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Autoestima e estética na percepção de pessoas idosas de Centros de Referência de Assistência Social

Resumo

Objetivo

Analisar a percepção de pessoas idosas em relação a sua imagem corporal e autoestima.

Método

Pesquisa qualitativa, exploratória, descritiva realizada com 28 pessoas idosas nos Centros de Referência de Assistência Social de Araucária, Paraná, Brasil. Foi aplicada entrevista com roteiro estruturado composto por 10 questões que abordavam os sentimentos em relação à estética no envelhecimento e às repercussões na autoestima. A análise dos dados foi realizada utilizando o software IRAMUTEQ®.

Resultados

A análise da percepção em relação à estética e autoestima no envelhecimento resultou em 5 classes: classe 1 (19,8%) “Relação autoestima x autoimagem”, classe 2 (20,7%) “Sentimentos e sensações experimentadas”, classe 3 (20,7%) “Aspectos além da aparência que influenciam a autoestima”, classe 4 (18,1%) “Motivos para realizar cuidados estéticos” e classe 5 (20,7%) “Tipos de intervenções e cuidados estéticos”. Elevada autoestima foi encontrada em uma população vulnerável economicamente. Muitas pessoas idosas relataram que com o envelhecimento houve mudanças na forma como são tratadas, entretanto, isso não foi percebido somente de forma negativa.

Conclusão

Embora a sociedade promova um padrão de beleza, as pessoas idosas conseguem viver de forma satisfatória, com elevada autoestima, sem serem influenciadas negativamente.

Palavras-Chave:
Envelhecimento; Idoso; Autoestima; Estética

Abstract

Objective

To analyze the perception of older adults regarding their body image and self-esteem.

Method

A qualitative, exploratory, and descriptive study conducted with 28 older adults in the Social Assistance Reference Centers of Araucária, Paraná, Brazil. A structured interview with a questionnaire comprising 10 questions addressing feelings about aesthetics in aging and its repercussions on self-esteem was administered. Data analysis was performed using the IRAMUTEQ® software.

Results

The analysis of perception regarding aesthetics and self-esteem in aging resulted in 5 classes: Class 1 (19.8%) "Self-esteem vs. self-image", Class 2 (20.7%) "Feelings and sensations experienced", Class 3 (20.7%) "Aspects beyond appearance influencing self-esteem", Class 4 (18.1%) "Reasons for engaging in aesthetic care", and Class 5 (20.7%) "Types of interventions and aesthetic care". Elevated self-esteem was found in an economically vulnerable population. Many older adults reported changes in how they are treated with aging; however, this was not solely perceived negatively.

Conclusion

Despite societal promotion of a beauty standard, older adults can live satisfactorily with high self-esteem without being negatively influenced.

Keywords
Aging; Older adult; Self-esteem; Aesthetics

INTRODUÇÃO

Envelhecer é um processo natural em que o indivíduo é suscetível às modificações corporais e aos efeitos das influências socioculturais, inclusive padrões estéticos predeterminados11 Batistoni SST, Neri AL. Percepção de classe social entre idosos e suas relações com aspectos emocionais do envelhecimento. Psicol em Pesqui [Internet]. 2007;1(2):3–10. Disponivel em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/psicologiaempesquisa/article/view/23687. Dentre as formas de influência, pode-se mencionar os meios de comunicação e as redes sociais. Esses filtram a experiência de vida, apresentam e impõe um ideal estético de juventude e beleza, transformando o envelhecimento em uma realidade invisível22 Lumbreras S. El ideal de un hombre que esquiva al tiempo: Tecnología e vejez. In: Usanos RA, editor. Bioetica para una sociedad envejecida. Madrid: Comillas - Universidad Pontificia; 2022. p. 179–93..

Apesar dos padrões estéticos determinados socialmente, Adela Cortina33 Cortina A. Cidadãos do Mundo por uma teoria da cidadania. 4a ed. Madrid: Editora Loyola; 2005. 153 p. nos diz que “nunca pode ser permitido que um grupo, por mais minoritário que seja, restrinja as liberdades individuais de seus membros, que os force a manter uma forma de vida que não desejam”. A possibilidade de se impor contra padrões estéticos determinados socialmente está associada à autoestima. A autoestima é entendida como a consideração ou sentimento que o indivíduo tem por si próprio, como se vê, como se sente44 Copatti SL, Kuczmainski AG, Sá CA De, Ferretti F. Imagem corporal e autoestima em idosos: uma revisão integrativa da literatura. Estud interdiciplinares sobre Envelhec [Internet]. 2017;22(3). Disponivel em: https://www.seer.ufrgs.br/RevEnvelhecer/article/view/60583. Analisar e discutir a relação entre a autoestima e estética do envelhecimento a partir daqueles que envelhecem é importante, compreendendo que o envelhecimento não é vivido de forma homogênea entre as pessoas idosas, pois, muitas o rejeitam, sentindo-se desvalorizadas.

Dentre os grupos minoritários, destacam-se aqueles que vivem em situação de pobreza. Segundo dados do Governo Federal brasileiro, em 2020, 69% das pessoas idosas viviam com renda de até dois salários-mínimos55 IDOSOS E FAMÍLIA NO BRASIL Fatos e Números [Internet]. 2020. Disponivel em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/observatorio-nacional-da-familia/fatos-e-numeros/idosos-e-familia-no-brasil.pdf
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por...
. A pobreza nessa faixa etária é um grande desafio, pois, quanto menos recursos financeiros, maiores são a fragilidade em saúde e a dependência da pessoa idosa. A pobreza compromete não somente as necessidades materiais e financeiras, mas, engloba outras dimensões da pessoa idosa, como a social, a cultural e a relacional em geral. Isso pode repercutir em aspectos variados, incluindo a dimensão existencial, podendo gerar baixa autoestima66 Fernandes AI. Pobreza e pessoas idosas: A dimensão subjetiva e existencial do fenômeno. Rev Ibero-Americana Saúde e Envelhec [Internet]. 2015;1(2):156. Disponivel em: http://www.revistas.uevora.pt/index.php/saude_envelhecimento/article/view/59. Neste estudo, a pobreza é uma realidade da população participante, sendo consideradas pessoas idosas vulneráveis economicamente.

Segundo Adela Cortina77 Cortina A. Cidadãos do Mundo por uma teoria da cidadania. Madrid: Editora Loyola; 2005. 139 p., a plena cidadania tem necessidade de união com os semelhantes, que suportem o diferente, uma vez que “integra um status legal, um status moral e uma identidade, pela qual a pessoa se sabe e se sente pertencente a uma sociedade”. A autora segue nos dizendo que a identidade não é algo que é dado, e sim algo que se negocia, a partir de lutas sociais que tornam o reconhecimento uma realidade. Entretanto, não basta o reconhecimento do outro, é indispensável que o próprio indivíduo escolha e defina sua identidade88 Cortina A. Cidadãos do Mundo por uma teoria da cidadania. 4a ed. Madrid: Edições Loyola; 2005.. Em uma sociedade moderna que aspira igualdade entre seus membros, cada indivíduo deveria estar legitimado para definir quais pertenças considera mais identificadora. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é analisar a percepção da pessoa idosa em relação a sua imagem corporal e autoestima.

MÉTODO

Pesquisa qualitativa, exploratória e descritiva, realizada com 28 pessoas idosas cadastradas em dois Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) de Araucária (PR): Industrial e Califórnia. O CRAS é a unidade do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) responsável por oferecer serviços, programas e benefícios voltados a prevenir situações de risco e a fortalecer os vínculos em áreas de vulnerabilidade social.

A amostra foi estabelecida por conveniência, que é uma técnica de amostragem não probabilística e não aleatória, utilizada para criar amostras de acordo com a facilidade de acesso. Foram adotados como critério de inclusão ser pessoa idosa, com idade mínima de 60 anos, e sem idade máxima, de ambos os sexos, inseridas em um dos CRAS de Araucária. Adotaram-se como critério de exclusão a presença de qualquer limitação cognitiva prévia que pudesse interferir na compreensão e resposta ao questionário. Foram abordadas 40 pessoas idosas, conforme elas procuravam o CRAS para algum tipo de auxílio ou para participar de atividades. Doze pessoas não tiveram interesse em participar, resultando em uma amostra final de vinte e oito.

A abordagem qualitativa oferece três possibilidades: pesquisa documental, estudo de caso e etnografia99 Godoy AS. Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Rev Adm Empres [Internet]. 1995;35:20–9. Disponivel em: https://www.scielo.br/j/rae/a/ZX4cTGrqYfVhr7LvVyDBgdb/?format=pdf⟨=pt. Este trabalho realizou o que é conhecido como estudo de caso, pois, adota um enfoque exploratório e descritivo, buscando demonstrar a multiplicidade de dimensões presentes.

Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, que busca refletir as múltiplas dimensões de um fenômeno, não trabalhamos com o conceito de saturação, mas com o objetivo de dar corpo à pesquisa, de forma aprofundada e abrangente. Segundo Minayo1010 Minayo MC de S. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesqui Qual [Internet]. 2017;5(7):1–12. Disponivel em: https://editora.sepq.org.br/index.php/rpq/article/view/82, em uma pesquisa qualitativa deve prevalecer a certeza de se encontrar a lógica interna do seu objeto de estudo – que também é sujeito – em todas as suas conexões e interconexões.

O guia Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ), em sua versão brasileira1111 Dos Santos Souza VR, Marziale MHP, Silva GTR, Nascimento PL. Tradução e validação para a língua portuguesa e avaliação do guia COREQ. Acta Paul Enferm [Internet]. 2021;34:eAPE02631. Disponivel em: https://www.scielo.br/j/ape/a/sprbhNSRB86SB7gQsrNnH7n/, foi utilizado desde o planejamento do projeto. Essa é uma ferramenta criada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e Rede Equator com objetivo de estabelecer indicadores para planejamento, execução e relatório de pesquisas qualitativas. Possui 32 itens em três domínios: caracterização e qualificação da equipe de pesquisa, desenho do estudo e análise dos resultados1111 Dos Santos Souza VR, Marziale MHP, Silva GTR, Nascimento PL. Tradução e validação para a língua portuguesa e avaliação do guia COREQ. Acta Paul Enferm [Internet]. 2021;34:eAPE02631. Disponivel em: https://www.scielo.br/j/ape/a/sprbhNSRB86SB7gQsrNnH7n/.

A técnica de pesquisa foi a entrevista estruturada com gravação de áudio. O instrumento de pesquisa foi composto de oito questões sociodemográficas e um roteiro de entrevista com 10 questões que abordavam os sentimentos em relação à estética no envelhecimento e às repercussões na autoestima. O roteiro utilizado para as entrevistas é apresentado no Quadro 1.

Quadro 1
Roteiro de entrevista estruturada realizada. Araucária, PR, 2023.

As entrevistas foram realizadas entre julho/2022 e março/2023, por uma pesquisadora auxiliar, que atua nos CRAS como psicóloga. A entrevistadora auxiliar recebeu treinamento específico para as entrevistas sem comprometer a imparcialidade das respostas e sem modificar o roteiro pré-estabelecido. A imparcialidade foi verificada através do áudio resultante das entrevistas. Essas foram realizadas em local reservado, sem nenhuma pessoa presente além do participante e da entrevistadora. Os áudios das entrevistas foram gravados em MP4 e tiveram uma duração de 4 a 9 minutos. Posteriormente, as entrevistas foram transcritas na íntegra, sendo realizada a limpeza das falas, que consistiu em correções de erros gramaticais e transformação de figuras de linguagem em textos, sem modificar o conteúdo dos relatos. Foi necessário ouvir as entrevistas pelo menos três vezes, para garantir a assimilação de todos os dados para discussão. Para realizar a análise dos dados foi utilizado o software IRAMUTEQ® (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) com fonte aberta permitindo fazer análises estatísticas sobre corpus textuais1212 Camargo BV, Justo AM. Tutorial para uso do software de análise textual IRAMUTEQ [Internet]. 2013. Disponivel em: www.r-project.org.

Os dados apresentados na Classificação Hierárquica Descendente (CHD) são o resultado gráfico do IRAMUTEQ® de todas as entrevistas agrupadas (corpus textual). Na CHD são analisados número de textos, segmentos de textos, de formas distintas, número de ocorrência, frequência média das formas, número de classes e retenção de segmentos de texto1212 Camargo BV, Justo AM. Tutorial para uso do software de análise textual IRAMUTEQ [Internet]. 2013. Disponivel em: www.r-project.org. Ele informa as classes, sendo cada classe composta de vocabulário semelhante entre si e ao mesmo tempo diferente das outras classes, calculando distâncias e proximidades a partir de testes de qui-quadrado (chi²). Com base nessa análise, o software organiza os dados em um dendrograma.

A autorização para a participação foi realizada através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) baseado nas Resoluções 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde1313 BRASIL CNDS. Ministério da Saúde [Internet]. 2012. Disponivel em: http://conselho.saude.gov.br/
http://conselho.saude.gov.br/...
. Foi preservada a identidade dos participantes (nomes modificados para siglas p. ex: MLS). Foi esclarecido que eles possuíam liberdade para encerrar a entrevista a qualquer momento, ou para não responder alguma das perguntas, sem gerar qualquer tipo de questionamento por parte da entrevistadora. O projeto obteve parecer de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) mediante n. 5.445.753.

DISPONIBILIDADE DE DADOS

Todo o conjunto de dados anonimizados que dá suporte aos resultados deste estudo foi disponibilizado no OPENICPSR e pode ser acessado em https://www.openicpsr.org/openicpsr/project/194962/version/V2/view.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Por se tratar de uma pesquisa qualitativa resultados e discussão serão apresentados em conjunto.

Caracterização e Distribuição Sociodemográfica dos Participantes

As características sociodemográficas dos participantes estão demonstradas na Tabela 1.

Tabela 1
Características sociodemográficas dos participantes (N=28). Araucária, PR, 2023.

Segundo IBGE1414 IBGE - Intituto Brasileiro de Geografia e Estatistica. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD [Internet]. 2020. Disponivel em: https://biblioteca.ibge.gov.br/
https://biblioteca.ibge.gov.br/...
, a população brasileira hoje é de 203.062.512 pessoas, e no Paraná, vivem 11.443.208 pessoas, sendo 11% dessa população de pessoas idosas. Foi encontrado uma população de baixa escolaridade, como esperado, uma vez que o analfabetismo, que hoje atinge 6% da população brasileira, está presente nas classes mais vulneráveis economicamente.

Nesta pesquisa foram encontrados dados congruentes com o que pesquisadores chamam de “Feminização do envelhecimento”1515 Cepellos VM. Feminização do envelhecimento: um fenômeno multifacetado muito além dos números. Rev Adm Empres [Internet]. 2021;61(2):e20190861. Disponivel em: http://www.scielo.br/j/rae/a/9GTWvFfzYFnzHKyBhqGPc4j/. Não está claro porque desse processo na população brasileira, sugere-se que seja fruto de diversos fatores, como mais mulheres na população brasileira, e expectativa de vida maior que homens.

Em relação à moradia, 43% vivem com família e 46% sozinhos. O fato de morar sozinho sugere que essas pessoas idosas têm boa autonomia e mantém sua funcionalidade. Por outro lado, viver com família não significa perda de autonomia.

Análise da percepção das pessoas idosas sobre sua autoimagem e autoestima

O software IRAMUTEQ® organizou dados e encontrou 278 textos (entrevistas de 28 participantes, 10 questões cada e duas não respondidas), 327 segmentos de textos (ST), 7375 números de ocorrências (palavras, termos ou vocábulos), subdivido em 572 formas ativas, 118 formas suplementares e 5 números de classes. Dos 327 segmentos de textos classificados, 232 tiveram aproveitamento, correspondendo a 70,95%.

A partir da análise do IRAMUTEQ® formaram-se grupos temáticos de subtemas que emergiram das falas dos entrevistados que deram origem às classes: 1 “Relação Autoestima x Autoimagem”, 2 “Sentimentos e sensações experimentadas”, 3 “Aspectos além da aparência que influenciam a autoestima”, 4 “Motivos para realizar cuidados estéticos” e 5 “Tipos de intervenções e cuidados estéticos”, conforme Figura 1.

Figura 1
Dendrograma da Classificação Hierárquica Descendente. Araucária, PR, 2023.

Classe 1: Relação autoestima x autoimagem

Autores descrevem que pessoas idosas podem apresentar baixa autoestima por insatisfação com o corpo relacionado às perdas físicas, funcionais e sociais44 Copatti SL, Kuczmainski AG, Sá CA De, Ferretti F. Imagem corporal e autoestima em idosos: uma revisão integrativa da literatura. Estud interdiciplinares sobre Envelhec [Internet]. 2017;22(3). Disponivel em: https://www.seer.ufrgs.br/RevEnvelhecer/article/view/60583,1616 Guimarães JS, Lima AP, Cardoso FB. Efeito da prática do Tai Chi Chuan na autoestima e autoimagem de idosos. Rev Bras Prescrição E Fisiol Do Exerc [Internet]. 2017;11(71):952–9. Disponivel em: http://www.rbpfex.com.br/index.php/rbpfex/article/view/1317,1717 Santos I, von Humboldt S, Leal I. O efeito da imagem corporal e da satisfação conjugal no ajustamento ao envelhecimento dos idosos. Psicol Saúde Doença [Internet]. 2020;21(01):111–6. Disponivel em: https://www.researchgate.net/publication/339135967_O_efeito_da_imagem_corporal_e_da_satisfacao_conjugal_no_ajustamento_ao_envelhecimento_The_effect_of_physical_image_and_marital_satisfaction_in_the_adjustment_to_aging_of_older_adults. Foi observado nesta pesquisa que as pessoas idosas se referem a sua saúde como importante determinante da autoestima.

A relação entre saúde e autoestima ficou evidente em relatos como:

“Gostava de me arrumar..., mas agora não mais, sou muito doente, tenho muito problema de saúde” (Perg. 01, Resp.15);

“Quando me sinto bem é por saber que estou bem de saúde” (Perg. 09, Resp. 28);

“Minha autoestima está boa... eu pego remédio para dormir e não preciso tomar” (Perg. 10, Resp. 08).

A autoimagem pode interferir na autoestima devido uma visão estigmatizante e preconceituosa do indivíduo que envelhece diante de seu próprio corpo1818 Silva MR da, Rodrigues LR. Conexões e interlocuções entre autoimagem, autoestima, sexualidade ativa e qualidade de vida no envelhecimento. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020;73(3). Disponivel em: https://www.researchgate.net/publication/344367369_Connections_and_interlocations_between_self-image_self-esteem_active_sexuality_and_quality_of_life_in_ageing:

“Me sinto feia, estou diferente depois que envelheci” (Perg. 04, Resp. 15);

“Vejo que não estou com uma boa aparência, estou velha demais, estou acabada” (Perg. 04, Resp. 21).

A presença de problemas físicos e sociais gera insegurança, repercutindo de forma negativa na autoestima. A baixa escolaridade frequente em diferentes regiões do Brasil compromete o acesso à educação em saúde e a mobilização social, que interfere na possibilidade de melhoria da qualidade de vida e, possivelmente, na autoestima1919 Oliveira anayne de S, Freitas SKS de, Vilar NBS, Saintrain SV, Bizerril DO, Saintrain MV de L. Influência da renda e do nível educacional sobre a condição de saúde percebida e autorreferida de pessoas idosas. J Heal Biol Sci [Internet]. 2019;Revisado(4):395–8. Disponivel em: https://periodicos.unichristus.edu.br/jhbs/article/view/2343.

Foram encontradas 21 pessoas idosas que disseram se sentir bem, e somente sete não se sentem bem com a aparência. Desses sete foram observadas falas como:

“Não me sinto bem, se eu pudesse eu mudaria” (Perg 4, Resp. 09);

Apesar da percepção negativa de algumas, a maioria tem percepção positiva:

“Me sinto bem como eu sou, de forma natural” (Perg 4, Resp. 02);

“Me acho bonita, eu sou feliz” (Perg 4, Resp. 05);

“Vivo muito bem com a minha idade, eu me amo muito e gosto de me arrumar” (Perg 4, Resp. 06);

A maior parte dos entrevistados relatou se sentir bem (21 dos 28) observado em falas como:

“Minha autoestima está alta, não me deixo abater” (Perg 10, Resp. 02);

“Minha autoestima está boa, eu me acho bonita, meu corpo também está adequado a minha idade” (Perg 10, Resp. 04).

Pode-se observar que, independentemente da idade, grande parte delas se sente bem, percebendo o envelhecimento, alguns desejando ou até mesmo realizando cuidados estéticos, porém, sem querer esconder o envelhecimento. Essas pessoas percebem o tempo passar, as rugas, comorbidades clínicas associadas, e lidam com elas. Esse resultado pode ser observado em outros estudos revisados por Yokomizo e Lopes2020 Yokomizo P, Lopes A. Aspectos socioculturais da construção da aparência no envelhecimento feminino: uma revisão narrativa. Rev Kairós-Gerontologia [Internet]. 2019;22:285–317. Disponivel em: https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/view/2176-901X.2019v22iEspecial26p285-317, em que pessoas idosas procuram não se vitimar diante da inevitabilidade do envelhecimento e aceitam a velhice sem a amargura pelo fim da juventude.

Entretanto, as pessoas idosas com prejuízo na funcionalidade têm baixa autoestima:

“Minha autoestima não está tão boa porque estou ficando debilitada... sou mais devagar” (Perg 10, Resp. 07).

Foi observada insatisfação com a autoimagem diretamente associada ao perfil de vulnerabilidade social e econômica dessa população:

“Me sinto mal quando vou sair com outras pessoas, quero comer escondido” (Perg 10, Resp. 01);

“Não tenho todos os dentes, por isso tenho vergonha de comer na frente dos outros” (Perg. 06, Resp. 01).

É necessário entender que todo ser humano tem uma identidade narrativa, que é fruto de sua história, do passar dos anos e do somatório de experiências. Isso significa que não se pode compreender uma pessoa sem compreender sua história, seus relatos de vida, pois, elas são a chave para sua forma de ver o mundo, seu contexto e seu estado atual2121 Torralba F. Hacia una bioética del cuidado. In: Usanos RA, editor. Bioetica para una sociedad envejecida. Madrid: Comillas - Universidad Pontificia; 2022. p. 123–42.. As marcas do tempo, e a estética do envelhecimento são essas histórias, vivências e experiências. Quando a sociedade impõe modificações na aparência das pessoas idosas, propõe esconder as suas reais experiências vivenciadas.

Classe 2: Sentimentos e sensações experimentadas

Ao buscar compreender como se sentem as pessoas idosas em relação a sua autoestima foram observados sentimentos e sensações diferentes. Pode-se perceber diferentes formas de coping, que é descrito pelo conceito de inteligência emocional como o método de enfrentamento de estresse de cada indivíduo2222 Fteiha M, Awwad N. Emotional intelligence and its relationship with stress coping style. Heal Psychol Open [Internet]. 2020;7(2):2055102920970416. Disponivel em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7656878/.

Dentre as formas de lidar com o processo de envelhecimento, foram observadas diferentes estratégias de aceitação, e muitas pessoas idosas se relacionam com a religião, de forma que a relação que apresentam com Deus assume essa função. Na relação descrita com o divino (e/ou Deus), muitos dizem aceitar sua situação atual, pois, seria da vontade de Deus, uma forma de coping religioso. Este foi definido por Pargament2323 Gomes MR, Fabiana E, Escudero T, Fanini L, Pinheiro E, De Macedo N. Envelhecimento e Espiritualidade: o Papel do Coping Espiritual/Religioso em Idosos Hospitalizados [Internet]. Vol. 23, Interação em Psicologia. 2019 Ago. Disponivel em: https://revistas.ufpr.br/psicologia/article/view/65381 como a utilização de estratégias de caráter religioso/espiritual para lidar com as situações de estresse e sofrimento.

O coping religioso pode ser observado em algumas falas:

“Eu sou velha e eu sinto que estou mais perto de Deus” (Resp. 08, Perg. 04);

“Me sinto linda, porque sou evangélica e me sinto linda perante Deus” (Resp. 26, Perg. 04).

Foram encontradas 16 pessoas idosas que percebem uma mudança no tratamento recebido por conta da aparência, e 12 não sentem essa mudança. Entretanto, nem todos que observaram a mudança consideram-na negativa:

“Minha aparência muda como sou tratada, sinto que sou vista positivamente” (Perg 5, Resp.03);

“Recebo elogios por causa da minha idade, e eu fico muito feliz” (Perg 5, Resp. 06);

“Eu acho que me tratam bem porque sou assim, arrumada, alegre” (Perg 5, Resp. 17).

Alguns percebem essa mudança de forma negativa:

“Algumas pessoas falam que estou velha, fazem piada” (Perg 5, Resp.08);

“Modifica sim, as pessoas falam que estou acabada” (Perg 5, Resp. 13).

Entre as 12 pessoas idosas que não percebem modificação no tratamento pode-se observar falas como:

“Não modifica, as pessoas gostam de mim do jeito que eu sou” (Perg 5, Resp. 12);

“Não modifica, todos me tratam normal” (Perg 5, Resp. 24);

“Todos me tratam bem, ninguém liga para minha aparência” (Perg 5, Resp.28).

Classe 3: Aspectos além da aparência que influenciam a autoestima

Foi bastante evidenciada a relação entre autoestima e estética, entretanto, foram percebidas outras questões importantes para essa população, como a relação familiar e autonomia. Ao descrever sua autoestima diversas pessoas idosas abordaram a autonomia em dois aspectos, como funcionalidade e como princípio bioético.

A autonomia funcional foi mencionada:

“Eu ainda consigo sair, eu venho participar das atividades” (Resp. 02, Perg. 04);

“Estou ativa, faço vários serviços... não fico trancada em casa” (Resp. 25, Perg. 04);

“Ainda tenho força e autonomia, me sinto bem” (Resp. 07, Perg. 06).

Autonomia funcional na pessoa idosa é bem discutido na literatura devido sua grande importância nesse período da vida. A importância da manutenção da autonomia como forma de promover qualidade de vida no envelhecimento já está demonstrada2424 De Moraes FL, Correa P, Coelho WS. Avaliação da autonomia funcional, capacidades físicas e qualidade de vida de idosos fisicamente ativos e sedentários. Rev Bras Prescrição E Fisiol Do Exerc [Internet]. 2018;12(74):297–307. Disponivel em: http://www.rbpfex.com.br/index.php/rbpfex/article/view/1398, assim como a manutenção da capacidade funcional para o envelhecimento saudável2525 Vieira JNL, Rego AS, Vieira AM de A, Abreu BRS. Avaliação da autonomia funcional em idosos comunitários. Rev Investig Biomédica [Internet]. 2018;10(1):6–12. Disponivel em: http://www.ceuma.br/portalderevistas/index.php/RIB/article/view/208. Estudo realizado em Fortaleza, com 821 pessoas idosas de 60 a 100 anos, encontrou que quanto maior a renda menor a chance de adoecer1919 Oliveira anayne de S, Freitas SKS de, Vilar NBS, Saintrain SV, Bizerril DO, Saintrain MV de L. Influência da renda e do nível educacional sobre a condição de saúde percebida e autorreferida de pessoas idosas. J Heal Biol Sci [Internet]. 2019;Revisado(4):395–8. Disponivel em: https://periodicos.unichristus.edu.br/jhbs/article/view/2343. Por isso, as desigualdades sociais e de saúde necessitam de maior atenção para a equidade no cuidado, de forma a permitir que pessoas idosas em situação de vulnerabilidade econômica mantenham sua autonomia funcional1919 Oliveira anayne de S, Freitas SKS de, Vilar NBS, Saintrain SV, Bizerril DO, Saintrain MV de L. Influência da renda e do nível educacional sobre a condição de saúde percebida e autorreferida de pessoas idosas. J Heal Biol Sci [Internet]. 2019;Revisado(4):395–8. Disponivel em: https://periodicos.unichristus.edu.br/jhbs/article/view/2343.

A autonomia como princípio bioético é um direito do idoso tanto pelo Estatuto do Idoso2626 Ministerio da Saude B. Estatuto do Idoso 3a edição 2a reimpressão [Internet]. Brasil; 2013 p. 70. Disponivel em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/estatuto_idoso_3edicao.pdf quanto pela Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH), que estabelece que ninguém deve ser discriminado ou estigmatizado por qualquer razão, sob pena de “violação à dignidade humana, aos direitos humanos e liberdades fundamentais”2727 Mello GA, Paranhos D, Albuquerque A. Direitos humanos dos pacientes como instrumentos bioéticos de proteção das pessoas idosas. Cad Ibero-Americanos direito Sanit [Internet] 2019. 8(1):53–64. Disponivel em: http://dx.doi.org/10.17566/ciads.v8i1.507
https://doi.org/10.17566/ciads.v8i1.507...
.

A importância de preservar a decisão acerca da própria vida é presente nas falas:

“Faço o que eu quero e porque eu quero, não porque me obrigam” (Resp. 22, Perg. 07);

“Não aceito ordem de ninguém, nem dos meus filhos, eu que mando na minha vida” (Resp. 25, Perg. 07);

“Não gosto que fiquem me dizendo o que devo fazer, não gosto que me digam se eu posso ou não fazer alguma coisa porque estou velha” (Resp. 24, Perg. 06).

Outro ponto valorizado pelas pessoas idosas é a relação com a família;

“Os filhos ficam falando para as mães que elas estão velhas, isso não é legal...porque as mães sabem que estão envelhecendo, não precisa ficar falando” (Perg 05, Resp. 18).

Entende-se que, a forma como a pessoa idosa construiu suas relações tem influência direta em como irá experimentá-las na velhice.

Classe 4: Motivos para realizar cuidados estéticos

A maior parte dos entrevistados diz que faz ou não determinado cuidado por ser do seu desejo. Isso está alinhado com pesquisa realizada com 50 mulheres idosas que buscava avaliar a motivação para a realização de cirurgia estética, e observou que as idosas submetidas à cirurgia relatavam como principais motivadores o desconforto físico e a insatisfação com a autoimagem2828 Spadoni-Pacheco LM, Carvalho GA. Qualidade de vida e autoestima em idosas submetidas e não submetidas à cirurgia estética. Rev Bras Cir Plástica [Internet]. 2018;33(4):528–35. Disponivel em: http://www.rbcp.org.br/details/2218/pt-BR/qualidade-de-vida-e-autoestima-em-idosas-submetidas-e-nao-submetidas-a-cirurgia-estetica.

Nas falas sobre intervenções estéticas pode-se identificar alguns motivos para realização de cuidados estéticos:

“Acho legal para quem não quer aparentar o envelhecimento e para parecer mais jovem” (Perg. 01, Resp.18);

“Os cuidados estéticos que tenho comigo são porque esperam de mim, porque se não me arrumar não me sinto bem no meio dos outros” (Perg. 03, Resp. 01);

“Esperam isso de mim, meu namorado mesmo falou que era para eu pintar o cabelo” (Perg. 03, Resp. 15).

Agravado pela cobrança social de embelezamento, aqueles que não dispõe de recurso financeiro podem se sentir envergonhados ou culpados2020 Yokomizo P, Lopes A. Aspectos socioculturais da construção da aparência no envelhecimento feminino: uma revisão narrativa. Rev Kairós-Gerontologia [Internet]. 2019;22:285–317. Disponivel em: https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/view/2176-901X.2019v22iEspecial26p285-317:

“Me sinto velha demais, gostaria de ter dinheiro para fazer cirurgia plástica” (Perg. 01, Resp. 21);

“Eu gostaria de mudar..., mas como não tenho dinheiro tenho que ficar assim mesmo” (Perg. 04, Resp. 09).

A baixa autoestima e a rejeição social podem estar na base do surgimento do sentimento de solidão, que pode ser vivido com angústia, uma vez que a pessoa idosa pode se sentir sozinha apesar de rodeada por outras pessoas, ao sentir que lhe falta suporte, especialmente afetivo2929 Azeredo Z de AS, Afonso MAN. Solidão na perspectiva do idoso. Rev Bras Geriatr e Gerontol [Internet]. 2016 ;19:313–24. Disponivel em: https://www.scielo.br/j/rbgg/a/shGrnPPJKBjYwf3rQCM8skM/.

Como sociedade, deve-se entender que a ética se contrapõe à indiferença, e que uma sociedade ética tem que cuidar dos mais vulneráveis. Apesar de muitas mulheres idosas se sentirem livres para escolher sua aparência, alguns autores sugerem que a associação do envelhecimento com doenças tem implicado em práticas antienvelhecimento para mulheres como construção constante da identidade de gênero2020 Yokomizo P, Lopes A. Aspectos socioculturais da construção da aparência no envelhecimento feminino: uma revisão narrativa. Rev Kairós-Gerontologia [Internet]. 2019;22:285–317. Disponivel em: https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/view/2176-901X.2019v22iEspecial26p285-317. Ao associarem envelhecimento com doença, buscam por procedimentos estéticos com o objetivo de disfarçar a idade. As mulheres parecem sofrer mais o estigma do envelhecimento, sendo vítimas da preocupação exacerbada com a aparência física, onde o cuidado com a estética corporal se torna sinônimo de felicidade, e o corpo é elevado a capital cultural, simbólico, social e econômico3030 Romanssini SF, Scortegagna H de M, Pichler NA. Estética e felicidade na percepção de idosas usuárias de produtos de beleza. Rev Bras Geriatr e Gerontol [Internet]. 2020;23(3). Disponivel em: https://www.scielo.br/j/rbgg/a/zgQ5d56jvTqpc4jszbn4mvF/abstract/?lang=pt.

Entretanto, pesquisas recentes tem apontado que muitas mulheres idosas, independente de classe social, consideram a velhice o momento de maior liberdade3131 Egydio L. Do Feminismo à Feminização: gênero e envelhecimento em uma sociedade em transformação. Rev Portal Divulg. 2017;(54).. Esse entusiasmo pode ser uma das causas pelas quais parte dessa população consegue se libertar das imposições sociais transparecendo sua velhice conforme lhes convêm.

Apesar do estigma, parece haver uma mudança na imagem da velhice. Quando as mulheres se libertam dessas imposições, passam a se sentir realizadas pela construção de vida, e não pela aparência, e começam a ocupar espaços previamente esvaziados como espaços culturais e recreativos3232 de Oliveira ZA, Criado GF, Domingues R de S. A percepção do próprio envelhecimento. Rev do Inst Paul Geriatr e Gerontol [Internet]. 2012 [cited 2023 Apr 3];1(1):42–7. Disponivel em: https://www.saude.sp.gov.br/resources/ipgg/revista/revista_do_instituto_paulista_de_geriatria_e_gerontologia_n_1_-_2012.pdf#page=42:

“nunca gostei de esticar os olhos, esticar testa, esticar pescoço, eu quero ser o que eu sou” (Perg 03, Resp. 04);

“gosto de ser natural” (Perg 03, Resp. 07).

A cultura tem uma força transformadora, e estabelece condutas que são reguladas por normas e sustentadas por um conjunto de valores que os legitimam e os tornam compreensíveis, institucionalizados88 Cortina A. Cidadãos do Mundo por uma teoria da cidadania. 4a ed. Madrid: Edições Loyola; 2005.. Entretanto, a cultura não é absoluta, ela nasce e se transforma, e pode morrer quando não tem capacidade para responder aos novos desafios apresentados pelo entorno88 Cortina A. Cidadãos do Mundo por uma teoria da cidadania. 4a ed. Madrid: Edições Loyola; 2005..

Classe 5: Tipos de intervenções e cuidados estéticos

O envelhecimento tem rosto feminino, as mulheres são mais numerosas e vivem mais3333 García MCM. La feminización de la ancianidad. Vejez e género. In: Usanos RA, editor. Bioetica para una sociedad envejecida. Madrid: Comillas - Universidad Pontificia; 2022. p. 161–78.. Por esse motivo é necessário dar uma resposta social, comunitária e pessoal de cuidado, atenção e responsabilidade. Pensar eticamente nas mulheres idosas leva à necessidade de pensar o cuidado como resposta.

As mulheres idosas foram mais numerosas nessa pesquisa, puderam expor sua percepção sobre a necessidade de modificar ou aceitar o envelhecimento. Parte-se da ideia de que o estereótipo pode não estar somente vinculado ao preconceito, mas, pode ser entendido como crença generalizada, resistente a mudanças ou novas informações, sobre atributos pessoais de um grupo3434 Fort MC, Skura I, Brisolara C. Convenções corporais e o medo de envelhecer: Ideais de juventude e beleza midiáticos versus aceitação pessoal e social da imagem real. Rev Obs [Internet]. 2017;3(1):183–204. Disponivel em: https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/observatorio/article/view/3071. A maior parte dos entrevistados relatou lidar bem com essas características:

“em mim somente creme no rosto e nunca pintar cabelo” (Perg. 02, Resp. 05);

“gosto de maquiagem, pintar unha” (Perg. 02, Resp. 06);

Entre os 28 participantes da entrevista, 19 afirmaram não pintar cabelo.

As mulheres idosas deram grande importância ao uso de cosméticos e maquiagem, mesmo as que dizem não pintar o cabelo, isso demonstra preocupação com a aparência que pode não estar relacionada com transparecer juventude. Apesar do envelhecimento feminino ser baseado em padrões de desigualdade pregressos que se perpetuam, percebe-se uma mudança na mentalidade dessas mulheres, que assumem o protagonismo de suas vidas.

Na literatura, filósofos também se libertaram de amarras sociais, amadureceram seus trabalhos e produziram grandes textos após os 60 anos. Kant publicou após 66 anos Crítica do Juízo e A religião dentro dos limites da mera razão. Platão após os 60 anos realizou grandes obras: O sofista, O político, Timeu, Críton, Filebo, este último já aos 74 anos3535 Beauvoir S de. A velhice. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 2018.. Eles nos mostram através do exemplo a grandiosidade que pode ser encontrada na velhice. Cicero também fala da “arte de envelhecer”, como a habilidade de encontrar o prazer que todas as idades podem proporcionar.

Por se tratar de um estudo onde a amostra foi estabelecida por conveniência, que tem em conta a disponibilidade de pessoas para fazer parte da pesquisa, os participantes e os resultados podem não representar uma amostra representativa de toda população brasileira.

CONCLUSÕES

Neste estudo foi encontrada elevada autoestima em uma população vulnerável economicamente. Muitas pessoas idosas perceberam mudanças na forma como são tratadas por conta do envelhecimento. Entretanto, essas mudanças não são percebidas somente de forma negativa. Alguns percebem benefícios em aparentar a idade, como respeito e cuidado por parte de familiares e amigos. Observou-se uma população resiliente, que aceita o envelhecimento e emprega seus meios para o seu enfrentamento.

Com o envelhecimento populacional, mais estudos sobre autoestima e estética no envelhecimento são necessários. Para estar de fato em uma sociedade justa, onde as pessoas idosas tenham sua cidadania respeitada é preciso trazê-las para a discussão.

Foi encontrado nesta pesquisa uma população de pessoas idosas autônomas, ciente de suas conquistas e com capacidade de lidar com perdas e limitações do envelhecimento.

AGRADECIMENTO

Agradecemos a CAPES pelo financiamento da publicação e da tradução do artigo. Agradecemos aos CRAS de Araucária que permitiram e viabilizaram a pesquisa, aos participantes voluntários, e à pesquisadora auxiliar.

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Editado por

Editado por: Marquiony Marques dos Santos

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados anonimizados que dá suporte aos resultados deste estudo foi disponibilizado no OPENICPSR e pode ser acessado em https://www.openicpsr.org/openicpsr/project/194962/version/V2/view.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2023
  • Aceito
    09 Nov 2023
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