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Correlação entre o uso de corticoterapia antenatal, a reanimação e a mortalidade de recém-nascidos prematuros de muito baixo peso

Correlation between antenatal corticosteroid therapy, resuscitation and mortality in very low birth weight infants

Resumos

OBJETIVO:

Avaliar a correlação entre o uso de corticoterapia antenatal (CAN), a frequência de reanimação em sala de parto e a evolução ao óbito de recém-nascidos menores de 1.500 g e idade gestacional menor ou igual a 34 semanas.

MÉTODOS:

Estudo de coorte no qual foram acompanhados, desde a internação até a idade gestacional corrigida de 34 semanas, todos os recém-nascidos admitidos na UTI neonatal de janeiro de 2006 a dezembro de 2011. Foram excluídos os recém-nascidos que apresentaram malformações, síndromes genéticas, infecções congênitas e os transferidos de ou para outras instituições. Os recém-nascidos foram separados em 2 grupos: os que receberam (n=182) e os que não receberam (n=38) corticosteroide antenatal. Os principais desfechos estudados foram a necessidade de reanimação neonatal, a presença das principais morbidades neonatais e a evolução ao óbito durante a internação. As médias das variáveis foram comparadas utilizando-se o teste t de Student ou teste não paramétrico e as frequências foram comparadas pelo teste do χ2, com correção de Fisher. Todas as variáveis que se apresentaram diferentes entre os grupos foram avaliadas por regressão logística. Foi utilizado o pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 16.0 e a significância foi considerada 0,05.

RESULTADOS:

Foram avaliados 220 pacientes. Não houve diferença entre os grupos quanto ao peso de nascimento, à idade gestacional e à presença das principais patologias neonatais. O grupo de recém-nascidos que recebeu CAN apresentou mortalidade 3 vezes menor (IC95% 1,4-6,5) e necessitou 2,4 vezes menos de reanimação (IC95% 1,1-5,0). Além disso, houve diminuição da necessidade de procedimentos avançados de reanimação: em 3,7 vezes o uso de cânula traqueal (IC95% 1,7-7,6), 5,7 vezes o uso de massagem cardíaca (IC95% 2,0-16,5) e 8,9 vezes o uso de drogas (IC95% 2,0-39,4).

CONCLUSÕES:

A CAN reduziu a necessidade de reanimação em sala de parto, principalmente de procedimentos avançados de reanimação, além de ter diminuído a mortalidade nos recém-nascidos estudados.

Corticosteróides; Reanimação cardiopulmonar ; Recém-nascido de muito baixo peso/mortalidade ; Prematuro/mortalidade


PURPOSE:

To evaluate the correlation between the use of antenatal corticosteroid therapy (AC), the frequency of resuscitation in delivery room and mortality of newborn infants under 1,500 g and gestational age less than or equal to 34 weeks.

METHODS:

A cohort study was conducted on all newborn infants under 1,500 g and with a gestational age less than or equal to 34 weeks admitted at the neonatal ICU between January 2006 and December 2011. Newborns who had congenital anomalies, genetic syndromes, congenital infections and those who were transferred to or came from other institutions were excluded. The studied infants were divided into 2 groups: those who received (n=182) and those who did not receive (n=38) AC. The main outcomes studied were the necessity of neonatal resuscitation, the presence of the main neonatal diseases and mortality during hospitalization. The means of the variables were compared using Student's t-test or non-parametric test and frequencies were compared by χ2test with Fisher's correction. The variables that presented difference between groups were assessed by logistic regression. The Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 16.0 was used and the significance level was set at 0.05.

RESULTS:

In this study, 220 patients were evaluated. The groups were similar concerning birth weight, gestational age and the presence of the main neonatal morbidity during hospitalization. The infants who received antenatal corticosteroids showed lower mortality (OR=3.0; 95%CI 1.4-6.5) and required less resuscitation (OR=2.4; 95%CI 1.1-5.0). Besides, they required less advanced resuscitation procedures, such as tracheal cannula (OR=3.7; 95%CI 1.7-7.6), cardiac massage (OR=5.7; 95%CI 2.0-16.5) and medications (OR=8.9; 95%CI 2.0-39.4).

CONCLUSIONS:

The use of antenatal corticosteroids reduced the need for resuscitation in delivery room, especially advanced procedures, and reduced the mortality in the studied groups.

Adrenal cortex hormones ; Cardiopulmonary resuscitation ; Infant, very low birth weight/mortality ; Infant, premature/mortality


Introdução

Apesar do consenso sobre a importância do uso da corticoterapia antenatal (CAN) em gestações com risco de parto prematuro, ainda persistem controvérsias, tais como o tipo ideal de corticoide, suas doses e as vantagens de ciclos repetidos11. Fonseca ES. Manual de perinatologia. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia; 2013. , 22. Asztalos EV, Murphy KE, Willan AR, Matthews SG, Ohlsson A, Saigal S, et al. Multiple courses of antenatal corticosteroids for preterm birth study: outcomes in children at 5 years of age (MAC S-5). JAMA Pediatr. 2013;167(12):1102-10. .

Está claro na literatura que o uso de corticoide antenatal não aumenta o risco materno de infecção ou de óbito e está associado à importante diminuição da mortalidade neonatal e das principais morbidades neonatais: síndrome de desconforto respiratório, hemorragia ventricular, sepse neonatal precoce e enterocolite necrosante33. Roberts D, Dalziel S. Antenatal corticosteroids for accelerating fetal lung maturation for women at risk of preterm birth. Cochrane Database Syst Rev. 2006; (3):CD004454. .

Atualmente, o Ministério da Saúde do Brasil recomenda44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco: manual técnico. 5ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). : 2 doses de 12 mg de betametasona intramuscular (IM) com intervalo de 24 horas ou 4 doses de 6 mg de dexametasona IM com intervalo de 12 horas em gestações de risco de parto prematuro entre 24 e 34 semanas de idade gestacional. O melhor benefício começa 24 horas após o início da terapia e tem uma duração de 7 dias.

Em 2004, um estudo da Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais mostrou a correlação entre o uso antenatal de corticosteroides e melhores condições de nascimento de pré-termos, baseado nos valores do escore Apgar no primeiro e quinto minuto55. Martinez FE, Mussi-Pinhata MM, Linhares NJ, Marba S, Neto AA, Procianoy R, et al. [Antenatal corticosteroid use and birth conditions of preterm infants at hospitals belonging to the Brazilian Network of Neonatal Research]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2004;26(3):177-84. Portuguese.. Esses achados comprovaram os anteriormente relatados por Gardner, em 199566. Gardner MO, Goldenberg RL, Gaudier FL, Dubard MB, Nelson KG, Hauth JC. Predicting low Apgar scores of infants weighing less 1000 grams: the effect of corticosteroids. Obstet Gynecol. 1995;85(2):170-4..

Atualmente, a Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organization incorporou a CAN como um fator para avaliar a qualidade do atendimento perinatal77. Chandrasekaran S, Srinivas SK. Antenatal corticosteroid administration: understanding its use as an obstetric quality metric. Am J Obstet Gynecol. 2014;210(2):143.e1-7. .

Apesar das evidências das vantagens do uso de corticoide antenatal, sua utilização nas maternidades brasileiras ainda está longe do ideal55. Martinez FE, Mussi-Pinhata MM, Linhares NJ, Marba S, Neto AA, Procianoy R, et al. [Antenatal corticosteroid use and birth conditions of preterm infants at hospitals belonging to the Brazilian Network of Neonatal Research]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2004;26(3):177-84. Portuguese. , 66. Gardner MO, Goldenberg RL, Gaudier FL, Dubard MB, Nelson KG, Hauth JC. Predicting low Apgar scores of infants weighing less 1000 grams: the effect of corticosteroids. Obstet Gynecol. 1995;85(2):170-4. , 88. Almeida MF, Guinsburg R, Martinez FE, Procianoy RS, Leone CR, Marba ST, et al. Perinatal factors associated with early deaths of preterm infants Born in Brazilian Network of Neonatal Research centers. J Pediatr (Rio J). 2008;84(4):300-7. .

O objetivo deste estudo foi avaliar a influência da CAN na necessidade de reanimação em sala de parto e evolução ao óbito em recém-nascidos prematuros de muito baixo peso.

Métodos

Estudo de coorte, no qual foram acompanhados todos os recém-nascidos (RN) com peso de nascimento menor ou igual a 1.500 g e idade gestacional menor ou igual a 34 semanas no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2011, no Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP)/Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói (RJ). Foram excluídos do estudo os RN com anomalias congênitas maiores ou anomalias cromossomiais, os com infecções do grupo do complexo TORCHS: toxoplasmose, outras infecções (malária, varicela, hepatite, B e C, doença de Chagas, varicela, HIV, parvovirose), rubéola, citomegalovírus, herpes simples e sífilis, e os transferidos para ou os oriundos de outras maternidades.

Os RN foram separados em 2 grupos em relação à administração de corticosteroide antenatal, definida como a administração de pelo menos uma dose de 12 mg de betametasona intramuscular até 1 hora antes do parto, e foram comparados em relação às suas características clínicas e demográficas.

Foram coletados os seguintes dados referentes à gestação e ao parto: frequência de pré-natal, presença de hipertensão arterial materna44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco: manual técnico. 5ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). , de trabalho de parto prematuro44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco: manual técnico. 5ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). , de febre materna (temperatura axilar ≥37,8 24 horas antes do parto ou após a ocorrência do mesmo), de corioamnionite44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco: manual técnico. 5ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). , o uso de corticosteroide antenatal e o tipo de parto.

Em relação aos RN, foram coletados os seguintes dados: peso ao nascer, gênero, idade gestacional em semanas (sendo levados em consideração, primeiramente, a data da última menstruação ou a ultrassonografia com até 12 semanas de gestação e, finalmente, o método de New Ballard)99. Ballard JL, Khoury JC, Wedig K, Wang L, Eilers-Walsman BL, Lipp R. New Ballard Score, expanded to include extremely premature infants. J Pediatr. 1991;119(3):417-23., classificação quanto à relação idade gestacional e peso ao nascer pelo método de Alexander et al.1010. Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obstet Gynecol. 1996;87(2):163-8., asfixia (Apgar no quinto minuto menor que 7), escore Clinical Risk Index for Babies (CRIB)1111. International Neonatal Network. The CRIB (Clinical Risk Index for Babies) score: a tool for assessing initial neonatal risk and comparing performance of neonatal intensive care units. Lancet. 1993;342(8865):193-8. , 1212. Sarquis AL, Miyaki M, Cat MN. Aplicação do escore CRIB para avaliar o risco de mortalidade neonatal. J Pediatr (Rio J). 2002;78(3):225-9. , sepse comprovada (hemocultura positiva), presença de canal arterial (diagnóstico ecocardiográfico), enterocolite necrosante grau II e III de Bell et al.1313. Bell MJ, Ternberg JL, Feigin RD, Keating JP, Marshall R, Barton L, et al. Neonatal necrotizing enterocolitis. Therapeutic decisions based upon clinic staging. Ann Surg. 1978;187(1):1-7. , hemorragia intraventricular grau III e IV1414. Papile LA, Burstein J, Burstein R, Koffler H. Incidence and evolution of subependymal and intraventricular hemorrhage: a study of infants with birth weights less than 1,500 gm. J Pediatr. 1978;92(4):529-34. , necessidade de reanimação na sala de parto e manobras utilizadas (ventilação com balão e máscara, ventilação com balão e cânula traqueal, massagem cardíaca e uso de medicações)1515. Branco MF, Guinsburg R. Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria: Condutas. São Paulo: SBP; 2011. e a mortalidade ocorrida durante a internação na UTI neonatal.

As variáveis contínuas foram descritas por meio de médias e desvio padrão e comparadas sendo utilizado o teste t de Student e teste de Mann-Whitney, quando necessário. As variáveis categóricas foram descritas por meio de percentuais e comparadas pelo teste do χ2 com correção de Fisher. Foi realizada regressão logística binária para avaliar a influência do uso de corticosteroide antenatal na necessidade de manobras de reanimação neonatal e na evolução ao óbito durante a internação. Foi utilizado o pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 16.0 e a significância foi considerada 0,05. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina do HUAP/UFF sob o número 0008.0.258.000-09.

Resultados

Dos 261 RN admitidos na UTI neonatal do HUAP/UFF com peso de nascimento menor ou igual a 1.500 g e idade gestacional menor ou igual a 34 semanas, 220 preencheram os critérios de inclusão e 41 foram excluídos (11 transferidos para outras unidades, 22 oriundos de outras maternidades e 8 malformados). Dos incluídos no estudo, 182 (82,7%) receberam corticosteroide antenatal e 38 (17,3%) não receberam.

Houve diferença em relação à frequência de pré-natal (76,9 versus57,9%) e de parto operatório (77,5 versus 50,0%), que foram mais elevadas no grupo de RN que recebeu CAN. A frequência de asfixia, o valor do escore CRIB e a necessidade de reanimação em sala de parto foram menores nesse grupo. Não houve diferença entre as demais características estudadas (Tabela 1).

Tabela 1
Comparação entre as características clínicas das gestantes e dos recém-nascidos que receberam (n=182) e que não receberam (n=38) corticosteroide antenatal

Não houve diferença entre os grupos em relação à necessidade de ventilação com balão e máscara. No entanto, houve diferença na necessidade de procedimentos avançados de reanimação (ventilação com balão e cânula traqueal, massagem cardíaca e uso de medicações) (Tabela 2).

Tabela 2
Análise da influência da corticoterapia antenatal nas manobras de reanimação nos grupos estudados - regressão logística binária

Não ter recebido CAN aumentou a incidência de óbito em 3 vezes (IC95% 1,4-6,5; p<0,01).

Discussão

Destaca-se neste estudo que os RN de muito baixo peso e com idade gestacional menor ou igual 34 semanas que não receberam CAN tiveram maior chance de serem reanimados e de necessitarem de procedimentos avançados de reanimação na sala de parto.

Em geral, 2 em cada 3 RN com peso de nascimento menor que 1.500 g necessitam de reanimação. No Brasil, a cada ano, cerca de 25 mil RN de muito baixo peso necessitam de assistência ventilatória na sala de parto1515. Branco MF, Guinsburg R. Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria: Condutas. São Paulo: SBP; 2011..

O ato de reanimar um recém-nascido, principalmente os prematuros, não é livre de riscos. Há a possibilidade de complicações graves, tais como pneumotórax, hemotórax, fratura de costelas, laceração de fígado, laceração esofágica, hemorragia intracraniana, falha na intubação orotraqueal e intubação seletiva, além de poder contribuir, de forma direta ou indireta, para o aumento na incidência de patologias tardias, como displasia broncopulmonar, retinopatia da prematuridade e leucomalácea periventricular1515. Branco MF, Guinsburg R. Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria: Condutas. São Paulo: SBP; 2011.

16. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).
- 1717. Almeida MFB, Guinsburg R. A reanimação do prematuro extremo em sala de parto: controvérsias. J Pediatr (Rio J). 2005;81(1 Supl):S3-S15. . Portanto, qualquer procedimento que possa minimizar os riscos relacionados à reanimação em sala de parto, tal como o uso de CAN, é de crucial importância na perinatologia.

Durante a gestação, a exposição fisiológica fetal ao cortisol é baixa até 32 semanas, quando a produção começa a aumentar para preparar o feto para a vida extrauterina1818. Watterberg K. Fetal adrenal development: implications for lung development and postnatal disease. NeoReviews. 2006;7(3):e135-42. . Quando administrado à gestante, o corticoide atua de múltiplas formas no feto. Acredita-se que a ação principal da CAN, a despeito da provável diminuição da multiplicação celular, seja acelerar a maturação dos tecidos fetais1919. Crane J, Armson A, Brunner M, De La Ronde S, Farine D, Keenan-Lindsay L, et al. Antenatal corticosteroid therapy for fetal maturation. J Obstet Gynaecol Can. 2003;25(1):45-52. , 2020. Merrill JD, Ballard RA. Clinical use of antenatal corticosteroids: benefits and risks. Pediatr Rev. 2000;1(5):E91-8..

Em relação ao pulmão, age aumentando a produção de surfactante e diminuindo a permeabilidade vascular e, consequentemente, a perda proteica para o espaço alveolar, gerando, com isso, aumento da complacência pulmonar2020. Merrill JD, Ballard RA. Clinical use of antenatal corticosteroids: benefits and risks. Pediatr Rev. 2000;1(5):E91-8..

Quanto ao sistema cardiovascular, há relatos de que RN expostos a corticosteroide antenatal apresentam pressão arterial mais estável nas primeiras 24 horas de vida. Isso faz com que eles necessitem menos de reanimação e de medicamentos vasopressores após o nascimento2020. Merrill JD, Ballard RA. Clinical use of antenatal corticosteroids: benefits and risks. Pediatr Rev. 2000;1(5):E91-8..

Também são claros os relatos de menor ocorrência de hemorragia intraventricular em RN que receberam corticosteroide antenatal, pelo menos uma dose em até uma hora antes do parto1919. Crane J, Armson A, Brunner M, De La Ronde S, Farine D, Keenan-Lindsay L, et al. Antenatal corticosteroid therapy for fetal maturation. J Obstet Gynaecol Can. 2003;25(1):45-52. , 2121. Royal College of Obstetricians and Gynaecologists. Antenatal corticosteroids to reduce neonatal morbidity and mortality. London: RCOG; 2010..

Em decorrências de todas essas ações, uma melhora importante das condições clínicas dos RN é esperada ao nascimento quando se faz uso da CAN e, consequentemente, menor necessidade de intervenções na sala de parto. Isso foi confirmado por este estudo, no qual a frequência de asfixia foi menor no grupo que recebeu CAN, além de menor necessidade de reanimação e, principalmente, menor necessidade de procedimentos avançados de reanimação, corroborando os achados da Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais55. Martinez FE, Mussi-Pinhata MM, Linhares NJ, Marba S, Neto AA, Procianoy R, et al. [Antenatal corticosteroid use and birth conditions of preterm infants at hospitals belonging to the Brazilian Network of Neonatal Research]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2004;26(3):177-84. Portuguese..

Neste estudo, também não foi verificada diferença na incidência das principais morbidades neonatais. Isso pode ser explicado pela grande diferença de quantidade de RN alocados em cada grupo, já que o uso de CAN no HUAP/UFF é alto (83%).

O escore CRIB, utilizado para avaliar risco de mortalidade em RN de muito baixo peso, foi menor no grupo de RN que recebeu CAN em relação ao que não recebeu (Tabela 1). Esse também pode ser um efeito da melhora das condições de nascimento provocada pelo uso da CAN, já que o CRIB utiliza, além do peso de nascimento e idade gestacional, parâmetros gasométricos e necessidade de oxigênio, que, indiretamente, são relacionados com a função pulmonar1010. Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obstet Gynecol. 1996;87(2):163-8. , 1919. Crane J, Armson A, Brunner M, De La Ronde S, Farine D, Keenan-Lindsay L, et al. Antenatal corticosteroid therapy for fetal maturation. J Obstet Gynaecol Can. 2003;25(1):45-52..

Na maioria dos trabalhos publicados, observa-se influência importante da idade gestacional e do peso de nascimento nas condições ao nascer dos RN e na necessidade de reanimação neonatal. Quanto menor o peso de nascimento e a idade gestacional, maior a necessidade de reanimação e maior a mortalidade. Neste estudo, no entanto, a idade gestacional e o peso de nascimento não foram diferentes entre os grupos estudados, o que nos sugere, que o menor percentual de necessidade de reanimação e óbito seja de fato correlacionado apenas ao uso da CAN.

Importante ressaltar que houve diferença entre os grupos em relação à frequência de pré-natal e de parto operatório, que foi maior no grupo que fez uso da CAN. Provavelmente, há uma correlação direta entre a presença de pré-natal e a indicação mais precisa do uso de CAN e, talvez, a indicação do parto operatório. De fato, um pré-natal adequado aumenta a possibilidade de diagnóstico precoce e manuseio adequado de patologias gestacionais, otimizando o uso de CAN nas gestantes que possuem tal indicação.

Concluímos que o uso da CAN gerou diminuição da necessidade de reanimação neonatal, principalmente de procedimentos avançados de reanimação, além de diminuição da mortalidade nos RN estudados.

O uso desse medicamento, que traz poucos riscos para as mães e imensos benefícios para a população de RN prematuros, deve ser mais incentivado, principalmente no Brasil, onde a sua frequência de uso ainda é muito baixa.

Referências

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  • Fonte de financiamento: Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2014

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2013
  • Aceito
    25 Abr 2014
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