Acessibilidade / Reportar erro

Diagnóstico e conduta pré-natal em malformação adenomatóide cística pulmonar fetal: apresentação de um caso

Prenatal diagnosis and therapy for fetal cystic adenomatoid pulmonary malformation: a case report

Resumos

A malformação adenomatóide cística fetal consiste em anomalia do desenvolvimento pulmonar, proveniente de crescimento anormal dos bronquíolos respiratórios terminais. Por tratar-se de malformação rara, nem sempre é lembrada como possibilidade diagnóstica. Apresentamos o relato de um caso de malformação adenomatóide cística pulmonar fetal em adolescente primigesta, ressaltando a importância do seu diagnóstico precoce e possibilidades terapêuticas. Apresentamos também o aspecto evidenciado após a colocação de cateter para drenagem contínua.

Diagnóstico pré-natal; Feto; Malformação adenomatóide cística congênita do pulmão


Fetal cystic adenomatoid malformation is a pulmonary developmental anomaly arising from an overgrowth of the terminal respiratory bronchioles. This is such a rare malformation, that is not always thought of as a diagnostic possibility. We present a case of pulmonary cystic adenomatoid malformation and emphasize the importance of early diagnosis and therapeutic possibilities. We also present its evolution after prenatal placement of a catheter for continuous drainage.

Prenatal diagnosis; Fetus; Cystic adenomatoid malformation of lung, congenital


RELATO DE CASO

Diagnóstico e conduta pré-natal em malformação adenomatóide cística pulmonar fetal: apresentação de um caso

Prenatal diagnosis and therapy for fetal cystic adenomatoid pulmonary malformation: a case report

Marcello Braga ViggianoI; Waldemar Naves do AmaralII; Zacarias Calil HamúIII; Paulo Sérgio Peres FonsecaIV; Juliane Damasceno de CastroV; Francielle PulcinelliVI

IChefe do Serviço de Medicina Fetal do Hospital Materno Infantil de Goiânia/Professor Substituto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás - UFG - Goiânia (GO) - Brasil

IIChefe do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás - UFG - Goiânia (GO) - Brasil

IIIChefe do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital Materno Infantil de Goiânia (GO) - Brasil

IVChefe do Serviço de Patologia do Hospital Materno Infantil de Goiânia (GO) - Brasil

VResidente de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Materno Infantil de Goiânia (GO) - Brasil

VIAcadêmica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás - UFG - Goiânia (GO) - Brasil

RESUMO

A malformação adenomatóide cística fetal consiste em anomalia do desenvolvimento pulmonar, proveniente de crescimento anormal dos bronquíolos respiratórios terminais. Por tratar-se de malformação rara, nem sempre é lembrada como possibilidade diagnóstica. Apresentamos o relato de um caso de malformação adenomatóide cística pulmonar fetal em adolescente primigesta, ressaltando a importância do seu diagnóstico precoce e possibilidades terapêuticas. Apresentamos também o aspecto evidenciado após a colocação de cateter para drenagem contínua.

Palavras-chave: Diagnóstico pré-natal; Feto/anormalidades; Malformação adenomatóide cística congênita do pulmão

ABSTRACT

Fetal cystic adenomatoid malformation is a pulmonary developmental anomaly arising from an overgrowth of the terminal respiratory bronchioles. This is such a rare malformation, that is not always thought of as a diagnostic possibility. We present a case of pulmonary cystic adenomatoid malformation and emphasize the importance of early diagnosis and therapeutic possibilities. We also present its evolution after prenatal placement of a catheter for continuous drainage.

Keywords: Prenatal diagnosis; Fetus/abnormalities; Cystic adenomatoid malformation of lung, congenital

Introdução

As alterações císticas envolvendo as estruturas intratorácicas fetais são, em sua maioria, acessíveis à propedêutica ultra-sonográfica durante o período intra-uterino.

Na avaliação do tórax fetal normal, os órgãos identificáveis são os pulmões e o coração, entretanto, em face de situações patológicas, estruturas torácicas invisíveis ao exame normal, tais como, espaço pleural, espaço pericárdico e mediastino, são de fundamental importância para se firmar um diagnóstico provável e conduzir apropriadamente cada situação1.

A malformação adenomatóide cística pulmonar (MACP) é caracterizada por anomalia de desenvolvimento do epitélio bronquiolar endodérmico e seu mesênquima adjacente originando a proliferação excessiva das estruturas respiratórias terminais. Esta falha embrionária ocorre entre a 6ª e a 8ª semana após a concepção, sendo que algumas lesões podem se desenvolver mais tardiamente entre a 14ª e a 18ª semana da gravidez2.

Sua real incidência é desconhecida e esporádica, não havendo fatores teratogênicos ou anormalidades cromossômicas relacionadas, existindo prevalência de 1,7 recém-nascidos do sexo masculino para cada feminino3.

A classificação mais comumente adotada tem como parâmetro o tamanho dos cistos encontrados. O tipo I contém vários cistos volumosos, irregulares ou cisto predominante circundado por menores, medindo em média 2 a 7 cm de diâmetro; o tipo II apresenta múltiplos pequenos cistos, medindo até 12 mm; e o tipo III é composto por volumosa massa densa, consistente, contendo microcistos4.

Em 1985, Adzick et al.5 propuseram classificação simplificada, dividindo as MACPs em três grupos: forma macrocística (cistos >5 mm de diâmetro), forma microcística (cistos <5 mm) e forma mista.

As anomalias associadas são raras (6-10%), porém existem casos descritos na literatura que são acompanhados por agenesia renal bilateral, rins multicísticos, displasias renais, hidrocefalia, anomalias cardíacas (tetralogia de Fallot), atresia jejunal ou ileal, deformidades de clavícula e coluna, sirenomelia e hérnia diafragmática6.

O objetivo deste trabalho é reforçar que, apesar de pouco comum, a MACP deve ser incluída como possibilidade diagnóstica em face de massas torácicas fetais e ilustrar, de maneira clara, o excelente suporte oferecido pela Medicina Fetal em relação à propedêutica e terapêutica no caso em questão.

Descrição do caso

Gestante adolescente, 19 anos incompletos, primigesta, foi submetida à ultra-sonografia obstétrica de rotina em serviço externo, que identificou imagens císticas em topografia pulmonar, sendo então encaminhada a serviço de referência em Medicina Fetal, onde foi realizada ultra-sonografia morfológica em 14 de junho de 2004, que identificou gestação única, do sexo masculino, biometricamente e adequadamente compatível com 26 semanas de gestação, apresentando três imagens císticas adjacentes que ocupavam os lobos pulmonares médio e superior do hemitórax direito, de formas arredondadas e volumes variados, anecogênicas, homogêneas e não pulsáteis, medindo os diâmetros da maior imagem cística 2,7 x 3,7 cm (Figuras 1 e 2). O volume de líquido amniótico encontrava-se no percentil 85 para a respectiva idade gestacional, sendo ainda visualizado e confirmado por meio de ecocardiografia discreto desvio de mediastino à esquerda, com anatomia e funções valvares cardíacas preservadas. Optou-se então, após consentimento da paciente, por tentativa de derivação pleuro-amniótica com a utilização de cateter adaptado de bloqueio anestésico peridural. O procedimento foi realizado em 30 de junho de 2004 sem intercorrências imediatas ou tardias, na 28ª semana de gestação, sendo aspirado 5 mL de líquido citrino durante a punção, que nos revelou em exame citopatológico escassa quantidade de linfócitos e concentração total protéica de 39 mg/dL. Nas consultas de acompanhamento, observou-se redução gradual nas dimensões císticas, sendo que no primeiro dia após derivação, o maior cisto media 2,3 x 1,7 cm; no 5º dia 2,3 x 2,3 cm; e no 12º dia 1,7 x 1,9 cm. Houve ainda retorno do mediastino à sua posição normal, sendo que em todos os exames ultra-sonográficos, confirmou-se a correta localização das extremidades do cateter introduzido. A partir da 36ª semana de gestação, o volume do cisto permaneceu constante, apesar de confirmada a correta localização do cateter, sugerindo processo obstrutivo de drenagem. O parto deu-se na 38ª semana, por via abdominal. No dia da interrupção, as dimensões da imagem cística eram 3,0 x 2,9 cm. O recém-nascido pesou 3.070 g e a evolução pós-natal foi normal. Aos 4 dias de vida, optou-se por realização de lobectomia superior pulmonar direita eletiva com achado cirúrgico macroscópico de tumoração cística com conteúdo líquido citrino, cápsula regular e fina, medindo em seu maior diâmetro 3,0 cm, tendo evolução pós-cirúrgica dentro dos padrões de normalidade. O estudo anatomopatológico e os achados histológicos de epitélio colunar e cubóide delineando a cavidade cística associada à presença de células musculares lisas nas paredes dos cistos confirmaram a suspeita de malformação adenomatóide cística pulmonar (Figura 3). Em consulta de acompanhamento aos três meses de vida (7 de dezembro de 2004) o lactente apresentava peso e estatura adequados, além de parâmetros cárdio-respiratórios normais para a idade.




Discussão

O diagnóstico pré-natal da MACP é sempre ultra-sonográfico, sendo realizado, mais comumente, a partir do segundo trimestre da gestação. A forma mais comum de apresentação ultra-sonográfica da MACP é como imagens císticas de tamanhos variáveis, únicas ou múltiplas (mais freqüentes), hipoecogênicas, homogêneas e não pulsáteis. As lesões unilaterais são mais comuns (85% dos casos), atingindo somente um lobo pulmonar, preferencialmente o inferior1,7.

O estudo com doplervelocimetria colorida auxilia no diagnóstico diferencial, principalmente com o seqüestro pulmonar, e na distinção entre suas formas extralobar e intralobar8.

O diagnóstico diferencial das imagens císticas pulmonares é realizado em face das anomalias intratorácicas (malformação adenomatóide cística, seqüestro pulmonar, cisto broncogênico e atresia brônquica) e extratorácicas (hérnia diafragmática), sendo por muitas vezes, o diagnóstico definitivo confirmado somente no período pós-natal. Vale ressaltar que existem relatos de coexistência de seqüestro pulmonar e MACP, e que a primeira pode mimetizar inclusive alguns critérios histológicos de diagnóstico desta última, sugerindo que não existe linha marcante de diferença do ponto de vista embriológico entre as duas condições9.

Entre as complicações possíveis destacam-se: hipoplasia pulmonar, insuficiência cardíaca devido a desvio do mediastino, derrames cavitários, hidropisia e polidramnia. A fisiopatologia do aumento do volume de líquido amniótico baseia-se na compressão esofageana extrínseca, diminuição da absorção pelo pulmão hipoplásico e ainda cogita-se da produção anormal de líquido pulmonar pelos pneumócitos do tipo 210.

A evolução da MACP depende do seu tipo (sendo menos favorável na do tipo III), localização, volume, presença ou não de outras anomalias associadas e suas possíveis complicações, como a hidropisia11.

Estes fenômenos levam à instalação de quadro de hidropisia fetal com derrame pleural, ascite e edema de subcutâneo, dependente da gravidade (tamanho da lesão) e o tempo de instalação do quadro. A presença ou não de hidropisia muda o prognóstico e a conduta pré-natal. Sendo assim, sinais precoces de insuficiência cardíaca devem ser pesquisados à ultra-sonografia e acompanhados mesmo nos casos de pequena manifestação e estáveis1.

A gravidez deverá ser monitorada com ultra-sonografias seriadas a fim de acompanhar o crescimento ou a involução da malformação e detectar o surgimento de possíveis complicações. Para aqueles casos em que já se instalou a hidropisia fetal ou derrame pleural em idade gestacional menor que 32 semanas, deve ser considerada a indicação de derivação tóraco-amniótica. Nos casos de compressão mediastinal por grandes massas contendo fartas porções císticas, há que se considerar a punção torácica para seu esvaziamento e, se possível, derivação contínua por meio da colocação do cateter11.

A conduta nos casos de anomalias císticas intratorácicas ainda não é consensual na literatura científica, variando desde expectante até a realização de procedimentos invasivos, como punções seriadas ou derivações definitivas12.

A importância do diagnóstico pré-natal das malformações císticas intratorácicas reside no fato de estas serem responsáveis, ao nascimento, por quadros de insuficiência respiratória grave em conseqüência à hipoplasia pulmonar e insuficiência cardíaca devida a desvio do mediastino. A identificação e seguimento adequado destas anomalias, em serviço de Medicina Fetal, tornam-se fundamentais para a programação de assistência neonatal especializada.

Recebido em: 18/11/2004

Aceito com modificações em: 11/4/2005

Correspondência: Marcello Braga Viggiano

Avenida 5ª Radial, nº 79 apt. 202 - Setor Pedro Ludovico - 74823-030 Goiânia - GO - Telefone: celular (62) 9979-0835; residência (62) 241-0572 - e-mail: marcelloviggiano@ig.com.br

  • 1. Isfer EV, Chrisóstomo AP, Pastore AR. Malformações fetais torácicas. In: Cerri GG, editor. Ultra-sonografia em ginecologia e obstetrícia. Rio de Janeiro: Revinter; 2003. p.230-8.
  • 2. Vergnes P, Chateil JF, Boissinot F, Galperine RI, Demarquez JL, Vital C, et al. Malformations pulmonaires de diagnostic anténatal. Chir Pediatr. 1999;30(4):185-92.
  • 3. Akrivis C, Varras M, Demou A, Bellou A, Stefanaki S, Antoniou N. Prenatal diagnosis of congenital cystic adenomatoid lung malformation: case report and review of the literature. Clin Exp Obstet Gynecol. 2003;30(4):259-62.
  • 4. Donn SM, Martin JN Jr, White SJ. Antenatal ultrasound findings in cystic adenomatoid malformation. Pediatr Radiol. 1981;10(3):180-2.
  • 5. Adzick NS, Harrison MR, Glick PL, Golbus MS, Anderson RL, Mahony BS, et al. Fetal cystic adenomatoid malformation: prenatal diagnosis and natural history. J Pediatr Surg. 1985;20(5):483-8.
  • 6. Ankermann T, Oppermann HC, Engler S, Leuschner I, Von Kaisenberg CS. Congenital masses of the lung, cystic adenomatoid malformation versus congenital lobar emphysema: prenatal diagnosis and implications for postnatal treatment. J Ultrasound Med. 2004;23(10):1379-84.
  • 7. Cohen RA, Moskowitz PS, McCallum WD. Sonographic diagnosis of cystic adenomatoid malformation in-utero. Prenat Diagn. 1983;3(2):139-43.
  • 8. De Nicola ALA, Frigério MV, Zanforlin Filho SM, Gollop TR. Diagnóstico pré-natal de seqüestração pulmonar: apresentação de um caso. Rev Bras Ginecol Obstet. 2003;25(3):207-10.
  • 9. Chandran H, Upadhyay V, Pease PW. Congenital cystic adenomatoid malformation and extralobar sequestration occurring independently in the ipsilateral hemithorax. Pediatr Surg Int. 2000;16(1-2):102-3.
  • 10. Usui N, Kamata S, Sawai T, Kamiyama M, Okuyama H, Kubota A, et al. Outcome predictors for infants with cystic lung disease. J Pediatr Surg. 2004;39(4):603-6.
  • 11. Pumberger W, Hormann M, Deutinger J, Bernaschek G, Bistricky E, Horcher E. Longitudinal observation of antenatally detected congenital lung malformations (CLM): natural history, clinical outcome and long-term follow-up. Eur J Cardiothorac Surg. 2003;24(5):703-11.
  • 12. Morikawa M, Yamada H, Okuyama K, Hirayama Kato E, Watari M, Kataoka S, et al. Prenatal diagnosis and fetal therapy of congenital cystic adenomatoid malformation type I of the lung: a report of five cases. Congenit Anom (Kyoto). 2003;43(1):72-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Nov 2005
  • Data do Fascículo
    Jun 2005

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2004
  • Aceito
    11 Abr 2005
Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3421, sala 903 - Jardim Paulista, 01401-001 São Paulo SP - Brasil, Tel. (55 11) 5573-4919 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: editorial.office@febrasgo.org.br