Acessibilidade / Reportar erro

Por uma leitura situada de Urbanismo: Utopias e realidades. Uma antologia (1965), de Françoise Choay1 1 O presente artigo consolida resultados da pesquisa “Uma história do urbanismo em construção. As práticas historiográficas de Françoise Choay (1965-1973)” desenvolvida, entre 2014 e 2018, no âmbito de um doutorado em urbanismo no Programa de Pós-graduação em Urbanismo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PROURB-FAU-UFRJ), com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e de um estágio doutoral no exterior, na École Nationale Supérieure d’Architecture (ENSA-Paris-Belleville), com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Devemos sublinhar nesse processo, o papel fundamental da interlocução com Margareth da Silva Pereira (PROURB-FAU-UFRJ), orientadora da tese, e os comentários e sugestões dos membros da banca, Laurent Coudroy de Lille (EUP-UPEM), Gustavo Rocha-Peixoto (PROARQ-FAU-UFRJ), Rodrigo de Faria (PPG-FAU-UNB) e Andrea de Lacerda Pessôa Borde (PROURB-FAU-UFRJ), bem como da supervisora de estágio no exterior, Corinne Jaquand (ENSA-Paris-Belleville). Eles trouxeram insumos significativos para pesquisas realizadas após a defesa e que desenvolvi entre 2019 e 2020 como professora adjunta do Departamento de História e Teoria da FAU-UFRJ, pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Arquitetura (PROARQ-FAU-UFRJ) e com recursos da UFRJ. Dentre os projetos em que me engajei, nesse último período, destacam-se “La Fondation Le Corbusier et l’Histoire de l’Histoire. L’Origine des études corbuséennes racontées par leurs principaux intervenants” (sob coordenação de Véronique Boone, Daniela Ortiz dos Santos e Marta Sequeira, na Fondation Le Corbusier) e “O Congresso de 1959: arquitetura no centro da crítica da arte?” (sob minha coordenação, no PROARQ-FAU-UFRJ).

Resumo

No presente artigo, nós nos dedicamos a uma leitura aprofundada do livro L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie (1965), organizado por Françoise Choay. Buscamos situá-lo na trajetória intelectual da autora, bem como na cultura discursiva e urbanística em que foi concebido e teve sua primeira difusão. Para desenvolver este trabalho, nossa abordagem baseia-se em autores que estudam livros como “práticas e representações”, com destaque para Roger Chartier. Orientamo-nos também pela noção de “nebulosa” como concebida por Margareth da Silva Pereira. O artigo foi estruturado em três partes: na primeira, apresentamos a antologia e, sobretudo, o seu texto introdutório; na sequência, investigamos situações em que se possa ponderar seu processo de concepção e recepção; e, por fim, problematizamos o exposto ancorados no retorno à leitura da introdução da antologia de Françoise Choay.

Palavras-chave:
Urbanismo; Françoise Choay; Historiografia; Biografia Intelectual; Crítica

Abstract

The present article is dedicated to undertaking a close reading of L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie (1965), organized by Françoise Choay. It seeks to situate this anthology within the intellectual trajectory of the author, as well as in the discursive, urban culture in which it was conceived and had it first distribution. In order to develop this work, the approach adopted was based on authors who study books as “practices and representations”, with particular emphasis on Roger Chartier. It has also been guided by the notion of “nebula”, as conceived by Margareth da Silva Pereira. The article has been structured into three parts: in the first, the anthology is presented, especially, its introductory text; following on, situations are investigated in which it is possible to contemplate its conception process and how it was received; and, lastly, the findings are problematized by returning to a reading of the introduction to Françoise Choay’s anthology.

Keywords:
Urbanism; Françoise Choay; Historiography; Intellectual Biography; Critique

Introdução

Desde a década de 1990, uma série de textos e pesquisas busca reconhecer e problematizar as contribuições dos trabalhos de Françoise Choay [1925-]2 2 Dentre os trabalhos realizados sobre a vida e a obra de Françoise Choay, destacam-se: o recente texto publicado por Thierry Paquot, Die Städtebautheoretikerin Françoise Choay. Eine diskursbildende Propagatorin der Disziplin (2019a); as entrevistas que esse mesmo autor realizou com Choay, na revista Urbanisme (PAQUOT, 1994a; 1994b); e a monografia de Rachid Ouahès, Chronique d’une mort annoncé. Essai d’interprétation de la théorie d’urbanisme de François Choay, en regard du concept de “mort” appliqué à l’architecture et à la ville (1999). No entanto, outros trabalhos que não se dedicaram especificamente à produção dessa autora trazem contribuições significativas. São eles: o livro de François Dosse, Michel de Certeau: Le Marcheur blessé ([2002] 2007, p. 473-488), e o de Viviane Claude, Faire la ville. Les métiers de l’urbanisme au XXe siècle (2006, p. 5-25). No Brasil, há um longo histórico de recepção da obra de Choay. Até 1965, as menções dizem respeito à sua atuação como crítica de arte. Destacam-se nesse conjunto notas de Ferreira Goulart (1960, p. 6) e, sobretudo, de Mário Barata (1960, p. 6; 1961, p. 6; 1967, p. 6) em jornais de grande circulação. Contudo, a atenção da autora às cidades não era desconhecida dos leitores brasileiros. Os artigos que Choay escreveu sobre Brasília (CHOAY, 1959a; 1959b) parecem ter circulado bem por aqui. Inclusive, um deles, “Brasília, uma capital pré-fabricada”, foi traduzido e publicado por Hidelbrando Giudico em três partes em um jornal de grande circulação, Tribuna da Imprensa (1960a, p. 11; 1960b, p. 11; 1960c, p. 8). Além disso, suas críticas a Brasília são abordadas em um artigo escrito por Yves Bruand (1962, p. 2), publicado no suplemento literário do jornal O Estado de S. Paulo. Localizamos ainda uma menção ao livro L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie (1965) em uma nota de jornal escrita por Guilherme Figueiredo (1966), “Um dia depois do outro... injustiça a Le Corbusier”, no suplemento literário de O Estado de S. Paulo, de 6 de fevereiro de 1966. A notícia citava a obra de Choay de maneira indireta, em um texto opinativo. Nela, Figueiredo situava a autora junto a uma série de críticos que, logo após a morte de Le Corbusier, haviam tornado mais francas suas objeções às posições do arquiteto. É a partir dos anos 2010 que começamos a observar esforços mais sistemáticos de pesquisadoras brasileiras para enquadrar melhor a produção de Choay. Dentre elas, cabe destacar: (i) o esforço pioneiro realizado por Margareth da Silva Pereira, que ministrou, em 2010, no PROURB-FAU-UFRJ, o “Seminário Teórico Avançado” dedicado à leitura e análise dos textos de Choay. É preciso sinalizar que um diálogo estreito da pesquisadora em relação à obra da autora francesa remonta à sua tese de doutorado, Rio de Janeiro: L’Éphemère et la perennité - Histoire de la ville au XIXe siècle (PEREIRA, 1988); (ii) o “Seminário temático: Leituras dirigidas de Françoise Choay” (PEIXOTO, E. R., 2013), realizado no PPG-FAU-UnB, por Elane Ribeiro Peixoto. Da mesma pesquisadora, deve-se localizar também o recente projeto de pesquisa “Diálogo entre culturas: traduções em Arquitetura e Urbanismo” (PEIXOTO, E. R. 2020), que trabalha a tradução dos verbetes do Dictionnaire de l’urbanisme et de l’aménagement (CHOAY; MERLIN, 2015); (iii) o esforço de pesquisa de Virginia Pontual (MDU-UFPE), na elaboração do projeto “A contemporaneidade do urbanismo no Brasil e a fortuna crítica de Françoise Choay. França e Brasil” (PONTUAL, 2019); (iv) e, por fim, podem ser mencionados os nossos próprios esforços em torno do desenvolvimento da tese Uma história do urbanismo em construção. As práticas historiográficas de Françoise Choay (1965-1973) (PEIXOTO, P. A., 2015; 2017; 2018). PAQUOT, T. Die Städtebautheoretikerin Françoise Choay. Eine diskursbildende Propagatorin der Disziplin. In: FREY, K.; PEROTTI, E. Frauen blicken auf die Stadt. Architektinnen. Planerinnen. Reformerinnen. Theoretikerinnen des Städtebaus II. Berlin: Reimer Verlag, 2019a. p. 275-293. OUAHÈS, R. Chronique d’une mort annoncé. Essai d’interprétation de la théorie d’urbanisme de Françoise Choay, en regard du concept de “mort” appliqué à l’architecture et à la ville [Mémoire de diplôme d’études approfondies]. Paris: École d’Architecture Paris-Belleville, Université Paris VIII. 1999. DOSSE, F. Michel de Certeau: Le Marcheur blessé. Paris: La Découverte, [2002] 2007. CLAUDE, V. Faire la ville: Les métiers de l’urbanisme au XXe siècle. Marseille: Parenthèses, 2006. GOULART, F. Casa do Brasil em Paris: uma lição de arquitetura. Artes Visuais. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 6, 10 jan.1960. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/030015_08/272. Acesso em: 9 jan. 2021. BARATA, M. Valores de Buri e vitalidade da arte. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 3 abr. 1960. Artes Plásticas. Suplemento literário, p. 6. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093718_04/2455. Acesso em: 9 jan. 2021. BARATA, M. O “informal” e a importância de Wols. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 22 jan. 1961. Artes Plásticas. Suplemento literário, p. 6. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093718_04/10650. Acesso em: 9 jan. 2021. BARATA, M. Livros e atividades culturais. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, p. 6, 5 fev. 1967. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_15/43418. Acesso em: 9 jan. 2021. CHOAY, F. Une capitale préfabriquée: Brasília. L’Oeil, Paris, n. 59, p. 77-83, nov. 1959a. CHOAY, F. Une capitale sort de terre: Brasília. France Observateur, Paris, n. 492, p. 15-16, 8 out. 1959b. CHOAY, F. Brasília: Uma capital pré-fabricada. Tradução: H. GIUDICO. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 20 abr. 1960. [1960a]. Artes Plásticas, p. 11. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/154083_02/1192. Acesso em: 9 jan. 2021. CHOAY, F.; MERLIN, P. Dictionnaire de l’urbanisme et de l’aménagement. Paris: PUF, 2015. CHOAY, F. Brasília: uma capital pré-fabricada (cont.). Tradução: H. GIUDICO. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 26 abr. 1960. [1960b]. Artes Plásticas, p. 11. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/154083_02/1254. Acesso em: 9 jan. 2021. CHOAY, F.Brasília: uma capital pré-fabricada (conclusão). Tradução: H. GIUDICO. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 27 abr. 1960. [1960c]. Artes Plásticas, p. 8. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/154083_02/1265. Acesso em: 9 jan. 2021. BRUAND, Y. A experiência de Brasília: tentativa de síntese. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 20 out. 1962. Suplemento literário, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/098116x/1838. Acesso em: 9 jan. 2021. FIGUEIREDO, G. Um dia depois do outro... Injustiça a Le Corbusier. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 15, 6 fev. 1966. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/110523_06/49803. Acesso em: 9 jan. 2021. PEREIRA, M. A. C. da S. Rio de Janeiro: L’Éphémère et la pérennité: histoire de la ville au XIXe siècle. Paris: Ehess, 1988. PEIXOTO, E. R. Seminário temático: Leituras dirigidas de Françoise Choay (2013). In: CNPq. Currículo Lattes. Elane Ribeiro Peixoto. Atuação Profissional. Universidade de Brasília. Atividades. 2021. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/1796841203235489. Acesso em: 21 maio 2021. PEIXOTO, E. R. Diálogo entre culturas: traduções em Arquitetura e Urbanismo (2020). In: CNPq. Currículo Lattes. Elane Ribeiro Peixoto. Projetos de Pesquisa. 2021. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/1796841203235489. Acesso em: 21 maio 2021. PEIXOTO, P. A. A construção de uma abordagem: Françoise Choay e seu horizonte historiográfico em 1970. XVIII Seminário Nacional de História – ANPUH, 2015, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: Anpuh, 2015. p. 1-15. Tema: Lugares dos historiadores: velhos e novos desafios. Disponível em: https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548945018_f9e428197935530523397f94b86c1606.pdf. Acesso em: 11 abr. 2021. PEIXOTO, P. A. A escrita da história como um processo: as práticas historiográficas de F. Choay. Oculum Ensaios, v. 14, p. 99-110, 2017. Disponível em: http://periodicos.puc-campinas.edu.br/seer/index.php/oculum/article/view/3221. Acesso em: 11 abr. 2021. PEIXOTO, P. A. Uma história do urbanismo em construção. As práticas historiográficas de Françoise Choay (1956-1971). 2018. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://minerva.ufrj.br/F/GVILU3XT99FPXUVL3G2SBYMXCV2V28DC2TY4SNQKHT1CRI9GKR-04709?func=full-set-set&set_number=003037&;set_entry=000001&;format=999#.YHL7ruhKjIU. Acesso em: 11 abr. 2021. PONTUAL, V. P. A contemporaneidade do urbanismo no Brasil e a fortuna crítica de Françoise Choay. França e Brasil (2019). In: CNPq. Currículo Lattes. Virgínia Pitta Pontual. . Filósofa de formação, no começo de sua carreira Choay dedicou-se à crítica de arte e de arquitetura e, posteriormente, tornou-se mais conhecida como autora de livros voltados às teorias do urbanismo e do patrimônio. Diante da história de difusão dos trabalhos da autora, o presente artigo busca contribuir com o esforço para melhor enquadrar o trabalho de Choay por meio da análise de um de seus livros mais conhecidos, L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie (1965), publicado no Brasil com o título O urbanismo. Utopias e realidades. Uma antologia, pela editora Perspectiva. Uma publicação organizada como uma coletânea de textos teóricos e marcada por considerável difusão, foi traduzida ao menos em três línguas - espanhol, italiano e português3 3 A primeira edição das publicações em espanhol, italiano e português são respectivamente: CHOAY, F. El Urbanismo, Utopias y Realidades. Barcelona: Lumen, 1970 (tradução: Luis del Castillo); CHOAY, F. La città: utopie e realità. Torino: Einaudi, 1973 (tradução: Paola Ponis); CHOAY, F. O urbanismo. Utopias e realidades. Uma antologia. São Paulo: Perspectiva, 1979 (Tradução: Dafne Nascimento Rodrigues e revisão de J. Guinsburg). -, com sucessivas reedições até o início dos anos 2000.

Apesar da perenidade e da escala de difusão dessa obra, em um texto escrito por Thierry Paquot, Die Städtebautheoretikerin Françoise Choay. Eine diskursbildende Propagatorin der Disziplin (2019a), o autor denunciou um problema contemporâneo acerca da recepção de L’Urbanisme4 4 Doravante, para facilitar a leitura, simplificaremos a grafia de L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie (1965), passando a adotar apenas L’Urbanisme. (CHOAY, 1965CHOAY, F . L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie. Paris: Seuil, 1965.): “Cinquenta anos depois, esta antologia [...] continua a nutrir gerações de estudantes e urbanistas que não levam em conta as evoluções de sua autora” (PAQUOT, 2019bPAQUOT, T. Françoise Choay (née en 1925). [Manuscrito em francês para Die Städtebautheoretikerin Françoise Choay. Eine diskursbildende Propagatorin der Disziplin, 2019]. Acervo pessoal de T. Paquot, 2019b.; tradução nossa), sobretudo no que tange à interpretação dos modelos do urbanismo na época em que foi publicada. Paquot chama nossa atenção para a necessidade de compreender a antologia como um livro historicamente situado, representativo de um momento específico da trajetória intelectual de Choay.

Diante dessa constatação, no presente artigo, mapearemos as “condições de possibilidade” (KANT, [1781] 1987KANT, I. Crítica da razão pura. São Paulo: Nova Cultural, [1781] 1987. (Coleção Os Pensadores, v. I.), p. 1) da produção do livro, situando-o no espaço e no tempo, levando em consideração suas especificidades. Visamos, portanto, algo semelhante ao que animou Roger Chartier, ao reposicionar a relação entre a história da literatura e a história cultural: “Trata-se, [...] de construir um espaço intelectual que obrigue a inscrever as obras nos sistemas [...] que as limitam, mas [que] também tornam possíveis a sua reprodução e a sua compreensão” (CHARTIER, [1998] 2009CHARTIER, R. Au bord de la falaise. L’histoire entre certitudes et inquiétudes. Paris: Albin Michel, [1998] 2009., p. 326; tradução nossa).

No nosso caso, transitando de maneira mais específica entre a história dos escritos de urbanismo e a história das práticas urbanísticas, enquadramos o que esse mesmo autor chamou de o “tempo da obra”. Ou seja, sublinhamos as diferentes temporalidades implicadas em uma publicação e, por conseguinte, “o envolvimento de uma quantidade de pessoas, lugares e operações que tornam possível o texto circular” (CHARTIER, [2001] 2014CHARTIER, R. O tempo da obra [2001]. In: CHARTIER, R. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Unesp, 2014. p. 295-310., p. 308). E ele conclui:

[...] É nesse sentido que obras devem ser entendidas como produções coletivas e como resultado de “negociações” [...]. [...] “transações” que são sempre instáveis e sempre renovadas, entre a obra em sua identidade perpetuada e as várias formas de sua transmissão e suas representações (CHARTIER, [2001] 2014CHARTIER, R. O tempo da obra [2001]. In: CHARTIER, R. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Unesp, 2014. p. 295-310., p. 308-309).

Os escritos de Chartier sinalizam, portanto, que, mesmo nos detendo no estudo de um objeto, como um livro, temos acesso igualmente às culturas que os condicionam e que são por ele ressignificadas. Isso nos leva a pensar que L’Urbanisme permite acessar a cultura urbanística na qual ele foi produzido e também na qual interfere.

Contudo, se comparado às análises que o próprio Chartier tem empreendido, muitas delas centradas nas práticas de leitura e nos processos de republicação dos livros em largos arcos temporais, nosso artigo parece construir um caminho particular, pois se detém mais precisamente no momento em que o livro foi concebido. Algo entre o ano em que sua autora publicou seus primeiros textos sobre arquitetura, 1956, e a data em que L’Urbanisme veio a público, 1965. Esse recorte, por vezes, se espraia até o início da década de 1970, pela necessidade de analisar os lugares nos quais primeiro circulou: as escolas de arquitetura e de urbanismo na França.

Nos estudos urbanos no Brasil, uma atenção semelhante à “história da cultura” e à “historiografia” encontra eco nos escritos de Margareth da Silva Pereira, sobretudo naqueles em que ela delineia a noção de “nebulosa” (PEREIRA, 2018PEREIRA, M. A. C. da S. Pensar por nebulosas. In: PEREIRA, M. A. C. da S.; BERENSTEIN-JACQUES, P. (org.). Nebulosas do pensamento urbanístico. Salvador: Edufba, 2018., p. 13). A autora associa o ofício do historiador do urbanismo à atividade de interpretar nuvens no céu, dado o caráter dinâmico dos seus objetos, das possíveis abordagens e das situações de observação. Nessa metáfora, o momento que precede a tempestade - quando as nuvens se avolumam no céu - é comparado ao instante em que, diante de uma questão, múltiplas histórias se relacionam, se comparam, se conectam (PEREIRA, 2018PEREIRA, M. A. C. da S. Pensar por nebulosas. In: PEREIRA, M. A. C. da S.; BERENSTEIN-JACQUES, P. (org.). Nebulosas do pensamento urbanístico. Salvador: Edufba, 2018., p. 13).

Transladado para o estudo de um livro, o ato de “pensar por nebulosas” nos ajuda a compará-lo a um desses momentos de tempestade, observá-lo como uma configuração específica e efêmera de culturas discursivas, de trocas entre pessoas, de práticas (urbanísticas, editoriais e de ensino).

Por fim, cabe ainda destacar que, no campo do urbanismo, uma atenção à produção textual também apresenta uma história, na qual a própria Choay e L’Urbanisme (1965) desempenham, juntos, um papel singular5 5 Segundo M. Pereira, ao lado de lrich Conrads, F. Choay, com L’Urbanisme (1965), introduziu o gênero literário antologia nos estudos arquitetônicos e urbanos. Ambos podem ser vistos como termômetro de movimentos de reflexividade da arquitetura e do urbanismo sobre suas próprias práticas (PEREIRA, 2014, p. 10). PEREIRA, M. A. C. da S. Apresentação. A antologia como um gênero no campo do urbanismo. In: GAUDIN, J-P. Desenho e futuro das cidades. Uma antologia. Rio de Janeiro: Rio Book’s, [1991] 2014. p. 9-16. CONRADS, I. (org.). Programme und Manifest zur Architektur des 20 Jahrhunderts. Berlin: Verlag Ullstein, 1964. . No entanto, é em outros de seus textos - tais como La Règle et le modèle. Sur la théorie de l’architecture et de l’urbanisme (1980)CHOAY, F . La Règle et le modèle. Sur la théorie de l’architecture et de l’urbanisme. Paris: Seuil, 1980. e, sobretudo, “Le De re aedificatoria et l’institucionalisation de la societé” ([2004] 2006CHOAY, F . Le De re aedificatoria et l’institucionalisation de la societé [2004]. In: Pour une anthropologie de l’espace. Paris: Seuil, 2006. p. 374-401., p. 374-401) - que se tornam mais evidentes suas contribuições para este artigo. Neles, Choay efetua uma aproximação entre certa pretensão antropológica e a análise textual. Um jogo entre a antropologia do discurso e do espaço, entre a enunciação de ideias e a maneira como elas instauram práticas espaciais.

Tomar sua própria antologia por esse viés, utilizar-se de operações semelhantes àquelas de que a autora lançou mão para interpretar os livros de Morus, Cerdà ou Alberti, nos leva a ler L’Urbanisme (1965) na sua primeira edição, estranhar o vocabulário ali apresentado, confrontá-lo com outros textos e desnaturalizá-lo para, com isso, colocá-lo em perspectiva, situá-lo6 6 De maneira semelhante, R. Chartier nos alerta para a importância de utilizar elementos “peritextuais” e “paratextuais” na análise de um livro (CHARTIER, [2005] 2014, p. 235-257). CHARTIER, R. Paratextos e preliminares. In: CHARTIER, R. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Unesp, [2005] 2014. p. 235-257. .

Portanto, para desenvolver nossa interpretação, além da leitura de L’Urbanisme (1965) em sua primeira edição no original em francês, foram fontes importantes os textos e entrevistas de Choay publicados na imprensa (consultados na Bibliothèque Sainte-Geneviève, em Paris); documentos relativos ao ensino e livros sobre história do urbanismo salvaguardados nos acervos da Bibliothèque Historique Poëte et Sellier (École d’Urbanisme de Paris, Upem); e correspondências localizadas na Fondation Le Corbusier, também na capital francesa.

Feita essa introdução, cabe finalmente informar que o presente artigo está organizado em três partes. Na primeira, apresentamos a estrutura da antologia, sobretudo do seu texto introdutório. Na sequência, investigamos situações por meio das quais possamos ponderar sobre seu processo de concepção e recepção. Por fim, problematizamos o exposto com o retorno à leitura de “L’Urbanisme en question”, texto introdutório da antologia e de autoria da própria Choay.

1. L’Urbanisme. Utopies et réalités. Une anthologie (1965)

Nesse livro, Françoise Choay reuniu cinquenta e seis fragmentos de textos, doze deles publicados pela primeira vez em francês7 7 Na antologia (CHOAY, 1965), aparecem sinalizados como traduzidos pela própria Choay trechos dos seguintes textos: RICHARDSON, B. W. Hygeia, a city of health. London: Macmillan, 1876, p. 18-23, 30, 32, 39; PUGIN, A. W. N. Contrasts or a parallel between the noble edifices of the fourteenth and fifteenth centuries and similar buildings of the present day, shewing the present decay of taste. London: [editado pelo autor], 1836, p. 1-3, 30-35; PUGIN, A. W. N. True principles of pointed or Christian architecture. London: [editado pelo autor], 1836, p. 16; MORRIS, W. Art, wealth and riches [conferência pronunciada em 6 de março de 1883]. In: Collected works of William Morris. London: [s. n.], 1915, t. 23, p. 147-150; WRIGHT, F. L. The living city. New York: Horizon Press, 1958, p. 17-23, 31, 45, 47-54, 62-65, 109-110, 112, 116-122, 139-140, 148-153, 158, 161-162, 166, 168, 176, 188, 217; BUCHANAN, R. [presidente do relatório]. Traffic in towns, a study of the long term problems of traffic in urban areas. London: [s. n.], 1963, [parágrafos selecionados]; GEDDES, P. Civics as applied sociology [conferência pronunciada diante da Sociological Society, na University of London, em 18 de julho de 1904]. In: Sociological Papers. London: Macmillan & Co., 1905, p. 111, 115-118; GEDDES, P. Cities in evolution. London: Williams and Norgate, 1915, p. 248, 253-257, 359-365; MUMFORD, L. The highway and the city (1960). London: Secker & Warburg, 1964; JACOBS, J. The death and life of great American cities. New York: Random House, 1961, p. 35-37, 41, 55-56, 58-59, 62-63, 65, 71, 74, 76-77, 79-84, 87, 90, 101, 111, 168-169, 218-221, 348, 372-373, 375-376; DUHL, L. The human measure: man and family in megalopolis. In: WINGO JR., L. Cities and space: the future use of urban land. Baltimore: The Johns Hopkins Press, 1963, p. 136-139; LYNCH, K. The image of the city. Cambridge (MA): MIT & Harvard University Press, 1960, p. 1-6, 8, 9, 11-13, 46-48, 83-84, 95-96, 99-102, 110-112, 115. Cabe ressaltar também que os textos do arquiteto Iannis Xenakis foram publicados na antologia com base nos manuscritos feitos em Berlim em janeiro de 1964. . A antologia totaliza trinta e nove autores8 8 Os autores publicados na antologia de Françoise Choay (1965) são: Robert Owen, Charles Fourier, Victor Considérant, Étienne Cabet, Pierre-Joseph Proudhon, Benjamin Ward Richardson, Jean-Baptiste Godin, Júlio Verne, Herbert George Wells, Augustus Welby Northmore Pugin, John Ruskin, William Morris, Friedrich Engels, Karl Marx, Pierre Kropotkine, N. Bukharin e G. Préobrajensky, Tony Garnier, Georges Benoit-Lévy, Walter Gropius, Charles-Édouard Janneret (Le Corbusier), Stanislas Gustavovitch Stroumiline, Camillo Sitte, Ebenezer Howard, Raymond Unwin, Frank Lloyd Wright, Eugène Hénard, Rapport Buchanan, Iannis Xenakis, Patrick Geddes, Marcel Poète, Lewis Mumford, Jane Jacobs, Leonard Duhl, Kevin Lynch, Victor Hugo, Georg Simmel, Oswald Spengler, Martin Heidegger. , que foram agrupados em nove capítulos cujos títulos enunciam “ferramentas de análise” (CHOAY apud PAQUOT, 1994bPAQUOT, T. [Entrevista com Françoise Choay]. Urbanisme, Paris, supl., nº 5, p. 1-7, dez. 1994b., p. 3) utilizadas por Choay para interpretar o urbanismo. Na introdução, a autora justifica essa organização. Nós a apresentaremos brevemente aqui.

Primeiramente, Choay identifica três modelos de produção do urbanismo: progressista, culturalista e naturalista. Os modelos se distinguem pela atitude prospectiva de seus atores. Enquanto as propostas culturalistas parecem ser regidas por uma nostalgia fundadora, as progressistas sinalizam uma crença no futuro resultante da descontinuidade com as ações do presente. No terceiro modelo, o naturalista, os textos configuram uma corrente “antiurbana” atenta às especificidades do território.

A identificação desses modelos é apenas uma primeira rodada de interpretação. Soma-se a ela uma segunda, que os interroga à luz de diferentes temporalidades. Assim, Choay identifica três momentos distintos. O primeiro deles, “pré-urbanismo”, circunscreve as reflexões em que o urbanismo ainda não se distinguia como um saber especializado. No segundo, percebem-se a conformação de uma especialidade e a construção de um campo pretensiosamente científico. Trata-se do tempo do urbanismo propriamente dito. Por fim, o terceiro momento é aquele contemporâneo ao livro e apresenta uma crítica de segundo grau à disciplina, quando os debates urbanísticos deixam de se voltar para as cidades elas mesmas para se dirigir aos discursos do urbanismo. Assim, o modelo culturalista, por exemplo, pode ser decupado em “pré-urbanismo culturalista”, “urbanismo culturalista” e “antrópolis”.

Essa arquitetura interpretativa erigida de maneira minuciosa, claramente marcada por uma perspectiva estruturalista, apesar de parecer demasiado taxionômica, comporta deslocamentos e tensões. Por exemplo, na leitura da introdução de Choay, sua obstinação não é panorâmica, nem prescritiva. É regida pela busca por “[...] colocar em evidência as razões dos erros cometidos, a raiz das incertezas e das dúvidas que se levantam [...] em cada nova proposição de planejamento urbano” (CHOAY, 1965CHOAY, F . L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie. Paris: Seuil, 1965., p. 8; tradução nossa).

Outro aspecto que merece ser destacado é que suas “ferramentas de análise”, os títulos dos capítulos, buscam ampliar e complexificar interpretações restritas às ideologias políticas de seus autores. Comentando a obra de K. Mannheim, Ideologie et utopie (1956MANNHEIM, K. Idéologie et utopie (Une introduction à la sociologie de la connaissance). Paris: Librairie Marcel Rivière et Cie, 1956.), ela escreve:

Não pudemos retomar aqui sua [de Mannheim] classificação das formas da mentalidade utópica: nosso modelo progressista abarca tanto sua “ideia humanitário-liberal” quanto parte de sua “ideia socialista-comunista”. Além disso, nosso modelo culturalista não é totalmente assimilado à “ideia conservadora” (W. Morris era socialista). (CHOAY, 1965CHOAY, F . L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie. Paris: Seuil, 1965., p. 15; tradução nossa)

Como se pode constatar, o livro de Françoise Choay é uma reação ao urbanismo praticado naqueles anos 1960 e também às suas interpretações, em relação aos quais, deve-se destacar, a autora tece duras críticas. Em todos os modelos, Choay identifica uma idealização tanto do futuro quanto do passado, pois “[...] a cidade, no lugar de ser pensada como processo ou problema, é sempre vista como uma coisa, um objeto reproduzível. Ela é arrancada da temporalidade concreta e, no senso etimológico, se torna utópica, ou seja, de nenhuma parte” (CHOAY, 1965CHOAY, F . L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie. Paris: Seuil, 1965., p. 25; tradução nossa). Nesse sentido, o urbanismo e sua crítica de segundo grau são problematizados pela autora na medida em que sua matriz utópica9 9 Em L’Urbanisme (1965), o uso do termo “utopia” é balizado pela leitura que a autora faz de Ideologie et utopie (MANNHEIM, 1956), na qual assinala “o caráter ativo da utopia na oposição ao status quo social e seu papel desintegrador” (CHOAY, 1965, p. 15; tradução nossa). Além da referência a Mannheim, em relação ao termo “utopia”, no mesmo livro (CHOAY, 1965, p. 16), ela menciona The history of utopian thought (HERTZELLER, 1926), L’Utopie et les utopies (RUYER, 1950) e “Some observations on community plans and utopias” (RIESMAN, 1947). Deve-se sinalizar que esse tema será mais profundamente explorado anos depois, na sua thèse d’etat, em La Cité du désir et la ville modèle: essai sur l’instauration textuelle de la ville (1978), publicada posteriormente, em uma versão revisada, com o título La Règle et le modele. Sur la théorie de l’architecture et de l’urbanisme (1980). HERTZLER, J. O. The history of utopian thought. New York: Macmillan, [1923] 1926. RUYER, R. L’Utopie et les utopies. Brionne: Gérard Monfort Éditeur, 1950. RIESMAN, D. Some observations on community plans and utopia. In: Yale Law Journal, n. 57, 1947. Disponível em: https://digitalcommons.law.yale.edu/ylj/vol57/iss2/2. Acesso em: 21 maio 2021. se evidência e o distancia da cidade “real”.

No entanto, apesar das críticas negativas, Choay indica aberturas para a renovação da disciplina. Essa intenção pode ser observada, mesmo que com ressalvas, diante da descrição do “pré-urbanismo sem modelo” e da “antrópolis”. Diante delas, observa-se que o voto de esperança de Choay está atrelado às ações que substituem a pulsão utópica - modelar - por um diálogo e pela investigação do “real”. Apesar de alertar sobre os males da excessiva coleta de dados e diagnósticos, a atenção às “realidades” delineia diretrizes para uma renovação da cidade, entendendo-a como viva e vivida.

2. A “nebulosa” de um livro

Conforme buscamos demonstrar, a organização da antologia de Choay problematizou o urbanismo praticado em seu próprio tempo. Entretanto, para o leitor contemporâneo, em grande medida, essa situação pretérita parece não ter contornos nítidos. Para evidenciar os impasses diante dos quais a antologia se posicionou, nesta segunda parte do texto investigamos o “tempo da obra” (CHARTIER, [2001] 2014CHARTIER, R. O tempo da obra [2001]. In: CHARTIER, R. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Unesp, 2014. p. 295-310., p. 308-309). Voltemo-nos, pois, para dois trechos que se encontram logo na introdução da antologia:

Antes de tudo, este termo [urbanismo] deve ser definido [...], pois ele é repleto de ambiguidade. Anexado à linguagem corrente, ele designa tanto os trabalhos de engenharia quanto os projetos de cidades ou formas urbanas características de cada época. De fato, a palavra “urbanismo” é recente. G. Bardet remonta sua criação a 1910*. O Dicionário Larousse a define como “ciência e teoria do assentamento humano”. Esse neologismo corresponde à emergência de uma realidade nova: no fim do século XIX, a expansão da sociedade industrial faz nascer uma disciplina que se distingue das artes urbanas anteriores por seu caráter reflexivo e crítico e por sua pretensão científica. (CHOAY, 1965CHOAY, F . L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie. Paris: Seuil, 1965., p. 8-9; tradução nossa)

* Segundo G. Bardet (L’Urbanisme, PUF, Paris, 1959), a palavra “urbanismo” parece ter aparecido pela primeira vez em 1910 no le Bulletin de la Société géographique de Neufchatel, sob a pluma de P. Clerget. A Société française des architectes-urbanistes foi fundada em 1914, sob a presidência de Eugène Hénard. O Institut d’Urbanisme de l’Université de Paris foi criado em 1924. O urbanismo só começou a ser ensinado na École des Beaux-Arts de Paris a partir de 1953, por A. Gutton, e somente no “escopo de teoria de arquitetura”. As aulas ministradas por A. Gutton se tornaram o tomo VI de suas Conversations sur l’architecture, sob o título de L’Urbanisme au service de l’homme, Vincent Fréak, Paris, 1962. (CHOAY, 1965CHOAY, F . L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie. Paris: Seuil, 1965., p. 8; tradução nossa)

Nesses dois trechos - um parágrafo e uma nota de rodapé, respectivamente -, a autora delineou o escopo de sua antologia compartilhando os sentidos que adotou para a palavra “urbanismo” e iluminando as práticas e os lugares institucionais que o neologismo conformou na França. Diante desse relato, observamos que, naquele momento, Choay entendia o urbanismo como “uma disciplina que se distingue das artes urbanas anteriormente praticadas pelo seu caráter reflexivo e crítico, bem como por sua pretensão científica”. (CHOAY, 1965CHOAY, F . L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie. Paris: Seuil, 1965., p. 8-9; tradução nossa)

Desse modo, ela claramente afastava o urbanismo de uma simples operação de desenho urbano ou de embelezamento, como muitas vezes eram interpretadas as operações dos séculos XV e XVI em Roma e em Paris, bem como da noção em voga entre os anos 1920 e 1940, quando o próprio neologismo ainda flutuava (GAUDIN, [1991] 2014GAUDIN, J.-P. Desenho e futuro das cidades. Uma antologia. Rio de Janeiro: Rio Books: Cosmógrafo, [1991] 2014., p. 28).

Contudo, ao relermos com atenção esses breves trechos, podemos notar em que medida Choay reagia e se movia em um meio marcadamente francês. Apesar de uma de suas grandes contribuições terem sido a tradução e a difusão de uma série de autores publicados anteriormente apenas em inglês e de logo na introdução mencionar Brasília, Chandigar e Boston (CHOAY, 1965CHOAY, F . L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie. Paris: Seuil, 1965., p. 7), seus aparentes interlocutores, suas fontes e a questão da institucionalização do urbanismo se circunscrevem a textos e atores franceses.

Essa aparente contradição de termos, que nos apresenta uma Choay que consubstancia sua crítica ancorada em uma reação a experiências realizadas ao redor do mundo, mas dirigidas a um público especificamente francês - ou mesmo parisiense -, parece remontar aos anos em que ela começa a construir sua atuação como crítica.

Nesse sentido, três aspectos merecem ser visitados: um mais diretamente ligado à trajetória de Choay e à rede na qual ela se sensibiliza e se aprofunda nas questões urbanísticas; o campo teórico configurado pelos livros de urbanismo no qual o de sua autoria passa a fazer parte; e os locais de ensino do urbanismo, os quais se tornam os principais círculos de difusão desse seu livro.

2.1 Um livro como diálogos

Em relação ao primeiro ponto, talvez seja necessário lembrar que Françoise Choay é introduzida nos debates urbanísticos (e constrói mesmo uma carreira pública) como jornalista e crítica. Entre 1956 e 1965, período que precede a publicação da antologia, ela aparece regularmente em periódicos de grande circulação e especializados em arte e literatura, dos quais se destacam o jornal France Observateur e a revista de arte L’Oeil.

Nas reportagens e textos opinativos para esses veículos, observa-se que sua atenção às questões urbanas se delineou inicialmente por meio do diálogo com as obras de Jean Prouvé e Michel Écochard. Alguns de seus primeiros artigos publicados em France Observateur (CHOAY, 1956aCHOAY, F. [Vous] […] pouvez construire une maison pour le prix de deux voitures. France Observateur, n. 305, p. 15, 15 mar. 1956a.; 1956bCHOAY, F. Les bidonvilles donnent une leçon d’urbanisme. France Observateur, n. 321, p. 13-14, 20 set. 1956b.; CHOAY; ÉCOCHARD, 1956CHOAY, F .; ECOCHARD, M. Les plans d’aménagement de la région parisienne ne sont que du vent. France Observateur, n. 317, p. 10-11, 7 jun. 1956.) são testemunhos dessa atenção, que, conforme podemos constatar na entrevista concedida por Choay a T. Paquot, em 1994PAQUOT, T. [Entrevista com Françoise Choay]. Urbanisme, Paris, v. 278-279, p. 5-11, nov.-dez. 1994a., representava também um círculo de amizades. Por exemplo, sobre a interlocução com Prouvé, ela comentou:

Os estudos da filosofia levam a tudo... Nesse caso, me orientaram para a história e a filosofia da arte. No entanto, foi um pouco de sorte - conhecer Jean Prouvé em um casamento no campo - ter descoberto a arquitetura e a construção modernas; uma revelação. (CHOAY apud PAQUOT, 1994aPAQUOT, T. [Entrevista com Françoise Choay]. Urbanisme, Paris, v. 278-279, p. 5-11, nov.-dez. 1994a., p. 5; tradução nossa)

Para ampliar um pouco mais o desenho dessa rede, em depoimento à revista Urbanisme, em 2007, por ocasião de uma exposição retrospectiva da obra do arquiteto franco-colombiano Rogelio Salmona, a autora nos dá pistas de mais interlocutores desses primeiros anos de atuação como crítica. Além desse arquiteto, ela menciona Iannis Xenakis, “seu cumplice e amigo na Agência Le Corbusier” (CHOAY, 2007CHOAY, F . Rogelio Salmona, une figure exemplaire de l’architecture contemporaine. Urbanisme. Paris, n. 357, p. 86-90, nov.-dez. 2007., p. 90). Comentando a mesma passagem, Ingrid Guerrero apresenta outros contornos dessa rede. Ela escreve (2016, p. 121):

[...] Salmona iniciou uma amizade com Françoise Choay, [...] que o franco-colombiano conheceu em 1955 graças às suas visitas ao 35 Rue de Sèvres - ela desenvolvia projetos editoriais sobre “Corbu”, conjuntamente com o fotógrafo Lucien Hervé [...]. A amizade de Choay acrescentou à cultura pictórica contemporânea de Salmona [...]. Futuras promessas da arte contemporânea eram convidadas às reuniões organizadas na casa dos Choay. Além disso, junto com o arquiteto, a filósofa descobriu pintores neorrealistas exibidos na galeria de Daniel Cordier, que abria a primeira sede de sua prestigiosa galeria na Rue Duras.

Mais adiante, delineando ainda melhor a rede de interlocução entre Choay, Salmona e Xenakis, Guerrero (2016GUERRERO, I. Filhos da Rue de Sèvres: os colaboradores latino-americanos de Le Corbusier em Paris (1932-1965). 2016. Tese (Doutorado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. , p. 122) apresenta o interesse em comum por questões trotskistas:

Françoise e Xenakis (que militou no Exército Nacional Popular da Grécia, em 1945) compartilhavam a amizade com outros marxistas gregos exilados em Paris, os quais assistiam a soirées organizadas por ela e pelo marido, [...], no apartamento do casal em Neuilly-sur-Seine. Faziam parte do grupo Kostas Axelos, Boris Fraenkel e Émile Copfermann, figuras definitivas para a aproximação do franco-colombiano ao trotskismo [...].

Tal como ocorreu com Prouvé, a amizade com Xenakis leva Choay a incluí-lo em seus artigos. De modo que, em 20 de março de 1958, sua colaboração no projeto do Pavilhão Philips para a exposição de Bruxelas, realizado pela Agência Le Corbusier, é abordada por Choay no artigo “Le Sens d’une architecture nouvelle” (1958bCHOAY, F . Le Sens d’une architecture nouvelle. France Observateur, n. 410, p. 15-16, 20 mar. 1958b.).

A interlocução de Choay com os jovens arquitetos atuantes em Paris resultou em verdadeiros mergulhos nos projetos de que eles participavam. Também se tornaram objeto de suas matérias os debates em que aqueles arquitetos estavam diretamente envolvidos, como é o caso da questão do habitar. Esse tema - o habitar - ganhou ainda maior destaque na imprensa e nos artigos de F. Choay à medida que, no contexto francês de Les Trente Glorieuses10 10 Os Les Trente Glorieuses correspondem ao período de 1945 a 1973, de grande crescimento econômico em um grupo de países no Ocidente, a França entre eles. , se desenhou uma política de habitação popular na França. Além disso, a própria autora, alcançando cada vez mais prestígio como crítica, começou a ser convidada a visitar projetos de habitações fora de seu país e, por conseguinte, contrapor o que havia em sua grande Paris a essas experiências ao redor do mundo.

Tornaram-se balizas para uma reflexão sobre o habitar o bairro Hansa, em Berlim, na Alemanha, protótipo ambicioso de uma “cidade do futuro” (die stadt von morgen) produzida para Interbau11 11 A Interbau foi uma exposição internacional de arquitetura realizada em Berlim em 1957. de 1957; o canteiro de obras da nova capital do Brasil, Brasília, em 1959; e as residências unifamiliares projetadas por Kiyonori Kikutake em Tóquio, no Japão, em 1960, bem como as habitações coletivas que estavam sendo produzidas nos subúrbios dessa mesma cidade. Esse debate é atravessado, por sua vez, por três publicações: Casablanca, le roman d’une ville, de Michel Écochard, em 1955ÉCOCHARD, M. Casablanca, le roman d’une ville. Paris: Éd. de Paris, 1955., a Carta de Atenas (Charte d’Athènes) de Le Corbusier12 12 Por mais que essa publicação fosse oriunda do encontro do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM) de 1933 e que, ao longo da década de 1940, tivesse tido inúmeras versões elaboradas por diferentes autores, foi nessa versão publicada por Le Corbusier que a carta se tornou “conhecida do grande público” (BRAUSCH, 2016, p. 212). Ela deixou de ser um documento que circulava junto aos arquitetos que haviam frequentado os CIAMs e se tornou um livro, escrito em francês, acessível a qualquer um que se interessasse pelo tema. BRAUSCH, G. (dir.). CIAM/Le Corbusier. La Charte d’Athènes (1933/1941/1957). Dérivations. Pour le débat urbain, n. 3, p. 212-219, set. 2016. , em 1957, e a primeira tradução em francês de Construir Habitar Pensar (Bauen Wohnen Denken), em 1958, de Martin Heidegger13 13 Em francês, Bauen Wohnen Denken (1951) foi traduzido por André Préau como Bâtir, habiter et penser, editado como parte da coletânea Essais et conférences, de 1958, pela editora Gallimard. Cf. BONICCO-DONATO, 2019, p. 6. BONICCO-DONATO, C. Heidegger et la question de l’habiter. Une philosophie de l’architecture. Paris: Parenthèses, 2019. .

Assim, a reflexão sobre o habitar desdobra-se em uma crítica aos limites das práticas instituídas pelos urbanistas e delineia com mais clareza o escopo do impasse que os textos de Choay sobre urbanismo encampariam na década de 1960: a tensão estabelecida entre a busca por princípios universalizantes - tais como dignidade, valores democráticos, saúde e cidadania - e o reconhecimento das especificidades culturais e ambientais de cada projeto. Como a própria Choay sintetizaria de maneira elucidativa, “uma habitação não é um simples abrigo” (CHOAY, 1959cCHOAY, F . Cités-Jardins ou “cages à lapins”?France Observateur, Paris, n. 474, p. 12-13, 4 junho 1959c., p. 12).

Esse mesmo aspecto foi explicitado em L’Urbanisme quando Choay descreveu a imagem do “homem-tipo” presente na Carta de Atenas de Le Corbusier (CHOAY, 1965CHOAY, F . L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie. Paris: Seuil, 1965., p. 34-35) e, com ela, delineou as características do “modelo progressista”. A autora concluiu que a difusão das ideias de Le Corbusier, resguardadas suas aspirações humanísticas, revela uma capacidade infeliz de homogeneizar assentamentos de culturas distintas.

Como se pode constatar, a interlocução com os jovens arquitetos que trabalharam na Agência Le Corbusier não significava necessariamente uma relação amistosa ou cordata com o titular do escritório. Conforme mencionado por Guerrero (2016GUERRERO, I. Filhos da Rue de Sèvres: os colaboradores latino-americanos de Le Corbusier em Paris (1932-1965). 2016. Tese (Doutorado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. ), Choay tinha projetos editoriais sobre a obra de Le Corbusier e, de fato, entre fins da década de 1950 e início da de 1960, ela foi objeto de diversos artigos. Em seus escritos, Choay abordou o projeto da sede da Unesco em Paris, na qual Le Corbusier havia atuado como membro do Comitê Internacional (CHOAY, 1957CHOAY, F . Le palais de l’Unesco sera-t-il un outrage au Paris de Gabriel? France Observateur, Paris, n. 392, p. 15, 14 nov. 1957.; 1958cCHOAY, F . Les nouveaux bâtiments de l’Unesco entrouvrent leurs portes. France Observateur, Paris, n. 435, p. 12, 4 set. 1958c.; 1958dCHOAY, F . Un nouvel art de bâtir. Le Courrier de l’Unesco, n. 11, p. 4-7, nov. 1958d.), bem como a casa do Brasil, para a Cité internationale universitaire de Paris, na qual ele atuara no desenvolvimento do plano inicial de Lúcio Costa (CHOAY, 1959dCHOAY, F . Le Pavillon du Brésil que Le Corbusier vient d’achever. L’Oeil, Paris, n. 57, p. 54-59, set. 1959d.; 1959eCHOAY, F . Le Corbusier à la Cité Universitaire. France Observateur, n. 478, p. 15, 2 jul. 1959e.). Choay também escreveu sobre a maneira como as obras do arquiteto haviam sido abordadas pelo Premier Salon d’Architecture, realizado em Paris (CHOAY, 1961CHOAY, F . La Grande misère des architectes français. France Observateur, n. 557, p. 19, 5 jan. 1961.). Na edição de livros, seu enfoque se voltou a obras fotografadas por Lucien Hervé, Le Siège de l’Unesco. Symbole du vingtième siècle (CHOAY, 1958aCHOAY, F . Le Siège de l’Unesco. Symbole du vingtième siècle. Berlin: Verlag Gerd Hatje, 1958a.) e Le Corbusier (CHOAY, 1960dCHOAY, F . Le Corbusier. New York: Braziller, 1960d.).

É em torno dessas publicações que se evidencia quanto a relação entre a crítica e o arquiteto era distinta daquela que ela mantinha com os colegas que trabalhavam na agência dele. Ao analisarmos a troca de correspondência entre Le Corbusier e Françoise Choay, disponíveis atualmente na Fondation Le Corbusier14 14 Documentos consultados na Fondation Le Corbusier: carta de Le Corbusier à Mme Choay (Paris, 20 de setembro de 1960) e carta de Françoise Choay à M. Le Corbuiser (Paris, 16 de novembro de 1960). , observam-se alguns mal-entendidos sobre a autorização para a elaboração dos livros. Nessas cartas (Figura 1), Le Corbusier demonstra surpresa ao descobrir que os textos haviam sido publicados por Choay sem seu conhecimento. Na sequência, ela responde respeitosamente, pontuando as ocasiões em que conversaram a respeito do mais recente deles (Le Corbusier) e de sua expectativa de que a editora houvesse feito a interlocução necessária em relação ao mais antigo (Le Siège de l’Unesco), visto que naquela ocasião os dois ainda não se conheciam pessoalmente.

Figura 1
Carta de Le Corbusier a Mme Françoise Choay (20 de setembro de 1960) e carta de Mme. Françoise Choay a Le Corbusier (16 de novembro de 1960)

De todo modo, entre 1956 e 1965, tanto nos artigos como nos livros, a atitude de Choay era muito mais descritiva do que propriamente crítica quando se tratava das obras de Le Corbusier. Essa situação se alterou após o falecimento do arquiteto, em 1965. Nesse novo momento, o próprio L’Urbanisme se tornou uma peça significativa e o artigo para a revista Transmondia - “L’Épaisseur d’um mythe” ([1966] 1995) - pode ser lido como seu complemento15 15 Durante a pesquisa, não foi possível localizar a publicação da revista Transmondia e, para realizar as análises que se seguem, foi utilizada uma reedição do mesmo artigo publicada na revista Urbanisme, com o título “Que faut-il maintenant penser de Le Corbusier?” (CHOAY, [1966], 1995). .

Tentando circunscrever esquematicamente o exposto por Choay no artigo, em relação à teoria urbanística de Le Corbusier quatro pontos podem ser observados: (i) ela apresentou o papel que os livros de Le Corbusier cumpriam na França, “[...] diante da carência do ensino oficial dado pela École des Beaux-Arts [...]” (CHOAY, [1966] 1995CHOAY, F . Que faut-il maintenant penser de Le Corbusier? Urbanisme, n. 282, p. 36-42, maio-jun. [1966] 1995., p. 37; tradução nossa); (ii) identificou o papel que as teorias dele desempenhavam na formação de arquitetos urbanistas e a maneira como difundiam “[...] uma concepção de urbanismo universal, independente das contingências geográficas ou culturais” (CHOAY, [1966] 1995CHOAY, F . Que faut-il maintenant penser de Le Corbusier? Urbanisme, n. 282, p. 36-42, maio-jun. [1966] 1995., p. 41-42; tradução nossa); (iii) denunciou, portanto, um modo de conceber que, por seu reducionismo e esquematismo, havia ganhado escala planetária; (iv) por fim, ela ponderava. Choay apontou que a posição de Le Corbusier como principal propagador do modelo progressista continha algumas fissuras. Tensões antagônicas presentes em sua obra que a autora resumia na apresentação de dois de seus vieses: “[...] uma, manifestada e proclamada nos escritos [de Le Corbusier], é a ideia de modernidade; a outra, latente, nunca admitida e ainda assim legível em todas as realizações, é a nostalgia de certos valores pré-industriais” (CHOAY, [1966] 1995CHOAY, F . Que faut-il maintenant penser de Le Corbusier? Urbanisme, n. 282, p. 36-42, maio-jun. [1966] 1995., p. 42; tradução nossa).

Assim, em alguma medida, Choay chamava atenção para as máculas de “elementos nostálgicos que representam o ideal da vida comunitária e a reconstituição da ‘casa’ individual no seio da unidade de habitação” (CHOAY, [1966], 1995CHOAY, F . Que faut-il maintenant penser de Le Corbusier? Urbanisme, n. 282, p. 36-42, maio-jun. [1966] 1995., p. 42; tradução nossa), portanto, certo conservadorismo (ou culturalismo) de costumes. Tais aspectos, escritos cerca de um ano depois da publicação de sua antologia, demonstravam também o aprofundamento de sua crítica em relação a Le Corbusier e a não estanqueidade dos modelos de interpretação que ela própria havia delineado.

Entretanto, para além da crítica a Le Corbusier, os pontos abordados por Choay no artigo para a Transmondia nos ajudam a acessar outras duas camadas necessárias ao exercício de situar a produção de L’Urbanisme: o campo editorial no qual ela se move e a recepção e circulação do livro nas escolas de arquitetura e urbanismo, em Paris. Voltaremos a eles na continuação de nossa argumentação.

2.2 Um livro sobre as teorias do urbanismo

Conforme vimos demonstrando, o livro de Françoise Choay é uma reação às práticas urbanísticas que, nos anos que precedem imediatamente a publicação de L’Urbanisme, alteravam de forma radical Paris e seu entorno. Além disso, é necessário lembrar que, entre 1950 e 1960, estavam sendo construídos os conjuntos de Aubervilliers, La Courneuve, Drancy, Bagnolet, Romainville, Créteil, Vitry, Fresne, Poissy, Chatenay-Malabry, Nanterre, Gennevilliers, Edinay, Stains, Massy e Sarcelles. Outro aspecto a ser sinalizado é que, no mesmo período, estava sendo debatido o planejamento da metrópole, como atesta a exposição organizada por André Bloc, Paris Parallèle, cujos resultados foram publicados na revista L’Architecture d’Aujourd’hui (1960aL’ARCHITECTURE D’AUJOURD’HUI, v. 88, fev.-mar. 1960a.; 1960bL’ARCHITECTURE D’AUJOURD’HUI, v. 90, jun.-jul. 1960b.) e levados a público no Premier Salon d’Architecture, realizado no Grand Palais, em 1961. Tanto a exposição como a publicação contariam com duras críticas de Choay (1961)CHOAY, F . La Grande misère des architectes français. France Observateur, n. 557, p. 19, 5 jan. 1961.. Ela as considerava utopias, com todo o sentido negativo que essa palavra ganharia em seus escritos posteriores16 16 Cf. nota 7. .

Aqui, contudo, outro aspecto merece ser enquadrado. Trata-se do papel que diferentes veículos exerceram no campo editorial, contribuindo para aquecer e fomentar os debates e a crítica do urbanismo então praticado. Em geral, a historiografia tem se dedicado a demonstrar a importância de revistas especializadas, como a própria L’Architecture d’Aujourd’hui, e até mesmo as de público mais amplo, como aquelas em que Choay trabalhava. Porém, gostaríamos de enquadrar o papel desempenhado pelas publicações de livros, sobretudo os voltados à história do urbanismo e de suas teorias.

Além dos livros já mencionados com os quais Choay havia se aproximado de uma reflexão sobre o habitar, um levantamento que realizamos na Bibliothèque Historique Poëte et Sellier sobre os livros de história do urbanismo e de suas teorias permitiu constatar que, até 1959, os livros de Pierre Lavedan e os guias urbanísticos e arquitetônicos dominavam os títulos das publicações. No período que se segue, entre 1961 e 1963, não se observou praticamente nenhuma publicação sobre o tema. Esse aspecto se modificou substancialmente entre 1965 e 1967 com publicações de Paul-Henry Chombart de Lauwe (1965)CHOMBART DE LAUWE, P.-H. Paris. Essais de sociologie 1952-1954. Paris: les éditions ouvrières, 1965. (Collection l’evolution de la vie sociale)., Henri Coing (1966COING, H. Rénovation urbaine et changement social. Paris: les Editions ouvrières,1966. (Collection l’evolution de la vie sociale).), Marie-Geneviève Raymond (1966RAYMOND, M.-G. La Politique pavillionnaire. Paris: centre de recherche d’urbanisme, 1966.), Roger-H. Guerrand (1967GUERRAND, R.-H. Les Origines du logement social en France. Paris: les éditions ouvrières, 1967. (Collection l’evolution de la vie sociale).), Anatole Kopp (1967KOPP, A. Ville et révolution. Architecture et Urbanisme sovietiques des années vingt. Paris: Anthropos, 1967.), bem como uma republicação do livro de Marcel Poëte “Introduction à l’urbanisme” por Hebert Tonka (1967)POËTE, M.; TONKA, H. (dir. e pref.). Introduction à l’urbanisme. Paris: Anthropos, 1967. e tradução para o francês de Edmond Bacon (1967BACON, E. D’athènes à Brasilia. Une histoire de l’urbanisme. Lausanne: Lausanne, 1967.), autores que eram em sua maioria professores Institut d’Urbanisme de l’Université de Paris.

Complementando esse levantamento, podemos retomar a nota de rodapé escrita por Choay citada anteriormente. Para situar o campo teórico no qual seu trabalho se inscrevia, ela aponta os livros de Gaston Bardet (1945)BARDET, G. L’Urbanisme. Que sais-je? Paris: PUF, [1945] 1947. 17 17 Apesar de Choay fazer menção à edição de 1959 do livro de G. Bardet, L’Urbanisme, pudemos constatar que a primeira edição desse livro é datada de 1945. e de Andrè Gutton (1962GUTTON, A. L’Urbanisme au service de l’homme. Conversations sur l’architecture. Paris: Vincent Fréak, 1962. t. VI.). O primeiro, reconhecido professor e diretor do Institut d’Urbanisme de l’Université de Paris durante o período de ocupação (DE LILLE; BUSQUET; CARRIOU, 2005DE LILLE, L. C.; BUSQUET, G.; CARRIOU, C. Un ancien institut. Créteil: Paris XII/IUP, 2005., p. 22), e o segundo, uma pequena parte de um curso de teoria da arquitetura na École des Beaux Arts, de um autor que também havia atuado como docente no Institut (DE LILLE; BUSQUET; CARRIOU, 2005DE LILLE, L. C.; BUSQUET, G.; CARRIOU, C. Un ancien institut. Créteil: Paris XII/IUP, 2005., p. 25).

Assim, se observa que L’Urbanisme é publicado em um momento de retomada de um olhar mais atento à historicidade do saber construir cidades, imediatamente posterior a um curto período de pausa. Ou seja, diferentemente do processo pelo qual passavam as revistas, verifica-se, para os livros de história das teorias do urbanismo, um crescimento tímido depois de um silêncio editorial. Além disso, observando, sobretudo, o lugar de enunciação dos autores dos livros citados - em sua grande maioria professores de escolas de urbanismo e arquitetura -, acredita-se que os dados levantados merecem não apenas ser ponderados junto à prática do urbanismo, ela mesma, mas também confrontados com o ensino dos saberes que construíram cidades naqueles anos, em Paris.

2.3 Um livro e seu papel no ensino

Françoise Choay, no texto para a revista Transmondia ([1966] 1995), afirmou, como vimos, que, naqueles meados da década de 1960, os livros de Le Corbusier eram significativos na França. No entanto, no período imediatamente posterior à publicação de L’Urbanisme, o cenário se alterou rapidamente, vários livros passaram a ser publicados e a própria antologia organizada por ela parece cumprir papel de destaque.

Testemunhos de estudantes de arquitetura e urbanismo das décadas de 1960 e 1970, na França, são exemplos das novas referências. Em depoimento à revista Urbanisme, Philippe Panerai rememora suas leituras em seu tempo como estudante na École des Beaux-Arts. Ele ressalta a importância da antologia de Choay junto aos livros de Chombart de Lauwe, René Kaës e Jean Labasse (PANERAI, 2019PANERAI, P. Henri Lefebvre et les architectes français. Entretien avec Philippe Panerai. In: Urbanisme. Paris, n. 412, p. 33-34, jan.-mar. 2019., p. 33). Na mesma revista, Jean Haëntjens traz uma memória semelhante, ao afirmar que, nos anos 1970, os livros de Henri Lefebvre e Françoise Choay eram incontornáveis (HAËNTJENS, 2019HAËNTJENS, J. Une onde de choc. In: Urbanisme, Paris, n. 412, p. 50-53, jan.-mar., 2019., p. 50). Ambos os testemunhos podem ser complementados pelo trabalho de Jean-Louis Violeau, Les architectes et Mai 68 (2005VIOLEAU, J.-L. Les architectes et Mai 68. Paris: Éditions Recherches, 2005.), no qual, ao desenhar o panorama da bibliografia utilizada por estudantes de arquitetura em fins da década de 1960, ele comenta a importância do trabalho de Choay: “uma antologia que terá sucesso considerável porque responde precisamente à necessidade de ‘teoria’ e referências em um ambiente onde as traduções são quase inexistentes” (VIOLEAU, 2005VIOLEAU, J.-L. Les architectes et Mai 68. Paris: Éditions Recherches, 2005., p. 123; tradução nossa).

Violeau também nos auxilia a perceber outro aspecto significativo relativo à difusão do trabalho de F. Choay na década de 1960. Trata-se de uma crise na formação dos arquitetos franceses. Uma conjuntura que, em maio de 1968, levaria aos conhecidos levantes dos estudantes da Sorbonne, mas que, alguns anos antes, já eram sentidos na École (VIOLEAU, 2005VIOLEAU, J.-L. Les architectes et Mai 68. Paris: Éditions Recherches, 2005., p. 21-23): uma formação centralizada em uma única escola, localizada em Paris, que parecia insuficiente para atender o número de estudantes que então acessavam o ensino superior nos anos Les Trente Glorieuses (VIOLEAU, 2005VIOLEAU, J.-L. Les architectes et Mai 68. Paris: Éditions Recherches, 2005., p. 44-52).

No ensino de arquitetura, esse processo deu origem ao ateliê de George Candilis, que, no outono de 1964, passou a funcionar no Grand Palais, fora da sede da Rue Bonaparte, e que ficou conhecido como “Atelier C”. As práticas pedagógicas experimentadas no ateliê de Candilis contrastavam com as adotadas pelos outros patrons d’atelier. Assim, se, por um lado, elas respondiam às inquietações dos estudantes, por outro, faziam acentuar o sentimento de crise. No âmbito dessas experimentações, além de maior proximidade entre teoria e prática, com visita a canteiros de obras e pesquisa por meio de maquetes, outras duas novas práticas nos interessam particularmente: a introdução de debates teóricos no ateliê de projeto e um interesse especial pelas questões urbanísticas18 18 Boa parte das considerações sobre a organização e as práticas do ateliê de George Candilis foi colhida nas aulas do curso “Architectes et urbanistes: visions d’histoire, de société et d’espace”, ministrado por Marie Élisabeth Mitsou e Yannis Tsiomis na École des Hautes Études en Science Sociales, 2016-2017, mais especificamente da segunda aula do curso, ministrada no dia 7 de dezembro de 2016 e conduzida pelo professor Tsiomis, sob o título “Les Cours d’architecture de Georges Candilis à l’Ecole des Beaux-Arts: 1966-1969. Entre la politique et l’anthropologie”. Parte das informações aqui apresentadas foi publicada em entrevista concedida por Tsiomis a Caroline Maniaque, Éléonore Marantz e Jean-Louis Violeau (2019). MANIAQUE, C.; MARANTZ, E.; VIOLEAU, J-L. Yannis Tsiomis, figure de l’architecte-intellectuel. Entretien avec Yannis Tsiomis, juillet 2017, Cité de l’architecture et du patrimoine. In: Matériaux de la recherche. Les Cahiers de la recherche architecturale urbaine et paysagère, 16 mar. 2019. Disponível em: http://journals.openedition.org/craup/1297. Acesso em: 26 set. 2020. .

Essa crise que se instala entre 1964 e 1965, somada aos levantes de 1968, resultaria tanto na separação entre o ensino de arquitetura e o das belas-artes e sua descentralização como na criação do curso de urbanismo no Centre universitaire expérimental de Vincennes.

O período em foco, que compreende a elaboração do livro de Choay e sua primeira difusão, encontra esse processo em seu estágio inicial e, portanto, alheio aos seus resultados. Como já mencionado, as aulas de urbanismo da École des Beaux-Arts eram muito circunscritas e, antes de 1962, nem sequer existiam (CHOAY, 1965CHOAY, F . L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie. Paris: Seuil, 1965., p. 8). Provavelmente foi por essa razão que alguns arquitetos que passaram a atuar em projetos urbanos também realizaram sua formação no Institut d’Urbanisme de Paris19 19 Constatação realizada com base na análise indiciária de algumas biografias de arquitetos que atuaram em projetos urbanos em fins da década de 1960 (CITÉ DE L’ARCHITECTURE ET DU PATRIMOINE; PANERAI, 2019, p. 33). Um levantamento mais exaustivo sobre esse aspecto ainda precisa ser feito. CITÉ DE L’ARCHITECTURE ET DU PATRIMOINE. Fiche descriptive. Fonds Marot, Michel (1926-). 325AA. Archiwebture. Disponível em: https://archiwebture.citedelarchitecture.fr/fonds/FRAPN02_MAROT. Acesso em: 24 fev. 2018. .

Herdeiro da École des Hautes Études Urbaines fundada em 1919 por Marcel Poëte e Henri Sellier, o Institut presenciara um esvaziamento no imediato pós-guerra. Esse cenário, porém, se alterou progressivamente na primeira metade da década de 196020 20 Analisando o número de teses ali defendidas, percebe-se que ele praticamente duplica em relação à década precedente, e o Instituto volta a formar um número de urbanistas semelhante ao da década de 1940 (informações levantadas nos arquivos da Bibliothèque Historique Poëte et Sellier - École d’Urbanisme de Paris). , quando deixou de ser frequentado apenas por técnicos atuantes nas municipalidades e passou a receber cada vez mais arquitetos que buscavam dupla formação. No mesmo período, o Institut renovava o seu quadro de docentes. Com a aposentadoria de Lavedan, que o dirigiu de 1944 a 1965, outros antigos professores, como Chabot, Clozier e Santenac, se retiraram, e um novo quadro de professores se organizou. Entraram Janne Hugueney, Pierre George, Philippe Pinchemel e Jacqueline Beaujeu-Garnier. Posteriormente, a partir de 1966-67, Henri Lefebvre e Hubert Tonka integraram a equipe (DE LILLE; BUSQUET; CARRIOU, 2005DE LILLE, L. C.; BUSQUET, G.; CARRIOU, C. Un ancien institut. Créteil: Paris XII/IUP, 2005., p. 25-26).

Demandas externas e de ordem administrativa, relativas à gestão universitária, também se impuseram. Dentre elas, havia problemas orçamentários e uma pressão crescente para integrar o Institut ao ensino superior e estruturar nele a pesquisa científica (DE LILLE; BUSQUET; CARRIOU, 2005DE LILLE, L. C.; BUSQUET, G.; CARRIOU, C. Un ancien institut. Créteil: Paris XII/IUP, 2005., p. 26).

Esse duplo vetor de mudança - do quadro docente e da administração universitária - levou o Institut a reformular seu ensino. Ainda segundo De Lille, Busquet e Carriou (2005DE LILLE, L. C.; BUSQUET, G.; CARRIOU, C. Un ancien institut. Créteil: Paris XII/IUP, 2005., p. 26 - tradução nossa), “a partir de 1965, a direção do Institut tenta reestruturar o ensino de urbanismo. Este não é mais conhecido [do que] como uma lista de disciplinas, mas deveria se organizar em níveis, em que teoria e prática funcionam de maneira complementar”.

O documento mencionado por De Lille, Busquet e Carriou (Figura 2) é parte do acervo Pinchemel sobre a reforma do Institut, conduzida entre 1969 e 1971. No entanto, o documento faz referência à estrutura do curso antes que essa reforma fosse implementada. Louis Picard faz uma espécie de diagnóstico do esquema de ensino praticado até então.

Figura 2
Louis Picard, “Le schéma de l’enseignement actuel à l’Institut Urba” [Esquema do ensino atual no Institut Urba]

Aprofundando-nos na sua análise, é possível observar outros aspectos ainda não explicitados: o desenvolvimento da dimensão prática do curso parece restrito ao último ciclo de estudos; a arquitetura parece ausente do ciclo teórico e, por fim, a teoria e a prática sociológica ocupam posição central na articulação do segundo e do terceiro ciclos.

Essas observações nos levam a pensar que, entre 1965 e 1969, o aluno do Institut, na maior parte do tempo do curso, era instrumentalizado para, apenas no final da formação, propor um problema ou uma ação. Além disso, essa ação parecia ser largamente balizada pelo saber sociológico. Isso nos leva a crer que, entre as dimensões social e material do espaço urbano, a segunda possivelmente alcançasse valor secundário21 21 Os caminhos distintos traçados por essas duas formações começam a ser tensionadas e cresce uma demanda de interlocução com a mobilização estudantil para a reformulação do sistema de ensino de arquitetura, entre os anos de 1958 e 1960 (VIOLEAU, 2005, p. 25; CHOAY, 1956c). CHOAY, F. Pourquoi le Français boudent l’architecture moderne? France Observateur, Paris, n. 321, p. 10-11, 5 de jul. 1956c. .

Comparando o ensino nas duas instituições que formavam os construtores de cidade nos anos em que L’Urbanisme começou a circular, podemos ponderar que, se na École o ensino de urbanismo se restringia a uma parte pequena de um curso de teoria da arquitetura, no Institut o ensino de arquitetura parecia estar ausente de seu quadro teórico, com presença marcada apenas no quadro disciplinar. Neste último, a impressão que se tinha era de que arquitetura era vista como um saber aplicado.

3. Por uma leitura situada

É justamente diante desse impasse que a introdução de L’Urbanisme parece se articular. Na conclusão desse texto, Choay escreve:

[...] Por outros meios, nos juntamos aqui à intuição de Engels ao condenar como ilusórios os modelos do pré-urbanismo e ao ver na crise da cidade apenas um aspecto particular da crise global da sociedade capitalista. Mas não nos parece necessário seguir Engels nas suas conclusões. Na sociedade [...] [em que existem dirigentes], a questão particular do planejamento urbano parece-nos, ao contrário do que pensava Engels em sua época, ter de figurar entre os problemas fundamentais: longe de ser divergente, pode, pela sua evolução, exercer uma ação transformadora e criadora no conjunto de outras estruturas sociais.

A análise que precede pode levar a algumas conclusões práticas.

O urbanista deve deixar de conceber a aglomeração urbana exclusivamente em termos de modelos e funcionalismo. É necessário parar de repetir fórmulas fixas que transformam o discurso em objeto, para definir sistemas de relações, criar estruturas flexíveis, uma pré-sintaxe aberta às significações ainda não constituídas.

É importante começar a desenvolver essa linguagem urbanística que faz falta hoje. [Trata-se de] Empreendimento no qual os recursos da análise estrutural permitirão desvendar as tramas comuns dos diferentes sistemas semiológicos ligados à aglomeração urbana. A partir daí, o economista, o engenheiro e principalmente o esteta deixarão de exercer o papel demiúrgico que representam atualmente. A linguagem urbanística perderá sua especificidade para conquistar um nível superior de generalidade; indiretamente, por sua referência ao conjunto de outros sistemas significantes, ela contribuirá e implicará a coletividade.

Quanto ao habitante, sua primeira tarefa é a lucidez. Não deve se deixar enganar pelas afirmações científicas, nem alienar suas liberdades nas realizações do urbanismo atual. É preciso tomar cuidado tanto com a ilusão progressista quanto com a nostalgia culturalista.

[...] É para facilitar a tomada de consciência necessária que escolhemos e reunimos nas páginas que se seguem uma série de textos particularmente significativos. […] (CHOAY, 1965CHOAY, F . L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie. Paris: Seuil, 1965., p. 81-82; tradução nossa).

Como se pode perceber, Choay não reage a uma situação qualquer ou hipotética. Ela enquadra questões urbanísticas de seu tempo, disseminadas e em uso em seu país. Assim, a reunião de textos que ela propõe não tem caráter ilustrativo. Ao contrário, parece ser uma “antologia para um combate”, se quisermos parafrasear parte do título de outro de seus livros (CHOAY, 2009CHOAY, F . Le patrimoine en question. Anthologie pour un combat. Paris: Seuil, 2009.). Em seu bojo, ela traz contribuições tanto de autores que participavam de sua rede de sociabilidade como daqueles que foram objeto de suas críticas em jornais e revistas e, sobretudo, pelo desejo de responder aos impasses que se apresentaram.

Certamente, as eleições de Choay são, em alguma medida, condicionadas e limitadas por suas “condições de possibilidades”. O trecho que acabamos de citar, por exemplo, explicita um vocabulário e uma sintaxe claramente manejados por leituras da linguística de Benveniste e Saussure, prática corrente entre certos círculos intelectuais progressistas dos anos 1960 (DOSSE, [1987] 2010DOSSE, F. L’histoire en miettes: Des Annales à la “nouvelle histoire”. Paris: La Découverte, [1987] 2010.; [2005] 2011DOSSE, F. Le pari biographique. Paris: La Découvert, [2005] 2011.; [1992a] 2012aDOSSE, F. Histoire du structuralisme: Tome I, Le champ du signe, 1945-1966. Paris: Découverte, [1992a] 2012a.; [1992b] 2012bDOSSE, F. Histoire du structuralisme: Tome II, Le champ du cygne, 1967 à nos jours. Paris: La Découverte, [1992b] 2012b.), e de uma filósofa que acompanhou por dois anos os cursos de Lévi-Strauss no Musée de l’Homme, na década de 1950 (CHOAY, 2007CHOAY, F . Rogelio Salmona, une figure exemplaire de l’architecture contemporaine. Urbanisme. Paris, n. 357, p. 86-90, nov.-dez. 2007., p. 80).

Outra situação que demonstra o lugar que Choay ocupa ao compor sua antologia diz respeito às suas interpretações da prática urbanística fora da França, como no Brasil e no Japão, por exemplo. Pode-se dizer que elas resguardam muito de sua experiência parisiense e livresca e pouco referenciam propriamente os debates dos locais de origem. Em alguma medida, elas a ajudam a pensar mais sobre a prática urbanística na França do que o contrário.

Ainda tematizando os limites da antologia de Choay, pode-se observar que basear em boa parte uma abertura da renovação do urbanismo na bibliografia anglófila, produzida sobretudo nos Estados Unidos, possivelmente reverbere as práticas de consumo (também de valores e bens culturais) de Les Trente Glorieuses francês e o trânsito de uma elite intelectual e econômica parisiense que estabeleceu relações cada vez mais frequentes com os estadunidenses22 22 Conforme explicitado no início de nossa explanação, a presente pesquisa se limitou a consultar acervos brasileiros e franceses. Cabe salientar, porém, que incursões específicas em arquivos estadunidenses poderiam trazer insumos interessantes para enquadrar melhor a atenção de Choay aos autores de língua inglesa. São indiciários dessa possível pesquisa sua interlocução com a editora Braziller (nas cartas que troca com Le Corbusier, já mencionadas, F. Choay informa passagem por Nova York para reunião com seus editores, após ter estado no Brasil, em 1959) e suas passagens como professora visitante na Princeton University (1971), no Massachusetts Institut of Technology (1971), na University of Milwaukee (1972), na Coop Union NY (1973) e na Cornell University (1982; 1987) Cf. CORNELL CHRONICLE, 1982, p. 2; 1987, p. 7. CORNELL CHRONICLE. Architectural Lectures Plannes, Ithaca, p. 2, 7 out. 1982. Disponível em: https://hdl.handle.net/1813/25034. Acesso em: 9 jan. 2021. CORNELL CHRONICLE. Choay to give White lecture. Ithaca, p. 7, 29 jan. 1987. Disponível em: https://hdl.handle.net/1813/25225. Acesso em: 9 jan. 2021. .

Contudo, na antologia, vale ressaltar, a estrutura que sustenta sua argumentação não é uma preconcepção. Ao contrário disso, é uma interpretação baseada em um conjunto de textos específicos, suas fontes. Além disso, os agrupamentos propostos são enfrentados com base no impasse enunciado. Tais operações não estavam distantes de sua prática periódica, como crítica nos jornais, mas no livro ganharam um caráter mais sistemático e, possivelmente, tornaram mais explícita a formação de uma poética: o de uma autora que talvez buscasse intervir nas cidades e na prática urbanística por intermédio do escrito crítico.

Em tempo, L’Urbanisme, diferentemente de outros livros de Françoise Choay, não foi objeto de edições revisadas23 23 Talvez o principal exemplo do gosto pelas sucessivas atualizações de seus livros esteja em sua thèse d’état, La Cité du désir et la ville modele. Essai sur l’instauration textuelle de la ville (1978), que, com algumas alterações estruturais (dentre as mais visíveis está o título), daria forma ao livro La Règle et le modele. Sur la théorie de l’architecture et de l’urbanisme (1980) e que, em 1996, ganharia uma edição “revisada e corrigida”. . No entanto, sua estrutura interpretativa foi retomada em vários outros escritos, modificada ou ampliada a cada novo texto ou objeto de estudo. Pode-se observar, por exemplo, que os escritos de Haussman, Cerdà e Alberti apenas se tornariam objeto de interpretação de Choay algum tempo depois da publicação da antologia e, além de se tornarem centrais em sua abordagem do urbanismo, dariam origem a outras arquiteturas interpretativas.

Ao mesmo tempo, à medida que novas questões do tempo presente sobressaíam, Choay não a abandonou de todo. Em relação aos modelos delineados em L’Urbanisme, apesar de o modelo naturalista ter se tornando cada vez menos objeto de reflexão (CHOAY apud PAQUOT, 1994bPAQUOT, T. [Entrevista com Françoise Choay]. Urbanisme, Paris, supl., nº 5, p. 1-7, dez. 1994b., p. 3), em seus escritos posteriores a tensão entre progressismo e culturalismo, com outros nomes, permaneceu presente, como em Pour une anthropologie de l’espace (CHOAY, [2004] 2006CHOAY, F . Le De re aedificatoria et l’institucionalisation de la societé [2004]. In: Pour une anthropologie de l’espace. Paris: Seuil, 2006. p. 374-401.), em que são abordadas tanto a fetichização do patrimônio como as relações da cidade e da sociedade com o cyberspace.

Como buscamos demonstrar, a própria Françoise Choay não se preocupou em deixar L’Urbanisme como uma peça monolítica e estática. Ao contrário, nos textos que se sucederam ela parece ter se mantido aberta, atenta e reativa às fontes ainda não exploradas e aos novos impasses da prática urbanística. Distante, portanto, da imagem que muitos construíram ao não levarem em conta “as evoluções” da autora, como apontou Paquot (2019PAQUOT, T. Françoise Choay (née en 1925). [Manuscrito em francês para Die Städtebautheoretikerin Françoise Choay. Eine diskursbildende Propagatorin der Disziplin, 2019]. Acervo pessoal de T. Paquot, 2019b.).

Parafraseando a própria Choay ao escrever sobre Alberti, esperamos ter conseguido dar a ver a operação intelectual de uma autora em sua cultura, em seu tempo. Apesar de aparentemente contraditório, esperamos que a leitura de forma situada de L’Urbanisme tenha contribuído para que referências aparentemente envelhecidas ou datadas tenham feito “[...] saltar a atualidade da abordagem teórica [...]” (CHOAY, [2004] 2006CHOAY, F . Le De re aedificatoria et l’institucionalisation de la societé [2004]. In: Pour une anthropologie de l’espace. Paris: Seuil, 2006. p. 374-401., p. 380) da própria Françoise Choay em sua antologia.

Referências

  • BACON, E. D’athènes à Brasilia Une histoire de l’urbanisme. Lausanne: Lausanne, 1967.
  • BARDET, G. L’Urbanisme. Que sais-je? Paris: PUF, [1945] 1947.
  • CHARTIER, R. Au bord de la falaise L’histoire entre certitudes et inquiétudes. Paris: Albin Michel, [1998] 2009.
  • CHARTIER, R. O tempo da obra [2001]. In: CHARTIER, R. A mão do autor e a mente do editor São Paulo: Unesp, 2014. p. 295-310.
  • CHOAY, F. [Vous] […] pouvez construire une maison pour le prix de deux voitures. France Observateur, n. 305, p. 15, 15 mar. 1956a.
  • CHOAY, F. Les bidonvilles donnent une leçon d’urbanisme. France Observateur, n. 321, p. 13-14, 20 set. 1956b.
  • CHOAY, F . Le palais de l’Unesco sera-t-il un outrage au Paris de Gabriel? France Observateur, Paris, n. 392, p. 15, 14 nov. 1957.
  • CHOAY, F . Le Siège de l’Unesco Symbole du vingtième siècle. Berlin: Verlag Gerd Hatje, 1958a.
  • CHOAY, F . Le Sens d’une architecture nouvelle. France Observateur, n. 410, p. 15-16, 20 mar. 1958b.
  • CHOAY, F . Les nouveaux bâtiments de l’Unesco entrouvrent leurs portes. France Observateur, Paris, n. 435, p. 12, 4 set. 1958c.
  • CHOAY, F . Un nouvel art de bâtir. Le Courrier de l’Unesco, n. 11, p. 4-7, nov. 1958d.
  • CHOAY, F . Cités-Jardins ou “cages à lapins”?France Observateur, Paris, n. 474, p. 12-13, 4 junho 1959c.
  • CHOAY, F . Le Pavillon du Brésil que Le Corbusier vient d’achever. L’Oeil, Paris, n. 57, p. 54-59, set. 1959d.
  • CHOAY, F . Le Corbusier à la Cité Universitaire. France Observateur, n. 478, p. 15, 2 jul. 1959e.
  • CHOAY, F . Le Corbusier New York: Braziller, 1960d.
  • CHOAY, F . La Grande misère des architectes français. France Observateur, n. 557, p. 19, 5 jan. 1961.
  • CHOAY, F . L’Urbanisme, utopies et réalités Une anthologie. Paris: Seuil, 1965.
  • CHOAY, F . La Règle et le modèle Sur la théorie de l’architecture et de l’urbanisme. Paris: Seuil, 1980.
  • CHOAY, F . Que faut-il maintenant penser de Le Corbusier? Urbanisme, n. 282, p. 36-42, maio-jun. [1966] 1995.
  • CHOAY, F . Le De re aedificatoria et l’institucionalisation de la societé [2004]. In: Pour une anthropologie de l’espace Paris: Seuil, 2006. p. 374-401.
  • CHOAY, F . Rogelio Salmona, une figure exemplaire de l’architecture contemporaine. Urbanisme Paris, n. 357, p. 86-90, nov.-dez. 2007.
  • CHOAY, F . Le patrimoine en question Anthologie pour un combat. Paris: Seuil, 2009.
  • CHOAY, F .; ECOCHARD, M. Les plans d’aménagement de la région parisienne ne sont que du vent. France Observateur, n. 317, p. 10-11, 7 jun. 1956.
  • CHOMBART DE LAUWE, P.-H. Paris Essais de sociologie 1952-1954. Paris: les éditions ouvrières, 1965. (Collection l’evolution de la vie sociale).
  • COING, H. Rénovation urbaine et changement social Paris: les Editions ouvrières,1966. (Collection l’evolution de la vie sociale).
  • DE LILLE, L. C.; BUSQUET, G.; CARRIOU, C. Un ancien institut Créteil: Paris XII/IUP, 2005.
  • DOSSE, F. L’histoire en miettes: Des Annales à la “nouvelle histoire”. Paris: La Découverte, [1987] 2010.
  • DOSSE, F. Le pari biographique Paris: La Découvert, [2005] 2011.
  • DOSSE, F. Histoire du structuralisme: Tome I, Le champ du signe, 1945-1966. Paris: Découverte, [1992a] 2012a.
  • DOSSE, F. Histoire du structuralisme: Tome II, Le champ du cygne, 1967 à nos jours. Paris: La Découverte, [1992b] 2012b.
  • ÉCOCHARD, M. Casablanca, le roman d’une ville Paris: Éd. de Paris, 1955.
  • GAUDIN, J.-P. Desenho e futuro das cidades Uma antologia. Rio de Janeiro: Rio Books: Cosmógrafo, [1991] 2014.
  • GUERRAND, R.-H. Les Origines du logement social en France Paris: les éditions ouvrières, 1967. (Collection l’evolution de la vie sociale).
  • GUERRERO, I. Filhos da Rue de Sèvres: os colaboradores latino-americanos de Le Corbusier em Paris (1932-1965). 2016. Tese (Doutorado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.
  • GUTTON, A. L’Urbanisme au service de l’homme Conversations sur l’architecture. Paris: Vincent Fréak, 1962. t. VI.
  • HAËNTJENS, J. Une onde de choc. In: Urbanisme, Paris, n. 412, p. 50-53, jan.-mar., 2019.
  • KANT, I. Crítica da razão pura São Paulo: Nova Cultural, [1781] 1987. (Coleção Os Pensadores, v. I.)
  • KOPP, A. Ville et révolution Architecture et Urbanisme sovietiques des années vingt. Paris: Anthropos, 1967.
  • L’ARCHITECTURE D’AUJOURD’HUI, v. 88, fev.-mar. 1960a.
  • L’ARCHITECTURE D’AUJOURD’HUI, v. 90, jun.-jul. 1960b.
  • MANNHEIM, K. Idéologie et utopie (Une introduction à la sociologie de la connaissance). Paris: Librairie Marcel Rivière et Cie, 1956.
  • PANERAI, P. Henri Lefebvre et les architectes français. Entretien avec Philippe Panerai. In: Urbanisme Paris, n. 412, p. 33-34, jan.-mar. 2019.
  • PAQUOT, T. [Entrevista com Françoise Choay]. Urbanisme, Paris, v. 278-279, p. 5-11, nov.-dez. 1994a.
  • PAQUOT, T. [Entrevista com Françoise Choay]. Urbanisme, Paris, supl., nº 5, p. 1-7, dez. 1994b.
  • PAQUOT, T. Die Städtebautheoretikerin Françoise Choay. Eine diskursbildende Propagatorin der Disziplin. In: FREY, K.; PEROTTI, E. Frauen blicken auf die Stadt Architektinnen. Planerinnen. Reformerinnen. Theoretikerinnen des Städtebaus II. Berlin: Reimer Verlag, 2019a. p. 275-293.
  • PAQUOT, T. Françoise Choay (née en 1925). [Manuscrito em francês para Die Städtebautheoretikerin Françoise Choay. Eine diskursbildende Propagatorin der Disziplin, 2019]. Acervo pessoal de T. Paquot, 2019b.
  • PEREIRA, M. A. C. da S. Pensar por nebulosas. In: PEREIRA, M. A. C. da S.; BERENSTEIN-JACQUES, P. (org.). Nebulosas do pensamento urbanístico Salvador: Edufba, 2018.
  • POËTE, M.; TONKA, H. (dir. e pref.). Introduction à l’urbanisme Paris: Anthropos, 1967.
  • RAYMOND, M.-G. La Politique pavillionnaire Paris: centre de recherche d’urbanisme, 1966.
  • VIOLEAU, J.-L. Les architectes et Mai 68 Paris: Éditions Recherches, 2005.
  • 1
    O presente artigo consolida resultados da pesquisa “Uma história do urbanismo em construção. As práticas historiográficas de Françoise Choay (1965-1973)” desenvolvida, entre 2014 e 2018, no âmbito de um doutorado em urbanismo no Programa de Pós-graduação em Urbanismo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PROURB-FAU-UFRJ), com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e de um estágio doutoral no exterior, na École Nationale Supérieure d’Architecture (ENSA-Paris-Belleville), com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Devemos sublinhar nesse processo, o papel fundamental da interlocução com Margareth da Silva Pereira (PROURB-FAU-UFRJ), orientadora da tese, e os comentários e sugestões dos membros da banca, Laurent Coudroy de Lille (EUP-UPEM), Gustavo Rocha-Peixoto (PROARQ-FAU-UFRJ), Rodrigo de Faria (PPG-FAU-UNB) e Andrea de Lacerda Pessôa Borde (PROURB-FAU-UFRJ), bem como da supervisora de estágio no exterior, Corinne Jaquand (ENSA-Paris-Belleville). Eles trouxeram insumos significativos para pesquisas realizadas após a defesa e que desenvolvi entre 2019 e 2020 como professora adjunta do Departamento de História e Teoria da FAU-UFRJ, pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Arquitetura (PROARQ-FAU-UFRJ) e com recursos da UFRJ. Dentre os projetos em que me engajei, nesse último período, destacam-se “La Fondation Le Corbusier et l’Histoire de l’Histoire. L’Origine des études corbuséennes racontées par leurs principaux intervenants” (sob coordenação de Véronique Boone, Daniela Ortiz dos Santos e Marta Sequeira, na Fondation Le Corbusier) e “O Congresso de 1959: arquitetura no centro da crítica da arte?” (sob minha coordenação, no PROARQ-FAU-UFRJ).
  • 2
    Dentre os trabalhos realizados sobre a vida e a obra de Françoise Choay, destacam-se: o recente texto publicado por Thierry Paquot, Die Städtebautheoretikerin Françoise Choay. Eine diskursbildende Propagatorin der Disziplin (2019aPAQUOT, T. Die Städtebautheoretikerin Françoise Choay. Eine diskursbildende Propagatorin der Disziplin. In: FREY, K.; PEROTTI, E. Frauen blicken auf die Stadt. Architektinnen. Planerinnen. Reformerinnen. Theoretikerinnen des Städtebaus II. Berlin: Reimer Verlag, 2019a. p. 275-293. ); as entrevistas que esse mesmo autor realizou com Choay, na revista Urbanisme (PAQUOT, 1994aPAQUOT, T. [Entrevista com Françoise Choay]. Urbanisme, Paris, v. 278-279, p. 5-11, nov.-dez. 1994a.; 1994bPAQUOT, T. [Entrevista com Françoise Choay]. Urbanisme, Paris, supl., nº 5, p. 1-7, dez. 1994b.); e a monografia de Rachid Ouahès, Chronique d’une mort annoncé. Essai d’interprétation de la théorie d’urbanisme de François Choay, en regard du concept de “mort” appliqué à l’architecture et à la ville (1999). No entanto, outros trabalhos que não se dedicaram especificamente à produção dessa autora trazem contribuições significativas. São eles: o livro de François Dosse, Michel de Certeau: Le Marcheur blessé ([2002] 2007, p. 473-488), e o de Viviane Claude, Faire la ville. Les métiers de l’urbanisme au XXe siècle (2006, p. 5-25). No Brasil, há um longo histórico de recepção da obra de Choay. Até 1965, as menções dizem respeito à sua atuação como crítica de arte. Destacam-se nesse conjunto notas de Ferreira Goulart (1960, p. 6) e, sobretudo, de Mário Barata (1960, p. 6; 1961, p. 6; 1967, p. 6) em jornais de grande circulação. Contudo, a atenção da autora às cidades não era desconhecida dos leitores brasileiros. Os artigos que Choay escreveu sobre Brasília (CHOAY, 1959a; 1959b) parecem ter circulado bem por aqui. Inclusive, um deles, “Brasília, uma capital pré-fabricada”, foi traduzido e publicado por Hidelbrando Giudico em três partes em um jornal de grande circulação, Tribuna da Imprensa (1960a, p. 11; 1960b, p. 11; 1960c, p. 8). Além disso, suas críticas a Brasília são abordadas em um artigo escrito por Yves Bruand (1962, p. 2), publicado no suplemento literário do jornal O Estado de S. Paulo. Localizamos ainda uma menção ao livro L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie (1965) em uma nota de jornal escrita por Guilherme Figueiredo (1966), “Um dia depois do outro... injustiça a Le Corbusier”, no suplemento literário de O Estado de S. Paulo, de 6 de fevereiro de 1966. A notícia citava a obra de Choay de maneira indireta, em um texto opinativo. Nela, Figueiredo situava a autora junto a uma série de críticos que, logo após a morte de Le Corbusier, haviam tornado mais francas suas objeções às posições do arquiteto. É a partir dos anos 2010 que começamos a observar esforços mais sistemáticos de pesquisadoras brasileiras para enquadrar melhor a produção de Choay. Dentre elas, cabe destacar: (i) o esforço pioneiro realizado por Margareth da Silva Pereira, que ministrou, em 2010, no PROURB-FAU-UFRJ, o “Seminário Teórico Avançado” dedicado à leitura e análise dos textos de Choay. É preciso sinalizar que um diálogo estreito da pesquisadora em relação à obra da autora francesa remonta à sua tese de doutorado, Rio de Janeiro: L’Éphemère et la perennité - Histoire de la ville au XIXe siècle (PEREIRA, 1988); (ii) o “Seminário temático: Leituras dirigidas de Françoise Choay” (PEIXOTO, E. R., 2013), realizado no PPG-FAU-UnB, por Elane Ribeiro Peixoto. Da mesma pesquisadora, deve-se localizar também o recente projeto de pesquisa “Diálogo entre culturas: traduções em Arquitetura e Urbanismo” (PEIXOTO, E. R. 2020), que trabalha a tradução dos verbetes do Dictionnaire de l’urbanisme et de l’aménagement (CHOAY; MERLIN, 2015); (iii) o esforço de pesquisa de Virginia Pontual (MDU-UFPE), na elaboração do projeto “A contemporaneidade do urbanismo no Brasil e a fortuna crítica de Françoise Choay. França e Brasil” (PONTUAL, 2019); (iv) e, por fim, podem ser mencionados os nossos próprios esforços em torno do desenvolvimento da tese Uma história do urbanismo em construção. As práticas historiográficas de Françoise Choay (1965-1973) (PEIXOTO, P. A., 2015; 2017; 2018).
    • PAQUOT, T. Die Städtebautheoretikerin Françoise Choay. Eine diskursbildende Propagatorin der Disziplin. In: FREY, K.; PEROTTI, E. Frauen blicken auf die Stadt. Architektinnen. Planerinnen. Reformerinnen. Theoretikerinnen des Städtebaus II. Berlin: Reimer Verlag, 2019a. p. 275-293.

    • OUAHÈS, R. Chronique d’une mort annoncé. Essai d’interprétation de la théorie d’urbanisme de Françoise Choay, en regard du concept de “mort” appliqué à l’architecture et à la ville [Mémoire de diplôme d’études approfondies]. Paris: École d’Architecture Paris-Belleville, Université Paris VIII. 1999.

    • DOSSE, F. Michel de Certeau: Le Marcheur blessé. Paris: La Découverte, [2002] 2007.

    • CLAUDE, V. Faire la ville: Les métiers de l’urbanisme au XXe siècle. Marseille: Parenthèses, 2006.

    • GOULART, F. Casa do Brasil em Paris: uma lição de arquitetura. Artes Visuais. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 6, 10 jan.1960. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/030015_08/272. Acesso em: 9 jan. 2021.

    • BARATA, M. Valores de Buri e vitalidade da arte. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 3 abr. 1960. Artes Plásticas. Suplemento literário, p. 6. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093718_04/2455. Acesso em: 9 jan. 2021.

    • BARATA, M. O “informal” e a importância de Wols. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 22 jan. 1961. Artes Plásticas. Suplemento literário, p. 6. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093718_04/10650. Acesso em: 9 jan. 2021.

    • BARATA, M. Livros e atividades culturais. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, p. 6, 5 fev. 1967. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_15/43418. Acesso em: 9 jan. 2021.

    • CHOAY, F. Une capitale préfabriquée: Brasília. L’Oeil, Paris, n. 59, p. 77-83, nov. 1959a.

    • CHOAY, F. Une capitale sort de terre: Brasília. France Observateur, Paris, n. 492, p. 15-16, 8 out. 1959b.

    • CHOAY, F. Brasília: Uma capital pré-fabricada. Tradução: H. GIUDICO. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 20 abr. 1960. [1960a]. Artes Plásticas, p. 11. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/154083_02/1192. Acesso em: 9 jan. 2021.

    • CHOAY, F.; MERLIN, P. Dictionnaire de l’urbanisme et de l’aménagement. Paris: PUF, 2015.

    • CHOAY, F. Brasília: uma capital pré-fabricada (cont.). Tradução: H. GIUDICO. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 26 abr. 1960. [1960b]. Artes Plásticas, p. 11. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/154083_02/1254. Acesso em: 9 jan. 2021.

    • CHOAY, F.Brasília: uma capital pré-fabricada (conclusão). Tradução: H. GIUDICO. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 27 abr. 1960. [1960c]. Artes Plásticas, p. 8. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/154083_02/1265. Acesso em: 9 jan. 2021.

    • BRUAND, Y. A experiência de Brasília: tentativa de síntese. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 20 out. 1962. Suplemento literário, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/098116x/1838. Acesso em: 9 jan. 2021.

    • FIGUEIREDO, G. Um dia depois do outro... Injustiça a Le Corbusier. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 15, 6 fev. 1966. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/110523_06/49803. Acesso em: 9 jan. 2021.

    • PEREIRA, M. A. C. da S. Rio de Janeiro: L’Éphémère et la pérennité: histoire de la ville au XIXe siècle. Paris: Ehess, 1988.

    • PEIXOTO, E. R. Seminário temático: Leituras dirigidas de Françoise Choay (2013). In: CNPq. Currículo Lattes. Elane Ribeiro Peixoto. Atuação Profissional. Universidade de Brasília. Atividades. 2021. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/1796841203235489. Acesso em: 21 maio 2021.

    • PEIXOTO, E. R. Diálogo entre culturas: traduções em Arquitetura e Urbanismo (2020). In: CNPq. Currículo Lattes. Elane Ribeiro Peixoto. Projetos de Pesquisa. 2021. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/1796841203235489. Acesso em: 21 maio 2021.

    • PEIXOTO, P. A. A construção de uma abordagem: Françoise Choay e seu horizonte historiográfico em 1970. XVIII Seminário Nacional de História – ANPUH, 2015, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: Anpuh, 2015. p. 1-15. Tema: Lugares dos historiadores: velhos e novos desafios. Disponível em: https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548945018_f9e428197935530523397f94b86c1606.pdf. Acesso em: 11 abr. 2021.

    • PEIXOTO, P. A. A escrita da história como um processo: as práticas historiográficas de F. Choay. Oculum Ensaios, v. 14, p. 99-110, 2017. Disponível em: http://periodicos.puc-campinas.edu.br/seer/index.php/oculum/article/view/3221. Acesso em: 11 abr. 2021.

    • PEIXOTO, P. A. Uma história do urbanismo em construção. As práticas historiográficas de Françoise Choay (1956-1971). 2018. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://minerva.ufrj.br/F/GVILU3XT99FPXUVL3G2SBYMXCV2V28DC2TY4SNQKHT1CRI9GKR-04709?func=full-set-set&set_number=003037&;set_entry=000001&;format=999#.YHL7ruhKjIU. Acesso em: 11 abr. 2021.

    • PONTUAL, V. P. A contemporaneidade do urbanismo no Brasil e a fortuna crítica de Françoise Choay. França e Brasil (2019). In: CNPq. Currículo Lattes. Virgínia Pitta Pontual.

  • 3
    A primeira edição das publicações em espanhol, italiano e português são respectivamente: CHOAY, F. El Urbanismo, Utopias y Realidades. Barcelona: Lumen, 1970 (tradução: Luis del Castillo); CHOAY, F. La città: utopie e realità. Torino: Einaudi, 1973 (tradução: Paola Ponis); CHOAY, F. O urbanismo. Utopias e realidades. Uma antologia. São Paulo: Perspectiva, 1979 (Tradução: Dafne Nascimento Rodrigues e revisão de J. Guinsburg).
  • 4
    Doravante, para facilitar a leitura, simplificaremos a grafia de L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie (1965), passando a adotar apenas L’Urbanisme.
  • 5
    Segundo M. Pereira, ao lado de lrich Conrads, F. Choay, com L’Urbanisme (1965), introduziu o gênero literário antologia nos estudos arquitetônicos e urbanos. Ambos podem ser vistos como termômetro de movimentos de reflexividade da arquitetura e do urbanismo sobre suas próprias práticas (PEREIRA, 2014, p. 10). PEREIRA, M. A. C. da S. Apresentação. A antologia como um gênero no campo do urbanismo. In: GAUDIN, J-P. Desenho e futuro das cidades. Uma antologia. Rio de Janeiro: Rio Book’s, [1991] 2014GAUDIN, J.-P. Desenho e futuro das cidades. Uma antologia. Rio de Janeiro: Rio Books: Cosmógrafo, [1991] 2014.. p. 9-16. CONRADS, I. (org.). Programme und Manifest zur Architektur des 20 Jahrhunderts. Berlin: Verlag Ullstein, 1964.
  • 6
    De maneira semelhante, R. Chartier nos alerta para a importância de utilizar elementos “peritextuais” e “paratextuais” na análise de um livro (CHARTIER, [2005] 2014CHARTIER, R. O tempo da obra [2001]. In: CHARTIER, R. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Unesp, 2014. p. 295-310., p. 235-257). CHARTIER, R. Paratextos e preliminares. In: CHARTIER, R. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Unesp, [2005] 2014. p. 235-257.
  • 7
    Na antologia (CHOAY, 1965CHOAY, F . L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie. Paris: Seuil, 1965.), aparecem sinalizados como traduzidos pela própria Choay trechos dos seguintes textos: RICHARDSON, B. W. Hygeia, a city of health. London: Macmillan, 1876, p. 18-23, 30, 32, 39; PUGIN, A. W. N. Contrasts or a parallel between the noble edifices of the fourteenth and fifteenth centuries and similar buildings of the present day, shewing the present decay of taste. London: [editado pelo autor], 1836, p. 1-3, 30-35; PUGIN, A. W. N. True principles of pointed or Christian architecture. London: [editado pelo autor], 1836, p. 16; MORRIS, W. Art, wealth and riches [conferência pronunciada em 6 de março de 1883]. In: Collected works of William Morris. London: [s. n.], 1915, t. 23, p. 147-150; WRIGHT, F. L. The living city. New York: Horizon Press, 1958, p. 17-23, 31, 45, 47-54, 62-65, 109-110, 112, 116-122, 139-140, 148-153, 158, 161-162, 166, 168, 176, 188, 217; BUCHANAN, R. [presidente do relatório]. Traffic in towns, a study of the long term problems of traffic in urban areas. London: [s. n.], 1963, [parágrafos selecionados]; GEDDES, P. Civics as applied sociology [conferência pronunciada diante da Sociological Society, na University of London, em 18 de julho de 1904]. In: Sociological Papers. London: Macmillan & Co., 1905, p. 111, 115-118; GEDDES, P. Cities in evolution. London: Williams and Norgate, 1915, p. 248, 253-257, 359-365; MUMFORD, L. The highway and the city (1960). London: Secker & Warburg, 1964; JACOBS, J. The death and life of great American cities. New York: Random House, 1961, p. 35-37, 41, 55-56, 58-59, 62-63, 65, 71, 74, 76-77, 79-84, 87, 90, 101, 111, 168-169, 218-221, 348, 372-373, 375-376; DUHL, L. The human measure: man and family in megalopolis. In: WINGO JR., L. Cities and space: the future use of urban land. Baltimore: The Johns Hopkins Press, 1963, p. 136-139; LYNCH, K. The image of the city. Cambridge (MA): MIT & Harvard University Press, 1960, p. 1-6, 8, 9, 11-13, 46-48, 83-84, 95-96, 99-102, 110-112, 115. Cabe ressaltar também que os textos do arquiteto Iannis Xenakis foram publicados na antologia com base nos manuscritos feitos em Berlim em janeiro de 1964.
  • 8
    Os autores publicados na antologia de Françoise Choay (1965) são: Robert Owen, Charles Fourier, Victor Considérant, Étienne Cabet, Pierre-Joseph Proudhon, Benjamin Ward Richardson, Jean-Baptiste Godin, Júlio Verne, Herbert George Wells, Augustus Welby Northmore Pugin, John Ruskin, William Morris, Friedrich Engels, Karl Marx, Pierre Kropotkine, N. Bukharin e G. Préobrajensky, Tony Garnier, Georges Benoit-Lévy, Walter Gropius, Charles-Édouard Janneret (Le Corbusier), Stanislas Gustavovitch Stroumiline, Camillo Sitte, Ebenezer Howard, Raymond Unwin, Frank Lloyd Wright, Eugène Hénard, Rapport Buchanan, Iannis Xenakis, Patrick Geddes, Marcel Poète, Lewis Mumford, Jane Jacobs, Leonard Duhl, Kevin Lynch, Victor Hugo, Georg Simmel, Oswald Spengler, Martin Heidegger.
  • 9
    Em L’Urbanisme (1965), o uso do termo “utopia” é balizado pela leitura que a autora faz de Ideologie et utopie (MANNHEIM, 1956MANNHEIM, K. Idéologie et utopie (Une introduction à la sociologie de la connaissance). Paris: Librairie Marcel Rivière et Cie, 1956.), na qual assinala “o caráter ativo da utopia na oposição ao status quo social e seu papel desintegrador” (CHOAY, 1965CHOAY, F . L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie. Paris: Seuil, 1965., p. 15; tradução nossa). Além da referência a Mannheim, em relação ao termo “utopia”, no mesmo livro (CHOAY, 1965CHOAY, F . L’Urbanisme, utopies et réalités. Une anthologie. Paris: Seuil, 1965., p. 16), ela menciona The history of utopian thought (HERTZELLER, 1926), L’Utopie et les utopies (RUYER, 1950) e “Some observations on community plans and utopias” (RIESMAN, 1947). Deve-se sinalizar que esse tema será mais profundamente explorado anos depois, na sua thèse d’etat, em La Cité du désir et la ville modèle: essai sur l’instauration textuelle de la ville (1978), publicada posteriormente, em uma versão revisada, com o título La Règle et le modele. Sur la théorie de l’architecture et de l’urbanisme (1980). HERTZLER, J. O. The history of utopian thought. New York: Macmillan, [1923] 1926. RUYER, R. L’Utopie et les utopies. Brionne: Gérard Monfort Éditeur, 1950. RIESMAN, D. Some observations on community plans and utopia. In: Yale Law Journal, n. 57, 1947. Disponível em: https://digitalcommons.law.yale.edu/ylj/vol57/iss2/2. Acesso em: 21 maio 2021.
  • 10
    Os Les Trente Glorieuses correspondem ao período de 1945 a 1973, de grande crescimento econômico em um grupo de países no Ocidente, a França entre eles.
  • 11
    A Interbau foi uma exposição internacional de arquitetura realizada em Berlim em 1957.
  • 12
    Por mais que essa publicação fosse oriunda do encontro do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM) de 1933 e que, ao longo da década de 1940, tivesse tido inúmeras versões elaboradas por diferentes autores, foi nessa versão publicada por Le Corbusier que a carta se tornou “conhecida do grande público” (BRAUSCH, 2016, p. 212). Ela deixou de ser um documento que circulava junto aos arquitetos que haviam frequentado os CIAMs e se tornou um livro, escrito em francês, acessível a qualquer um que se interessasse pelo tema. BRAUSCH, G. (dir.). CIAM/Le Corbusier. La Charte d’Athènes (1933/1941/1957). Dérivations. Pour le débat urbain, n. 3, p. 212-219, set. 2016.
  • 13
    Em francês, Bauen Wohnen Denken (1951) foi traduzido por André Préau como Bâtir, habiter et penser, editado como parte da coletânea Essais et conférences, de 1958, pela editora Gallimard. Cf. BONICCO-DONATO, 2019, p. 6. BONICCO-DONATO, C. Heidegger et la question de l’habiter. Une philosophie de l’architecture. Paris: Parenthèses, 2019.
  • 14
    Documentos consultados na Fondation Le Corbusier: carta de Le Corbusier à Mme Choay (Paris, 20 de setembro de 1960) e carta de Françoise Choay à M. Le Corbuiser (Paris, 16 de novembro de 1960).
  • 15
    Durante a pesquisa, não foi possível localizar a publicação da revista Transmondia e, para realizar as análises que se seguem, foi utilizada uma reedição do mesmo artigo publicada na revista Urbanisme, com o título “Que faut-il maintenant penser de Le Corbusier?” (CHOAY, [1966], 1995CHOAY, F . Que faut-il maintenant penser de Le Corbusier? Urbanisme, n. 282, p. 36-42, maio-jun. [1966] 1995.).
  • 16
    Cf. nota 7.
  • 17
    Apesar de Choay fazer menção à edição de 1959 do livro de G. Bardet, L’Urbanisme, pudemos constatar que a primeira edição desse livro é datada de 1945.
  • 18
    Boa parte das considerações sobre a organização e as práticas do ateliê de George Candilis foi colhida nas aulas do curso “Architectes et urbanistes: visions d’histoire, de société et d’espace”, ministrado por Marie Élisabeth Mitsou e Yannis Tsiomis na École des Hautes Études en Science Sociales, 2016-2017, mais especificamente da segunda aula do curso, ministrada no dia 7 de dezembro de 2016 e conduzida pelo professor Tsiomis, sob o título “Les Cours d’architecture de Georges Candilis à l’Ecole des Beaux-Arts: 1966-1969. Entre la politique et l’anthropologie”. Parte das informações aqui apresentadas foi publicada em entrevista concedida por Tsiomis a Caroline Maniaque, Éléonore Marantz e Jean-Louis Violeau (2019). MANIAQUE, C.; MARANTZ, E.; VIOLEAU, J-L. Yannis Tsiomis, figure de l’architecte-intellectuel. Entretien avec Yannis Tsiomis, juillet 2017, Cité de l’architecture et du patrimoine. In: Matériaux de la recherche. Les Cahiers de la recherche architecturale urbaine et paysagère, 16 mar. 2019. Disponível em: http://journals.openedition.org/craup/1297. Acesso em: 26 set. 2020.
  • 19
    Constatação realizada com base na análise indiciária de algumas biografias de arquitetos que atuaram em projetos urbanos em fins da década de 1960 (CITÉ DE L’ARCHITECTURE ET DU PATRIMOINE; PANERAI, 2019, p. 33). Um levantamento mais exaustivo sobre esse aspecto ainda precisa ser feito. CITÉ DE L’ARCHITECTURE ET DU PATRIMOINE. Fiche descriptive. Fonds Marot, Michel (1926-). 325AA. Archiwebture. Disponível em: https://archiwebture.citedelarchitecture.fr/fonds/FRAPN02_MAROT. Acesso em: 24 fev. 2018.
  • 20
    Analisando o número de teses ali defendidas, percebe-se que ele praticamente duplica em relação à década precedente, e o Instituto volta a formar um número de urbanistas semelhante ao da década de 1940 (informações levantadas nos arquivos da Bibliothèque Historique Poëte et Sellier - École d’Urbanisme de Paris).
  • 21
    Os caminhos distintos traçados por essas duas formações começam a ser tensionadas e cresce uma demanda de interlocução com a mobilização estudantil para a reformulação do sistema de ensino de arquitetura, entre os anos de 1958 e 1960 (VIOLEAU, 2005VIOLEAU, J.-L. Les architectes et Mai 68. Paris: Éditions Recherches, 2005., p. 25; CHOAY, 1956c). CHOAY, F. Pourquoi le Français boudent l’architecture moderne? France Observateur, Paris, n. 321, p. 10-11, 5 de jul. 1956c.
  • 22
    Conforme explicitado no início de nossa explanação, a presente pesquisa se limitou a consultar acervos brasileiros e franceses. Cabe salientar, porém, que incursões específicas em arquivos estadunidenses poderiam trazer insumos interessantes para enquadrar melhor a atenção de Choay aos autores de língua inglesa. São indiciários dessa possível pesquisa sua interlocução com a editora Braziller (nas cartas que troca com Le Corbusier, já mencionadas, F. Choay informa passagem por Nova York para reunião com seus editores, após ter estado no Brasil, em 1959) e suas passagens como professora visitante na Princeton University (1971), no Massachusetts Institut of Technology (1971), na University of Milwaukee (1972), na Coop Union NY (1973) e na Cornell University (1982; 1987) Cf. CORNELL CHRONICLE, 1982, p. 2; 1987, p. 7. CORNELL CHRONICLE. Architectural Lectures Plannes, Ithaca, p. 2, 7 out. 1982. Disponível em: https://hdl.handle.net/1813/25034. Acesso em: 9 jan. 2021. CORNELL CHRONICLE. Choay to give White lecture. Ithaca, p. 7, 29 jan. 1987. Disponível em: https://hdl.handle.net/1813/25225. Acesso em: 9 jan. 2021.
  • 23
    Talvez o principal exemplo do gosto pelas sucessivas atualizações de seus livros esteja em sua thèse d’état, La Cité du désir et la ville modele. Essai sur l’instauration textuelle de la ville (1978), que, com algumas alterações estruturais (dentre as mais visíveis está o título), daria forma ao livro La Règle et le modele. Sur la théorie de l’architecture et de l’urbanisme (1980) e que, em 1996, ganharia uma edição “revisada e corrigida”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2020
  • Aceito
    29 Mar 2021
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional - ANPUR FAU Cidade Universitária, Rua do Lago, 876, CEP: 05508-080, São Paulo, SP - Brasil, Tel: (31) 3409-7157 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@anpur.org.br