussivas a de José Murilo de Carvalho, que acusa Graham de ter invertido o sentido do clientelismo, colocando o Estado como cliente das elites locais dentro do jogo político. O centro da questão está na aceitação de Graham, corroborando Ilmar Mattos, de um domínio de classe no Estado imperial, o que unia os interesses centrais e locais. Para Carvalho, a união territorial do império se manteve não pelo domínio de uma classe sobre o Estado, mas devido ao treinamento da Elite Política, que conseguiu certa autonomia perante as disputas privadas. Já Ivan Vellasco, na perspectiva da sociologia de Jessé Souza, critica Graham por um uso a-histórico do conceito de Clientelismo, ao focar na centralidade do modelo da família patriarcal e nos laços de sociabilidade para explicar a estrutura política e sua dinâmica no Império, sem considerar o surgimento de relações sociais de um novo tipo a partir da atuação do Estado e do mercado no século XIX. Vellasco enxerga uma mudança na orientação das disposições mentais a partir do Oitocentos, no sentido de uma redefinição nos espaços de poder, segundo a qual o Estado se afirma diante da tradição, relativizando o poder e o alcance do clientelismo. Concordo com a defesa de Graham feita por Alexandre Mendes Cunha, demonstrando que Carvalho exagera a existência de uma esfera pública autônoma, não enxergando o patrimonialismo característico do Estado imperial, que é fundamental para a análise de Graham. Cf. Carvalho (1997), Cunha (2006), Mattos (1987) e Vellasco (2009). .

Correspondências com pedidos como o de Ribeiro a Wanderley eram, portanto, frequentes, como demonstrou o trabalho de Graham. No entanto, enquanto esse autor deu atenção principalmente às trocas de favores dentro de uma mesma classe governante, o que a relação de Ribeiro e Wanderley permite verificar de forma mais concreta são as trocas entre personagens que ocupam lugares díspares dentro da hierarquia social. Diferentemente de um poderoso proprietário que poderia solicitar ao presidente da província João Maurício Wanderley um cargo de Juiz de Direito para um seu protegido ou parente, Ribeiro solicitava ao protetor uma humilde vaga de carcereiro para um amigo. Se levarmos em conta o universo clientelístico apresentado por Graham, o que o solicitante poderia fornecer em troca?

O trabalho de Graham centra a atenção em um tipo característico de clientelismo, que diz respeito aos laços políticos que sustentavam o Império. O tipo de relação que pretendo demonstrar entre Cândido Ribeiro e João Maurício Wanderley não se enquadra exatamente no conceito de um clientelismo político. No entanto, devido à natureza dos laços existentes entre o moedeiro falso e seu protetor, demonstrarei aqui um tipo de relação baseado na reciprocidade de favores entre personagens hierarquicamente desiguais. Mesmo que esse tipo de ligação não se enquadre na concepção clássica de clientelismo, acredito que resulte fortalecida por se dar em uma sociedade culturalmente permeada por ele.

Em 11 de janeiro de 1855, Ribeiro escrevia a Wanderley, endereçando a carta do Rio de Janeiro. Depois de filosofar um pouco sobre a infelicidade humana em geral e confidenciar sua própria infelicidade, alertava sobre determinada conversa de um certo Sr. França, que acusava Wanderley “de ambicioso e de querer ser tudo - de repente, pelo que tencionam acusá-lo na câmara servindo eu de bigorna, isto para desacreditar a V. Exa. e afastar-lhe votação a senatoria” (Ribeiro, 1855RIBEIRO, José Maria Cândido. Carta dirigida por José Maria Cândido Ribeiro a João Maurício Wanderley; Coleção Barão de Cotegipe, Lata 59, Pasta 150, fl. 1-2. Rio de Janeiro (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro-IHGB). 1855., fls. 1-2. Grifo no original). A fidelidade ao protetor se demonstrava em práticas banais, como a fofoca ouvida de um inimigo político. Embora não apresente detalhes de como conseguiu a informação - apenas mencionando sua fonte como “a pessoa que escutou” -, pode-se inferir que Ribeiro frequentava lugares e se relacionava com pessoas que ofereciam acesso aos bastidores do mundo político. Pode-se supor que tais informações vinham de clientes que frequentavam a casa do artista em busca de retratos, e ele, como bom ouvinte, selecionava as que acreditava úteis ao seu protetor.

A informação fornecida por Ribeiro possibilita divisar algumas questões políticas da época. O citado Sr. França é o deputado liberal baiano Eduardo Ferreira França, que se tornaria um dos principais críticos do Gabinete da Conciliação. Como também possuía seu eleitorado na Bahia, era um opositor em potencial de Wanderley (Ferraz, 2012FERRAZ, Sérgio Eduardo. O Império Revisitado: Instabilidade Ministerial, Câmara dos Deputados e Poder Moderador (1840-1889). Tese (Doutorado em Ciência Política) - Departamento de Ciência Política, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012.). A ambição criticada diz respeito à trajetória do político, que estava em franca ascensão. França pretendia utilizar a proximidade entre Wanderley e Ribeiro, um falsificador condenado, para criticá-lo na câmara legislativa e sabotar sua candidatura ao senado pela Bahia. Tal expediente rendeu severas críticas e desabafos na carta, que tomou ares de denúncia às injustiças e perseguições que o político estava sofrendo. Com ironia, Ribeiro arrematava: “nosso herói desistiu [de] seu propósito queixando-se sempre de que V. Exa. queria ser tudo, no que realmente não tem razão pois não consta que V. Exa. queria ser frade” (Ribeiro, 1855RIBEIRO, José Maria Cândido. Carta dirigida por José Maria Cândido Ribeiro a João Maurício Wanderley; Coleção Barão de Cotegipe, Lata 59, Pasta 150, fl. 1-2. Rio de Janeiro (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro-IHGB). 1855., fls. 1-2).

Ao que parece, Eduardo França realmente desistiu da ideia de atacar João Mauricio Wanderley na câmara utilizando para isso a relação deste com Ribeiro. Porém o deputado baiano não deixaria de utilizar politicamente aquilo que poderia se tornar um escândalo contundente. A vítima, porém, não seria Wanderley, mas o ministro da justiça Nabuco de Araújo. Com efeito, na seção legislativa de 19 de junho de 1855, França discursava:

Sr. presidente, desejo ser esclarecido a respeito de um fato que tem uma grande importância e do qual parece-me que ainda não se tratou. O nobre ministro da justiça está sempre clamando contra as absolvições do júri, e quer-se fazer crer que o júri não é capaz de reprimir os crimes. Sr. presidente, eu perguntarei ao ministério se quer ou não a repressão da moeda falsa, porque, senhores, ao mesmo tempo que se procura tratar com Portugal para que seja reprimido o crime ao mesmo tempo que o júri, que é tão acusado de proteger, ou de não punir os crimes, condena a um moedeiro falso, o português Cândido Ribeiro, esse mesmo moedeiro falso que nunca foi cumprir a sentença, é por fim perdoado! Porque tanto vale comutar-se a sua pena em um degredo de quatro anos para a província do Paraná!!! Esse criminoso de que falo veio da Bahia, solto em uma embarcação, aqui chegou e foi comutada a sua pena, e não sei se já foi para o seu destino, ou se já se acha em completa liberdade, como consta estar aqui na corte! Eis aqui, senhores, clamando-se contra o júri, querendo-se tratar com Portugal para a repressão da moeda falsa, e perdoando-se um moedeiro falso! (França, 1855FRANÇA, Eduardo. Anais do Parlamento Brasileiro. Rio de Janeiro, p. 178, 19 jun. 1855., p. 178).

Algumas questões interessantes podem ser depreendidas da fala do deputado. Ele foi, no parlamento, um dos críticos mais contundentes da política da conciliação (Ferraz, 2013FERRAZ, Paula Ribeiro. O Gabinete da Conciliação: atores, ideias e discursos (1848-1857). Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2013.). O que se vê a princípio é mais um ataque a um dos ministros do Gabinete, porém, interesses mais profundos podem ser inferidos. Dentre as principais propostas do ministério chefiado pelo Marquês de Paraná estavam as reformas judiciária e eleitoral. Durante o domínio liberal do ministério, na década de 1840, alguns projetos de reformas nessas áreas haviam circulado sem sucesso pelo parlamento. No caso da reforma judiciária, a grande bandeira dos liberais era a de reverterem os efeitos das reformas centralizadoras do início da década de 18404 4 Refiro-me à lei n. 105, de 1840, que interpretava o Ato Adicional de 1834, e à lei de 3 de dezembro de 1841, que reformava o Código do Processo Criminal. . A proposta da nova reforma, elaborada por Nabuco de Araújo e apresentada para discussão na câmara em 1854, acentuava os efeitos centralizadores da lei de 1841, como conclui Paula Ferraz:

O projeto de Nabuco parecia, em alguns aspectos, reforçar a Lei de 3 de dezembro de 1841: primeiro, ao restringir ainda mais o poder local, centralizando o Júri na cabeça das comarcas; segundo, ao esvaziar a atuação desta instituição e aumentar as exigências para os jurados. Por outro lado, o projeto destruía a grande máquina policial implantada em 1841, retirando poder de cargos muito valorizados na Reforma do Código. Assim, ao mesmo tempo em que centralizava, inovava, numa tentativa de aprimorar o sistema no sentido de uniformizar e estender a justiça (Ferraz, 2013FERRAZ, Paula Ribeiro. O Gabinete da Conciliação: atores, ideias e discursos (1848-1857). Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2013., p. 105).

Embora inovasse em alguns sentidos, o projeto acentuava o controle central sobre os mecanismos de justiça, principalmente ao limitar a participação do júri. Em 1850, Eusébio de Queirós, um dos mentores intelectuais e políticos de Nabuco de Araújo, já havia proposto e aprovado uma lei que retirava do júri local o julgamento de crimes como tráfico de escravos, retirada de presos e moeda falsa (Decreto n. 562, de 2 de julho de 1850). O projeto de Nabuco reduziria ainda mais a influência local, estabelecendo o conselho de jurados apenas nas cidades mais populosas das províncias, e aumentando os critérios para a participação no conselho. Daí a origem da crítica do liberal Eduardo França ao ministro Nabuco.

Na crítica de Nabuco à atuação dos juris locais pode-se vislumbrar novamente a presença das redes clientelísticas, uma vez que era comum que crimes como o de tráfico de africanos e moeda falsa, por demandarem capital e contatos, tivessem a participação de membros das elites locais, que tinham os participantes do júri entre a sua clientela, o que acabava resultando, aos olhos do ministro, em uma série de impunidades. Porém, França apontava um calcanhar de Aquiles no discurso de Nabuco utilizando o caso de Cândido Ribeiro: apontava a incoerência do Ministro da Justiça, que queria reprimir o crime de moeda falsa limitando o poder do júri, mas, ao mesmo tempo, atenuava a pena de um moedeiro falso, comutando-a de galés-perpétuas a degredo.

A acusação do deputado baiano não ficou sem resposta. Em sessão da câmara de 10 de julho de 1855, Nabuco explicaria:

Outro nobre deputado da Bahia, por ocasião da discussão do orçamento do império, censurou o governo pela comutação da pena imposta pelo crime de moeda falsa ao português Cândido Ribeiro. [...] Senhores, me parece que o nobre deputado foi injusto nesta censura, ele não devia fazê-la sem ter informações do governo. Em verdade essa atribuição de perdoar e comutar as penas é do poder moderador, e por ela responsável é o ministério; todavia há inconveniência manifesta em se sujeitarem ao exame e a discussão os motivos, os impulsos que decidirão a clemência do monarca, esse um dos melhores atributos da monarquia. Não declino porém da responsabilidade de ter proposto a coroa esta comutação de pena. [...] este indivíduo, achando-se preso na cadeia da Bahia, foi causa de uma descoberta importante de moeda falsa, foi o fio por onde a polícia chegou a esse grande resultado. [...] Não é coisa estranha que os criminosos que são a causa da descoberta de grandes crimes sejam perdoados, ainda mesmo achando-se nas prisões; é coisa que por mais de uma vez tem tido lugar, aqui e por toda parte (Araújo Filho, 1855ARAÚJO FILHO, José Tomás Nabuco de. Anais do Parlamento Brasileiro. Rio de Janeiro, pp. 138-139, 10 jul. 1855., pp. 138-139).

Como mencionado anteriormente, a comutação da pena de Ribeiro em degredo para o Paraná foi obra de Nabuco de Araújo, certamente a pedido de João Maurício Wanderley. A fala do ministro permite também esclarecer a natureza dos favores que criaram o elo entre Ribeiro e os políticos: a delação. Ribeiro vinha da Bahia sob a proteção de João Mauricio Wanderley, recomendado a Nabuco de Araújo devido aos serviços prestados quanto ao combate da moeda falsa naquela província. Essa foi a razão de sua presença na Corte em 1855.

A fala do ministro Nabuco de Araújo ao parlamento contém outros detalhes interessantes. Primeiramente, o ministro apresentou toda a extensão do Poder Moderador, ao alfinetar seu crítico mencionando que as decisões do monarca - sobre quem devia ou não perdoar - não deviam ser questionadas; em segundo lugar, coloca sob responsabilidade do ministério as disposições sobre a moderação das penas. Não cabe aqui uma discussão a respeito das origens do poder moderador e de todos os debates que aconteceram em torno da adoção deste quarto poder a partir de seu aparecimento na constituição de 18245 5 Para um amplo panorama sobre o assunto, ver Barbosa (2001). . Cabe apenas lembrar que, com o retorno do Conselho de Estado, extinto durante a maior parte do período regencial, com a Lei n. 234, de 23 de novembro de 1841, os Ministros de Estado passaram a ter assento no conselho, que também foi dividido em sessões, conforme a divisão administrativa dos próprios ministérios (Lei n. 234, de 23 de novembro de 1841. Art. 1º)6 6 Sobre isso, ver Lopes (2017) e Martins (2007). . Segundo a Constituição de 1824, entre as atribuições que o Poder Moderador concedia ao monarca estava a de perdoar e comutar as penas impostas pelo judiciário (Carta de Lei de 25 de março de 1824. Art. 101). Embora muito se discuta a respeito do acesso dos ministros às atribuições do poder moderador, pela fala de Nabuco fica claro que, no caso do perdão e da comutação de penas, o Ministério da Justiça tinha influência e, talvez, até uma certa autonomia em sua utilização, a ponto de o ministro assumir a responsabilidade sobre o ato.

Em um texto que discute as abordagens historiográficas sobre o clientelismo, Alexandre Cunha (2006CUNHA, Alexandre Mendes. Patronagem, Clientelismo e Redes clientelares: a aparente duração alargada de um mesmo conceito na história política brasileira. História, São Paulo, v. 25, n. 1, pp. 226-247, 2006.) propõe o conceito como uma das características estruturais da cultura política brasileira, embora ressalte que a prática sofre variações ao longo do tempo, que devem ser levadas em conta. Ao analisar a abordagem de Richard Graham sobre o tema, Cunha pondera:

Na forma apresentada pelo autor, em tudo se pode avaliar este quadro como uma permanência do antigo regime, tal qual na rígida composição dos papéis na “figuração” social de que fala Norbert Elias em seu A sociedade de corte, ainda que, não é nada ocioso lembrar, informada e mediada por significados diversos dos que se apresentariam ao Brasil na segunda metade do século XIX (Cunha, 2006CUNHA, Alexandre Mendes. Patronagem, Clientelismo e Redes clientelares: a aparente duração alargada de um mesmo conceito na história política brasileira. História, São Paulo, v. 25, n. 1, pp. 226-247, 2006., p. 232).

É uma abordagem semelhante a essa que quero propor à faculdade de perdoar e comutar penas do Poder Moderador. Guardadas as proporções, ela ocuparia, nas redes clientelísticas do Brasil do século XIX, o lugar que a economia da graça ocupava nas monarquias corporativas (Hespanha, 1993HESPANHA, António Manuel. La gracia del derecho. Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1993. ; Olival, 2001OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar, 2001.). A maneira como Nabuco de Araújo se refere à figura real referenda a constituição de 1824: “A Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma” (Carta de Lei de 25 de março de 1824. Art. 99). Sabe-se que uma das características da economia da graça era a de, através do exercício da benevolência real, ressaltar os laços de fidelidade e permitir a governabilidade nas monarquias corporativas (Olival, 2001OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar, 2001.).

É necessário, porém, estabelecer aqui uma diferença fundamental. Enquanto a economia da graça, que concedia aos reis do Antigo Regime a faculdade de perdoar seus súditos, estava muito mais ligada à tradição, ao costume e à própria concepção sagrada da realeza, no Império brasileiro tal prática encontrava-se institucionalizada e regulamentada constitucionalmente. Porém, penso que essa diferença capital entre as duas práticas não impede de enxergar semelhanças entre elas, além da influência das antigas monarquias na forma como a constituição apresentava suas leis.

No caso específico do Império do Brasil, não caberia ao Imperador sozinho a escolha dos que usufruiriam dos dons da sua benevolência, mas havia todo um aparato administrativo composto tanto pelo Conselho de Estado quanto pelo Ministério da Justiça. Ao prestar um serviço de interesse à Província da Bahia, sob a chefia de polícia de João Mauricio Wanderley, Ribeiro pretendeu se colocar sob a proteção deste. Por sua vez, Wanderley acionou sua rede clientelística, que, oportunamente, na década de 1850, chegava ao Gabinete do Ministério, que em breve ele mesmo viria a compor. Por intermédio de Nabuco de Araújo, o moedeiro conseguiria a comutação de sua pena, e continuaria a exercer seus préstimos, mas agora na Corte.

Wanderley Pinho, ao biografar seu avô João Maurício Wanderley, relaciona o seu sucesso no combate à moeda falsa, enquanto Chefe de Polícia da Bahia, a Cândido Ribeiro:

O segredo desse sucesso contra os falsários, deveu-o Wanderley, em muito, ao auxílio de um deles: - José Maria Cândido Ribeiro. Preso, arrependido, e conhecedor de todos os culpados e de todos os meandros da falsificação, auxiliou, aconselhou, sugeriu, denunciou. Ribeiro prometera, a troco de indulgência para com ele, indicar os demais criminosos, as fábricas, os interessados. Pronunciado, esperava, todavia; não desejava antecipar esses serviços quando poderia ser anulado o seu processo pela Relação para a qual recorrera. Não se queria comprometer antes do tempo. Quando, porém, a sua pronúncia foi confirmada e se soube condenado, ao arrependimento juntou a ânsia de melhorar de situação, com a comutação que lhe prometiam, e passou a servir à polícia com toda a eficácia (Pinho, 1937PINHO, Wanderley. Cotegipe e seu tempo: primeira phase, 1815-1867. Companhia Editora Nacional: São Paulo, 1937. , p. 254).

Para chegar a essa conclusão, Wanderley Pinho teve acesso à mesma documentação que utilizei sobre as relações entre os dois personagens. Porém, a correspondência entre Ribeiro e Wanderley permite explorar mais de perto algumas questões interessantes, a exemplo da forma como se deu o processo de espionagem sistemática que Ribeiro dirigia a seus protetores; alguns elementos do cotidiano de um condenado que era favorecido pela justiça; e, principalmente, permite acompanhar, quase ao rés-do-chão, uma relação de reciprocidade entre personagens hierarquicamente desiguais, que vai se acentuando e mudando com o tempo.

Em junho de 1855, João Maurício Wanderley se estabeleceu no Rio de Janeiro como Ministro da Marinha do Gabinete do Marquês de Paraná. Era um degrau a mais dentro de sua ascensão política. Cândido Ribeiro seguia se correspondendo com o político e, embora insistisse em demonstrar familiaridade, em alguns momentos é possível notar que Wanderley evitava o contato com seu protegido. Em 13 e 16 de junho, Ribeiro enviou pequenas mensagens solicitando uma audiência urgente, que, pela insistência do segundo bilhete, parece ter sido negada (Ribeiro, 1855RIBEIRO, José Maria Cândido. Carta dirigida por José Maria Cândido Ribeiro a João Maurício Wanderley; Coleção Barão de Cotegipe, Lata 59, Pasta 150, fl. 7-8. Rio de Janeiro (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro-IHGB). 1855., fls. 7-8). O interesse principal do encontro seria a necessidade de “entender cabalmente as exigências do Sr. Exmo. Ministro [Nabuco de Araújo] e sobretudo mostrar-me tal qual V. Exa. tem tido a bondade pintar-me.”. Como desculpa, acrescentou que aproveitaria a ocasião para dar os últimos retoques em um retrato de Wanderley no qual estaria trabalhando.

O bilhete permite deduzir o caráter da relação entre Ribeiro e Nabuco de Araújo. O primeiro vinha da Bahia recomendado por Wanderley, devendo cumprir determinadas exigências do Ministro da Justiça - o qual havia assinado o decreto que comutava a sua pena em março daquele mesmo ano - e se apresentar com as características pelas quais havia sido recrutado. Eram essas negociações que estavam em jogo na audiência pleiteada junto a Wanderley e num possível futuro encontro com o Ministro da Justiça.

Naturalmente, deveria existir algum tipo de contrapartida da parte de Ribeiro, uma reciprocidade de favores entre forças desiguais. Mas, estando sob proteção e recebendo dádivas como a comutação da pena e a possibilidade de se manter em liberdade, quais seriam as contrapartidas que Ribeiro poderia oferecer a seus abastados benfeitores? Certamente, havia a intenção de que continuasse a espionar e delatar os moedeiros falsos, porém, havia outros pequenos serviços que poderia prestar. A atitude de Ribeiro em relação ao suposto ataque do deputado Eduardo França, citada anteriormente, demonstra que ele era um ouvido na Corte, atento aos interesses de seus protetores. Todavia, um caso mais elucidativo colocará o moedeiro falso face a face com um dos seus principais algozes na imprensa fluminense: o jornalista que denunciara sua chegada ao Rio, Borges da Fonseca.

JORNALISMO, POLÍTICA E ESPIONAGEM

O jornalista Borges da Fonseca, que na época editava a quinta e última fase do periódico O Repúblico7 7 As quatro fases anteriores de O Repúblico foram editadas entre 1830-1831, 1831-1832, 1834 e 1837, respectivamente. A quinta e última fase foi editada entre 1853 e 1855 (Silva, 2021). , foi um personagem ativo dentro da política do período imperial. Era um republicano precoce e assumido. No primeiro reinado, fez críticas a Pedro I que contribuíram à sua abdicação. No final da década de 1840, esteve envolvido com a Revolução Praieira, levante liderado por integrantes do grupo liberal pernambucano, chegando a liderar o movimento em seus momentos finais. Condenado à prisão perpétua após a derrocada da revolta, esteve preso em Fernando de Noronha, de onde saiu após uma anistia em 1852. Retornando à Corte, foi vigiado de perto pelo Ministério da Justiça devido aos seus ideais “subversivos” (Fonseca, 2011FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O Ideário Republicano de Antonio Borges da Fonseca. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, XXVI, 2011, São Paulo. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História - ANPUH, São Paulo, 2011. pp. 01-16.; Oliveira, 2018OLIVEIRA, Maria Luiza Ferreira de. A prisão de Pedro Ivo e o debate político após a Praieira, 1849-1854. Rev. Hist. (São Paulo), n. 177, pp. 1-35, 2018.). A Revolução Praieira foi uma das razões para o endurecimento da política conservadora do Império, que resultaria no Gabinete da Conciliação. O caso em que Fonseca se envolverá, com Ribeiro e os ministros, permite um olhar sobre as relações entre imprensa e política no período.

Em meados de 1854, Nabuco de Araújo procurou Borges da Fonseca na intenção de conter a sua pena, que por meio de O Repúblico destilava críticas contra o Imperador e o gabinete ministerial. A participação do personagem na trajetória política da Nabuco de Araújo é tão incisiva que mereceu um subtítulo específico na biografia escrita por seu filho. A esse respeito, escreveu Joaquim Nabuco:

Nabuco conhecia de longa data Borges da Fonseca, defendera-o pela imprensa quando a Praia moveu processo contra ele; devido a suas antigas relações, uma vez que se encontraram, insinuou-lhe que fizesse alguma modificação em sua propaganda. Não tinha grande ilusão a esse respeito o ministro da Justiça, ninguém melhor do que ele conhecia o temperamento e a natureza do agitador pernambucano. Em qualquer combinação que entrassem Borges lhe levaria vantagem porque pertencia à escola dos que para servir à causa popular reputam todos os meios legítimos (Nabuco, 1899NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império: Nabuco de Araújo, sua vida, suas opiniões, sua época. Paris; Rio de Janeiro: H. Garnier , 1899., pp. 379-380. Grifo meu).

Joaquim Nabuco trata como natural o expediente utilizado por seu pai, de não poupar esforços para calar a imprensa contrária ao seu grupo político. Não seria a única vez que o ministro faria isso. A imprensa liberal, principalmente a antilusitana, era uma preocupação sua, que mais tarde o levaria a aconselhar um presidente de província a “fazer calar por bem ou por mal os jornais ou periódicos que aí, com injúria da nossa civilização, desacorçoamento da imigração, e perigo da ordem pública estão provocando o ódio popular contra os Portugueses.” (Nabuco, 1899NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império: Nabuco de Araújo, sua vida, suas opiniões, sua época. Paris; Rio de Janeiro: H. Garnier , 1899., p. 366).

A conversa de Nabuco de Araújo com Borges da Fonseca resultaria em algumas correspondências trocadas nos dias que se seguiriam. Em 3 de março de 1854, após solicitar uma entrevista reservada com o ministro, o jornalista escreveria: “V. Ex. procede como um cavalheiro que sabe apreciar a posição em que está; é belo ouvir-lhe dizer: - Tudo contra nós ministros, nada que se refira ao monarca, que é constitucional e muito constitucional” (Nabuco, 1899, p. 380). Na correspondência, depreende-se que Nabuco tentava poupar o Imperador da escrita cáustica de Fonseca: “a crise em que nos achamos, e o desejo de ir a caminho sem aproveitar as paixões ruins do povo, me aconselham o acordo em que ficamos de considerar fora de discussão a pessoa do Sr. D. Pedro II” (Nabuco, 1899NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império: Nabuco de Araújo, sua vida, suas opiniões, sua época. Paris; Rio de Janeiro: H. Garnier , 1899., p. 383).

O jornalista, por sua vez, extremamente antilusitano, denunciava a grande quantidade de portugueses que cercavam o palácio e usufruíam de benesses e cargos importantes ligados diretamente ao Imperador: “É bárbaro ver os portugueses senhores do Brasil, vê-los importando africanos e moeda falsa, vê-los saqueando-nos, e nós os brasileiros reduzidos à miséria; - acabem com isso e se verão cercados de todos os brasileiros” (Nabuco, 1899NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império: Nabuco de Araújo, sua vida, suas opiniões, sua época. Paris; Rio de Janeiro: H. Garnier , 1899., p. 384). A intenção de Fonseca era de que Nabuco atuasse junto ao monarca para atenuar a participação dos portugueses em benefício dos súditos brasileiros. Também solicitava que o ministro intercedesse por uma anistia geral aos participantes da “revolução de Pernambuco”. Mesmo demonstrando sua afeição a Nabuco, o jornalista não lhe pouparia ameaças veladas: “Amo-o, mas quanto lhe possa fazer, deve estar na altura do meu caráter, ficando certo que, costumado com a perseguição desde de 1824, não a temo, e antes pode ser que ela me adiante” (Nabuco, 1899NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império: Nabuco de Araújo, sua vida, suas opiniões, sua época. Paris; Rio de Janeiro: H. Garnier , 1899., p. 381).

A negociação entre o ministro e o jornalista não terminou bem. Ao perceber que alguns correligionários pernambucanos, remanescentes da Revolução Praieira, eram perseguidos pelo ministério em Pernambuco, Borges da Fonseca rompia com Nabuco, ameaçando-o inclusive de expor as tentativas de calar o jornal:

Não querendo surpreendê-lo, como fui agora por essas ordens bárbaras do ministério, a minha lealdade e franqueza me impõe esta notificação a V. Ex. E pois que os fatos que me ministram as notícias do Norte me deixam convencer que V. Ex. não tratava com sinceridade comigo e deslealmente procurava embarcar-me em uma empresa que me manietasse no futuro, penso que ninguém descobrirá a menor falta da minha parte, se a situação tornar conveniente a publicação das nossas negociações e das minutas que a respeito lhe tenho escrito, expondo fielmente quanto se passou entre nós (Nabuco, 1899NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império: Nabuco de Araújo, sua vida, suas opiniões, sua época. Paris; Rio de Janeiro: H. Garnier , 1899., pp. 385-386).

Com efeito, o boato sobre a tentativa de suborno por parte do Ministério da Justiça à imprensa de oposição ganharia terreno em 1855, a ponto de se apresentar em forma de críticas e acusações no Parlamento. Na sessão de 18 de maio, o deputado Sayão Lobato, ao inquirir o ministério sobre determinados “créditos suplementares” supostamente utilizados para combater o tráfico de africanos, acusava:

Há razões, Sr. Presidente, para se temer que essa quantia fosse gasta em assunto muito diverso, e que com ela a autoridade também gastasse a força moral que tanto lhe convém para desempenhar sua missão: é de recear que tais quantias fossem aplicadas em subornar a imprensa. [...] está no domínio público que o redator do Repúblico esse fanático sustentador de uma doutrina insensata, foi tentado pela autoridade policial da corte para se vender ao atual gabinete (Lobato, 1855LOBATO, Francisco de Paula Negreiros de Sayão. Anais do Parlamento Brasileiro. Rio de Janeiro, pp. 28-29, 18 mai. 1855., pp. 28-29).

Naturalmente, o redator citado era Borges da Fonseca. Mais tarde, Nabuco de Araújo se defenderia, afirmando a existência de verba destinada à imprensa em todos os ministérios, porém, o ministro estabelece tais atividades como secretas, não especificando a quantidade da verba nem de que maneira ela era gasta (Araújo Filho, 1855ARAÚJO FILHO, José Tomás Nabuco de. Anais do Parlamento Brasileiro. Rio de Janeiro, p. 167, 29 mai. 1855., p. 167). Em Um Estadista no Império, Joaquim Nabuco, além de não citar as acusações ao pai no parlamento, minimiza o ocorrido e conclui que Borges da Fonseca não prosseguiu no seu intento de desmoralizar o Ministro da Justiça:

A entrevista de Nabuco com Borges ficou assim sem resultado; ele continuou a publicar a sua pequena folha até convencer-se de que o Rio de Janeiro de 1854 não era o de 1831; a tranquilidade da atmosfera, de alguma forma, o asfixiava, a ele que só respirava bem o ar de tempestade, e em pouco tempo voltava para o Recife, cujo caráter nacionalista e democrático o confortava mais do que o indiferentismo fluminense, duas vezes viciado para ele: de cortezanice e de estrangeirismo (Nabuco, 1899NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império: Nabuco de Araújo, sua vida, suas opiniões, sua época. Paris; Rio de Janeiro: H. Garnier , 1899., p. 386).

Mas ao que parece, não foi apenas o “ar de tempestade” que chamou Fonseca de volta a Pernambuco. Essa história tem uma continuação, ou desconhecida ou convenientemente ignorada por Joaquim Nabuco. O Repúblico continuou atacando o Imperador e seu gabinete ministerial, entre outras coisas, alardeando a chegada de José Maria Cândido Ribeiro à Corte e denunciando suas relações com os Ministros da Justiça e da Marinha. Uma carta enviada pelo pintor em 30 de julho de 1855 acrescenta uma outra dimensão a esses acontecimentos:

Fui procurado por Borges da Fonseca para ver se eu me queria encarregar de um recado para V. Exa. respondi-lhe que não via nisso inconveniente. Depois de alguma troca de palavras, e de fazer ver o negócio lisonjeiramente para V. Exa. em particular, disse-me que me tinha escolhido por me achar capaz de guardar segredo, e não querer que se espalhasse o de que se tratava; disse-me finalmente que é candidato a senatoria pela Paraíba para onde tencionava ir para fazer a eleição [...] deixa temporariamente de escrever O Repúblico, e tomando por pretexto, entre os seus, a eleição, arranjos de viagem; pode fazê-lo desde já. Acrescentou que, não tendo outra pessoa conseguido fazer calar o Repúblico este fato, talvez, fosse olhado por S. M. como um serviço feito por V. Exa (Ribeiro, 1855RIBEIRO, José Maria Cândido. Carta dirigida por José Maria Cândido Ribeiro a João Maurício Wanderley; Coleção Barão de Cotegipe, Lata 59, Pasta 140, fl. 10. Rio de Janeiro (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro-IHGB). 1855., fl. 10. Grifo no original).

Curiosamente, talvez por conhecer a razão da estadia de Ribeiro na Corte e suas relações, foi ele quem Borges da Fonseca procurou como intermediário para negociar com o ministro João Mauricio Wanderley. A “outra pessoa” que não fez calar O Repúblico é possivelmente o ministro Nabuco, e o jornalista foi hábil em fomentar uma espécie de competição entre os políticos, que não mediam esforços para ganhar as graças do Imperador. Borges da Fonseca também pedia, como parte do acordo, intervenção do ministro para que o governo não se utilizasse de recursos escusos para sabotar sua campanha senatorial na Paraíba.

Em algum sentido, o acordo entre Wanderley e Borges da Fonseca, que teve Ribeiro como intermediário, pode ter prosperado, se acreditarmos na informação de Joaquim Nabuco de que, em pouco tempo, o jornalista abandonaria a capital do Império. Em outro bilhete dirigido ao seu protetor, no qual Ribeiro não específica a data, aparecem mais informações sobre seus préstimos e sobre Borges da Fonseca:

Hoje foi o Tribuno (mimoseado) com as generosidades de V. Exa. recebendo pela minha benta mão um cento e quinhentos mil réis; não obstante estar habilitado para ser mais generoso entendi dever proceder assim - acrescentei por mim, a esse donativo, algumas palavras que pus na boca de V. Exa. [...] Creio que desta vez menti muito pouco. Estou de posse de algumas revelações de muito interesse transmitidas hoje por um peito largo de B. de. F. finalmente vai talvez o homem para quem V. Exa. me deu uma carta fazer um grande serviço em Pernambuco - para onde (outro) homem vai partir e ser ali meu Presente! (Ribeiro, 1855RIBEIRO, José Maria Cândido. Carta dirigida por José Maria Cândido Ribeiro a João Maurício Wanderley; Coleção Barão de Cotegipe, Lata 59, Pasta 140, fl. 12. Rio de Janeiro (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro-IHGB). 1855., fl. 12).

Trata-se de um indício de que Ribeiro agia como agente de Wanderley em operações moralmente condenáveis para um político em tão alta posição no Império. Além de subornar determinado “tribuno”, possivelmente alguma outra “pena de aluguel”, Ribeiro parece demonstrar algum tipo de espionagem a “B. de F.” e, para isso, mandaria um agente a Pernambuco. Ainda em outro momento, Ribeiro procura lembrar Wanderley “do pedido que B[orges]. fez acerca daquele moço que pedia troca de lugar, é cousa insignificante e creio não haver prejuízo em satisfazer o nosso homem”.

O incidente envolvendo Cândido Ribeiro e Borges da Fonseca ilumina, em alguns aspectos, os bastidores da política imperial. Devido principalmente ao viés interpretativo de Justiniano José da Rocha e Joaquim Nabuco sobre o período, a época da Conciliação será pintada como um período de relativa paz entre os grupos políticos, no qual a política se exerceu de uma forma tranquila e ilibada, abrindo espaço para a atuação dos grandes estadistas imperiais. Porém, ao se aproximar o olhar, por meio da trajetória de Ribeiro, percebe-se que esse cenário era bem mais complexo, corroborando as análises mais recentes sobre o período (Ferraz, 2013FERRAZ, Paula Ribeiro. O Gabinete da Conciliação: atores, ideias e discursos (1848-1857). Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2013.; Estefanes, 2013ESTEFANES, Bruno Fabris. Conciliar o Império: o marquês de Paraná e a política imperial, 1842-1856. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2013.).

A correspondência de Ribeiro a Wanderley ainda revela outros pormenores do submundo político. Nos mesmos bilhetes que tratavam da negociação com Borges da Fonseca aparecem indícios sobre as condições de vida do artista, outras atividades suas na Corte, bem como sobre as várias maneiras pelas quais ele buscava seu sustento:

Aproveito esta ocasião para falar a V. Exa. do estado acabrunhado em que estou pela absoluta falta de meios para sustentar minha família. Tenho sem descanso feito as indagações possíveis para satisfazer as exigências do Exmo. Sr. Nabuco, e para que nunca V. Ex. e seus amigos pensem que se enganaram comigo ou me tenham na conta de ingrato. [...] para conseguir algum resultado, e pelo que o Exmo. Sr. Figueira de Mello me recomendou tenho abandonado meu trabalho, e vi-me na dura precisão de fazer sentir isso ao Sr. Nabuco a quem tenho dado parte minuciosa do que se tem conseguido - Creia-me V. Exa., por que sempre lhe falo sinceramente, que isto é uma das maiores violências que podia fazer a mim mesmo (Ribeiro, 1855RIBEIRO, José Maria Cândido. Carta dirigida por José Maria Cândido Ribeiro a João Maurício Wanderley; Coleção Barão de Cotegipe, Lata 59, Pasta 155, fl. 13. Rio de Janeiro (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro-IHGB). 1855., p. 13).

Apesar de ter mudado sua sina por meio da proteção dos ministros, ao que parece nem tudo eram flores na estadia de Cândido Ribeiro no Rio de Janeiro. As atividades que desempenhava para retribuir as benesses que recebia o impediam de exercer decentemente seu ofício. O Figueira de Mello citado no bilhete era Jeronimo Martiniano Figueira de Mello, na época, chefe de polícia na Corte. Outra figura que será citada nas mensagens é Eusébio de Queirós. A presença de todos esses personagens, ligados às instituições judiciárias e policiais do Império, permite inferir com maior exatidão o papel que Ribeiro exerceu nesse período em que, condenado, permaneceu livre no Rio de Janeiro.

CÂNDIDO RIBEIRO: UM AGENTE SECRETO NO IMPÉRIO

A primeira referência sobre José Maria Cândido Ribeiro como polícia secreta apareceu-me por acaso, enquanto eu pesquisava sobre a história da polícia no século XIX. Segundo Thomas Holloway, a polícia secreta era “uma área de atividade policial iniciada por Eusébio de Queirós na década de 1830, depois ampliada na reforma de 1841 e novamente na década de 1850” (Holloway, 1997HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX. Tradução de Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1997.). Teria começado como uma verba destinada ao pagamento de recompensas tanto a particulares quanto a policiais por atividades de delação. O sistema de recompensas evoluirá para a contratação de informantes e espiões, sempre de forma sigilosa, a critério do chefe de polícia. Em 1841, Eusébio de Queirós defendia, perante a Câmara dos Deputados, a destinação de verbas para semelhantes atividades:

Sem gratificar este serviço como é possível descobrir certos delitos em uma capital tão populosa como esta? O indivíduo de uma classe mais baixa que sabe, por exemplo, que se pretende introduzir na circulação papel-moeda falso ou falsificado, se não tiver um incentivo de receber uma gratificação se declarar, há de fazê-lo de graça? Alguns empregados da polícia encarregados de diligências têm ordenados de 300$000 por ano. Muitas vezes são empregados em diligências arriscadas, em que é indispensável despregar muito zelo. Quererá o nobre deputado que eles executem bem essas diligências sem outro incentivo mais do que o de ordenados que sempre recebem? (Holloway, 1997HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX. Tradução de Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1997., pp. 161-162).

É sintomático que o primeiro exemplo utilizado por Queirós para justificar a prática da espionagem seja especificamente o da moeda falsa. O trecho demonstra como é antiga a prática policial de utilizar as diferenças sociais em benefício da repressão, transformando em delatores os membros de diferentes grupos sociais. É também antigo o costume de incentivar os policiais a exercerem melhor as suas funções mediante renda extra (Foucault, 1987FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 30. Ed. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987. ). A verba anual destinada pela Secretaria de Polícia para esses fins chegava a quase um terço de seu orçamento no início da década de 1850. Assim funcionava a polícia secreta no Rio de Janeiro no século XIX. Mas o que mais interessa aparece pouco adiante no livro de Holloway. Vários indivíduos receberam pagamentos regulares como “agentes da polícia secreta” no ano de 1857, entre eles José Maria Cândido Ribeiro (Holloway, 1997HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX. Tradução de Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1997., p. 162)8 8 Mais tarde, tive a oportunidade de confirmar a informação junto ao Arquivo Nacional (Ministério da Justiça, 1858). .

A princípio tratei a informação com cautela, pois nenhuma outra menção aparece no livro além dessa breve citação. Algum tempo depois, quando mapeei as notícias dos jornais que ligavam Cândido Ribeiro a Nabuco de Araújo e João Maurício Wanderley, e percebendo os tipos de serviços que ele prestava por meio da correspondência dos políticos, tive a confirmação de que se tratava realmente do mesmo personagem. Há mais: no mesmo bilhete em que Ribeiro reclamou de sua situação financeira a Wanderley, também mencionou ter procurado receber “do Sr. oficial mais uma quantia porém [o Sr. Wanderley] esqueceu-se de lhe dar ordem alguma a meu respeito, Se V. Exa. puder lembrar-lhe isto, certo de que só me aproveitarei do que conscienciosamente merecer” (Ribeiro, 1855RIBEIRO, José Maria Cândido. Carta dirigida por José Maria Cândido Ribeiro a João Maurício Wanderley; Coleção Barão de Cotegipe, Lata 59, Pasta 153, s.n. Rio de Janeiro (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro-IHGB). 1855., s.n.). A quantia a que a mensagem se refere é possivelmente um pagamento dado pela polícia pelos serviços desempenhados como espião.

Ainda há a possibilidade de que, além da espionagem, Ribeiro tenha prestado outro tipo de favores ao Império, intermediado por seus protetores. O Atlheta noticiou sobre a contratação do falsário como “abridor de chapas” do Banco Nacional (Fazer do ladrão fiel, 1856FAZER DO LADRÃO FIEL. O Atlheta , Rio de Janeiro, p. 4, 25 abr. 1856., p. 4; Notas falsas, 1856NOTAS FALSAS. O Atlheta , Rio de Janeiro, p. 3, 5 mai. 1856., p. 3). O pintor era tido como exímio abridor de chapas de metal, ferramentas necessárias para estampar gravuras em papel, inclusive papel-moeda. Provavelmente com algum exagero, os noticiários atribuíram um tal talento a Ribeiro na produção de suas falsificações que tornava virtualmente impossível a diferenciação entre as notas falsas e as verdadeiras (Ferreira Júnior, 2017FERREIRA JÚNIOR, Francisco. O Rei dos Falsários: a trajetória de um moedeiro falso no Brasil Imperial (1830-1861). Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2017.). Existem alguns indícios de que tal fato tenha sido ao menos cogitado. Ainda na Bahia, em 1853, Ribeiro escrevia a Wanderley participando-o de um interessante projeto:

V. Exa. estará lembrado de que já em uma carta lhe disse que: o governo imperial não tinha só que temer dos gravadores; mas também desses espantosos processos por meio dos quais se podiam copiar repentinamente as mais delicadas gravuras. Na falta de conhecimento, e de meios adequados, consegui contudo a realidade de que é possível a qualquer idiota gravar em algumas horas todas as chapas das atuais moedas brasileiras! Consegui também a certeza de que é possível fazer outras, que estejam ao abrigo destes processos, e aos ataques dos falsários, e que enfim o seu próprio autor lhe seja quase impossível fazer outras iguais, aquelas que fizer no estabelecimento que para isto lhe for dado. Auxiliado por algum artista hábil comprometo-me, e ofereço-me a levar a efeito o que levo dito (Ribeiro, 1853RIBEIRO, José Maria Cândido. Carta dirigida por José Maria Cândido Ribeiro a João Maurício Wanderley; Coleção Barão de Cotegipe, Lata 59, Pasta 137, s.n. Rio de Janeiro (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro-IHGB). 1853., s.n.).

Não localizei provas de que Cândido Ribeiro tenha de fato prestado algum serviço ao Banco Nacional. Porém, o Diário do Rio de Janeiro de 16 de novembro de 1855 trazia um anúncio em grandes letras de caixa alta: “RETRATOS PELA PHOTOGRAFIA MODERNA”. Abaixo, um texto apresentava o currículo do fotógrafo J. Insley Pacheco, que estudara com professores consagrados de Nova York e dominava as mais modernas técnicas da arte. O público poderia comprovar essa competência pela observação de sua galeria, que trazia expostas fotografias de pessoas da mais alta sociedade, incluindo as de “SS. MM. O Imperador e a Imperatriz, e S. A. Sra. Princesa D. Leopoldina”. No fim do texto, a parte que mais interessa: “Os trabalhos de pintura são executados pelo Sr. C. Ribeiro com gosto, arte e extrema fidelidade” (Retratos pela photographia moderna, 1855RETRATOS PELA PHOTOGRAPHIA MODERNA. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 4, 16 nov. 1855., p. 4).

É bastante possível que os processos mencionados na correspondência, que podiam “copiar repentinamente as mais delicadas gravuras”, se referissem a processos fotográficos. Ribeiro tinha conhecimento sobre inúmeros processos químicos ligados à arte, inclusive possuindo e utilizando um daguerreotipo (Ferreira Júnior, 2017FERREIRA JÚNIOR, Francisco. O Rei dos Falsários: a trajetória de um moedeiro falso no Brasil Imperial (1830-1861). Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2017.). Um livro de arte do século XIX menciona que Pacheco, com a ajuda de Ribeiro, “combinava agentes químicos empregados nas diferentes fórmulas da fixação da imagem sobre papel” (Morais Filho, 1904MORAIS FILHO, Melo. Artistas do meu tempo: seguidos de um estudo sobre Laurindo Rabello. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1904., p. 47). Pacheco poderia ser o “artista hábil” que Ribeiro solicitou como ajudante no seu empreendimento que pretendia blindar o Império contra a falsificação de moeda. Essa hipótese é o mais próximo que cheguei de uma explicação para o emprego de Ribeiro no Banco Nacional, porém, é importante não exagerar tais afirmações. A notícia sobre esse emprego tanto pode ter sido criada pelos jornais de oposição, para aumentar o impacto da divulgação das ligações entre Ribeiro e os ministros da conciliação, como pode ser verdadeira, mas mantida em segredo pelas autoridades. Essa dúvida permanecerá, ao menos por enquanto.

De qualquer maneira, a ligação do moedeiro falso com a política da conciliação seria um dos principais elementos utilizados pela imprensa para atacar o Gabinete da Conciliação em seus anos derradeiros. Embora Borges da Fonseca tenha sido o precursor em 1855, vários foram os jornais que, entre 1856 e 1857, atacaram Nabuco de Araújo e Wanderley, expondo a sua relação com Cândido Ribeiro. Por trás do ataque aos ministros, o grande alvo da imprensa era o Gabinete da Conciliação e sua política ambígua. A grande maioria das notícias girava em torno dos elementos já mencionados: a transferência de Ribeiro para a Corte e a comutação de sua pena; a habilidade atribuída a ele de exímio falsificador e o aumento do crime de moeda falsa; a sua atuação como agente secreto ou como empregado do Banco Nacional ou da Casa da Moeda. Todos esses fatores apontavam para a proteção que recebia dos dois ministros do gabinete do Marquês de Paraná.

É impossível medir o quanto as notícias relacionando Cândido Ribeiro e os ministros contribuíram para minar a credibilidade do gabinete, porém, os ataques da imprensa e a atuação subterrânea dos ministros permitem entrever um cenário político mais conturbado do que a historiografia clássica pintou. Quanto a José Maria Cândido Ribeiro, ele permaneceu livre na Corte, prestando seus serviços enquanto duraram os cargos de seus protetores, que terminariam junto com o Gabinete, em 1857. Em maio daquele ano, Ribeiro escreveu a Wanderley a última carta que consegui encontrar, na qual pedia recomendações para continuar trabalhando para o próximo gabinete (Ribeiro, 1857RIBEIRO, José Maria Cândido. Carta dirigida por José Maria Cândido Ribeiro a João Maurício Wanderley; Coleção Barão de Cotegipe, Lata 59, Pasta 156, s.n. Rio de Janeiro (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro-IHGB). 1857., s.n.). Depois dessa data, obtive poucas informações sobre o pintor. Sei apenas que, ao final de 1858, provavelmente já sem o apoio de seus protetores, partiu para cumprir seu degredo na província do Paraná (Ferreira Júnior, 2017FERREIRA JÚNIOR, Francisco. O Rei dos Falsários: a trajetória de um moedeiro falso no Brasil Imperial (1830-1861). Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2017.).

A trajetória de José Maria Cândido Ribeiro na Corte permitiu acompanhar a atuação de um tipo de personagem pouco conhecido dentro do universo político do Império, mas do qual o pintor certamente não foi o único exemplar9 9 Maria Luiza de Oliveira, em artigo sobre a prisão de Pedro Ivo, identificou a atuação de outros espiões na Corte no mesmo período, usados por Nabuco de Araújo e Figueira de Mello justamente para a vigilância de Borges da Fonseca (Oliveira, 2018, pp. 31-32). . Tal trajetória permite concluir que, além das figuras características do jogo político, atuavam personagens ocultos, de origens diversas, difíceis de se categorizar, que, de uma maneira ou de outra, se inseriam nos jogos de poder por meio de laços de fidelidade oriundos das trocas de favores características das redes clientelísticas apontadas por Richard Graham. O que estava envolvido ia muito além de benefícios financeiros, tratava-se de várias formas de sobrevivência e mobilidade social em uma sociedade essencialmente desigual.

REFERÊNCIAS

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  • VELLASCO, Ivan de Andrade. Clientelismo, ordem privada e Estado no Brasil oitocentista: notas para um debate. In: CARVALHO, José Murilo de; NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das (Orgs.). Repensando o Brasil do Oitocentos: Cidadania, Política e Liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2009. pp. 71-100.
  • 1
    Sobre isso, ver Janotti (1982JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. A falsa dialética: Justiniano José da Rocha. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 2, n. 3, pp. 3-17, mar. 1982.), Guimarães (2007GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Ação, reação e transação: a pena de aluguel e a historiografia. In: CARVALHO, José Murilo de (Org.). Nação e Cidadania no Império: Novos Horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. pp. 71-91.) e Parron (2016PARRON, Tâmis. O Império num panfleto? Justiniano e a formação do Estado no Brasil do século XIX. In: ROCHA, Justiniano José da. Ação; reação; transação: duas palavras acerca da atualidade política no Brasil (1855). Estudo introdutório, notas e estabelecimento do texto de Tâmis Parron. São Paulo: EDUSP, 2016. pp. 17-56.).
  • 2
    Além de O Repúblico, os ataques se centraram principalmente em três periódicos: O Correio Mercantil, A Pátria e, principalmente, O Athleta, todos do Rio de Janeiro. As notícias sobre José Maria Cândido Ribeiro e sua relação com os ministros são: Fazer do ladrão fiel (1856FAZER DO LADRÃO FIEL. O Atlheta , Rio de Janeiro, p. 4, 25 abr. 1856., p. 4), Notas falsas (1856NOTAS FALSAS. O Atlheta , Rio de Janeiro, p. 3, 5 mai. 1856., p. 3), A escolha dos senadores (1856A ESCOLHA DOS SENADORES. O Atlheta, Rio de Janeiro, pp. 1-2, 14 jun. 1856., pp. 1-2), Escandalo na administração da justiça (1856ESCANDALO NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. O Athleta, Rio de Janeiro, p. 1, 25 ago. 1856., p. 1), Ao Banco do Brasil e ao comercio (1856AO BANCO DO BRASIL E AO COMERCIO. O Athleta, Rio de Janeiro, p. 1, 07 out. 1856., p. 1), Costa Junior (1856COSTA JUNIOR, João da. Transcripção. A Pátria , Rio de Janeiro, p. 1, 18 abr. 1856., p. 1), O sr. Wanderley trahindo o imperador (1856O SR. WANDERLEY TRAHINDO O IMPERADOR. A Pátria , Rio de Janeiro, p. 2, 26 nov. 1856., p. 2), Correspondência do interior (1857CORRESPONDÊNCIA DO INTERIOR. A Pátria, Rio de Janeiro, pp. 1-2, 06 mai. 1857., pp. 1-2), Góes (1856GÓES, Inocêncio Marques de Araújo. Negocios da Bahia. O Correio Mercantil, Rio de Janeiro, pp. 2, 25 nov. 1856., pp. 1-2), Góes (1856GÓES, Inocêncio Marques de Araújo. Moeda falsa. O Correio Mercantil, Rio de Janeiro, pp. 1-2, 20 out. 1856., p. 1). Todos os periódicos encontram-se digitalizados na Hemeroteca Digital Brasileira.
  • 3
    O trabalho de Graham sofreu algumas críticas, sendo uma das mais repercussivas a de José Murilo de Carvalho, que acusa Graham de ter invertido o sentido do clientelismo, colocando o Estado como cliente das elites locais dentro do jogo político. O centro da questão está na aceitação de Graham, corroborando Ilmar Mattos, de um domínio de classe no Estado imperial, o que unia os interesses centrais e locais. Para Carvalho, a união territorial do império se manteve não pelo domínio de uma classe sobre o Estado, mas devido ao treinamento da Elite Política, que conseguiu certa autonomia perante as disputas privadas. Já Ivan Vellasco, na perspectiva da sociologia de Jessé Souza, critica Graham por um uso a-histórico do conceito de Clientelismo, ao focar na centralidade do modelo da família patriarcal e nos laços de sociabilidade para explicar a estrutura política e sua dinâmica no Império, sem considerar o surgimento de relações sociais de um novo tipo a partir da atuação do Estado e do mercado no século XIX. Vellasco enxerga uma mudança na orientação das disposições mentais a partir do Oitocentos, no sentido de uma redefinição nos espaços de poder, segundo a qual o Estado se afirma diante da tradição, relativizando o poder e o alcance do clientelismo. Concordo com a defesa de Graham feita por Alexandre Mendes Cunha, demonstrando que Carvalho exagera a existência de uma esfera pública autônoma, não enxergando o patrimonialismo característico do Estado imperial, que é fundamental para a análise de Graham. Cf. Carvalho (1997CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma discussão conceitual. Dados, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, pp. 229-250, 1997.), Cunha (2006CUNHA, Alexandre Mendes. Patronagem, Clientelismo e Redes clientelares: a aparente duração alargada de um mesmo conceito na história política brasileira. História, São Paulo, v. 25, n. 1, pp. 226-247, 2006.), Mattos (1987MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo Saquarema: a formação do Estado imperial. São Paulo. São Paulo: HUCITEC; Brasília: INL, 1987.) e Vellasco (2009VELLASCO, Ivan de Andrade. Clientelismo, ordem privada e Estado no Brasil oitocentista: notas para um debate. In: CARVALHO, José Murilo de; NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das (Orgs.). Repensando o Brasil do Oitocentos: Cidadania, Política e Liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2009. pp. 71-100.).
  • 4
    Refiro-me à lei n. 105, de 1840, que interpretava o Ato Adicional de 1834, e à lei de 3 de dezembro de 1841, que reformava o Código do Processo Criminal.
  • 5
    Para um amplo panorama sobre o assunto, ver Barbosa (2001BARBOSA, Silvana Mota. A Sphinge Monárquica: o poder moderador e a política imperial. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2001. ).
  • 6
    Sobre isso, ver Lopes (2017LOPES, José Reinaldo de Lima. Consultas da Seção de Justiça do Conselho de Estado (1842-1889): A formação da cultura jurídica brasileira. Almanack Brasiliense, n. 05 mai. 2017.) e Martins (2007MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007.).
  • 7
    As quatro fases anteriores de O Repúblico foram editadas entre 1830-1831, 1831-1832, 1834 e 1837, respectivamente. A quinta e última fase foi editada entre 1853 e 1855 (Silva, 2021SILVA, Carolina Paes Barreto da. Autorretrato e retratos de um publicista: Antônio Borges da Fonseca nas tramas de discursos da imprensa pernambucana e da Insurreição Praieira (1841-1852). Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2021. ).
  • 8
    Mais tarde, tive a oportunidade de confirmar a informação junto ao Arquivo Nacional (Ministério da Justiça, 1858MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Polícia-Contabilidade; IJ6 205. Rio de Janeiro (Arquivo Nacional, AN). 09 mar. 1858. ).
  • 9
    Maria Luiza de Oliveira, em artigo sobre a prisão de Pedro Ivo, identificou a atuação de outros espiões na Corte no mesmo período, usados por Nabuco de Araújo e Figueira de Mello justamente para a vigilância de Borges da Fonseca (Oliveira, 2018OLIVEIRA, Maria Luiza Ferreira de. A prisão de Pedro Ivo e o debate político após a Praieira, 1849-1854. Rev. Hist. (São Paulo), n. 177, pp. 1-35, 2018., pp. 31-32).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2021
  • Aceito
    14 Jul 2022
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