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Maquete para o ensino do imageamento da superfície da Terra por satélites de observação

Use of models to understand the process of imaging the Earth’s surface by observation satellites

Resumos

Apresentamos neste trabalho a descrição de uma maquete utilizada para simular a obtenção de imagens da superfície da Terra, feita por satélites de observação. Esta maquete foi utilizada no decorrer de uma disciplina de Sensoriamento Remoto de um curso técnico em Agrimensura de uma instituição federal de educação profissional do Estado de Goiás. O objetivo dessa atividade foi contribuir para a aprendizagem significativa dos estudantes acerca do movimento de um satélite em torno do planeta Terra e sobre como ocorre o processo de imageamento da superfície terrestre. O uso dessa maquete propiciou ao estudante compreender que o satélite se movimenta em torno da Terra, em uma órbita fixa, e que o imageamento de todo o globo terrestre só é possível devido à combinação desse movimento orbital com o movimento de rotação da Terra.

Palavras-chave:
Maquete; sensoriamento remoto; ensino de ciências; satélite de observação


This work presents a description of a model to simulate the acquisition of images of the Earth’s surface by observation satellites. This model was used in a discipline of Remote Sensing of a technical course in Surveying of a federal institution of professional education in the State of Goiás. The objective is to provide significant learning about the orbital motion of a satellite and the process of imaging the Earth’s surface. As a result, the use of the model provided the understanding that the satellite moves in a fixed orbit around the Earth. It also provided the understanding that the imaging of the entire terrestrial globe is only possible due to the combination of the satellite’s orbital movement with the Earth’s rotation.

Keywords:
Model; remote sensing; science teaching; observation satellite


1. Introdução

A corrida espacial entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), iniciada no final da década de 1950, foi marcada pelo avanço tecnológico e a capacidade humana de explorar o espaço. A partir desse período foram colocados inúmeros satélites em órbita da Terra; as sondas coletaram informações da Lua e de outros planetas; e o homem foi enviado ao espaço, chegando inclusive a pisar na superfície da Lua. Nesses acontecimentos e invenções tecnológicas, o Sputnik 1 foi o primeiro satélite a ser colocado no espaço, em 4 de outubro de 1957, pela antiga União Soviética (atual Rússia), sendo seguido pelo Explorer 1, lançado pelos americanos em janeiro de 1958 [1[1] A.B. Carleial, Parcerias Estratégicas 4, 21 (1999).]. A partir destes, diversos outros satélites foram colocados em órbita, tanto por esses dois países quanto por outros, o que proporcionou grandes melhorias na área de telecomunicações, com transmissões de imagem e som de forma quase instantânea. A navegação marítima e aérea também foi beneficiada, assegurando-se o estabelecimento de rotas confiáveis e seguras. Além disso, possibilitou também a obtenção de imagens da superfície da Terra para diversas finalidades.

Antes do desenvolvimento da tecnologia espacial, que possibilitou a construção e o lançamento de satélites ao espaço, as imagens da superfície terrestre eram restritas às fotografias aéreas, obtidas por câmeras colocadas em aviões e/ou em balões. A partir da década de 1970, passou-se a utilizar também as imagens obtidas por satélites em órbita da Terra, uso esse que foi potencializado pelos avanços tecnológicos, que propiciaram uma grande melhoria da qualidade dessas imagens, aproximando-se da resolução obtida pelas fotografias aéreas [2[2] B.F.T. Rudorff, Apostila: Produtos de sensoriamento remoto, disponível em http://www3.inpe.br/unidades/cep/atividadescep/educasere/, acessado em 23/03/2022.
http://www3.inpe.br/unidades/cep/ativida...
], o que permite uma gama de estudos e aplicações em diversas áreas do conhecimento.

Enquanto docente da disciplina técnica de Sensoriamento Remoto, que abrange o uso e aplicações de imagens de satélites e fotografias aéreas na área de Agrimensura, tenho observado que a maioria dos alunos tem a percepção de que a obtenção de imagens de satélites é feita de forma semelhante à de fotografias aéreas. Para esses alunos, tanto o local quanto o momento de aquisição de uma imagem de satélite pode ser definido conforme a necessidade do interessado. Nessa perspectiva, o satélite poderia mudar de uma posição para outra, de forma semelhante a um avião que sobrevoa uma dada região de interesse e depois se desloca para outra, definindo apenas uma nova rota. Neste modelo, o aluno desconsidera a existência e a necessidade de uma órbita fixa para que um satélite possa orbitar a Terra.

Com o intuito de contribuir para a mudança dessa percepção dos alunos, construímos uma maquete que possibilitasse representar, simultaneamente, tanto o movimento de rotação da Terra quanto o movimento orbital de um satélite de observação, permitindo, assim, a partir da composição desses dois movimentos, demonstrar como acontece o imageamento da superfície da Terra realizado por um satélite de observação. Esta proposta difere da maioria dos textos sobre essa temática, contidos em livros [3[3] INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, Introdução ao processamento digital de imagens (IBGE, Rio de Janeiro, 2001), n. 9., 4[4] T.G. Florenzano, Imagens de satélites para estudos ambientais (Oficina de Texto, São Paulo, 2002)., 5[5] P.R. Meneses, em: Introdução ao Processamento de Imagens de Sensoriamento Remoto, editado por P.R. Meneses e T. Almeida (UNB, Brasília, 2012).] e artigos científicos [6[6] C.L. Crispim e A. Albano, Pesquisar – Revista de Estudos e Pesquisas em Ensino de Geografia 3, 46 (2016).], pois, enquanto eles trazem explicações de como ocorre o processamento e a extração de informações das imagens de satélite, nós priorizamos os conhecimentos sobre o movimento orbital de um satélite e o movimento de rotação da Terra, e a sua relação com o processo de imageamento da superfície da Terra.

2. Maquete como Recurso Didático

De acordo com Pitano e Roqué [7[7] S.C. Pitano e B.B. Roqué, Educação Unisinos 19, 273 (2015).], a maquete é um dos recursos didáticos utilizados nas aulas de Geografia, que serve para representar um objeto em sua forma tridimensional em escala reduzida, real ou ampliada, e que permite ao observador apropriar-se do objeto através de sua manipulação e visualização. De forma similar, Gomes, Silva e Oliveira [8[8] A. Gomes, C.C. Silva e A.R. Oliveira, Educação Pública 20, 1 (2020).] concluem que a utilização de “maquetes físicas como recurso didático apresentou-se como estratégia eficiente no auxílio à compreensão espacial e aprendizagem de representação e confecção de projetos arquitetônicos”. Afirmam ainda que esse uso de maquetes proporcionou uma maior participação e interesse dos alunos, além de contribuir para minimizar a evasão nas aulas da disciplina de Projeto Arquitetônico.

O uso de maquetes também é muito comum na astronomia, principalmente para simular os movimentos da Terra e da Lua [9[9] G.A.C. Boaventura, O uso do dispositivo de Orrery no ensino de Astronomia no ensino médio. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro (2015)., 10[10] P.B.V. Santos, C.J. Gonçalves e L.P. Piassi, Revista do Edicc 5, 221 (2018)., 11[11] A. Castro, Maquetes com movimentos da Terra - Orrery, disponível em: https://amadeuscastro.wordpress.com/2019/01/08/maquete-com-movimentos-da-terra-orrery/, acessado em 28/11/2021.
https://amadeuscastro.wordpress.com/2019...
, 12[12] V.M. Menezes, G.C. Vitiello, R. Lacerda, R.M.B. Vieira, E.F. Gomes e L.P.C. Piassi, Experiências em Ensino de Ciências 15, 455 (2020).], proporcionando a visualização, dentre outros fenômenos, do dia e noite; das estações do ano; e dos eclipses solar e lunar. Lima Filho et al. [13[13] J.B. Lima Filho, M.L. Silva, H.P. Madureira e R.M. Ibiapina, Revista Brasileira de Ensino de Física 39, e3504 (2017).] argumentam que “[…] há situações em que uma imagem vale mais que muitas palavras, porque muitas vezes os alunos não conseguem mentalizar um objeto ou um fenômeno descrito de forma meramente verbal”. Eles concluem ainda que o uso de uma maquete permite “[…] a ativação dos vários sentidos do aluno graças a seu contato direto do com o objeto de estudo […] devido à sua extensão sensorial”. Além disso, Menezes et al. [12[12] V.M. Menezes, G.C. Vitiello, R. Lacerda, R.M.B. Vieira, E.F. Gomes e L.P.C. Piassi, Experiências em Ensino de Ciências 15, 455 (2020).] concluem que a utilização de maquetes é uma boa maneira para “[…] confrontar as ideias de senso comum dos estudantes […] com os conhecimentos científicos sobre astronomia”.

Nessa perspectiva, utilizamos uma maquete para representar, simultaneamente, os movimentos de rotação da Terra e orbital de um satélite de observação, numa órbita quase polar1 1 Órbita quase polar é aquela em que o satélite passa pelos polos com uma inclinação em relação ao eixo da Terra. de altitude baixa2[2] B.F.T. Rudorff, Apostila: Produtos de sensoriamento remoto, disponível em http://www3.inpe.br/unidades/cep/atividadescep/educasere/, acessado em 23/03/2022.
http://www3.inpe.br/unidades/cep/ativida...
(Figura 1). Para a construção dessa maquete foram utilizados os seguintes materiais:

Figura 1
Vista frontal da Maquete com as medidas para construção.
  1. Uma plataforma de apoio (01): feito de chapa de madeirite de 1 cm de espessura, com dimensões 80 cm × 40 cm;

  2. Quatro pés de madeira (02): com dimensões de 4 cm × 2 cm e 8 cm de altura,

  3. Um globo terrestre (03): com diâmetro de 30 cm;

  4. Duas hastes de madeira (04): de forma retangular de 1,5 cm × 4,0 cm e 31,5 cm de altura;

  5. Dois suportes de fixação das hastes de madeira (05): feito de madeira maciça no formato de um triângulo retângulo de 10 cm de lado e 2 cm de largura;

  6. Um tronco de pirâmide (06): feito de madeira maciça, com base de 15 cm × 8 cm e altura de 10 cm;

  7. Uma barra de parafuso roscada de 1/4 de polegada, de 47,6 cm de comprimento (07): utilizada como eixo da Terra;

  8. Uma barra de parafuso roscada de 1/4 de polegada, de 80 cm de comprimento (08): dobrada em segmentos ortogonais, formando uma manivela;

  9. Um alfinete com cabeça esférica de 3 mm de diâmetro (09): utilizado para representar o satélite;

  10. Seis porcas e seis arruelas para rosca de 1/4 de polegada, utilizadas para a fixação do eixo no globo e no tronco de pirâmide, e também da manivela nas hastes de madeira.

Iniciamos a construção da maquete a partir da confecção da base de apoio, feita de madeirite de 1 cm de espessura, com 80 cm de comprimento e 40 cm de largura. Esta base deve ser apoiada em quatro pés, feitos de madeira no formato retangular de 4 cm × 2 cm por 8 cm de altura, o que facilita a fixação do eixo do globo no tronco de pirâmide, cuja porca é posicionada na parte de baixo da plataforma. O tronco de pirâmide, feito com madeira maciça, com base maior de 15 cm e menor de 8 cm e altura de 10 cm, é utilizado para fixação do eixo do globo terrestre, com uma inclinação de 23cpsdummy 27´. Para se conseguir essa inclinação, deve ser feito um furo inclinado entre as duas bases do tronco de pirâmide, iniciando no centro da base superior e terminando a 4,3 cm do centro da base inferior, como mostra a Figura 2.

Figura 2
Tronco de pirâmide, detalhes com as medidas da posição do furo.
Figura 3
Desenho do suporte triangular, utilizado no apoio das hastes.

Depois de preparado o tronco de pirâmide, passamos para a confecção das duas hastes de madeira, de 1,5 cm de espessura por 4 cm da largura e 31,5 cm de comprimento. Essas hastes são fixadas na plataforma de apoio, com o auxílio de dois suportes triangulares, cujas bases medem 10 cm de lado e 2 cm de largura (Figura 3). Para uma melhor visualização da posição das peças sobre a plataforma de apoio, apresentamos a Figura 4 com as respectivas medidas.

A fixação das hastes de madeira e do tronco de pirâmide na base é feita traçando uma linha central no sentido longitudinal do lado maior da base, e marcando um ponto a 16,50 cm de sua extremidade direita. Em seguida, deve-se posicionar, a partir desse ponto, a primeira haste, fixando-a com quatro pregos de tamanho 10×10. A segunda haste deve ser fixada sobre a mesma linha, a uma distância de 11,5 cm de distância da primeira marcação, deixando, assim, um espaço de 10 cm entre as duas hastes. O tronco de pirâmide será posicionado à 11 cm da extremidade esquerda da base, fixado também com pregos tamanho 10×10. Todos esses objetos devem estar bem fixos na plataforma, de modo a suportar os movimentos realizados durante seu uso.

Figura 4
Vista superior da maquete com os objetos fixados na plataforma de apoio.

O globo terrestre é fixado, na plataforma de apoio, por meio de uma barra de parafuso roscada de 1/4′′, de 47,5 cm de comprimento, introduzida em seu eixo central, na direção Sul-Norte, e rosqueada na parte de baixo da plataforma; sendo que o furo na plataforma deve acompanhar a direção do furo existente no tronco da pirâmide. Para conseguir uma melhor estabilidade do globo, deve-se utilizar uma porca com arruela nas suas duas extremidades, de forma a fixá-lo rigidamente ao eixo. A inclinação de, aproximadamente, 23cpsdummy 27´ do eixo de rotação do globo terrestre é conseguida com a passagem desta barra de parafuso roscado pelo furo do tronco de pirâmide, que foi previamente fixado na plataforma de apoio.

A manivela, usada para auxiliar na simulação da órbita do satélite de observação, é confeccionada utilizando-se uma barra de parafuso roscado de 80 cm, dobrada, em ângulos de 90 graus, nas posições: 20 cm; 40 cm; 60 cm; e 70 cm, medidas a partir de uma de suas extremidades. Antes de dobrá-la, a barra deve ser introduzida nos furos das hastes de suporte, que fica na parte superior da base, conforme Figura 4. Finalizado esse procedimento, teremos uma manivela contendo segmentos ortogonais de dimensões 20 cm × 20 cm × 20 cm × 10 cm × 10 cm, no qual esse último segmento, de 10 cm, se constituirá na alça da manivela, utilizada para realizar o movimento do satélite ao redor do globo. Na extremidade oposta dessa manivela, deve-se fixar um alfinete, com cabeça de 3 mm, representando o satélite de observação.

Embora tivéssemos a intenção de representar a Terra, o satélite e a altitude do satélite em escala proporcional às suas dimensões reais, adotamos essa relação de proporcionalidade apenas entre o diâmetro da Terra e a altitude da órbita do satélite, pois, se usássemos essa proporcionalidade para o tamanho do satélite, ele ficaria invisível a olho nu. A Figura 5 mostra a foto da maquete pronta para o uso, representando a Terra e a órbita de um satélite de observação.

Figura 5
Foto da maquete que representa a Terra e a órbita de um satélite de observação.

3. Procedimentos para o Uso da Maquete

A maquete descrita neste artigo possibilita representar, simultaneamente, o movimento de rotação da Terra e a órbita quase polar de um satélite de observação, caracterizando dois movimentos com velocidades e direções diferentes, mas com uma sincronização entre eles. Enquanto a Terra gasta aproximadamente 24 horas para realizar o movimento de rotação em torno do seu eixo, o satélite de observação, que possui uma órbita circular entre 400 e 900 km de altitude, gasta em média de 99 a 100 minutos para completar uma volta em torno da Terra. Assim, no período de 24 horas o satélite executa, aproximadamente, 14 voltas em torno da Terra. É importante esclarecer que os movimentos do satélite e do globo terrestre são em direções diferentes, ou seja, enquanto a Terra gira na direção horizontal (Leste-Oeste) em relação à linha equatorial, o satélite de observação possui uma órbita próxima da vertical (Norte-Sul) em relação ao equador.

Dessa forma, mesmo o satélite tendo uma órbita fixa em torno do globo terrestre, o movimento de rotação da Terra permite que toda sua superfície seja imageada por ele. No entanto, o tempo necessário para cobrir toda a superfície do globo depende do tipo de sensor e da largura da faixa de imageamento3 3 Faixa de imageamento é uma região da superfície terrestre que o satélite “enxerga” durante sua órbita, e faz uma espécie de varredura. A largura dessa faixa varia conforme o satélite. de cada satélite.

Os satélites de faixas mais largas, acima de 200 km, cobrem extensas áreas em uma única passagem (órbita), levando menos tempo para cobrir toda a superfície do globo, porém fornecem imagens com poucos detalhes sobre o que existe na superfície. Neste caso, não é possível extrair, dessas imagens, informações sobre as ruas das cidades e rodovias, ou mesmo detalhes sobre lotes e casas em uma cidade. Já os satélites de faixas mais estreitas, de 10 a 30 km, fornecem imagens com mais detalhes, em que é possível visualizar objetos como as ruas da cidade, os lotes, as casas e os carros. Em contrapartida, estes satélites levam mais tempo para cobrir toda a superfície do globo terrestre, podendo chegar a trinta dias, pois necessitará de mais voltas em torno da Terra. Neste sentido, existem diferentes satélites de observação: tem aqueles que são construídos para fornecer imagens com mais detalhes da superfície, para uso específicos de áreas urbanas, onde o nível de detalhe é importante; e tem os que cobrem grandes áreas em um menor intervalo de tempo, mas que não fornecem tantos detalhes.

Para o uso da maquete na demonstração do processo do imageamento da superfície da Terra recomenda-se o auxílio de duas pessoas, sendo que uma delas deve ficar responsável por simular o movimento de rotação da Terra, girando o globo no sentido anti-horário, e a outra por girar a manivela, também no sentido anti-horário, representando a órbita do satélite. Esses dois movimentos devem ser feitos de forma sincronizada, de modo que a cada rotação do globo haja, aproximadamente, catorze voltas do satélite em torno da Terra, o que equivale a um dia de imageamento.

4. Exemplificando o Imageamento da Superfície Terrestre pelo Satélite Landsat-8

O Satélite Landsat-8 faz parte de uma série de satélites, iniciada em 1972 com o lançamento, pela agência espacial Norte-americana (NASA), do Earth-1, posteriormente renomeado para Landsat-1 [14[14] M.A. Moreira,Fundamentos do Sensoriamento Remoto e Metodologias de Aplicação (UFV, Viçosa, 2005), 3 ed.]. Optamos por usar o Landsat-8, em funcionamento desde 2013, como referência para os cálculos a seguir, pelo fato de ele ter sido um dos primeiros satélites de observação, e também por ter o maior acervo histórico de imagens da superfície da Terra.

O Landsat-8 possui uma órbita quase polar, com altitude de 705 km da superfície, e carrega um sensor de faixa larga, que imageia uma faixa de 185 km de largura. Para calcularmos o tempo necessário para este satélite cobrir toda a superfície terrestre, calcularemos primeiro a largura da faixa de superfície da linha do equador coberta a cada dia. Para isso, utilizaremos as seguintes informações: raio médio da Terra (rT) igual a 6.371 km; comprimento da linha do equador imageada (l) a cada passagem do satélite igual a 185 km, que é a faixa de imageamento do sensor do satélite; e o período da órbita do Landsat-8 (TS – tempo de uma volta do satélite em torno da Terra) igual a 99 min. O número de voltas que o satélite completa por dia em torno da Terra (n) é calculado pela razão entre o período de rotação da Terra (24 h = 1.440 min) e o período de rotação do Landsat-8: n = 1.440/99 = 14 voltas completas.

Tendo em vista que, durante sua órbita, o satélite Landsat-8 capta imagens apenas da face iluminada da Terra pelo Sol [15[15] A.R. Formaggio e I.D. Sances, Sensoriamento remoto em agricultura (Oficina de texto, São Paulo, 2017).], consideraremos apenas uma passagem do satélite sobre a linha do equador a cada volta. Isso faz com que seja reduzida pela metade a capacidade de cobertura da superfície da Terra pelo satélite, ou seja, ao final de um dia o Landsat-8 terá coberto uma faixa de 2.590 km (14 × 185 km) de todo o comprimento equatorial do globo terrestre. Considerando que o comprimento da circunferência da Terra (L) é de, aproximadamente, 40.000 km (L = 2π rT), em um dia esse satélite conseguirá cobrir menos de 7% da superfície terrestre. No entanto, é importante deixar claro que esses cálculos são aproximados e que não foram consideradas as sobreposições de faixas imageadas durante a órbita do satélite; situação essa que fica mais acentuada à medida que o satélite se aproxima dos polos.

Outro ponto interessante a ser tratado sobre o imageamento da superfície da Terra pelos satélites é quanto ao posicionamento de cada uma dessas faixas em relação à linha do equador, ou seja, o fato de elas não serem consecutivas. Isso faz com que haja, ao final de um dia, diversas regiões não imageadas entre essas faixas, como mostra a Figura 6. No caso específico do Landsat-8, podemos calcular a distância (d) entre duas faixas consecutivas, a partir da razão entre o comprimento da circunferência da Terra (L) e número diário de órbitas do satélite (n), o que resulta numa distância de 2.752 km entre os centros de duas faixas consecutivas de imageamento:

(1) d = 2 π r T n = 2 π 6.371 1.440 / 99 = 2.752 km

Figura 6
Representação gráfica das faixas imageadas e a distância entre elas.

Embora o satélite Landsat-8, exemplo deste trabalho, possua um sensor que imagea uma faixa de 185 km da superfície terrestre, a superfície utilizável deste imageamento é reduzida para 172 km por faixa, causada pela sobreposição lateral de cada uma delas, como mostra a Figura 7. Neste caso, considerando um comprimento de, aproximadamente, 40.000 km da circunferência na linha do equador, serão necessárias 233 faixas para cobrir todo o globo terrestre:

(2) Quantidade de faixas = 40.000 km 172 km = 232,56 233 faixas

Figura 7
Representação gráfica da largura da faixa sem sobreposição.

Ressalta-se que essa sobreposição não é constante em toda a órbita do satélite, ao contrário, ela aumenta à medida que se afasta da linha do equador, ficando bem mais acentuada nas regiões próximas aos polos. No entanto, para efeito de cálculos, é necessário considerar a região de menor sobreposição das faixas, para se garantir que toda a superfície terrestre seja imageada.

Outra informação importante a ser considerada é tempo de revisita do satélite, ou seja, o tempo que ele leva para sobrevoar novamente uma mesma região. Para realizar esse cálculo, consideramos que o satélite Landsat-8 executa 14 órbitas completas por dia, imageando uma faixa de 172 km, o que resulta em 2.408 km da faixa da linha do equador imageada, Nesse caso, considerando o comprimento da circunferência terrestre de, aproximadamente, 40.000 km, o Landsat-8 levaria, aproximadamente, 16 dias para finalizar o imageamento total da superfície da Terra.

(3) imageamento por dia = 14 * 172 km = 2408 km
(4) Dias de revisita = 40.000 km 2408 km = 16,6 16 dias

Assim, ao final de 16 dias o satélite Landsat-8 terá finalizado a cobertura de imagens de toda a superfície da Terra, passando, a partir daí, a repetir as faixas imageadas anteriormente. Portanto, o tempo mínimo necessário para se obter uma segunda imagem de uma mesma região é de 16 dias, o que é denominado de tempo de revisita.

5. Considerações Finais

O uso da maquete como recurso didático para o ensino sobre o imageamento da superfície terrestre por satélites é uma estratégica bastante apropriada, tendo em vista que a simulação mental do movimento orbital do satélite em conjunto com a rotação da Terra não é um exercício elementar. Contrapondo a essa situação, a maquete proporciona aos alunos uma percepção espacial do movimento orbital do satélite em conjunto com a rotação da Terra, o que contribui para o entendimento de que o imageamento total da superfície terrestre somente é possível devido à combinação desses dois movimentos.

Além de possibilitar aos alunos compreenderem que os satélites têm órbitas fixas, e que as imagens de uma região não pode ser obtida a qualquer momento, a maquete permite também que eles percebam que as faixas de imageamento não são contínuas, ou seja, que há um intervalo, razoavelmente grande, entre elas. Esta constatação, além de reafirmar a impossibilidade de se ter a imagem de uma região a qualquer momento, possibilita também a compreensão de que a imagem da totalização de uma cerca região só será possível a partir da junção de informações coletadas em dias diferentes e não consecutivos.

Referências

  • [1]
    A.B. Carleial, Parcerias Estratégicas 4, 21 (1999).
  • [2]
    B.F.T. Rudorff, Apostila: Produtos de sensoriamento remoto, disponível em http://www3.inpe.br/unidades/cep/atividadescep/educasere/, acessado em 23/03/2022.
    » http://www3.inpe.br/unidades/cep/atividadescep/educasere/
  • [3]
    INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, Introdução ao processamento digital de imagens (IBGE, Rio de Janeiro, 2001), n. 9.
  • [4]
    T.G. Florenzano, Imagens de satélites para estudos ambientais (Oficina de Texto, São Paulo, 2002).
  • [5]
    P.R. Meneses, em: Introdução ao Processamento de Imagens de Sensoriamento Remoto, editado por P.R. Meneses e T. Almeida (UNB, Brasília, 2012).
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    C.L. Crispim e A. Albano, Pesquisar – Revista de Estudos e Pesquisas em Ensino de Geografia 3, 46 (2016).
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    S.C. Pitano e B.B. Roqué, Educação Unisinos 19, 273 (2015).
  • [8]
    A. Gomes, C.C. Silva e A.R. Oliveira, Educação Pública 20, 1 (2020).
  • [9]
    G.A.C. Boaventura, O uso do dispositivo de Orrery no ensino de Astronomia no ensino médio. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro (2015).
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    P.B.V. Santos, C.J. Gonçalves e L.P. Piassi, Revista do Edicc 5, 221 (2018).
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  • [12]
    V.M. Menezes, G.C. Vitiello, R. Lacerda, R.M.B. Vieira, E.F. Gomes e L.P.C. Piassi, Experiências em Ensino de Ciências 15, 455 (2020).
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    J.B. Lima Filho, M.L. Silva, H.P. Madureira e R.M. Ibiapina, Revista Brasileira de Ensino de Física 39, e3504 (2017).
  • [14]
    M.A. Moreira,Fundamentos do Sensoriamento Remoto e Metodologias de Aplicação (UFV, Viçosa, 2005), 3 ed.
  • [15]
    A.R. Formaggio e I.D. Sances, Sensoriamento remoto em agricultura (Oficina de texto, São Paulo, 2017).
  • 1
    Órbita quase polar é aquela em que o satélite passa pelos polos com uma inclinação em relação ao eixo da Terra.
  • 2
    Órbita de altitude baixa refere-se a uma órbita entre 400 a 900 km acima da superfície da Terra.
  • 3
    Faixa de imageamento é uma região da superfície terrestre que o satélite “enxerga” durante sua órbita, e faz uma espécie de varredura. A largura dessa faixa varia conforme o satélite.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2022
  • Revisado
    24 Jun 2022
  • Aceito
    05 Jul 2022
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