Acessibilidade / Reportar erro

Nossas práticas de avaliação: um anacronismo na escola

Resumo:

Salientando o descompasso entre, de um lado, as novas exigências sociais e os avanços correspondentes da tecnologia educacional e, do outro, as práticas correntes entre nós de avaliação escolar, o autor advoga a atualização do instrumental de verificação da aprendizagem. Para encarecer a urgência desta renovação, aponta as grandes falhas das provas tradicionais, responsáveis por sua reduzida validade e escassa precisão. Documentando-se em pesquisa, assinala, ainda, as fundas repercussões das notas escolares na auto-estima dos alunos.

Summary

Marking the gap between modem social demands and educational technology on one side, and our present educational evaluation practices on the other side, the author advocates modernization of achievement test. In order to underline the urgency of such revision, validity and reliability deficiencies of traditional exams are pointed out. Supported by research, the author further discusses the impact of school marks on student´s self-esteem.

PRÁTICAS OBSOLETAS NA EDUCAÇÃO DA MOCIDADE

“Tout le monde parle de progrès, et personne ne sort de la routine”. Émile de Girardin, Études politiques, 1838

Apesar de sumário, esse estudo evolutivo da avaliação escolar põe a descoberto anacronismos, tanto mais chocantes quanto vistos em instituições encarregadas pela sociedade de lhe preparar as novas gerações. Uma sobrevivência assim, em ambientes fora isto marcados por constante renovação de clientela e de interesses, suscita a busca de suas razões. Por que permanece quase intocada a área crítica do controle do rendimento escolar, quando alunos, professores, administrações, currículos, programas e material didático vêm mudando tanto?

Uma primeira explicação, por apego à tradição, vê-se logo abalada pela pergunta: qual o motivo de concentrar-se tal fidelidade nas provas escolares, se as inovações se sucedem em setores de importância semelhante, como os do relacionamento entre professores e alunos ou do conteúdo das matérias e da metodologia do seu ensino?

Outra hipótese rapidamente descartada é a do desconhecimento, por parte dos educadores, das conquistas científicas no campo da mensuração do comportamento humano. Basta observar a repercussão dos mesmos avanços em vários aspectos da vida escolar, para pôr de lado tal justificativa. Os novos procedimentos de seleção de alunos, o levantamento das suas aptidões e interesses, a adaptação dos programas e do material didático ao nível de desenvolvimento das turmas e os serviços de orientação educacional e profissional invalidam essa hipótese.

Igualmente inaceitável é a possível falta de tempo de profissionais da educação, para se assenhorearem da nova tecnologia de avaliação escolar. Como admitir que quem dedica anos de vida ao magistério, zelando sempre por manter-se atualizado na matéria que leciona, não encontre tempo para inteirar-se de conhecimentos e técnicas capazes de aumentar a eficiência do próprio trabalho?

Mais um motivo a rejeitar é o da escassez de informações a esse respeito, ao alcance do nosso professorado. A literatura nesse terreno é extensa e se mostra em crescimento. Mesmo em nossa língua já contamos com bons livros, de autores estrangeiros e nacionais, além de periódicos, como as revistas Tecnologia Educacional da Associação Brasileira de Tecnologia Educacional, Educação e Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos publicadas pelo MEC, o Forum Educacional da Fundação Getúlio Vargas, os Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas e Educação da PUC/RS. Há, ainda, farto material de leitura nas seções de atualização pedagógica de periódicos das nossas universidades, nos quais, por sinal, vêm-se multiplicando ultimamente os artigos sobre avaliação. Dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre o tema constituem, também, valiosa documentação, ora em acentuado crescimento.

Argumento mais sólido, entretanto, é o da inexistência, nos cursos de formação para o magistério, de disciplina que tenha por objeto medidas e avaliação na escola. Não obstante a relevância prática de tal matéria e o seu vasto acervo de conhecimentos, técnicas e instrumentos, ela tem quando muito merecido tratamento secundário em alguma das disciplinas pedagógicas, como Didática ou Psicologia Educacional, que lhe dedicam uma ou duas unidades apenas. Ressalve-se que esta deficiência não é peculiaridade nossa, evidenciando-se também em outros meios. Nos Estados Unidos, por exemplo, H. Roeder (1973ROEDER, H. - Normal schools curriculum. Journal of Educational Measurement, EUA, 10(20):33-39, 1973.) relatou que, entre as 860 escolas normais oficialmente reconhecidas, que responderam a um questionário sobre currículo (enviado a 940 estabelecimentos), apenas 32% exigiam o estudo de medidas educacionais em disciplina à parte. Das escolas restantes, 42% o incluiam noutra disciplina. Daí a carência de fundamentação teórica nos procedimentos usuais de avaliação escolar e o escasso domínio que denunciam das técnicas de construção e de aperfeiçoamento do instrumental de verificação do rendimento acadêmico. Daí, também, o reduzido emprego das novas de interpretar os resultados das provas e de comunicá-los aos alunos, que ajudam a integrar a avaliação no próprio processo de ensino/aprendizagem.

Entre os indícios mais eloqüentes desta falha, na formação profissional, destacam-se os seguintes: emprego de escalas improvisadas de notas, montadas ao gosto de cada docente, algumas até centesimais, a sugerir grau de precisão incompatível com a rusticidade dos instrumentos utilizados; reprovação de alunos por décimos de ponto, em refinamento calculado com exames incapazes de tamanha filigrana; ponderação diferencial de questões, baseada unicamente em opiniões pessoais sobre o grau de importância ou de dificuldade dos vários tópicos; indefinição dos critérios de julgamento das respostas, levando a grande flutuação de uma prova para outra; desconhecimento por parte dos examinandos dos padrões de desempenho exigidos para promoção, dando-se-lhes tão somente veredictos; desvinculação entre as questões de prova e os objetivos proclamados para a matéria; grande demora na comunicação dos resultados da avaliação, quando não entrega direta das notas à Secretaria, desperdiçando oportunidades ímpares de localizar deficiências, dirimir dúvidas e reforçar aprendizagens, logo após a prova; distorção das notas, por interferência de fatores estranhos à tarefa em julgamento (como assiduidade, conduta em sala ou, mesmo, simpatias e antipatias); cálculo de médias de variáveis as mais heterogêneas (tais como domínio do conteúdo, habilidade de expressão, apresentação do trabalho e aparência pessoal), a originar um pro médio destituído de qualquer sentido; e tratamento da avaliação como algo externo ao processo ensino/aprendizagem e a ele só aplicável ao seu término, em lugar de utilizá-la como parte indissociável da ação educativa. Em suma, deficiências de formação profissional, no referente à avaliação, tendem a reforçar aquela concepção antiquada, vinda dos tempos em que a escola só cuidava de transmitir saber já acumulado, bastando-lhe fiscalizar a absorção de matéria tratada. Até hoje se fala em “dar a matéria”, expressão que trai esta maneira de ver o ensino.

Por estas razões, nem sempre as provas escolares podem ser aceitas como instrumentos de mensuração, visto que não satisfazem os requisitos básicos, de validade e de precisão, que lhes dão credibilidade. Algumas são de tal forma mal construídas, que representam verdadeiras provações, parecendo mais prolongamento das terríveis exigências feitas pelos primitivos nos ritos de passagem para a idade adulta, ou obstáculos inspirados na mitologia grega. Montadas de modo a propor problemas quase insolúveis, assemelham-se aos trabalhos de Hércules, ao labirinto de Teseu, às barreiras erguidas ante os pretendentes à mão de princesas (como Alceste ou Penépole) ou, até, a recursos de tortura, como os leitos que Procusto oferecia a certos visitantes. Estes, quando indesejados, recebiam uma cama curta demais para justificar a amputação dos seus pés, ou uma muito longa, pretexto ao estiramento forçado dos seus membros. Felizmente, casos assim vão rareando, embora, como registra M. Foucault (1977FOUCAULT, M. - Vigiar e punir. (trad). Petrópolis, Vozes, 1977.), ainda se encontrem examinadores que confundem as estruturas de saber e de poder, usando as provas para “vigiar e punir” os alunos. Apoiando-se unicamente em sua posição de autoridade, convertem os meios de verificação da aprendizagem em recurso disciplinar.

Outro resquício da antigüidade clássica são aqueles exames orais muito distantes da realidade, nos quais os estudantes podem receber boas notas falando sobre algo que não sabem fazer ou, mesmo, nunca viram. Já no primeiro século da nossa era, Quintiliano (Institutio Oratoria, 95 dC) haveria de censurá-los, comentando que “alunos, que tinham passado anos na escola, pasmavam-se ao entrar no diário dos tribunais, ante o que ali lhes parecia novidade, querendo que tudo se conformasse aos exercícios em aula”. Igualmente herdada de época remota é a incontestabilidade das opiniões do docente, o magister dixit, por alguns invocado no julgamento das questões discursivas. Maneiras distintas das adotadas pelo professor de encaminhar uma solução ou de demonstrar algo são recusadas sem maiores esclarecimentos, o que não raro origina problemas nos pedidos de revisão de prova. Este tipo de postura, pouco freqüente mas ainda encontrada, faz pensar naquele costume medieval de prometer “não contrariar o mestre”, ou seja, não discordar de Aristóteles, usado nas solenidades de colação de grau das universitas scholarium et magistrorum. Ainda nos dias que correm, com os seus instrumentos de medida mais aperfeiçoados, nem sempre é prudente discordar do avaliador, visto que ele pode introduzir no julgamento atributos mal definidos, que denomina “aplicação ao estudo”, “interesse”, participação” ou, simplesmente, “atitude”.

O PROBLEMA MAIOR DAS CONOTAÇÕES AFETIVAS DO TERMO AVALIAR

“Non l´examen et la discussion d´abord, mais avant toute démarche un parti pris invincible, un refus de croire et de s´émouvoir pour croire.” Alain, Propos, 1914

De maior peso, porém, que os motivos acima apontados para a persistência na escola de conceitos e práticas de avaliação já ultrapassados, parece-me ser a predisposição de alguns educadores contra a própria medida do comportamento humano. Manifesto ou tácito, consciente ou não, este preconceito aflora em comentários mais emocionais que lógicos, fundados apenas no “eu acho”. Pondo de lado resultados de pesquisas, e sem provas concretas a seu favor, há quem afirme que “as questões objetivas apuram somente memória de fatos”, “a prova de cruzinhas é uma loteria”, “um exame oral ou uma prova prática, julgados segundo roteiro previamente fornecido ao aluno, acabam por lhe dar pontos de graça” ou que “os testes de aptidão acadêmica não merecem crédito, representando apenas uma invasão da área privada das pessoas”. Declarando preocuparem-se mais “com qualidade que com quantidade”, certos examinadores parecem esquecer-se de que estes dois atributos entrelaçam-se intimamente, em incessante movimento dialético. Entretanto, louvando-se neste argumento, indefensável uma vez que toda quantificação refere-se a alguma qualidade, defendem as questões discursivas, às quais atribuem o poder de “examinar em profundidade o domínio da matéria”. Fazem, porém, vista grossa à subjetividade que tinge o julgamento das suas respostas e às possibilidades que oferecem de rodeios, discussão de general idades, reprodução de textos memorizados e alongamento deliberado, por “nariz-de-cera”. E isto sem falar em sua amostragem reduzida do campo abrangido pela matéria toda. Em suma, por razões puramente afetivas desperdiçam bons recursos de mensuração, que a moderna tecnologia educacional lhes proporciona, os quais nem tão modernos já são neste fim de século.

“NOVIDADES” UM TANTO ANTIGAS . . .

“Em todos os tempos, os princípios e as práticas da educação apresentam mudanças. Em nossa época, mais intensas e varia das têm sido, sem que dêm mostras de esmorecer. [...] A partir de que data podemos marcar-lhes a presença? De modo mais vivo, desde os últimos anos do século passado. [...] Sua afirmação inicial tomou [. . .] a feição de uma revisão crítica dos meios ou recursos tradicionais do ensino, admitindo-se como função geral do processo educativo o desenvolvimento de capacidades e aptidões. [...] Predominou essa fase até à primeira grande guerra, ou poucos anos depois. [...] Do interesse em regular as atividades dos mestres, ou do ato unilateral de ensinar, impondo noções feitas, passou-se a procurar entender os discípulos no ato de aprender, em circunstâncias a isso favorável ou desfavorável, segundo suas condições de desenvolvimento. [...] A expressão pedagogia científica passou, então, a ser correntemente empregada.” M. B. Lourenço Filho, Introdução ao estudo da escola nova, 1929LOURENÇO FILHO, M. B. - Introdução ao estudo da escola nova. São Paulo, Melhoramentos, 1929.

É freqüente datar-se a moderna tecnologia da educação da década de 50, apontando-se como um dos seus marcos iniciais o artigo de B. F. Skinner, intitulado The science of learning and the art of teaching (1954)SKINNER, B. F. - The science of learning and the art of teaching. Harvard Educational Review, EUA (2§): 86-97, 1954., que examina as relações entre “a ciência do comportamento” e o processo de ensino. Anos mais tarde o mesmo tema iria merecer deste autor um livro de fôlego, Technology of teaching (1968)_______. Tecnologia de la ensenanza. (trad) Barcelona. Labor, 1970., hoje amplamente difundido nos meios educacionais, juntamente com outras obras do autor na mesma linha, muitas delas traduzidas para outras línguas. Outros grandes clássicos neste terreno são o Handbook of research on teaching (1963), editado por N. L. Gage, e The scientific basis of the art of teaching (1978), também de Gage, obra básica que já no próprio título mostra o papel de métodos, habilidades, técnicas e instrumentos, fundamentados na ciência, dentro da arte de educar.

Contudo, a “nova” tecnologia há muito se vinha esboçando, até mesmo desde a antigüidade clássica, com os ensinamentos de Sócrates, Platão ou Quintiliano, por exemplo, dirigidos aos educadores. A partir do século XVII, porém, tomaria maior alento, impulsionada por figuras como Comenius, La Salle, Pestalozzi e Froebel, que tentavam pôr em prática o pensamento educacional de grandes teóricos da época, como Francis Bacon, René Descartes, John Locke e Jean Jacques Rousseau. Vale aqui destacar o pioneirismo de Comenius, o primeiro a usar ilustrações nos livros escolares (1658), tendo declarado na Didática Magna (1630) ser seu propósito conseguir que “os que ensinam tenham menos que ensinar e os que aprendem tenham mais a aprender”, tornando o trabalho da escola “menos inútil” e de “maior aproveitamento”.

Os fundamentos científicos da moderna tecnologia educacional, no entanto, só iriam começar a consolidar-se em fins do século passado, notadamente a partir dos trabalhos experimentais do laboratório de psicologia de Leipzig, que exigiam novo rigor no instrumental destinado a medir reações humanas a estímulos como luz, som ou pressão sobre a pele. As provas então criadas em breve se estenderiam ao campo da educação, sob a forma de “testes mentais”, destacando-se o trabalho pioneiro de A. Binet e Th. Simon, que na França criaram “escalas de inteligência” para escolares. Esta nova forma de estudar processos cognitivos, que substituía a da introspecção, logo difundiu-se em diversos países da Europa e nos Estados Unidos.

Na segunda década do nosso século a técnica foi incorporada ao Movimento da Escola Nova, que bem cedo chegaria até nós. Pregando a reforma da instituição escolar, tal corrente firmava-se de um lado nos achados da biologia, da psicologia e da sociologia, e de outro em uma nova concepção dos fins da escola. Sobre tais bases, propunha a revisão de objetivos e meios da educação formal, fundamentando estas nas descobertas das ciências humanas e aquelas em uma nova filosofia educacional, que destacava a função social e política do trabalho educativo. Assim, de mais de encarar a escola como fator do desenvolvimento integral do aluno, indo muito além da transmissão de conhecimentos, atribuía-lhe o papel de agente da mudança da própria sociedade. Percebida a educação nestes termos, como direito de cada um e prioridade social, viu-se o Estado compelido a oferecê-la à totalidade dos cidadãos. Datam dessa época os grandes esforços de educação nacional, que iriam revigorar os Ministérios de Instrução Pública, cria dos n século XIX. A educação formal começava então a merecer tratamento mais técnico. Dentro desta linha de pensamento e ação, iria criar-se o nosso Ministério de Instrução Pública, Correios e Telégrafos, em 1890. Sua duração, todavia, seria efêmera, pois no ano seguinte iria desaparecer.

UMA “PEDAGOGIA CIENTÍFICA”

“A instrução acadêmica está longe do nível científico desta idade; [. . .] a instrução secundária oferece ao ensino superior uma mocidade cada vez menos preparada para o receber . . .” Rui Barbosa, Parecer sobre o ensino primário, 1883

Alteradas as finalidades da escola, havia que renovar-lhe também os meios, dando-lhe uma “pedagogia científica”. Entre nós, um dos seus maiores defensores seria Rui Barbosa, que no seu hoje clássico Parecer sobre o ensino primário (1883) criticaria asperamente as práticas de verificação da aprendizagem. Condenando com veemência a “rotina pedagógica”, acusava-a de “deformar o ensino”, transformando-o “em simples memorização de textos e anotações”, que “automatizavam mestres e alunos, convertidos em máquinas de repetir”. Daí propor a reforma do sistema escolar, em bases que facilitassem expulsar das salas de aula “o hábito de moldar rigorosamente a lição do professor pelo texto do livro”, perpetuando “a reprodução estéril [. . .] da frase inflexível do compêndio e da palavra servil do professor”. É que então o mestre muita vez atuava mais como “lente” de obras alheias, cujo domínio iria cobrar ao aluno de forma que lhe embotava o pensamento. “Essa exclusiva soberania, esse culto religioso da educação mecânica”, reclamava Rui Barbosa, “floresce entre nós como em parte alguma. Estende-se como uma peste da escola ao liceu, do liceu às Faculdades. Passa da cartilha aos temas de exame e dos temas de exame aos apontamentos acadêmicos”. Mesmo nos cursos superiores era comum decorarem-se” os pontos de aula”, compilados em “sebentas”, que hoje a tecnologia enxugou em apostilas reproduzidas por mimeográfo ou por máquinas de xerogravar.

Para dar cobro a tal “descalabro”, propunha rigoroso controle do rendimento do ensino (o grifo é meu), tratando ele próprio de iniciar “a indispensável estatística escolar”, colhendo e publicando dados relativos ao biênio 1857-58. Solicitava, também, o banimento das “mesas de exame final”, nas quais, deplorava, só era importante a memória, igualmente se insurgindo contra questões das provas escritas. Para sublinhar a impropriedade destas últimas, transcreveria no próprio parecer algumas delas, como as seguintes: “Qual o guerreiro que arrastou três vezes o corpo do inimigo vencido, ao redor dos muros de cidade tão célebre quanto desgraçada?” ou “Que animal a mitologia representa com três cabeças?” Defendia, então, a necessidade de formação específica para o magistério, medida que só muitos anos depois se iria efetivar.

Embora desde o Império já contássemos com algumas escolas normais (a primeira criada em 1835, em Niterói), somente após a guerra de 1914-18 e depois de começada a consolidação do nosso sistema de instrução pública, essa formação profissional se consubstanciaria. Datam dos anos 20 as primeiras reformas com base científica do nosso ensino primário e normal, e dos anos 30 a criação e o início da difusão das Faculdades de Educação, Ciências e Letras, que iriam preparar o professorado do 2o grau. Por oportuno, registro aqui o trabalho pioneiro, no campo da verificação do rendimento escolar, desenvolvido nos então criados Centros de Pesquisas Pedagógicas, por educadores como Medeiros e Albuquerque (cujo livro Testes, 1924, marcou época), Isaias Alves, Paulo Maranhão e Lourenço Filho. Suas provas objetivas e padronizadas, de nível mental, de medida da escolaridade e de apuração da prontidão para a aprendizagem da leitura e da escrita serviriam de inspiração para o aperfeiçoamento do controle do rendimento nas escolas do País. A essa época surgiam novas teorias de aprendizagem, que também influiriam na avaliação educacional.

Quanto ao ensino superior, não obstante as reformas que desde 1946 nossa universidade veio sofrendo, e apesar dos estímulos mais recentes aos cursos de especialização e de aperfeiçoamento didático, com incentivos especiais aos seus concluintes, em termos de progressão na carreira, ainda se ressente de carência. Apesar da maior divulgação de teorias de ensino/aprendizagem, como as de Skinner, Kohler, Lewin, Bruner e Gagné, o trabalho docente segue linha muito empírica.

A AVALIAÇÃO NA MODERNA TECNOLOGIA DE ENSINO/APRENDIZAGEM

“Podeis aprender que o homem é sempre a melhor medida. Mais, que a medida do homem não é a morte, mas a vida.” João Cabral de Melo Neto, Poesias

Em qualquer projeto educativo, planejado para lograr fins bem determinados, e desenvolvido de forma sistemática sobre bases científicas, como requer a tecnologia, a avaliação tem papel central. Segue de perto o trabalho todo, desde o esboço do planejamento dos objetivos até o término da execução do projeto. Todas as decisões que, no seu desenrolar, se vão impondo, apoiam­se nas informações que ela fornece. Utilizando procedimentos já validados e instrumental construído segundo preceitos técnicos, a avaliação vai colhendo dados para os organizar segundo critérios bem definidos e lhes atribuir maior ou menor valor para os propósitos em vista. Ajuda, então, a responder a indagações-chave, como: que é preciso alterar? que intervenções se devem fazer ou ampliar? que recursos materiais, humanos, administrativos e econômicos exigem outro tratamento? que atividades reclamam substituição ou, até; abandono? que necessidades da clientela pedem atendimento prioritário? como se poderá envolver mais ativamente a comunidade no esforço educativo? e assim por diante. Atua, então, como fonte permanente - e confiável porque metódica e racional - de retroalimentação do sistema. Firmando-se em bases pertinentes e objetivas, permite ao projeto ir reajustando sua estrutura e seu funcionamento, de sorte a lograr mais efetividade, enquanto mesmo se vai cumprindo.

Um trabalho educativo feito nos moldes da moderna tecnologia caracteriza-se, portanto, por uma análise científica e planejada dos problemas, tratados como partes de todo um sistema, que deve funcionar de modo integrado. Apoia-se em teorias de aprendizagem e de ensino claramente formuladas e utiliza a avaliação como elemento de controle e aperfeiçoamento de cada etapa. Estes, em princípio, assim se configuram:

  • análise da situação encontrada (feita por meio de avaliação diagnóstica);

  • escolha dos fins a alvejar e seu subseqüente desdobramento em objetivos intermediários, expressos em termos de reações palpáveis, isto é, de produtos passíveis de observação (formulação que, logo em seguida, irá orientar e dar bases para sucessivas avaliações, de resultados imediatos e mediatos);

  • seleção de métodos e procedimentos capazes de levar aos objetivos buscados, com economia de tempo, esforços e custos, respeitando as necessidades e os anseios das pessoas em causa (etapa que depende de uma série de comparações e avaliações);

  • previsão dos procedimentos de avaliação do processo e do produto, considerados no seu todo e em suas partes, do ponto de vista humano, material, administrativo e econômico (fase que exige adaptação ou criação de instrumentos de mensuração adequados a cada propósito);

  • desenvolvimento do trabalho, empregando, entre os processos e meios disponíveis, todos cientificamente validados, os que melhor atendem às situações que se vão configurando (passo que se funda em coordenação racional de todos os recursos, com vistas ao seu melhor rendimento, e que por isto demanda avaliação constante, de caráter formativo, isto é, capaz de orientar o próprio reajuste do processo durante o seu curso);

  • análise crítica dos resultados terminais, para controlar a qual idade do produto e nele identificar pontos que reclamam aperfeiçoamento (ocasião em que uma avaliação de natureza somativa aprecia o nível de competência alcançado pelos participantes, nos setores de interesse).

O simples arrolamento destes componentes básicos mostra que, diversamente do que pensam alguns, a tecnologia educacional associa-se muito mais à metodologia de trabalho que a tipos de equipamentos. Prende-se mais aos seres humanos que representam o foco de ensino/aprendizagem, com suas diferenças individuais de capacidades, habilidades, interesses e estilos de aprendizagem, que a material didático. Dá à avaliação lugar de destaque no sistema, desenvolvendo-se de modo planejado, capaz de adequá-la a objetivos e meios empregados, mas sobretudo às necessidades e aspirações das pessoas envolvidas. Para tanto, a faz recorrer a procedimentos e a instrumentos diversificados, que incluem provas de diversos tipos, questionários, levantamentos, fichas de observação, listas de verificação etc. Atribui-lhe importância especial, como se pode observar no diagrama a seguir, que constitui representação esquemática extremamente simplificada, cujo único objetivo é didático.


PROJETO EDUCACIONAL* * Baseado em uma filosofia que lhe define os fins, e em teorias de ensino/aprendizagem

Embora não raro esta tecnologia faça uso de recursos mais sofisticados, como televisão (em circuito aberto, fechado ou a cabo), rádio, terminais de computador em sala de aula, serviços de telemática (que combinam recursos de telecomunicações com de informática), filmes sonorizados, gravadores de som e de imagem etc, deles não depende necessariamente. Seu núcleo é o educando, que constitui o alvo do trabalho que os educadores irão desenvolver. Vale aqui lembrar que os alunos com freqüência já levam para a sala de aula equipamento que a tecnologia do século XX lhes oferece, como calculadoras de bolso, diapositivos ou transparências. Com a progressiva redução do tamanho de receptores de rádio e de televisão, com o advento dos componentes miniaturizados de silicone, que tornaram viáveis os microprocessadores, e com a disseminação dos transistores que dispensam instalações elétricas, a tendência é aumentar a utilização de material desta natureza. Entretanto, para atingir seus fins a tecnologia educacional não os exige, pedindo tão somente o domínio dos conhecimentos, métodos, técnicas e instrumentos que constituem o seu corpo, e cujo bom ou mau aproveitamento será condicionado, em última análise, pelos seres humanos que os empregam.

Só para ilustrar alguns dos procedimentos e técnicas sistematizados e validados por essa tecnologia, lembremos: o ensino individualizado, feito com apoio em módulos ou em contratos de aprendizagem; telecursos; tutoria à distância; diversos tipos de instrução programada (de caráter indutivo e dedutivo); ensino por correspondência, com retroalimentação prevista por correio, por rádio ou por telefone (este com amplificador acoplado); grupos de estudo, nos quais o aluno também desempenha funções docentes (como discussão dirigida, debate em seminário, painel, mesa-redonda, forum e simpósio); jogos e dramatizações educativos (em duplas ou em grupos maiores); simulação (em laboratório, em situação quase real com variáveis sob controle e com modelos reduzidos); estágios supervisionados de trabalho, entremeados em cursos regulares, de modo a ampliar a experiência do aluno; ensino para o domínio, servido por abundante material de recuperação paralela; minicursos, com hétero e auto-avaliações; laboratórios de línguas, com tipos diferenciados de auto-ensino. Estes são meros exemplos de meios dos quais o professor pode lançar mão para facilitar a ação educativa. A ele, porém, cabe a responsabilidade de escolher os que melhor sirvam às necessidades dos alunos e aos seus propósitos, levando em conta suas possibilidades e disponibilidades, mas sobretudo dentro de sua própria maneira de conceber ensino/aprendizagem e da sua habilidade de organizar e de criar experiências significativas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • CASSIDY, M. F. - Toward integration: education, instructional technology, and semiotics. Educational Communication and Technology Washington, DC, EUA, 30 (2):75-90, Summer 1982.
  • FOUCAULT, M. - Vigiar e punir (trad). Petrópolis, Vozes, 1977.
  • LOURENÇO FILHO, M. B. - Introdução ao estudo da escola nova São Paulo, Melhoramentos, 1929.
  • MEDEIROS, E. B. - Manual de medidas e avaliação para escola e empresa Rio de Janeiro, Edit. Rio, 1976.
  • ROEDER, H. - Normal schools curriculum. Journal of Educational Measurement, EUA, 10(20):33-39, 1973.
  • SHANE, H. G. - The silicon age and education. Phi Delta Kappa EUA, 4(4):303-308, Jan. 1982.
  • SKINNER, B. F. - The science of learning and the art of teaching. Harvard Educational Review, EUA (2§): 86-97, 1954.
  • _______. Tecnologia de la ensenanza. (trad) Barcelona. Labor, 1970.
  • 1
    *Conclusão do trabalho publicado na Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, 6(2): 89-100, maio/ago, 1982.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1982
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com