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Avaliação: um Impasse na Educação Médica

Evaluation of Students: an Impasse in Medical Education

Resumo:

Esta pesquisa foi delineada com o intuito de aprofundar as reflexões que vêm sendo desenvolvidas acerca da necessidade de transformação das práticas exigentes no cursos médicos, com especial enfoque no que se refere às práticas avaliativas. A fundamentação inclui concepções sobre processo de ensino, aprendizagem, avaliação e a teoria de representação social. Observando-se esses fundamentos, foram desenvolvidas entrevistas com professores e alunos da Faculdade de Medicina de Petrópolis, procurando-se identificar conceitos e possíveis transformações nas formas de avaliação e levantar questões que pudessem contribuir para a construção de novos caminhos para as práticas avaliativas.

Palavras-chave:
Avaliação; Educação Médica

Abstract:

This study was developed to expand the recent reflections on the need to change existing teaching practices in medical courses, with a special focus on evaluation of students. The theoretical basis includes concepts on teaching, learning, evaluation, and the theory of social representation. Observing these basic concepts, interviews were held with faculty and Students at the School of Medicine in Petrópolis. Rio de Janeiro State, Brazil, seeking to identify concepts and possible transformations in the ways of evaluating students, and to raise questions that might help establish new avenues for alternatives practices.

Key-words:
Evaluation; Education, Medical

INTRODUÇÃO

Hoje, busca-se transformar a avaliação de forma que, assumindo o caráter sócio pedagógico inerente a qualquer prática educacional, seja possível resgatar seus fundamentos e funções, e desenvolver estratégias e práticas que efetivamente contribuam para a melhor formação do aluno e para o acompanhamento do trabalho, auxiliando e garantindo a promoção da autonomia dos envolvidos no processo educativo.

Se, por um lado, a bibliografia a respeito da avaliação vem crescendo de forma relevante nos últimos anos, somente a partir da última década registra-se que o olhar dos pesquisadores começa a se estender de forma significativa às problemáticas do processo ensino-aprendizagem no ensino superior. A própria discussão acerca da identidade do professor universitário e sua profissionalização é algo recente. Dessa forma, ainda é restrita a produção voltada especificamente para a área da avaliação do desempenho dos alunos nos cursos superiores, em especial na área da saúde.

O que se percebe nas atuais publicações é que o discurso da necessidade de transformação da sistemática de avaliação já se tomou bastante abrangente, porém há ainda uma “insegurança” quanto ao caminho que a avaliação deve seguir.

Nesse sentido, Borges e Stella11. Borges DR, Stella R. A avaliação do ensino de medicina na universidade de São Paulo. Rev Bras Educ Méd,1999;23(1): 14. nos apontam que "Com a busca de um ideal não claramente definido nem equacionado, as instituições vão adiando, ad aeternum, a implantação de um processo sério e abrangente de avaliação".

Buscando delinear caminhos alternativos, vive-se um momento de transição no qual alguns autores defendem a eliminação das provas e testes, e atribuem menor peso aos conteúdos cognitivos, no intuito de tomar o ensino mais dinâmico e atraente; outros destacam a importância de manter um sistema avaliativo que assegure a verificação do progresso no conhecimento adquirido pelo aluno, sob pena de se perder a qualidade e adotar uma atitude paternalista frente ao aluno, que acaba por prejudicá-lo.

Demo22. Demo P. Mitologias da avaliação. Campinas (SP): Autores Associados; 1999. assim como Klein33. Klein R. Educação deve superar modismos e buscar qualidade. Jornal do Brasil, Caderno Educação, 07 jan, 2001. fazem parte do grupo de estudiosos que acreditam que testes e medidas são necessários e devem ser utilizados para que se possa conhecer suficientemente bem a situação do aluno e, dessa forma, auxiliá-lo a progredir. A visão desses pesquisadores é de que a avaliação não é intrinsecamente ruim, a questão está na forma como vem sendo desenvolvida, com base em critérios insuficientemente claros, em instrumentos mal construídos e afastada de sua função diagnóstica e formativa.

Quantitativo/qualitativo, processo/produto, formar/classificar... Neste momento de transitoriedade entre modelos, vivemos "um período de superação das pseudo-antinomias em que a tensão entre os contraditórios promove uma unidade ampla”44. Lauriti N. A comunicação na avaliação de desempenho docente no ensino superior. Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação. Fundação Cesgranrio. 2001; 9., torna se interessante investigar os rumos que vêm sendo dados à concepção da avaliação da aprendizagem e como os cursos de graduação em Medicina vêm vivenciando essa questão.

A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: NOVAS PERSPECTIVAS DE CONCEPÇÃO, ASSOCIADAS À RELAÇÃO ENSINO-APRENDIZAGEM

Nas novas perspectivas de concepção do processo avaliativo inclui-se, principalmente, a da relação entre esse processo e o da aprendizagem. Para compreender essas perspectivas, é necessário observar a própria denominação e articulação semântica entre ensino e aprendizagem.

A denominação atribuída ao ensino e à aprendizagem apresenta, nos anos 2000, com a evolução do pensamento didático, algumas opções. Dentre estas, incluem-se, segundo Rangel55. Rangel M (Org.). Supervisão pedagógica: princípios e práticas. Campinas (SP): Papirus; 2002.:

  • Ensino-aprendizagem;

  • Aprendizagem-ensino;

  • Ensinoaprendizagem;

  • Ensino e aprendizagem;

  • Ensino;

  • Aprendizagem.

Todas essas opções têm, como fundamento, a concepção do vínculo, ou não, entre o ato e processo de ensinar, e o ato e processo de aprender. Nessa concepção, o aspecto essencial é o do comprometimento, ou não, do ensino com a aprendizagem. É interessante observar a diferença de concepções em cada expressão com que se denomina o processo.

Na expressão "ensino-aprendizagem", encontra-se a concepção de que o ensino se organiza e desenvolve para que haja aprendizagem. Dessa forma, utilizam-se diferentes metodologias de ensino, de modo a propiciar, por diversas maneiras e recursos didáticos variados, a assimilação do conhecimento pelos alunos.

Assim, na expressão "ensino-aprendizagem", compreende-se o ensino articulado aos princípios e teorias de aprendizagem e às metodologias didáticas correspondentes. Nesse sentido, não há ensino eficiente se não houver resultados na aprendizagem.

Essa concepção é mais acentuada na expressão "aprendizagem-ensino”. Nesse caso, a perspectiva não é somente a de que o ensino se conduz para e pela aprendizagem, mas também, e principalmente, de que a aprendizagem conduz o ensino. Na prática, consideram-se, nesse enfoque, os interesses, as respostas, as manifestações espontâneas dos alunos como indicadores do encaminhamento dos conteúdos, métodos e atividades de ensino.

Ainda mais realçado é o vínculo entre ensinar e aprender na expressão "ensinoaprendizagem". Nesse caso, o vínculo é não só de indissodabilidade, como de identificação única, ou de unidade dos dois processos. Assim, em ensinoaprendizagem, não se distingue o ato, ou a especificidade de ensinar, do ato ou especificidade de aprender. As aulas, como sessões de estudo de professores e alunos, ou então apenas de grupos de alunos, independentemente da intervenção dos professores, poderiam ser práticas que atendem à concomitância do ensino aprendizagem.

Já em outra direção de sentido, apresenta-se a denominação "ensino e aprendizagem”. Nesse sentido, o ensino e a aprendizagem desenvolvem-se de modo paralelo e complementar, sem que, entretanto, um processo seja determinante do outro, mas apenas referência. A relação, portanto, não é de comprometimento, mas de complementaridade.

Mais acentuadamente nessa mesma direção, os dois processos são nomeados de maneira desvinculada, ou seja, "ensino" separadamente de "aprendizagem". A concepção que fundamenta esse entendimento é a de que poderá haver ensino sem que haja aprendizagem, assim como poderá haver aprendizagem sem que haja ensino. E é nessa perspectiva que a problematização dos processos avaliativos se exacerba e, ao mesmo tempo, mostra, mais claramente, que não se podem discutir os impasses da avaliação sem refletir sobre o entendimento e o conceito da relação entre ensino e aprendizagem.

Pensar a avaliação num sentido emancipador, de construção (e não de punição), de inclusão (e não de exclusão, que é tanto acadêmica, quanto social), é também, e essencialmente, pensar sobre o nível de comprometimento do ensino com a aprendizagem.

Optando-se, então, neste momento de análise, pela expressão "ensino-aprendizagem", o que se afirma, sobretudo, é o princípio de que a avaliação serve a esse processo, cujo escopo principal é o de que o aluno aprenda. A avaliação, portanto, focaliza resultados do aluno, mas não se concentra ou reduz à sua verificação. Nesse sentido, o processo avaliativos e amplia, para que seus enfoques considerem a qualidade dos meios e procedimentos, a fim de que esses resultados sejam alcançados.

É com reflexões desta natureza que nos propomos examinar as questões da formação do médico e, de modo especial, suas funções, dificuldades e impasses como professor.

A FORMAÇÃO DOSMÉDICOS

A inadequação na formação dos médicos ensejou a criação da Cinaem - Comissão Interinstitucional de Avaliação do Ensino Médico -, que, ao longo dos últimos dez anos, vem desenvolvendo um projeto que tem por objetivo transformar as escolas médicas para que produzam médicos capazes de dar atendimento resolutivo às necessidades de saúde da população brasileira.

Em suas fases iniciais, o Projeto Cinaem constatou que o crescimento cognitivo ao longo do curso médico é muito lento e que o resultado final fica aquém do desejável. Nesses dez anos de desenvolvimento, com a participação de cerca de 50 escolas médicas, amplos estudos realizados permitem observar, na prática, a presença de elementos de um modelo pedagógico que ainda admite a fragmentação entre teoria e prática, falta de integração entre conteúdos, coexistência de disciplinas de maneira isolada e de forma hierárquica, centralização das atividades no professor, que, por sua vez, não teve uma formação específica para docência. Nesse modelo, tais estudos apontam uma prática de "avaliação de caráter terminal, centrada na memória, sem contemplar as habilidades e atitudes na aplicação do conhecimento66. Comissão Interinstitucional de Avaliação do Ensino Médico. Transformando a educação médica brasileira. Projeto CINAEM - III fase; 1998. p.8..

Nos fóruns em que se discute o ensino médico, dos quais se destacam os promovidos pela Abem (Associação Brasileira de Educação Médica), defende-se a implantação de um modelo de avaliação que priorize a formação. Sugere-se a extensão da avaliação para além da verificação do domínio cognitivo. Defende-se a avaliação de habilidades e de atitudes. Propõe-se a aplicação de instrumentos que permitam ao aluno atuar na construção de seu conhecimento, privilegiando questões que impliquem raciocínio e busca de informação, enfatizando o processo. Defrontamo-nos, contudo, com a realidade de turmas de elevado número de alunos, professores que repetem o modelo em que foram formados e alunos que já chegam ao ensino superior devidamente condicionados pela “cultura" da prova e da nota.

Considerando a necessidade de sedimentar as reflexões que vêm sendo desenvolvidas na área da avaliação e, ao mesmo tempo, levando em conta o interesse e o empenho que as escolas médicas vêm demonstrando na busca por sua transformação, acreditamos na importância de um estudo voltado para a análise das práticas avaliativas nessa escola, buscando identificar formas alternativas que possam contribuir para a abertura de novos caminhos para a avaliação.

O CONTEXTO DO ESTUDO

O estudo foi desenvolvido tendo como foco disciplinas dos dois primeiros anos do curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Petrópolis (RJ). Essa instituição foi escolhida por fazer parte do grupo de escolas que vem participando do movimento de evolução de princípios pedagógicos e de avaliação. Isto a tem incentivado a buscar alterações no projeto de seu curso, com a finalidade de desenvolver práticas consoantes às modernas concepções de ensino-aprendizagem.

A descrição elaborada por Piccini e Santos77. Piccini RX, Santos RC. Análise e descrição geral dos currículos e processo de formação médica. Projeto CINAEM ­ Processo de Formação - Oficina da III fase, maio, 1999. e reproduzida em documento que serviu de base para discussões, em maio de 1999, na Oficina do Projeto Cinaem, assim caracteriza as etapas do curso de Medicina:

"Primeira Etapa: corresponde aos dois primeiros anos do curso de graduação em Medicina - Ciclo Básico. Os produtos desta etapa são: 1) acúmulo de conhecimentos biológicos; e 2) incorporação do método cientifico positivista; Segunda Etapa: corresponde ao terceiro ano do curso de graduação em Medicina - Propedêutica/Semiologia. Os produtos desta etapa são: 1) incorporação de uma postura médica; 2) assimilação de método de trabalho; 3) apreensão da linguagem clínica;

Terceira Etapa: corresponde ao quarto ano da graduação em Medicina nas escolas que têm internato de dois anos, e quarto e quinto anos nas escolas que têm internato de um ano - Disciplinas Clínicas e Cirúrgicas. Os produtos desta etapa são: 1) incorporação de conhecimentos sob forma de tecnologias diagnósticas e terapêuticas; Quarta Etapa: corresponde ao sexto ano da graduação em Medicina nas escolas que têm estágio curricular de um ano; e quinto e sexto anos nas escolas que têm estágio de dois anos - Internato. Os produtos desta etapa são: 1) consolidação de conhecimentos; 2) consolidação de habilidades; 3) consolidação de atitudes." (p.7)

A opção pelo recorte nos dois primeiros anos se deu em função das características das disciplinas comumente desenvolvidas nessa etapa do curso, as quais têm o objetivo de construir, como apontaram os autores, a base de conhecimentos necessários ao aprendizado clínico (ou profissional).

O Ciclo Básico destina -se historicamente a aprimorar o conhecimento do aluno sobre os temas da biologia animal de aplicação médica. Em função de seu caráter introdutório, na maioria dos cursos, as disciplinas são desenvolvidas predominantemente por meio de atividades de cunho teórico em sala de aula e atividades práticas em laboratórios. Os grupos, em geral, são grandes, heterogêneos, e os docentes não possuem necessariamente formação médica. Partimos do pressuposto de que tais características tornam mais complexo o processo avaliativo e representam um desafio à sua transformação.

TRABALHANDO COM REPRESENTAÇÕES

Sendo a instituição escolar, por princípio, um espaço de convivência, consideramos adequada a idéia de conhecer e compreender os aspectos das dinâmicas pedagógicas a partir das representações sociais dos seus agentes.

Acreditamos que essa forma de abordagem possibilita uma investigação mais completa e consistente, porque a leitura que o sujeito faz da realidade é complexa, envolvendo uma teia de fatores, como cultura, nível social e redes de poder.

Utilizar representações sociais também permite que nos movimentemos entre o individual e o coletivo, já que a atividade representacional é um trabalho da psique, o que lhe confere caráter individual, mas que ao mesmo tempo se constrói na relação desse ser individual com o mundo, com a coletividade. Ou, como afirmam Guareschi e Jovchelovich88. Guareschi PA, Jovchelovich S. Textos em representações sociais. Petrópolis (RJ): Vozes; 2000. p.149.:

“O conceito de representação social é multifacetado. De um lado, a representação social é concebida como um processo social que envolve comunicação e discurso, no longo do qual significados e objetos sociais são construídos e elaborados. Por outro lado, as representações sociais são operacionalizadas como atributos individuais - como estruturas individuais de conhecimento, símbolos e afetos distribuídos entre as pessoas em grupos ou sociedades.”

É através da representação que os sujeitos dão significado às circunstâncias nas quais se encontram. Esse significado, por sua vez, é apropriado e recriado a partir de uma rede de significados já existentes. Isso significa que o sujeito constrói a realidade social com base em códigos pertencentes a um mundo já constituído; porém, ao fazê-lo, introduz um componente próprio que lhe permite fugir da condição de mero reprodutor.

Guareschi e Jovchelovich88. Guareschi PA, Jovchelovich S. Textos em representações sociais. Petrópolis (RJ): Vozes; 2000. p.149. destacam a importância dos processos de comunicação e vida, nomeando-os processos de mediação social. São eles que geram as representações sociais. É no relacionamento entre os sujeitos que surge a necessidade de desenvolver estratégias que permitam a convivência com a diversidade "em um mundo que, embora pertença a todos, transcende a cada um individualmente... As representações nascem das mediações sociais e ao mesmo tempo tornam-se, elas próprias, as mediações sociais" (p. 81).

PROFESSORES E ALUN OS FALAM SOBRE O PROCESSO DE AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

Para identificar a representação que professores e alunos possuem da avaliação da aprendizagem, sua concepções e funções, e o que pensam sobre a própria prática da avaliação, foram realizadas 25 entrevistas. Foram entrevistados 7 professores titulares que atuam no 1o e 2o ano do curso de Medicina e 18 alunos dessas mesmas séries, escolhidos aleatoriamente.

Representação da Avaliação da Aprendizagem pelos Alunos

A maioria dos alunos considera que a avaliação é necessária para que o professor possa acompanhar o desenvolvimento da aprendizagem do aluno e para que eles próprios se imponham uma rotina de estudo, à qual dificilmente se submeteriam se não houvesse essa "cobrança".

"Acho importante a prova porque se fosse outro método de avaliação... ninguém estuda se não tiver prova. É o que te obriga a estudar." (aluno do 1o ano)

"... porque, querendo ou não, a avaliação passa a ser uma obrigação para você e isso te força mais a estudar do que se você tiver, por exemplo, algo para estudar e um prazo indeterminado ou longo. Com as várias avaliações, você estuda sempre." (aluno do 2o ano)

Embora alguns destaquem a importância da avaliação como instrumento de verificação de seu próprio aprendizado, a percepção de que a partir da avaliação é possível, com mais facilidade, corrigir rumos para um melhor desempenho só foi explicitada de forma objetiva por dois dos entrevistados. Isso também foi verificado no momento em que se abordou o interesse pelo feedback da avaliação, assunto do qual trataremos adiante.

"A avaliação é algo que serve para você melhorar..." (aluno do 1o ano)

Houve, ainda, um aluno que apontou a avaliação como instrumento que orienta os estudos no sentido de selecionar os aspectos mais importantes dos assuntos necessários a uma boa formação:

"Prova é uma forma de direcionar os estudos para o que é mais importante de ser aprendido." (aluno do 1o ano)

Os alunos, em geral, ao ouvirem o termo "avaliação", tendem, num primeiro momento, a associá-lo a prova. Este instrumento é considerado limitado e até mesmo injusto por ser pontual.

"Acho prova algo injusto. Muita gente estuda ao longo do bimestre todo e chega na hora, por nervosismo, ou outra coisa, se afunda e outro que estudou só na hora mas tem boa memória se dá bem. E esquece no outro dia." (aluno do 2º ano)

Embora essa referência apareça com freqüência, os alunos afirmaram que todas as disciplinas desenvolvem outras formas de avaliação além da prova; esta, porém, é utilizada por todos em alguns momentos do curso. Percebe-se que a maioria das disciplinas vem desenvolvendo avaliações de curta extensão, sobre conteúdos pequenos, de forma freqüente ao longo do ano. Essas avaliações, na maioria das vezes, são escritas e designadas pelos professores como "testinhos", "estudos dirigidos" ou "seminários". O conteúdo a ser avaliado pode se referir a um assunto específico - que deverá ser estudado com apoio da bibliografia básica indicada pela disciplina, das anotações feitas no caderno - ou a um artigo científico indicado para leitura. Essa forma de avaliação tem sido bem aceita pelos alunos, que a consideram mais justa, uma vez que se faz ao longo do ano com freqüência e, por seu caráter disciplinador, como já apontado, que os obriga a uma rotina diária de estudo.

"Acho os testinhos muito bons porque ajudam, dividem. Se você for mal na prova... você tem outras oportunidades." (aluno do 1o ano)

"Há bastante avaliações e isso é bom porque dá mais chance de recuperação e obriga a estudar... por outro lado temos pouco tempo livre..." (aluno do 1o ano)

"Ele faz testinhos semanais sobre capítulos, às vezes abertos, às vezes múltipla escolha, faz seminários... é bem variado. Ele não enfoca só a prova. Tanto é que se você for mal na prova, tem condições de recuperar de n formas." (aluno do 2o ano)

Dois alunos, no entanto, discordam da eficácia desse tipo de estratégia e consideram que o fato de estarem constantemente estudando para fazer avaliações seria uma deformação de objetivos, pois deveriam estar estudando para aprender. Esses alunos consideram que esse tipo de estudo é imediatista e que o conhecimento adquirido não fica retido, sendo logo esquecido após a avaliação.

"Eu te confesso que tem muitas matérias em que eu tirei boas notas e minha bagagem é muito pequena. Se você me perguntar na véspera da prova eu te respondo... provas em que eu tirei dez, e hoje eu tenho muito pouco dessa bagagem." (aluno do 1° ano)

Percebe-se um esforço por parte da maioria dos professores no sentido de diversificar as formas de avaliação. Predomina a utilização de questões abertas nas avaliações escritas, quer sejam elas "testinhos", estudos dirigidos ou a prova tradicional. Quanto à qualidade dos instrumentos utilizados, as opiniões variaram um pouco.

Houve divergências de opiniões em relação ao fato de as avaliações se basearem na memorização ou no raciocínio e aplicação de conhecimentos a determinadas situações. Com o desenrolar das entrevistas, foi-se percebendo que essa categorização necessitava ser relativizada e mais bem explicitada, uma vez que a maioria das áreas de conhecimento abordadas por essas disciplinas possui uma parcela de informação que precisa ser memorizada. Soma-se a isso o fato de algumas disciplinas desenvolverem suas avaliações seguindo sempre um mesmo esquema de raciocínio. O aluno passa a poder antecipar com facilidade o que vai ser "cobrado" na avaliação.

"Tem matéria que não tem muito como ser raciocínio mesmo. Parasito, Imuno e Micro têm coisas que precisamos saber, tipo características de bactérias, protozoários, coisas que temos que decorar mesmo e que como a gente está estudando constantemente a gente guarda com mais facilidade. Fora isso, os outros puxam pelo raciocínio. Como Fármaco. A prova hoje foi toda de raciocínio. Fisiologia também." (aluno do 2o ano).

"É. Sempre é uma questão aberta, mas você sabe que sempre vai cair mecanismos de infecção, ou ecossistema infectivo, mecanismos de agressão, ou profilaxia... é a característica da matéria, não tem muito como fugir disso. Fármaco é uma prova decoreba. Não necessita raciocínio nenhum. Você tem que saber que substância tal é para dar para isso, isso e isso... ESC é decoreba, tem que saber normas de SUS, etc. e Micro, agora no final, cobrou algumas coisas de raciocínio, mas Imuno principalmente é decoreba. Você tem que saber quais os componentes da célula, qual é a estrutura de um vírus tal, da bactéria tal..." (aluno do 2o ano).

"São perguntas que fatalmente vão cair no círculo vicioso. Todo mundo já pegou essa manha. Como na disciplina de Bioquímica. Anote a aula, leia a aula que você tira dez. Não é algo que te estimule a pegar o livro, aprofundar" (aluno do 1o ano)

"Na prova, a questão está idêntica ao que ele deu em aula e se você responde com duas palavras diferentes, ele diz que está errado. Isso não avalia. Avalia se você decorou a palavra que ele falou. Bem voltada para a memorização. Mesmo usando questões abertas. É uma maquiagem que se faz na questão aberta. É s6 para dizer que poderia ter respondido de diversas formas... agora entre você responder e o professor considerar, é bem diferente" (aluno do 2o ano)

Ficou claro que os resultados das avaliações são ainda muito pouco utilizados como instrumento de desenvolvimento da aprendizagem do aluno. O retorno dessas avaliações, na maioria das vezes, é dado apenas em forma de nota, sem esclarecimentos, sem discussão das questões. Com freqüência, o aluno precisa usar o recurso institucional de solicitação do "visto de prova", para ter conhecimento dos erros cometidos.

"A Biofísica e a Biologia/Histologia fazem discussão e comentários. As outras não. A professora de Biofísica senta com a turma, comenta os erros. A professora de Biologia também, praticamente faz a prova de novo com os alunos. A gente sente falta disso porque você tem que saber o que você errou. Você tem o visto de prova, que é uma coisa que toda instituição tem, mas a gente acaba sentindo a avaliação como uma coisa vazia, como uma coisa mais para prejudicar o aluno. Seria ótimo que todos os professores fizessem isso. Tá certo que a maioria pede o visto de prova para conseguir ponto, a minoria pede porque quer aprender o que errou... mas todos os professores poderiam fazer isso. Acho que não seria tão prejudicial ao programa de curso se você pudesse dispensar os 30 minutos finais da aula e conversar sobrea prova com os alunos, elucidar dúvidas sobre enunciado duvidoso, o que aconteceu em várias disciplinas, enunciados ambíguos, principalmente em questão objetiva." (aluno do 1° ano)

"Não discutem os resultados, a não ser que a gente peça revisão formalmente. Mas aí às vezes demora tanto que é ruim porque a gente já nem lembra bem... não tá tão fresca... seria muito bom que os professores fizessem essa discussão na semana seguinte no máximo, tirando uma meia hora da aula... não precisava pegar as provas de cada um, mas falar sobre o que eles queriam em cada questão." (aluno do 2°ano)

"Muita gente está mesmo é preocupada com a nota. Dá para ver que é só com a nota porque se o pessoal tira nota baixa tem um milhão de pessoas pedindo revisão. Agora, se você tira uma nota boa, ninguém pede revisão." (aluno do 2o ano)

Representação da Avaliação da Aprendizagem pelos Professores

A maioria dos professores entrevistados afirmou considerar a avaliação um instrumento de trabalho indispensável. As principais funções da avaliação apontadas são as de diagnóstico do processo ensino-aprendizagem, trazendo subsídios para a correção das estratégias utilizadas pela disciplina, e formativa, no sentido de apontar as melhorias e as dificuldades apresentadas pelos alunos no decorrer do curso.

"A importância da avaliação é a gente tentar descobrir como é que o processo está indo. Se aquilo que a gente está tentando passar está sendo absorvido. Esse é o principal objetivo e conseqüentemente em cima disso dar um valor, valorar e tentar medir se o aluno está alcançando os objetivos ou não. O objetivo realmente é esse. Eu não consigo imaginar como é que eu poderia saber se o processo de ensino e aprendizagem está funcionando sem fazer algum tipo de avaliação." (professor do 1o e 2o ano)

“Eu acho que é importante sim. Você pode tirar daí pontos para você melhorar a sua disciplina, encontrar formas melhores de apresentar os assuntos para melhor compreensão dos alunos." (professor do 2o ano)

“Tem que haver uma avaliação, até porque, se você não avaliar se o aluno está aprendendo ou não, você não tem como avaliar se você está ensinando ou não." (professor do 1o e 2o ano)

Dois professores reconheceram que a avaliação vem sendo utilizada como forma de coação, para que os alunos estudem as matérias ensinadas.

“No nosso modelo atual de ensino, se você não faz avaliação, o aluno não estuda. Se você não marca uma coisa para valer um determinado percentual de pontos, ele não estuda. No 1o ano, eles não têm maturidade de estudar sozinhos. Eles estudam muito bem desde que agente os encoste contra a parede e ponha data, assunto, cobre. Eles ainda não tem condições de fazer o desempenho em termos de auto-avaliação." (professor do 1o ano)

“Como todas essas atividades são atividades que valem ponto e são assuntos dentro do conteúdo, então eles foram abrigados a abrir o livro mais cedo, a pesquisar nos textos científicos sobre aquele assunto. Na horada prova eles tiveram uma certa facilidade. Normalmente eles estudam só na véspera da prova. Isso é fato. Como as atividades são sobre a matéria das aulas expositivas e cairão na prova... eles foram ao livro mais cedo. Na hora de estudar para a prova, já estavam com o assunto na cabeça." (professor do 2o ano)

Em relação às formas como vêm implementando a avaliação, percebe-se uma preocupação dos professores em desenvolver estratégias variadas e em número suficiente para que haja um acompanhamento das diversas etapas do conteúdo ao longo do ano.

“Nós sempre fazemos a avaliação por módulo, por tema, e normalmente a gente distribui esse tema por sistema. Então a cada término de conteúdo a gente tem uma avaliação que abrange todo esse conteúdo. Em alguns módulos se faz os testes ao longo, outros não. Não é rotina, depende da duração do módulo, da metodologia, se aquele módulo foi essencialmente mais teórico ou se teve estudo dirigido, a gente costuma sempre dar um testinho, mas o que vale mesmo é uma avaliação por módulo.” (professor do 1o e 2o ano)

"Este ano a gente acrescentou um pouquinho mais às formas de avaliação. Pelo fato de serem tantos alunos, a gente resolveu fazer além da avaliação convencional discursiva, múltipla escolha, também participação em discussão de texto científico, testes parciais e discussão de caso clínico.” (professor do 2o ano)

Estar avaliando constantemente é percebido não só como importante, mas como necessário à diversificação das estratégias, de forma a atender a diversidade de competências:

"O ensino-aprendizagem envolve várias facetas. É bastante complexo você avaliar. Tem que envolver urna diversidade muito grande. Eu faço avaliação teórica, faço avaliação prática de lâmina, dou pontuação por estudos dirigidos, tem perguntas no final da aula para responder a partir de um lema que já receberam para leitura uma semana antes, são artigos científicos fazemos também seminários, eles têm diversas avaliações durante o ano para poder diversificar e pegar diversos tipos de memória, cognitiva, visual." (professor do 1o ano)

As avaliações escritas de modelo tradicional não deixam de estar presentes em todas as disciplinas. Em sua maioria, são formadas por questões abertas, sendo que algumas associam os dois tipos de questão, dissertativa e de múltipla escolha.

Perguntados se as avaliações baseavam-se em conteúdos que os alunos deveriam memorizar ou se havia questões de mais elevado nível de complexidade que exigissem raciocínio, percebeu-se que ambos os níveis, em geral, são observados. Há, entretanto, uma tendência a ampliar o número de questões que exigem do aluno o desenvolvimento de raciocínio, de aplicação, de estabelecimento de relações:

“Cada vez eu procuro fazer uma prova que faça com que o aluno tenha que elaborar mais o conhecimento para chegar a uma resposta. Respostas mais curtas, mais objetivas, porém mais elaboradas. A tendência é que façamos provas elaborando um problema e a partir daí elaborar todas as outras questões. Mas ainda não chegamos a isso." (professor do 1o e 2o ano)

“Aprova tem que abranger desde a definição até uma tentativa de aplicabilidade daquilo na profundidade em que foi dado” (professor do 1o e 2o ano)

"Tem uma parte de memorização como em qualquer disciplina, agora a minha disciplina é de área básica, ainda mais de área básica no 1o ano. Ela está a seis anos do término do curso, então o aluno se sente muito distante da prática médica que é o que ele está querendo. Por isso também eu optei pelas questões dissertativas porque eu posso criar situações envolvendo situações médicas. Eu faço sempre questões aplicadas. Questões que envolvam o conhecimento anatômico como base, sempre servindo para que o aluno interprete uma patologia, um acidente, um tratamento, etc." (professor do 1o e 2o ano)

Um dos professores entrevistados relatou que considera importante desenvolver questões em nível de conhecimento de maior complexidade e acredita também serem as questões dissertativas as mais adequadas; porém apontou as dificuldades que sente em relação a esse tipo de avaliação, em função do elevado número de alunos:

"Eu ainda não consegui um avanço muito grande nesse campo não, porque a gente tem feito a maioria das provas com questões objetivas, sendo que no 2o ano algumas questões abertas têm sido trabalhadas, mas nem sempre você consegue porque, como as turmas são muito grandes, demanda um tempo grande para corrigir, um grau de dificuldade maior para o professor tanto em relação ao tempo que você tem que despender para corrigir quanto a dificuldade de manter o critério e correção igual do primeiro até o último. Você corrigir um monte de provas e quando chegar na última, você considerar as mesmas coisas que você considerou nas primeiras, dependendo do grau de subjetividade da questão, isso é difícil. Quando é uma questão aberta, mas de pergunta direta, 'quais são os cinco elementos que fundamentam o processo tal...', aí sim é mais fácil. Mas quando é uma coisa de raciocínio, ai dificulta um pouco, então a gente tem introduzido nas avaliações, mas de uma maneira mais tímida..." (professor do 2o ano)

O elevado número de alunos foi a maior dificuldade apontada por todos os professores. Eles reconhecem que a avaliação sempre fica prejudicada, porque dificilmente conseguem conhecer todos os seus alunos. Dessa forma, acompanhar o desenvolvimento do aluno, auxiliando-o, promovendo a superação das dificuldades, é um objetivo que fica bastante limitado. Os professores se ressentem da impossibilidade de personalizar o atendimento ao aluno:

"Este ano, com a quantidade de estudos dirigidos que eu dei, foi o primeiro ano em que consegui saber o nome de todos os alunos. Talvez eu não saiba dos 110, mas 100 eu conheço pelo nome, sei quem é. De tanto ler os estudos dirigidos, entregar e discutir... você acaba tendo maior contato e reconhecendo pelo nome. Isso foi uma grande vantagem porque me dava uma depressão danada chegar ao final do ano e não saber quem era quem. É lógico que os vinte melhores você sempre conhece e os vinte piores também, porque você está preocupada com o desempenho deles, mas a grande maioria, que é o meio de regular a bom, você chega ao final do ano sem saber o nome, quem é quem. Isso é muito desagradável. Saber nome é muito importante, marca..." (professor do 1o ano)

"O problema que acontece é que, como as turmas são muito grandes, você acaba tendo dificuldade de implementar mecanismos de avaliação mais personalizados, que você consiga perceber as diferenças entre os alunos e aí trabalhá-las." (professor do 2o ano)

Em função do número de alunos, também foi destacada a dificuldade de desenvolver avaliações que considerem habilidades práticas e atitudes:

"Avaliar habilidade por causa do número excessivo de alunos. A principal dificuldade é essa. Você não consegue ter mecanismos que sejam viáveis operacionalmente, que não tragam a necessidade de você dividir a turma em um monte de turmas pequenas e com isso não consiga cumprir o programa, então eu acho que você trabalhar a avaliação das habilidades, do comportamento, de uma forma mais cuidadosa... Este ano nós introduzimos alguns elementos, mas trabalhando em um horário fora da disciplina, quando os alunos estavam no estágio, um estágio que era voluntário... Com isso nós conseguimos pegar grupos de 20, de 18 alunos e olhar melhor o desempenho, o comportamento, a habilidade." (professor do 2o ano)

Outra dificuldade apontada foi a falta de tempo para elaborar os instrumentos de avaliação:

"O tempo que gastamos na elaboração das questões. Sempre digo que vou aumentar, mas não consigo. A gente sabe que a avaliação está marcada para daqui a três semanas, mas a gente faz na última hora. Uma coisa eu consegui acabar - banco de prova. Agente não repete. O que você vai perguntar é a mesma coisa, porque se eu estou ensinando ciclo cardíaco, eu tenho que perguntar quantas vezes o coração bate, qual a força com que ele bate, mas a forma de perguntar varia. Eu só consegui acabar com isso quando passei a distribuir as provas para os alunos, porque aí os professores viram que não dava para repetir." (professor do 1o e 2o ano)

Em relação ao retorno dos resultados aos alunos, são realmente poucos os professores que o fazem. Porém a maioria a firmou reconhecer a importância desse retomo e, em função disso, discutir as questões com os alunos após o término das avaliações.

Alguns professores apontaram o pouco interesse dos alunos por esse tipo de atividade em contrapartida à valorização da nota:

"Eles vão vendo comigo questão por questão. Lendo a prova. Ainda assim, quem não estiver satisfeito eu atendo individualmente. Eu faço o melhor que posso. Mas no dia em que faço isso, eu saio daqui às sete e tanto da noite e eles já estão cansados, querendo ir embora, aí um quer passar na frente do outro, porque é aquela imaturidade. No fim eles querem ponto...'' (professor do 1o ano)

“Eu acho que eles tem mais interesse é na nota mesmo. Não se interessam. Consideram como 'águas passadas'”. (professor do 1o ano)

"Eu divido a turma, e parte dos alunos fica com outro professor fazendo estudo dirigido enquanto eu distribuo as provas e discuto com os alunos. Com o 1o ano ainda dá porque temos um ano para dar um conteúdo que não é muito extenso. Na disciplina do 2o ano, a única coisa que eu consegui foi devolver todos os testinhos corrigidos." (professor do 1o e 2o ano)

A falta de tempo aparece, assim, como justificativa nos casos em que as discussões não são feitas:

"Eu costumo fazer isso, mas tem prova que por falta de tempo a gente não comenta. Eu já falei com o outro professor da disciplina que a gente precisa pensar em como alterar o programa para dar tempo." (professor do 2o ano)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os depoimentos revelam que professores e alunos vêm vivenciando um momento de transição. As novas concepções de ensino-aprendizagem e, especificamente, de avaliação já são conhecidas, pois fazem parte de um discurso pedagógico hoje bastante difundido nos espaços educacionais, porém a transformação desse discurso em prática ainda experimenta certas contradições.

Parece haver um esforço em direção ao emprego da avaliação como instrumento de acompanhamento do processo ensino-aprendizagem, resgatando seu caráter formativo e superando o modelo de avaliação classificatória e pontual. Verificamos que vem sendo ampliado o leque de formas de avaliação, ainda que estas permaneçam fundamentalmente voltadas para as habilidades cognitivas.

O ritual estressante das provas vem perdendo espaço para formas de avaliação mais integradas ao processo de aprendizagem, instaurando inclusive uma relação professor-aluno menos autoritária.

Há, porém, algumas contradições ou distorções que precisam ser mais bem refletidas. Alunos e professores percebem a necessidade da mudança de perspectiva dos atos pedagógicos, já conhecem novas formas de trabalho, mas as colocam em prática ainda impregnadas de concepções conservadoras.

Se, por um lado, a avaliação é contínua, integrada ao processo, ela é valorizada principalmente por seu poder disciplinador. Os "testinhos" e outras formas de avaliação aparecem nos discursos como instrumentos de diagnóstico, de correção de rumos, mas também são vistos como vantajosos por obrigar o aluno a se manter em dia com os estudos. Parece estar presente aí um desvio de motivação que, de certa forma, pode estar encobrindo forma desestimulantes de ensino. Em um modelo inovador de ensino-aprendizagem, esperaríamos que o professor atuasse como provocador, despertando no aluno a curiosidade, motivando-o na busca e construção do conhecimento e no desenvolvimento de habilidades, fazendo-o perceber a importância desses processos para sua formação profissional. Nessa perspectiva, não caberia a utilização dessas avaliações como estratégia de coação para a aprendizagem.

A distorção ou a dualidade em relação ao papel da avaliação também está presente quando os alunos afirmam considerá-la importante e necessária como uma forma de acompanhamento da aprendizagem, mas na prática demonstram pouco interesse pelo retorno dessas avaliações. Na verdade, professores e alunos destacam a importância do feedback fornecido por meio da discussão do resultado da avaliação, mas, ao contrapormos os depoimentos, percebemos que no dia-a-dia esse é mais um fator que, salvo algumas exceções, permanece mais no nível do discurso do que da prática propriamente dita.

A predominância da utilização de questões discursivas, abertas, a preocupação com a relação com a prática profissional, com o desenvolvimento de habilidades de busca de informação, de resolução de problemas, de capacidade de elaboração própria, entre outras competências que fazem parte de um projeto consonante com a realidade atual, parecem estar presentes. No entanto, esses aspectos convivem, em alguns casos, com a existência de padrões rigidamente pré-estipulados, critérios de avaliação que contradizem uma concepção de educação que pretende investir na autonomia intelectual e no exercício da crítica para o desenvolvimento da cidadania. Esse tipo de conduta acaba por incentivar a adoção de práticas que gostaríamos de ver superadas, tais como a cola e a memorização simples sem preocupação com a compreensão.

Alguns professores parecem já ter encurtado a distância entre o discurso e a prática, conseguindo trazer para o cotidiano, sem contradições, práticas avaliativas inovadoras. Encontram, porém, grande dificuldade com relação ao tamanho das turmas, que, tendo em média 100 alunos, representam um grande desafio ao desenvolvimento de uma avaliação realmente formativa.

Estamos diante de um processo de transformação, e a realidade pesquisada nos aponta que a passagem do discurso para a prática vem sendo implementada. É importante lembrar que a instituição escolhida tem uma história de engajamento em um movimento que objetiva a transformação do ensino nas escolas médicas, e que, portanto, reflexões sobre práticas pedagógicas já vêm sendo desenvolvidas ao longo dos últimos anos.

Por último, não podemos esquecer que a avaliação envolve fatores que vão muito além das lógicas internas de uma instituição, assim como daqueles que podemos analisara partir das concepções e práticas de alunos e professores, intuito deste trabalho. Como diz De Sordi99. De Sordi MR. A prática de avaliação do ensino superior: uma experiência na enfermagem. São Paulo: Cortez; 1995. p.124.:

“A engenhosa teia da avaliação, disfarçada sob o manto da neutralidade que teimosamente insistimos em defender como necessária para processá-la de forma equânime, só será desembaraçada se não nos cansarmos nunca de continuamente buscar apreender sua verdade. Verdade esta que se esconde nas gretas das coisas”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 9
    De Sordi MR. A prática de avaliação do ensino superior: uma experiência na enfermagem. São Paulo: Cortez; 1995. p.124.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2003

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2003
  • Aceito
    07 Out 2003
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