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Editorial

Editorial

José da Rocha Carvalheiro

Durante décadas os profissionais brasileiros da área de Epidemiologia se ressentiram da ausência de uma revista especializada. Estivessem nas Universidades, Institutos de Pesquisa ou nos Serviços de Saúde. A todos sempre pareceu que um veículo próprio de divulgação conduziria, fatalmente, a uma consolidação do nosso modo de fazer epidemiologia. Intuitivamente imaginava-se que uma revista própria seria capaz de vencer a maldição que nos acompanha de sermos melhores do que faz crer a nossa produção em periódicos com crítica editorial e ampla circulação. A saudosa Cecília Donnangelo, cientista social de fundamental importância na saúde coletiva brasileira, traduziu essa sina com uma frase de efeito: " Somos mais atores que autores".

Em cada cabeça, por suposto, encontrava-se uma definição do que afinal tem de tão peculiar a "nossa epidemiologia". Pensemos nos precursores do século XIX e, especialmente, da passagem para o século XX. Com o surgimento da investigação experimental e "de campo" na área da saúde foi-se conformando um modelo que, ultrapassando a cabeceira do doente, deitou as profundas raízes da abordagem interdisciplinar. Foram diversos os grupos em que se deu o desenvolvimento desta nossa maneira de sermos cientistas. Estabeleceram uma competição cordial e foram capazes de dar origem a centros de pesquisa ainda hoje ativos e militantes. A maior, ou menor, proximidade da investigação de campo com o atendimento hospitalar e ambulatorial e com a chamada pesquisa biomédica básica, conduziu a distintos estilos de organização da produção de conhecimento na área. Portanto, as diversas cabeças que elaboram as sentenças a respeito do que é a "nossa epidemiologia", são como a da Hidra, são cabeças coletivas.

Assumindo essa multiplicidade, não poderíamos banalizar a proposta tanto tempo acalentada de editar uma revista da Abrasco especializada em epidemiologia. Afinal, a associação congrega todos os profissionais da área, academia e serviços. Não poderia cometer o delito de se transformar no veículo de divulgação das idéias de uma única das tendências da epidemiologia brasileira (e mundial). Deveria recolher a produção relevante na área e fazer o possível para divulgá-la amplamente. Sem qualquer patrulhamento ideológico ou epistemológico. Baseando sua política editorial na qualidade e na relevância das contribuições e no julgamento pelos pares. Com rigorosa crítica editorial.

Para atender aos anseios de ampla divulgação no exterior, foram tomadas medidas de dupla natureza. Primeiro, quanto ao idioma. Reconhecer a realidade do inglês como a língua franca contemporânea não representa necessariamente submissão a nenhum tipo de colonialismo cultural. Até porque houve o reconhecimento, também, da realidade da integração econômica, política e cultural da América Latina. Não é por acaso que já se fala, fora do continente, numa epidemiologia latino-americana. Decidiu-se aceitar artigos e contribuições nos três idiomas: português, espanhol e inglês com um Resumo mais extenso (Extended Summary) em inglês, sempre que o texto principal for escrito num dos outros dois idiomas. A segunda medida dirigiu-se ao âmbito da divulgação e da busca ativa de autores. Desencadeou-se uma ampla campanha em diversos países, especialmente por intermédio de veículos internacionais. Não há contradição, se quisermos ser lidos lá fora precisamos abrir nossos veículos de debate científico às contribuições do exterior. Os modernos meios de comunicação de idéias, que já invadiram o âmbito da ciência, estão aí para serem usados.

Para que essas idéias se concretizassem foi uma árdua jornada. Reuniões semanais entre os editores indicados, a Comissão de Epidemiologia, a Secretaria Executiva e a própria Diretoria da Abrasco. Durou mais de um ano esse processo complexo. A escolha definitiva do nome da revista foi mais tumultuada do que se esperava. Superou, na polêmica, a discussão sobre a composição do Conselho de Editores: editor científico, editores adjuntos e associados, grupo de assessores. Por fim, esse ideário veio à luz através de um folheto de divulgação e propoganda que registra um momento importante da epidemiologia brasileira.

Ao mesmo tempo em que se davam os passos decisivos na escolha do eixo da revista, começou o trabalho de garimpo de contribuições. Desde logo decidiu-se pela não edição de um "número zero" composto exclusivamente por artigos encomendados. Encomendar significa, quase certamente a obrigação de publicar. Ou, então, não é encomenda. Preferiu-se incentivar os autores potenciais a encaminharem suas contribuições, sem configurar compromisso com a publicação automática. Este é um processo mais seguro, porém extremamente demorado. Um trabalho encaminhado não leva menos que seis a oito meses para vencer todas as etapas. Pelo menos nesta fase inicial de estabelecimento das rotinas de trabalho e da "carpintaria" da revista. Contamos com o apoio contínuo de diversas pessoas e instituições das quais devem ser mencionadas: em primeiro lugar, a Secretária da revista, Maria Luiza Ernandez (Malu) que emprestou sua dedicação e experiência à tarefa de tornar operacionais as idéias que iam sendo formuladas, em particular pelo papel decisivo na composição da equipe técnica de revisão, tradução e normalização; a Faculdade de Saúde Pública da USP, em cujas dependências nos instalamos, com todas as facilidades oferecidas por sua Diretoria; além dos organismos próprios da instituidora, Abrasco e do patrocinador Cenepi, do Mininstério da Saúde.

O ritmo de recepção das contribuições, inicialmente lento, foi-se acelerando com o tempo. Embora o lançamento do primeiro número tardasse mais do que imaginávamos, acreditamos que a divulgação foi eficaz e responsável pelo fluxo contínuo dos trabalhos. Os próprios relatores, recrutados por indicação dos Editores Associados, devem ter servido como amplificadores da notícia. Afinal, ninguém melhor do que eles para anunciar que a revista vivia, ainda que não tivesse visto a luz do dia. Foi um parto demorado, mas eutócico. Pelo menos no que diz respeito ao fiel cumprimento das regras do jogo, previamente enunciadas. Os autores que tiveram trabalhos "transitados em julgado" foram os primeiros a saber: seriam publicados no número inaugural, após terem circulado, sob anonimato, pelo sistema de julgamento pelos pares.

Este número inaugural da Revista traduz o longo percurso descrito acima. Compõe-se de trabalhos que expressam uma diversidade temática com que certamente editores, autores e leitores irão sempre conviver. É auspicioso que, sem que tenha havido nenhum esforço especial, já no primeiro número apareçam trabalhos em dois idiomas oficiais da Revista. O Corpo de Editores aguarda, com fundadas esperanças, que o conjunto dos profissionais da área encaminhem contribuições que se enquadrem na nossa proposta editorial. Sobretudo, que encaminhem sugestões, críticas e comentários relacionados com o projeto de implantação da Revista, que se pretende coletivo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2005
  • Data do Fascículo
    Abr 1998
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