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Velocidade ideal da esteira para estimular passadas do andar em bebês

Resumos

CONTEXTUALIZAÇÃO: A esteira motorizada desencadeia passadas em bebês similares ao andar. Entretanto, os efeitos da velocidade da esteira nas características das passadas desencadeadas por ela ainda são desconhecidos. OBJETIVO: Examinar o efeito da velocidade da esteira em passadas desencadeadas em bebês. MÉTODOS: Seis bebês com desenvolvimento típico, com idades entre 11 e 13 meses, iniciando o andar independente, foram filmados andando na esteira em quatro velocidades (0,10; 0,16; 0,22 e 0,28 m/s), com marcas passivas posicionadas em suas principais articulações (ombro, quadril, joelho e tornozelo). As imagens foram digitalizadas e analisadas com os softwares Ariel Performance Analysis System, Matlab e SPSS (Statistical Package for Social Sciences, v.10). As variáveis analisadas foram as características descritivas, temporais, coordenativas e angulares das passadas desencadeadas pela esteira nas quatro velocidades. RESULTADOS: Em 0,22 e 0,28 m/s, ocorre aumento da velocidade e duração da passada, além de uma menor duração da fase de apoio (FA) na velocidade de 0,22 m/s. Nas velocidades de 0,22 e 0,28 m/s,observa-se aumento da amplitude articular do joelho. CONCLUSÕES: As velocidades moderadas e rápidas parecem ser as mais indicadas para desencadear passadas em bebês que estão iniciando o andar independente, sendo ainda que a velocidade de 0,22 m/s parece ser a mais apropriada. Artigo registrado no Australian New Zealand Clinical Trials Registry (ANZCTR) sob o número ACTRN12609000517279.

desenvolvimento motor; esteira motorizada; passadas; bebês


BACKGROUND: The motorized treadmill elicits stepping in infants, however the effects of belt speed on treadmill-elicited stepping patterns are still unknown. OBJECTIVE: To examine the effect of belt speed on treadmill-elicited infant stepping. METHODS: Six normally developing infants, aged between 11 and 13 months and acquiring independent walking, were videotaped while stepping on a treadmill at four belt speeds (0.1, 0.16, 0.22, and 0.28 m/s), with passive markers affixed to the major joints (shoulder, hip, knee, and ankle). The images were digitized and analyzed using the software programs Ariel Performance Analysis System, Matlab, and SPSS (Statistical Package for Social Sciences, v.10). The analyzed variables were the descriptive, temporal, coordinative, and angular characteristics of the treadmill-elicited steps at the four speeds. RESULTS: At 0.22 and 0.28 m/s, stride velocity and duration increased, and the duration of the stance phase decreased at 0.22 m/s. Moreover, at 0.22 and 0.28 m/s, the knee joint range of motion increased. CONCLUSIONS: The moderate and high speeds seem to be more appropriate to elicit stepping in infants who are acquiring independent walking, with 0.22 m/s being the speed that seemed the most appropriate. Article registered in the Australian New Zealand Clinical Trials Registry (ANZCTR) under number ACTRN12609000517279.

motor development; customized treadmill; steps; infants


ARTIGO ORIGINAL

Velocidade ideal da esteira para estimular passadas do andar em bebês* * Trabalho apresentado no IV Congresso Brasileiro de Comportamento Motor, realizado em São Paulo em julho de 2008, na forma de pôster.

Diana X. C. SchlittlerI; Matheus B. SanchesII; Raquel P. CarvalhoIII; José A. BarelaII,IV

IFisioterapeuta

IIDepartamento de Educação Física, Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rio Claro, SP, Brasil

IIIDepartamento de Ciências da Saúde, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Santos, SP, Brasil

IVInstituto de Ciências da Atividade Física e Esportes, Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência para Correspondência para: José A. Barela Universidade Cruzeiro do Sul, ICAFE Rua Galvão Bueno, 868 CEP 01506-000, São Paulo, SP, Brasil e-mail: jose.barela@cruzeirodosul.edu.br

RESUMO

CONTEXTUALIZAÇÃO: A esteira motorizada desencadeia passadas em bebês similares ao andar. Entretanto, os efeitos da velocidade da esteira nas características das passadas desencadeadas por ela ainda são desconhecidos.

OBJETIVO: Examinar o efeito da velocidade da esteira em passadas desencadeadas em bebês.

MÉTODOS: Seis bebês com desenvolvimento típico, com idades entre 11 e 13 meses, iniciando o andar independente, foram filmados andando na esteira em quatro velocidades (0,10; 0,16; 0,22 e 0,28 m/s), com marcas passivas posicionadas em suas principais articulações (ombro, quadril, joelho e tornozelo). As imagens foram digitalizadas e analisadas com os softwares Ariel Performance Analysis System, Matlab e SPSS (Statistical Package for Social Sciences, v.10). As variáveis analisadas foram as características descritivas, temporais, coordenativas e angulares das passadas desencadeadas pela esteira nas quatro velocidades.

RESULTADOS: Em 0,22 e 0,28 m/s, ocorre aumento da velocidade e duração da passada, além de uma menor duração da fase de apoio (FA) na velocidade de 0,22 m/s. Nas velocidades de 0,22 e 0,28 m/s,observa-se aumento da amplitude articular do joelho.

CONCLUSÕES: As velocidades moderadas e rápidas parecem ser as mais indicadas para desencadear passadas em bebês que estão iniciando o andar independente, sendo ainda que a velocidade de 0,22 m/s parece ser a mais apropriada.

Artigo registrado no Australian New Zealand Clinical Trials Registry (ANZCTR) sob o número ACTRN12609000517279.

Palavras-chave: desenvolvimento motor; esteira motorizada; passadas; bebês.

Introdução

Ao longo do primeiro ano de vida, bebês apresentam movimentos com os membros inferiores, que podem ser desencadeados de várias formas, e que muito se assemelham ao andar, adquirido após alguns meses. Por exemplo, bebês com até dois meses de vida, quando mantidos pelas axilas de forma que toquem os pés em uma superfície lisa, movimentam as pernas em um padrão coordenado e frequentemente alternado1-3, com coativação de extensores e flexores4, denominado reflexo da marcha, como em bebês aos 12 meses de idade5. Antes da aquisição do andar independente, esse padrão pode ser reforçado por meio de intervenção, levando à retenção da tarefa pelos bebês e possibilitando a passagem de uma ação reflexa para uma ação funcional6.

O reflexo da marcha ou passadas reflexivas do andar, como se denominará neste estudo, chamou a atenção de diversos estudiosos6-8; pois, apesar de estarem presentes no repertório do recém-nascido após os primeiros dois meses de idade, essas passadas deixam de ser manifestadas pelos bebês, retornando apenas pouco antes da aquisição do andar independente. A explicação tradicionalmente sugerida para tal desaparecimento foi que, sendo involuntárias nos meses iniciais, eram controladas subcorticalmente e, com a aproximação da aquisição do controle voluntário do andar independente, ocorria a passagem para o controle cortical. Durante essa passagem, a manifestação de tal comportamento seria suprimida6,8, e bebês deixavam de apresentá-la.

Apesar de coerente e aceita por diversos estudiosos da área, tal explicação foi questionada por Thelen, Fisher e Ridley-Johnson9. Inicialmente, observou-se que a supressão das passadas dos bebês ocorria concomitantemente com um ganho abrupto de massa dos membros inferiores, principalmente decorrente de acúmulo de tecido adiposo. Esses autores testaram tal hipótese imergindo bebês, até a altura da axila, em um tanque com água e verificaram aumento no número e na amplitude das passadas realizadas por eles. Inversamente, quando pesos proporcionais à massa dos membros inferiores foram adicionados nas pernas dos bebês, o número de passadas realizadas diminuiu9. Dessa forma, sugeriu-se que o desaparecimento das passadas reflexivas seria decorrente das alterações corporais abruptas, que ocorrem ao longo dos meses iniciais de vida, e não decorrentes da mudança de controle desses movimentos pelo sistema nervoso central9-12. Mais ainda, essas passadas continuariam presentes no repertório motor dos bebês, entretanto, "escondidas" e poderiam ser desencadeadas se as condições ambientais fossem apropriadamente manipuladas13.

A partir da constatação de que as passadas reflexivas do andar podem ser elucidadas a partir de "agentes facilitadores", Thelen12 passou a verificar o papel da esteira motorizada como desencadeadora de passadas em bebês no primeiro ano de vida. De forma geral, a principal constatação foi a de que a esteira motorizada desencadeia as passadas em bebês, mesmo quando eles não estão manifestando-as em decorrência do aumento da massa dos membros inferiores. Ainda que desencadeadas pela esteira, essas passadas apresentam características próximas ao padrão voluntário do andar3,12,13.

Uma característica fundamental do efeito da esteira nas passadas de bebês é que o padrão de movimento desencadeado é estável e concomitantemente sensível e adaptável às variações impostas pela esteira motorizada3,12,14. Conforme há um aumento da velocidade da esteira, os bebês são capazes de ajustar as passadas para manter um padrão alternado, diminuindo a duração do ciclo do passo e reduzindo a duração absoluta da fase de apoio (FA)3,12,15-17. Observam-se ajustes mesmo em situações de variações mais intensas, como quando bebês com sete meses de idade tiveram passadas desencadeadas a partir de esteiras com diferentes velocidades para cada membro inferior (0,10 e 0,20 m/s)15. Surpreendentemente, as passadas foram ajustadas para manter um padrão alternado sendo que o membro em contato com a esteira mais rápida apresentou duração do ciclo da passada menor, diminuindo a FA, e o membro em contato com a esteira mais lenta apresentou uma FA proporcionalmente maior15.

Apesar dessas constatações, observa-se que não há uma padronização quanto à utilização da esteira motorizada, especialmente em relação à sua velocidade. Sendo assim, a pergunta que surge é: qual seria a velocidade da esteira mais indicada para o desencadeamento das passadas em bebês? Tal informação seria de extrema importância, pois, considerando que as passadas são sensíveis às características da esteira, uma velocidade muito alta ou muito baixa poderia alterar tanto o número quanto as características das passadas desencadeadas pelos bebês. Portanto, o objetivo deste estudo foi verificar o efeito da velocidade da esteira nas características das passadas realizadas por bebês.

Materiais e métodos

Participantes

Participaram deste estudo de desenho transversal seis bebês, com desenvolvimento típico (dois do sexo feminino e quatro do masculino), com idades entre 11 e 13 meses (média de 12 meses e 13 dias). Eles estavam iniciando o andar independente, porém eram capazes de andar apenas com apoio. A seleção dos participantes foi por conveniência e ocorreu a partir de contato com amigos e parentes. Todos os procedimentos envolvidos no presente estudo foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Biociências, Universidade Estadual Pauslista (UNESP), Campus de Rio Claro (CEP-IB-Unesp), Rio Claro, (SP), Brasil, parecer número 179/2007 e, antes da participação dos bebês, um termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelo responsável.

Procedimentos

Os bebês, acompanhados pelos pais, compareceram ao laboratório uma única vez e, após um período inicial de adaptação ao ambiente, foram despidos pelos pais, permanecendo apenas de fraldas. Inicialmente, marcas esféricas refletivas (12 mm de diâmetro) foram afixadas no 5º metatarso, maléolo lateral, epicôndilo lateral do fêmur, trocanter maior do fêmur e acrômio do hemicorpo esquerdo do bebê (Figura 1A).


Após a colocação das marcas, os bebês foram posicionados sobre uma esteira especialmente adaptada e motorizada, de forma que sua velocidade pudesse ser controlada por um controlador digital. Os bebês vestiram um colete especialmente confeccionado e que estava acoplado a um sistema de suspensão parcial de peso (Figura 1B). Esse sistema propiciou estabilidade postural ao bebê para que ele se mantivesse na posição em pé e tocasse com os pés a superfície da esteira. O alívio de peso corporal propiciado por esse sistema foi mínimo e similar ao propiciado em estudos anteriores, quando os bebês eram mantidos com apoio de um pesquisador ao redor do tronco12,15,16,18-28. No entanto, a intenção não foi a de aliviar o peso corporal sobre os membros inferiores.

Uma câmera digital (Panasonic, Modelo AG-DVC7P) foi posicionada na região central, sagitalmente e distante 4 m da esteira, possibilitando a filmagem durante a realização das passadas na esteira, a qual foi posicionada dentro de uma área calibrada de 1m de comprimento por 1m de altura, necessária para a realização da análise bidimensional das passadas. Atrás da câmera, um holofote com iluminação de 300 watts foi posicionado para melhor visualização das marcas refletivas afixadas no bebê. A esteira foi regulada de forma que o cinto deslizasse nas velocidades de 0,10; 0,16; 0,22 e 0,28 m/s, definidas com base em estudos anteriores que utilizaram diferentes velocidades12,15,18,21-24. Os bebês foram expostos a cada uma delas por um minuto, sendo a ordem de apresentação aleatória. Se necessário, intervalos eram propiciados entre as tentativas.

Decodificação dos dados

Após a filmagem, três passadas alternadas em cada velocidade da esteira foram selecionadas para digitalização. Elas foram escolhidas considerando a visualização das marcas e a realização da passada de forma "natural" pelos bebês, sem qualquer interrupção ou movimentos bruscos durante sua realização. As passadas selecionadas tiveram as marcas articulares digitalizadas por meio do software Ariel Performance Analysis System (APAS®), para obtenção das coordenadas "x" e "y" de cada marcador.

Durante a digitalização, a ocorrência dos eventos toque do pé ipisilateral (TPI), toque do pé contralateral (TPC), perda do contato ipisilateral (PCI) e perda do contato contralateral (PCC) foram identificados. Nesse caso, a passada foi delimitada como o período entre a ocorrência de dois TPIs consecutivos.

Com base nisso e nas coordenadas obtidas a partir da digitalização, as seguintes variáveis descritivas da passada foram calculadas: a) comprimento da passada, obtido pela diferença da posição do maléolo lateral no plano sagital entre os dois TPIs consecutivos, dada em metros; b) duração da passada, obtida pelo tempo entre os dois TPIs consecutivos, dada em segundos; c) cadência, obtida pelo número de passadas por segundo (passada/s) e d) velocidade da passada, obtida pela razão entre o comprimento e a duração da passada, em metros por segundo (m/s). Com base na ocorrência dos eventos obteve-se a duração das seguintes variáveis temporais da passada: a) FA, obtida pelo tempo entre o TPI e a PCI; b) primeiro duplo suporte (DS1), obtido pelo tempo entre o TPI e a PCC; c) suporte simples (SS), obtido pelo tempo entre a PCC e o TPC e d) segundo duplo suporte (DS2), obtido pelo tempo entre o TPC e a PCI. Todos esses tempos foram normalizados em relação ao tempo total da respectiva passada e, portanto, essas variáveis foram expressas em porcentagem do tempo total da passada. A fase relativa entre os membros inferiores, indicando a coordenação entre eles, foi calculada pela razão do intervalo de tempo entre o TPI e o TPC pelo tempo total da passada. Esta variável foi também normalizada em relação ao tempo total da passada.

Finalmente, com base nas coordenadas digitalizadas, os ângulos articulares complementares do quadril, joelho e tornozelo foram calculados pelo programa APAS®, por meio do arco da tangente dos vetores formados pelos segmentos adjacentes. A convenção para o cálculo desses ângulos é apresentada na Figura 1A. Após a obtenção dos ângulos para cada tentativa, eles foram normalizados em relação ao tempo total da passada, com incremento de 1%, utilizando uma rotina específica do software Matlab® (MathWorks, Inc. – versão 6.5). Após tal procedimento, a média dos ângulos para cada bebê em cada velocidade e a média para todos os bebês em cada velocidade foram calculadas. A amplitude articular de quadril, joelho e tornozelo para a FA foi calculada subtraindo o menor do maior valor angular na respectiva série temporal.

Análise estatística

Para a análise estatística, foram utilizadas três análises de multivariância (MANOVA) e duas análises de variância (ANOVA), sendo que, em ambos os casos, as quatro velocidades foram tratadas como fator de medidas repetidas. Na primeira MANOVA, as variáveis dependentes foram as variáveis descritivas da passada: comprimento, duração, cadência e velocidade. Na segunda MANOVA, as variáveis dependentes foram a duração do DS1, do SS e do DS2. Na terceira MANOVA, as variáveis dependentes foram os valores de amplitude articular do quadril, joelho e tornozelo. Na primeira ANOVA, a variável dependente foi a duração da FA, e na segunda, a fase relativa. Análises univariadas e testes post hoc de Tukey foram realizados para as variáveis velocidade da passada, duração da passada e duração da FA. Todas as análises estatísticas foram realizadas por meio do programa SPSS (Statistical Package for Social Science for Windows®, versão 10.0). Em todas as análises, o nível de significância foi mantido em 0,05.

Resultados

Como se esperava, a esteira motorizada desencadeou passadas alternadas em todos os bebês que participaram do estudo. Com o objetivo de distinguir as passadas alternadas, as características descritivas, temporais, coordenativas e angulares são apresentadas a seguir.

Características descritivas da passada alternada

A MANOVA revelou diferenças entre as variáveis descritivas da passada (Wilks' Lambda=0,205, F[12,32]=2,18, p<0,05). Entretanto, testes univariados indicaram diferença somente para a velocidade da passada, (F[3,15]=8,875, p<0,005) e marginalidade para a duração da passada (F[3,15]=3,105, p=0,05). Testes post hoc indicaram que a velocidade da passada, nas velocidades de 0,22 e 0,28 m/s, foi maior que a da velocidade de 0,10 m/s e, ainda, que a velocidade da passada na velocidade de 0,22 m/s foi maior que a da velocidade de 0,16 m/s. Testes post hoc indicaram que a duração da passada na velocidade de 0,10 m/s foi maior do que a da velocidade de 0,22 m/s (Tabela 1).

Características temporais da passada alternada

A ANOVA revelou diferença significativa na porcentagem da FA nas diferentes velocidades (F[3,15]=3,303, p<0,05). Testes post hoc indicaram que a duração da FA na velocidade de 0,22 m/s foi menor que a duração na velocidade de 0,10 m/s (Figura 2A).


Quanto às subfases de suporte, a MANOVA não revelou diferença na duração das fases DS1, SS e DS2 nas diferentes velocidades da esteira (Wilks' Lambda = 0,342, F[9,32]=1,95, p=0,07) (Figura 2B).

Características coordenativas da passada alternada

A ANOVA não revelou diferença para a coordenação intermembros nas diferentes velocidades da esteira (F[3,15]=1,04, p>0,05) (Figura 2C).

Características angulares da passada alternada

A Figura 3 apresenta o deslocamento angular das articulações do tornozelo, joelho e quadril durante a passada alternada. Conforme pode ser observado, no toque inicial do pé e durante a FA, o tornozelo está em posição angular em torno de 50 graus. Considerando a convenção utilizada para o cálculo angular do tornozelo, esse valor indica apoio total do pé no solo. Esse fato é esperado, pois bebês, quando estão adquirindo o andar independente, realizam o toque inicial com o pé todo no chão.


Com relação ao joelho, as velocidades de 0,22 e 0,28 m/s claramente desencadearam padrões com um pico de flexão bem definido durante a fase de balanço. Nas velocidades mais lentas de movimentação da esteira (0,10 e 0,16 m/s), tal definição não foi acentuada, e, a série temporal do ângulo do joelho apresentou variações durante todo o ciclo da passada. Finalmente, a série temporal da articulação do quadril mostra que essa articulação apresentou variações decorrentes da velocidade da esteira similares às observadas para a articulação do joelho.

A Tabela 2 apresenta a amplitude articular nas velocidades da esteira para as articulações do quadril, joelho e tornozelo. A MANOVA revelou que a amplitude articular foi diferente entre as velocidades da esteira (Wilks' Lambda= 0,238, F[9,32]=2,836, p<0,005). Análises univariadas indicaram que apenas a amplitude articular do joelho foi influenciada pela manipulação da velocidade (F[3,15]=9,227, p<0,005), sendo que a amplitude articular dessa articulação foi maior nas velocidades de 0,22 e 0,28 m/s do que nas velocidades de 0,10 e 0,16 m/s.

Discussão

No presente estudo, bebês foram submetidos à esteira motorizada com o intuito de identificar uma possível velocidade mais indicada para desencadear as passadas alternadas por meio da análise das características descritivas, temporais, coordenativas e angulares das passadas.

A esteira motorizada pode ser considerada um recurso facilitador de passadas alternadas em bebês que não adquiriram o andar independente. Considerando os resultados deste estudo, os quatro parâmetros de velocidade foram capazes de desencadear passos alternados nos bebês. O padrão alternado é o preferido deles, sendo que a sua frequência melhora com a idade12 e com o treinamento23, principalmente durante velocidades moderadas e rápidas da esteira12,23.

Ao se analisarem as características das passadas alternadas, observou-se que as maiores velocidades da esteira propiciaram passadas mais rápidas, sendo que a velocidade de 0,22 m/s permitiu menor duração da passada e da FA que a velocidade de 0,10 m/s. Além disso, 0,22 e 0,28 m/s propiciaram maiores picos de flexão de joelho em comparação com as demais velocidades, sendo que a amplitude articular do joelho foi maior nessas duas velocidades do que a observada nas velocidades inferiores. Dessa forma, os resultados sugerem que as maiores velocidades favorecem um padrão de passos alternados apropriados para bebês em fase de aquisição do andar independente.

No estudo de Thelen12, bebês com desenvolvimento normal aos sete meses de idade foram submetidos à esteira em duas velocidades, lenta (0,10 m/s) e rápida (0,19 m/s). Os resultados mostraram que a esteira facilitou os movimentos alternados dos membros inferiores e, ainda, na velocidade rápida, houve um aumento do número de passos. A resposta dos bebês ao aumento da velocidade provocou uma diminuição do tempo de contato do pé na FA e uma leve redução da fase de balanço. No presente estudo, resultado similar foi constatado com os bebês que apresentaram redução da FA com o aumento da velocidade da esteira.

De acordo com Ferreira e Barela18, o padrão preferido de passadas em crianças com paralisia cerebral (PC) em uma velocidade de 0,29 m/s é o padrão alternado. As durações das fases de suporte e balanço foram de 60 a 70% e de 30 a 40% do ciclo do passo, respectivamente. Quanto à duração das subfases de DS1, SS e DS2, os valores apresentados foram de 18%, 31% e 17,5%, respectivamente18. Comparativamente, no presente estudo, nas diferentes velocidades, a FA variou entre 71,8% e 79,9% do ciclo do passo, sem, no entanto, manifestar diferença significativa entre as diferentes velocidades, assim como o comportamento das subfases de suporte que não apresentaram diferenças significativas entre as diferentes velocidades da esteira. Uma explicação para essa ausência de diferença é a capacidade de os bebês submetidos à esteira adaptarem o comportamento da passada para manter um padrão alternado, independentemente da velocidade15.

Interessante notar que a coordenação intermembros observada no presente estudo foi similar ao padrão apresentado por bebês e crianças andando no solo e na esteira, respectivamente18,29, sendo por volta de 50%. Mais ainda, esse padrão não é alterado com a variação da velocidade da esteira, constituindo assim uma organização estável a tal manipulação.

Apesar dessa semelhança na organização temporal, os resultados deste estudo indicam claramente que a velocidade de 0,22 m/s propicia as passadas com velocidade e duração diferenciadas em relação às velocidades inferiores. Embora a velocidade e a duração da passada não tenham sido estatisticamente diferentes entre as velocidades de 0,22 e 0,28 m/s, observa-se uma tendência de diminuição de ambas na velocidade mais alta. Dessa forma, considerando a falta de efeito nas características temporais da passada quanto à velocidade da esteira e esse efeito quanto à velocidade e duração da passada na velocidade de 0,22 m/s, parece que essa seria a velocidade ideal para que os bebês desencadeassem as passadas mais próximas de um padrão voluntário e realizado, no solo, por bebês que estão adquirindo o andar independente, com velocidade média em torno de 0,6 m/s30, levando em consideração as diferenças entre o andar no solo e o andar na esteira31.

Corrobora-se essa sugestão quando se observam as séries temporais das articulações do membro inferior durante a realização da passada. As passadas alternadas realizadas pelos bebês nas velocidades mais rápidas (0,22 e 0,28 m/s) são caracterizadas por trajetórias de movimentos menos sinuosos e com definição clara dos principais picos que caracterizam a passada voluntária realizada no solo. Essa constatação indica maior amplitude de movimento articular realizado durante a execução da passada. Segundo Yaguramaki e Kimura32, o aumento da amplitude articular influencia o aumento da velocidade da passada, o que produz uma marcha mais eficiente. Pode ser que bebês mais jovens prefiram velocidades mais lentas da esteira, pois teriam dificuldades de contrair a musculatura de forma adequada. Entretanto, bebês mais velhos preferem velocidades moderadas, em torno de 0,20 m/s33 e, sem dúvida, os dados do presente estudo comprovam essa sugestão. Mais ainda, a velocidade não pode ser muito alta, pois a passada pode ser comprometida e não apresentar uma resposta apropriada ao aumento da velocidade da esteira, como parece ter sido o caso, ou pelo menos uma tendência, com relação à velocidade de 0,28 m/s observada no presente estudo.

Este estudo apresentou algumas limitações devido ao número reduzido de sujeitos avaliados. Por isso, mais esforços devem ser despendidos para a realização de novos estudos, não apenas verificando os possíveis efeitos de características da esteira no padrão das passadas desencadeadas, mas principalmente no uso dessa intervenção na promoção e facilitação da aquisição da marcha em bebês com ou sem algum comprometimento neuromuscular e/ou sensório-motor.

Conclusão

Velocidades em torno de 0,22 a 0,28 m/s parecem ser as ideais para desencadear passadas em bebês que estão adquirindo o andar independente. Elas desencadeiam passadas com características similares às observadas no padrão do andar de bebês que estão adquirindo o andar independente. Entretanto, os resultados do presente estudo também indicam que a velocidade de 0,28 m/s parece comprometer a qualidade das passadas, sendo, portanto, mais segura a utilização da velocidade de 0,22 m/s.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo apoio financeiro, bolsa de mestrado à primeira autora (processo 07/53131-4).

Recebido: 11/07/2009 - Revisado: 17/01/2010 - Aceito: 01/06/2010

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  • Correspondência para:
    José A. Barela
    Universidade Cruzeiro do Sul, ICAFE
    Rua Galvão Bueno, 868
    CEP 01506-000, São Paulo, SP, Brasil
    e-mail:
  • *
    Trabalho apresentado no IV Congresso Brasileiro de Comportamento Motor, realizado em São Paulo em julho de 2008, na forma de pôster.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      11 Jul 2009
    • Revisado
      17 Jan 2010
    • Aceito
      01 Jun 2010
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