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1905 e tudo o mais

1905 and all that

Resumos

Neste artigo discuto como Einstein reivindicou seu espaço ao mudar o panorama da física durante seu annus mirabilis.

história da física; física moderna; Albert Einstein


In this paper, I discuss how Einstein claimed his place in changing the landscaping of physics in his annus mirabilis.

history of physics; moderns physics; Albert Einsten


ARTIGOS DE EINSTEIN E ENSAIOS SOBRE SUA OBRA

1905 e tudo o mais* * Versão expandida do artigo publicado na Nature 243, 215-217 (2005) de 20 de Janeiro de 2005 no suplemento especial em comemoracão ao Ano Mundial da Física. Traducão de Penha Maria Cardoso Dias, Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

1905 and all that

John Stachel

Departamento de Física e Centro de Estudos de Einstein, Universidade de Boston, Boston, EUA

RESUMO

Neste artigo discuto como Einstein reivindicou seu espaço ao mudar o panorama da física durante seu annus mirabilis.

Palavras-chave: história da física, física moderna, Albert Einstein.

ABSTRACT

In this paper, I discuss how Einstein claimed his place in changing the landscaping of physics in his annus mirabilis.

Keywords: history of physics, moderns physics, Albert Einsten.

1. Introdução

Ao final de 1904, um leitor a quem ocorresse olhar de relance as contribuições no Annalen der Physik (a mais importante revista alemã, de Física) de um certo Albert Einstein, um obscuro funcionário do Departamento Suíço de Patentes, teria achado exatamente cinco artigos - o primeiro em 1901, quando seu autor tinha 22 anos. Eles constituíam a totalidade de sua obra publicada e nenhum era suficientemente notável para que nosso hipotético leitor antecipasse a natureza ou o significado dos próximos cinco artigos de Einstein [1,2,3,4,5] todos submetidos ao Annalen em 1905, seu annus mirabilis ou ano de prodígios.

Alguém próximo a ele, tal como sua colega no curso de Física e, posteriormente, sua esposa, Mileva Maric, ou o velho amigo e colega no Departamento de Patentes, Michele Besso, teriam estado mais bem preparados para o que estava por vir. Essas pessoas sabiam que, pelo menos desde seus dias de estudante na Politécnica Federal Suíça (1896-1900), o jovem Einstein estava preocupado com os fundamentos da física teórica. Ele estava testando tanto a solidez quanto a fraqueza do edifício erigido por seus predecessores nesse campo e já começava a sugerir modificações em seus fundamentos [6].

2. Novos desafios para o legado de Newton

Ao longo do século XIX, a visão mecânica do mundo - baseada na formulação de Isaac Newton, no Principia (1687), de uma cinemática e dinâmica para os corpúsculos de matéria e coroada por sua sensacionalmente bem sucedida teoria da gravitação - foi primeiramente contestada pela óptica e, depois, pela eletrodinâmica dos corpos em movimento. A teoria corpuscular da luz, de Newton, não mais era sustentável: ela explicava a lei da refração de Snell, assumindo que os corpúsculos de luz aumentassem a velocidade ao passar de um meio com um menor [índice de refração] para um meio com um maior índice de refração. Após Foucault e Fizeau terem demonstrado (1849) que a luz diminui a velocidade, como predito pela rival teoria ondulatória da luz, esposada pelo contemporâneo de Newton, Christiaan Huygens, o debate entre as teorias ondulatória e corpuscular parecia ter terminado. O problema, agora, seria ajustar a teoria ondulatória da luz ao restante da descrição newtoniana do mundo. O éter - o meio hipotético através do qual se assumia que as ondas de luz se propagassem, na ausência de matéria ponderável ordinária - parecia prover um corpo físico para o espaço absoluto de Newton. Entretanto, a elucidação da relação entre o éter e a matéria ponderável apresentava graves problemas: A matéria, ao se mover, arrastaria consigo o éter, seja parcial ou totalmente - ou o éter permaneceria imóvel? Provou-se impossível reconciliar as conseqüências de qualquer uma dessas hipóteses com os novos resultados experimentais da óptica dos corpos em movimento.

Em 1818, Augustin Fresnel propôs uma fórmula que explicasse todos os fatos conhecidos [7]. De acordo com a fórmula de Fresnel, luz em um meio transparente em movimento adquire somente uma fração da velocidade [que possui], quando o meio está em repouso, uma fração que depende do índice de refração do meio. Isso poderia sugerir que a lei de adição de velocidades de Galileu malograsse para a luz - como, de fato, agora sabemos que acontece. Mas tal explicação radical da fórmula era impensável, na época. Fresnel explicou sua fórmula, assumindo que o éter fosse parcialmente arrastado pelo meio movente - sua fórmula nos diz a fração que é arrastada. Usando o índice de refração médio da luz do Sol, a fórmula explicava a Lei de Bradley (1726) da aberração estelar, predizia os resultados do experimento de Fizeau (1851) sobre a velocidade da luz na água em movimento e, de fato, o malogro de todos os experimentos de primeira ordem (em v/c, onde v é a velocidade da Terra e c é a velocidade da luz no vácuo) em detectar o movimento da Terra através do éter. Mas luz de diferentes cores tem diferentes índices de refração e experimentos cuidadosos mostraram que uma quantidade diferente de arrasto tinha de ser assumido para cada cor; bem como para cada um dos dois raios em um meio com refração dupla. A fórmula era boa, mas claramente necessitava uma explicação que não envolvesse arrasto do éter. Pelo último terço do século XIX, muitos físicos estavam alertas para o problema [8].

Após James Clerk Maxwell ter mostrado que a luz pode ser interpretada como um movimento ondulatório dos campos elétrico e magnético, obedecendo ao que hoje chamamos de equações de Maxwell para esses campos, entendeu-se que problemas óticos eram somente um caso especial de problemas similares em tentar reconciliar a eletrodinâmica de corpos em movimento com a cinemática e a dinâmica newtonianas. Havia, agora, problemas adicionais, tais como o malogro de Trouton e Noble (1902) em detectar o torque rotacional predito em um condensador carregado movendo-se através do éter.

3. Tentativa de Lorentz de salvar a teoria de Newton

Ao final do século, Hendrick Antoon Lorentz pareceu ter superado todos esses problemas com sua interpretação das equações de Maxwell. Ele assumiu que o éter eletromagnético fosse totalmente imóvel (nenhum arrasto!). A matéria é composta de partículas carregadas que criam campos elétricos e magnéticos à medida que se movem através do éter e são, por sua vez, submetidas a uma força devida a esses campos elétrico e magnético, a qual agora chamamos de força de Lorentz.

Embora, na mecânica, seja impossível distinguir um referencial inercial preferencial (esse resultado é, freqüentemente, denominado de princípio da relatividade de Galileu), a situação parecia, agora, ser diferente para a eletrodinâmica e a óptica. O referencial de repouso do éter fornece um referencial inercial preferencial e o movimento através dele deveria ser possível de detectar. Entretanto, todas as tentativas para detectar esse movimento por meio de efeitos ópticos, elétricos ou magnéticos fracassaram repetidamente. Lorentz teve sucesso em explicar porquê. Ele mostrou que sua teoria poderia explicar a fórmula de Fresnel sem assumir nenhum arrasto; assim, nenhum efeito de um movimento através do éter deveria ser detectado por qualquer experimento sensível em primeira ordem em v/c. Até a década de 1880, nenhum experimento com maior sensibilidade tinha sido feito e sua explicação do fracasso de todos os outros experimentos anteriores foi, na verdade, uma conquista que rematava a teoria de Lorentz.

4. Nuvens se acumulam

A mecânica de Newton parecia, agora, ter respondido com sucesso ao desafio da óptica e da eletrodinâmica. Mas as sementes de sua queda já haviam sido plantadas. No decurso de uma de suas demonstraçãoes da fórmula de Fresnel, Lorentz foi levado a introduzir uma transformações do tempo absoluto de Newton para uma nova variável temporal, a qual é diferente para cada referencial inercial que se move através do éter. Como a relação entre o tempo absoluto e seu novo tempo variava de lugar para lugar, Lorentz o chamou de "tempo local" daquele referencial. Lorentz entendeu a transformação de um tempo absoluto para um local como um artifício puramente matemático, útil para demonstrar certos resultados físicos. Mas Henri Poincaré, o grande matemático que se ocupou extensivamente com problemas de física, foi capaz de dar uma interpretação do tempo local, dentro do contexto da cinemática newtoniana: É o tempo que relógios em repouso em um referencial que se move através do éter marcariam, se fossem sincronizados usando sinais de luz, mas sem levar em consideração o movimento do referencial. Isso era uma indicação importante de que problemas de eletrodinâmica e óptica dos corpos em movimento seriam relacionados ao conceito de tempo. Mas, como veremos, foi Einstein quem fez o corte final com o conceito de tempo absoluto, afirmando que o tempo local de um referencial inercial é tão fisicamente significativo quanto o de outro [referencial], pois não há tempo absoluto com o qual os dois possam ser comparados.

Mas antes de ser terminada (1892), a teoria de Lorentz já estava com dificuldades. Albert A. Michelson, um especialista em interferometria óptica, conseguiu realizar um experimento destinado a detectar movimento através do éter, sensível a segunda ordem, isto é, (v/c)2. De acordo com a teoria de Lorentz, esse experimento deveria ter sido um sucesso, mas não o foi. Para explicar esse fracasso, Lorentz começou a remendar sua teoria, introduzindo transformações para novas coordenadas espaciais em um referencial em movimento. Para que essa transformação matemática eliminasse o efeito de segunda ordem predito, o próprio Lorentz interpretou-a como correspondendo a uma contração real dos corpos rígidos, dinamicamente induzida, na direção de seus movimentos através do éter, devido a forças eletromagnéticas exercidas nas partículas que compõem o corpo. Chamamos agora esse efeito de contração de Lorentz, embora, graças a Einstein, ele, agora, é entendido como o efeito puramente cinemático de comparar comprimentos em dois referenciais inerciais, em vez de uma contração dinâmica devida ao movimento através do éter. Por final (1905), Lorentz foi também obrigado a modificar sua definição de tempo local e é essa definição modificada que concorda, formalmente, com a lei cinemática de transformação temporal que Einstein deduziu em 1905.

5. O desafio da teoria cinético-molecular

A despeito dos problemas em torná-la compatível com a eletrodinâmica, a descrição mecânica do mundo estava longe de ter exaurido todo seu potencial, ao final do século dezenove. Uma série de estudos teóricos brilhantes por Maxwell, Rudolf Clausius e Ludwig Boltzmann começava a mostrar como as leis empiricamente estabelecidas da termodinâmica poderiam ser explicadas em termos de modelos cinéticos moleculares da matéria, inicialmente para gases e, mais tarde, para líquidos e sólidos. Muitas das propriedades dessas substâncias, tais como suas condutividade térmica e viscosidade, poderiam também ser explicadas com base em tais modelos. Mas muitos aspectos da teoria cinético-molecular do calor permaneciam obscuros. Por exemplo, como poderiam as leis reversíveis no tempo, da mecânica, as quais governam o comportamento das partículas das quais a matéria é composta, dar origem ao comportamento irreversível no tempo de uma quantidade de matéria, sumarizado pela segunda lei da termodinâmica. Ao final do século, os 'energeticistas' - um grupo de influentes físicos e especialmente físico-químicos - contestaram a totalidade da teoria cinético-molecular do calor, exigindo que toda física fosse baseada nos conceitos macroscópicos de energia e colocando em dúvida a própria hipótese atômico-molecular. Se a energética for correta, as leis da termodinâmica são estritamente corretas; enquanto que, de acordo com a teoria cinético-molecular, elas são resultados extremamente prováveis de algum processo [de cálculo] de médias sobre o número imensamente grande (número de Avogadro) de moléculas em uma amostra de matéria, de tamanho ordinário. Demonstrar a existência de violações microscópicas das leis da termodinâmica era, assim, um desafio crucial para a teoria cinético-molecular.

6. O desafio da radiação em cavidade

As leis recentemente desenvolvidas, que se encontrou para governar o comportamento de radiação eletromagnética em equilíbrio térmico (chamada 'radiação em cavidade' - Hohlraumstrahlung - em alemão, porque é o estado que tal radiação alcança, se confinada em uma cavidade com paredes a uma temperatura fixa, e 'radiação de corpo negro', em inglês, porque é a radiação que seria emitida por um corpo perfeitamente absorsor - logo, aparecendo preto - a uma temperatura fixa) também colocavam um desafio. O desafio era tanto prático - essa radiação poderia ser usada para prover um padrão de iluminação para gás, muito necessitado, bem como da iluminação elétrica, recentemente introduzida - quanto teórico. A energia total por unidade de volume da radiação de corpo negro e como ela depende da temperatura poderiam ser explicadas pelas leis conhecidas da termodinâmica e da eletrodinâmica. Mas a distribuição dessa energia de radiação pelas diferentes freqüências desafiava o cálculo clássico: Se fosse aplicado de modo consistente, [o cálculo] levava ao resultado absurdo que a energia total por unidade de volume deveria ser infinita, não importa quão baixa a temperatura da radiação. Antes da virada do século, experimento tinha levado a uma bem comportada distribuição de freqüência da energia (lei de Planck). O desafio era explicar teoricamente a lei de Planck.

7. Entra Einstein: Conservando a física clássica

O próprio Albert Einstein preocupou-se com todas essas áreas de problemas que mencionamos. Longe de ser um revolucionário não qualificado, seus primeiros artigos até 1904 estavam relacionados com os desenvolvimentos subseqüentes da mecânica clássica, em particular com a termodinâmica e a teoria cinético-molecular do calor. Ele tentou preencher alguns vazios que viu nessa teoria (ele, posteriormente, reconheceu que alguns desses vazios estavam em seu conhecimento da literatura existente). Antes de 1905, Einstein já estava determinado a demonstrar tanto a realidade das moléculas, mostrando como seu tamanho poderia ser estimado a partir do efeito na viscosidade de um fluido, de uma suspensão de pequenas partículas no fluido, quanto a necessidade da teoria cinético-molecular, mostrando que violações microscópicas das leis da termodinâmica existem. Isto é, fenômenos de flutuação, inconsistentes com a termodinâmica puramente macroscópica, mas facilmente explicáveis pela teoria cinético-molecular do calor, podem ser realmente observados - de fato, haviam sido observados há um século, na forma do movimento browniano, no qual se observa as procuradas violações microscópicas das leis da termodinâmica.

O trabalho de Einstein nessa área resultou em fórmulas para:

1. A mudança na viscosidade de um solvente em função da fração de soluto presente (só para nos lembrar que ninguém é perfeito, deixe-me mencionar que o cálculo original de Einstein, do coeficiente dessa fração estava errado. Somente depois que discrepâncias com experimento foram achadas, ele detectou o erro e publicou um resultado corrigido, em 1911).

2. O coeficiente de difusão de pequenas partículas suspensas em um líquido.

3. A variação do livre percurso médio de uma partícula browniana, em função do intervalo de tempo durante o qual é observada.

Esse último resultado é, na verdade, o primeiro exemplo de um tratamento teórico bem sucedido de um processo estocástico. Em termos de aplicações práticas, esses resultados de Einstein foram citados com certa freqüência, em campos tão variados como estudos de partículas de aerosol na atmosfera, propriedades do leite e da física de semicondutores - de fato, mais freqüentemente do que seus outros artigos de 1905.

8. Opinando sobre a física clássica

Confrontando o malogro das tentativas de explicar o campo eletromagnético em termos mecânicos, alguns físicos (tal como Max Abraham) desejavam substituir a visão mecânica do mundo por uma descrição eletromagnética do mundo, baseada na teoria de Maxwell, a qual daria uma explicação eletromagnética às leis da mecânica. Outros físicos (tal como Max Planck), confrontando o malogro da física clássica em explicar o espectro do corpo negro, desejavam tentar consertar um pouco a mecânica clássica e/ou a teoria de Maxwell - em particular as leis que governam trocas de energia entre osciladores mecânicos e o campo de radiação eletromagnética.

Mas a profunda preocupação de Einstein com os problemas da radiação térmica o levou, não mais tarde do que 1905, à conclusão de que nem a mecânica clássica nem a eletrodinâmica de Maxwell poderiam sobreviver intactas. Ambas teriam de ser modificadas para levar em conta a descoberta de Planck (1900) do quantum de ação h. A explicação das leis da radiação térmica e da troca de energia entre matéria e radiação requereriam teorias quânticas da matéria e da radiação. Foi somente esse aspecto de seu trabalho que Einstein caracterizou em 1905 como "muito revolucionário" [9].

Em seu primeiro artigo [sobre o] quantum, ele sugeriu que radiação eletromagnética na região de alta freqüência poderia ser pensada como "quanta de luz", um passo considerado tão radical na época que praticamente ninguém o seguiu em tomá-lo. O próprio Planck não estava convencido e quase uma década depois, ao recomendar Einstein para uma posição na Academia Prussiana de Ciências, ainda se sentia compelido a desculpar Einstein por essa aparente gafe (foi somente a descoberta do efeito Compton (1923) que tornou respeitável o conceito de fóton).

Dois anos depois, em 1907, Einstein aplicou a hipótese do quantum a sólidos cristalinos. Tratando um cristal como um conjunto de partículas oscilando em torno de suas posições de equilíbrio, com energias quantizadas, ele foi capaz de explicar o quebra-cabeça, que durava há muito, do excepcionalmente baixo calor específico de tais sólidos a baixas temperaturas. Em realidade, foi a bem sucedida verificação experimental da fórmula de Einstein para o calor específico que primeiramente trouxe a teoria quântica à atenção da maioria dos físicos - e o ajudou a obter o convite para Berlim [10].

9. Completando a física clássica

Einstein nunca considerou como revolucionário seu trabalho sobre o conjunto de problemas que levaram ao que atualmente chamamos de teoria da relatividade especial - ao menos, no mesmo sentido em que ele considerou seu trabalho na teoria quântica. Pelo contrário, ele considerou seu desenvolvimento de uma nova cinemática como a culminação e finalização da física clássica. Seu confrontamento, ao longo de uma década, com os problemas da eletrodinâmica dos corpos em movimento levou, finalmente, a uma ruptura, em 1905, quando ele entendeu que, em termos clássicos (não quânticos), todas as contradições entre mecânica e eletrodinâmica poderiam ser removidas, reconhecendo-se a necessidade - e exeqüibilidade - de uma modificação radical do conceito newtoniano de tempo absoluto, uma modificação que leva a uma nova fundamentação cinemática de toda a física. Ele baseou essa modificação em uma nova interpretação do tempo local de Lorentz-Poincaré. Em vez de olhá-lo como um tempo 'aparente mas falso' para cada referencial inercial, quando comparado com o tempo único, universal, absoluto e verdadeiro de Newton, Einstein olhou-o como uma possível definição de tempo que pode ser introduzida em cada referencial inercial, de modo a tornar c, a velocidade da luz no vácuo (ele abandonou toda referência ao referencial privilegiado do éter), a mesma em todos os referenciais inerciais. Note a diferença sutil mas crucial: Poincaré interpretou o tempo local como o tempo dado por relógios em repouso em um referencial movendo-se através do éter, se eles fossem sincronizados como se - contrariamente às suposições básicas da cinemática newtoniana - a velocidade da luz fosse a mesma em todos os referenciais inerciais. Einstein abandonou o éter e o como se: Simplesmente sincronize relógios em cada referencial inercial pela convenção de Poincaré e aceite que a velocidade da luz seja, de fato, a mesma em todos os referenciais inerciais, quando medida com relógios assim sincronizados.

Óbviamente, a lei galileana de adição de velocidades não pode mais valer e isso implica que uma nova cinemática é requerida. Einstein mostrou como estabelecer tal cinemática, à qual nós, agora, chamamos de relativística especial. Nessa cinemática, o princípio da relatividade (isto é, a democracia de todos os referenciais inerciais) que, na teoria de Newton, só vale para fenômenos mecânicos, vale, agora, para todos fenômenos, em particular para todos fenômenos ópticos e eletromagnéticos. Assim, resultados negativos como os de Michelson não pedem uma explicação dinâmica (como na versão de Lorentz da teoria de Maxwell). Eles são, simplesmente, uma conseqüência da validade universal do princípio da relatividade como uma generalização empírica; da mesma forma que a impossibilidade de qualquer máquina de moto perpétuo se segue das leis da termodinâmica.

Da mesma forma que a lei galileana de adição de velocidades se segue da cinemática newtoniana, baseada no tempo absoluto, uma nova lei de adição de velocidade, relativística especial, segue-se da nova cinemática baseada nos tempos relativos de cada referencial inercial. A fórmula de Fresnel segue-se, agora, como uma conseqüência cinemática da nova lei de adição de velocidades. Em retrospecto, pode-se perceber que ela nada tem a ver, per se, com a luz; mas foi o primeiro sintoma da necessidade de uma nova cinemática, quando velocidades que se aproximam de c estão envolvidas.

A razão teórica para os problemas iniciais em reconciliar mecânica e eletrodinâmica tornou-se clara: As leis de Maxwell da eletrodinâmica são invariantes sob as transformações espaço-temporais da nova cinemática, agora chamada de transformações de Lorentz; enquanto que as leis de Newton da mecânica são invariantes sob as transformações espaço-temporais da velha cinemática, usualmente chamadas de transformações de Galileu. Assim, a mecânica clássica teve de ser substituída por uma nova mecânica relativística especial para partículas e meios contínuos (corpos completamente rígidos são incompatíveis com a teoria especial [da relatividade], pois poderiam transmitir sinais instantaneamente). A nova mecânica foi desenvolvida por Einstein, Planck, Max Born, Max Laue e outros, ao longo da próxima década.

Os novos conceitos de espaço e, especialmente, de tempo, que eram inerentes à nova cinemática, mostraram-se, para muitos físicos, difíceis de serem assimilados - e, de fato, ainda o são para muitos. Entretanto, a revisão mais revolucionária desses conceitos, por Einstein, ainda estava por vir, quando, em 1907, ele se dedicou ao problema de ajustar a gravitação à sua nova estrutura cinemática. Ele logo se convenceu - embora, de novo, foi um longo tempo antes que outros se convencessem - de que isso não poderia ser feito dentro dos limites da teoria especial da relatividade. Assim, ele embarcou em outra odisséia de uma década que o levou à teoria geral - mas isso é uma estória para outra ocasião.

Agradecimentos

Agradeço aos Drs. Skuli Sigurdsson e Galina Granek por comentários de grande ajuda, em um rascunho inicial.

  • [1] A. Einstein, Annalen der Physik, 17 132 (1905).
  • [2] A. Einstein, Annalen der Physik 17, 549 (1905).
  • [3] A. Einstein, Annalen der Physik 17, 891 (1905).
  • [4] A. Einstein, Annalen der Physik 18, 639 (1905).
  • [5] A. Einstein, Annalen der Physik 19, 289 (1906).
  • [6] A. Einstein, in: The Collected Papers of Albert Einstein, v. 1, J. Stachel, et al. (editores) The Early Years, 1879-1901 (Princeton University Press, 1987).
  • [7] J. Stachel, Max-Planck-Institut für Wissenschaftsgeschichte preprint 283 (2004).
  • [8] M. Janssen, e J. Stachel, Max-Planck-Institut für Wissenschaftsgeschichte preprint 265 (2004).
  • [9] A. Einstein, Letter 18 of 25 May 1905 to Conrad Habicht, in: The Collected Papers of Albert Einstein, v. 5, The Swiss Years: Correspondence 1902-1914 (Princeton University Press, Princeton, 1993), p. 31-32.
  • [10] T.S. Kuhn, Black-body Theory and the Quantum Discontinuity, 1894-1912 (Oxford University Press, Oxford, 1978), chap. IX.
  • *
    Versão expandida do artigo publicado na Nature
    243, 215-217 (2005) de 20 de Janeiro de 2005 no suplemento especial em comemoracão ao Ano Mundial da Física. Traducão de Penha Maria Cardoso Dias, Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      Mar 2005
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