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A descontinuidade do campo elétrico em uma distribuição superficial e esférica de cargas: um invariante topológico

The discontinuity of the electric field in a spherical charge distribution: a topological invariant

Resumos

Este artigo soma-se aos outros recentes que vêm sendo publicados, principalmente nesta revista que está, ao nosso ver, tornando-se um fórum de discussão deste que é o campo elétrico na superfície de um condutor esférico carregado. Recentemente publicamos um artigo que discutia três modelos para encontrar o recalcitrante fator 1/2 que persegue muitos aficionados por esta questão eletrostática. Desta forma, este texto foi elaborado, exclusivamente, para tentar esclarecer e contrapor, algumas interpretações colocadas em um mais recente artigo [11. F.M.S. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200182 (2020)] que defende uma integral própria para encontrar o teimoso fator. Desta forma, reabordamos o método da superposição do campo de anéis para discutir comportamento do campo através de uma superfície esférica carregada uniformemente, tentando chegar a um consenso.

Palavras-chave
campo elétrico de anéis; esfera carregada; descontinuidade


This article adds to the other recent ones that have been published, mainly in this magazine that is, in our view, becoming a forum for discussion of this which is the electric field on the surface of a charged spherical conductor. We recently published an article that discussed three models for finding the recalcitrant factor 1/2 that chase many fans of this electrostatic issue. In this way, this text was elaborated, exclusively, to try to clarify and oppose, some interpretations put in a later recent article [11. F.M.S. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200182 (2020)] that defends a proper integral to find the stubborn factor. In this way, we reaffirm the method of superposition of the ring field to discuss the field’s behavior through a uniformly charged spherical surface, trying to reach a consensus.

Keywords
electric field of rings; charged sphere; discontinuity


1. Introdução

Na intenção de esclarecer o comportamento do campo elétrico sobre e através da superfície de um condutor esférico com distribuição superficial de cargas (σ é considerado constante em qualquer situação mostrada ao longo da discussão deste texto), trazemos, motivados por um artigo muito recente publicado nesta revista por Lima [11. F.M.S. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200182 (2020)], um contraponto ao que esta referência tenta “demonstrar”, refutando os argumentos por nós colocados, em [22. G.E. Assad, Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20190245 (2020)]. Na Ref. [11. F.M.S. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200182 (2020)], o autor conclui que, para um modelo de distribuição superficial de cargas:

O campo elétrico é então descontínuo na superfície de uma esfera condutora, saltando de 0 para σ/(2ε0) quando passamos de pontos dentro da esfera para qualquer ponto em sua superfície, e então deste para σ/ε0 para pontos imediatamente externos a esfera.1 1 Texto traduzido para a língua portuguesa.

Indicando que o comportamento do valor campo elétrico através da superfície de um condutor é dado conforme a representação da Figura 1. Mostraremos, outra vez, que a regularização da integral imprópria encontrada, leva ao fator 1/2 que representa o campo gerado por todas as cargas na vizinhança P, excetuando-se a carga do elemento de superfície que encerra P. Isto não indica, em absoluto, que o comportamento do campo se dá como o representado na Figura 1.

Figura 1
Comportamento gráfico do campo elétrico em uma distribuição esférica superficial de cargas, segundo a Ref. [11. F.M.S. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200182 (2020)].

2. O Método da Superposição do Campo de Anéis

Embora não achemos que este procedimento seja o mais simples para a determinação destes resultados (a lei de Gauss é rápida e suficiente para nos mostrar o que vemos na Eq. (9) e a descontinuidade na superfície. Lembremo-nos de Occam e sua navalha!), a superposição do campo de anéis tem sido usada para a discussão do campo elétrico na superfície em alguns artigos recentes publicados na RBEF, são eles [11. F.M.S. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200182 (2020), 22. G.E. Assad, Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20190245 (2020), 33. K. Slodkowski, M.C. Pinheiro e T.C. Luchese, Rev. Bras. Ensino Fís.40, e2311 (2018).] e [44. F.M.S. Lima, Resonance 23, 1215 (2018)]. Desta forma, para efeito comparativo direto, ipsis litteris por Lima [11. F.M.S. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200182 (2020)], reproduziremos o ubíquo resultado do campo de um anel carregado com carga dQ, apoiado sobre uma esfera (Figura 2), gerando em um ponto da superfície um campo dado por:

Figura 2
Representação do anel de carga dQ uma esfera de raio R e o campo que ele produz ao longo do eixo de simetria no ponto P.
(1) d E Z = k 0 ( R - z ) [ r 2 + ( R - z ) 2 ] 3 2 d Q

Usando z = Rcosθ e r = Rsenθ e dQ = σ(2πrRdθ),2 2 O elemento de carga pode ser escrito, sem perda de generalidade, por dQ = 2πσR2senθdθ. encontra-se:

(2a) d E Z = π 2 k 0 σ s e n θ 1 - cos θ d θ

ou

(2b) d E Z = k 0 d Q 2 R 2 2 ( 1 - cos θ )

Tomando as identidades sen(θ) = 2sen(θ/2)cos⁡(θ/2) e sen2(θ/2) = (1−cosθ)/2, tem-se:

(3a) d E Z = π k 0 σ cos ( θ 2 ) d θ

ou

(3b) d E Z = k 0 d Q 4 R 2 s e n ( θ 2 )

Agora, temos três grupos de equações para descrever o mesmo campo gerado por um anel carregado com carga dQ. Qual o campo dEz para r=0, z=R ou θ = 0? Nitidamente, as Equações (1) e (2) mostram que ele é indefinido neste ponto, o que o Lima também concorda [11. F.M.S. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200182 (2020)]. Então, quando passamos para a Equação (3), onde deveríamos obter o mesmo resultado, Lima diz que, agora, o campo é definido neste ponto. A descontinuidade/continuidade é um invariante topológico e as três equações devem e mostram o mesmo resultado. Uma mudança de variável não faz a função (campo) deixar de ser descontínua num ponto (z=R), e não fará dEz ser definido neste ponto. A reinclusão do ponto representativo de z=R (ou θ = 0), feita pelo autor, mostra-se equivocada. Qualquer variação da Equação (1) ou integrações para a determinação do campo em P, devem valer em [−R,R) ou seu análogos, inclusive a Equação (3a).

Uma carga não gera campo nem força sobre ela mesma. Basta fazer r=0 e z=R na Eq. (1); e θ = 0 nas Eqs. (2a, 2b) e (3b). Na Equação (3a), a indefinição do campo fica obscurecida pela manipulação algébrica proposta, mas é facilmente vista quando é trocado por uma expressão com dQ (i.e. dQ = 2πσR2senθdθ), conforme mostrado na Eq. (3b).

Para ratificar a argumentação acima, observe a Figura 3 e apliquemos a lei de Gauss sobre o elemento de superfície cilíndrico (pill box) para encontrar a conhecida equação da descontinuidade, aqui mostrada na Equação (4) encontrada na ampla literatura de nível superior (e.g. pág. 31 da Ref. [55. J.D. Jackson, Classical Electrodynamics: (Wiley, NewYork, 1998), 3rd ed., p. 31.]).

Figura 3
Descontinuidade da componente normal do campo elétrico através de uma superfície carregada.
(4) E 1 - E 2 = σ L o c a l ε 0 = 1 ε 0 d Q L o c a l d A

A descontinuidade em uma superfície carregada é uma função da carga local, ou melhor, da densidade de carga local. Se não há carga em um elemento de área da superfície não há descontinuidade através deste elemento. Tomando o bem conhecido livro de eletrodinâmica de David Griffith [66. D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Prentice Hall, Upper Saddle River-NJ, 1999), p. 102.], veja a transcrição de um fragmento de texto da pág. 102, que reitera os argumentos acima.

Agora, o elemento de área não pode exercer uma força sobre ele mesmo, da mesma forma que você não pode erguer a si mesmo ficando em pé em um cesto e puxando as alças. A força no elemento, então, deve-se exclusivamente ao EOutras, e este não sofre descontinuidade (se retirássemos o elemento, o campo no “buraco” seria perfeitamente suave/regular). A descontinuidade deve-se inteiramente à carga do elemento.3 3 Texto traduzido para a língua portuguesa.

Mesmo diante da argumentação de Griffith [66. D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Prentice Hall, Upper Saddle River-NJ, 1999), p. 102.], um resultado ubíquo na literatura, o autor (em [11. F.M.S. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200182 (2020)]) afirma que a presença de uma carga elétrica (dQ) em um ponto não cria um campo infinito neste ponto e que o campo dela pode ser definido sobre ela mesma. Como argumento, usa o conhecido campo no interior de uma esfera uniformemente carregada (i.e. E(r) = (k|Q|/R3)r). Este é o campo da carga líquida contida no interior de uma superfície gaussiana (qGauss) de raio r, sobre esta superfície (i.e. k|qGauss|/r2). Este é um excelente resultado que mostra que, conforme em [22. G.E. Assad, Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20190245 (2020)], se há uma distribuição volumétrica de cargas, em casca ou esfera, existe uma transição contínua do campo através desse volume até a superfície. Este resultado não mostra o campo de um elemento infinitesimal desta distribuição sobre ele mesmo.

Em outro trecho, Lima afirma que a Eq. (1) não apresenta uma singularidade não integrável em z=R (extensivo para as Eqs. (2) e (3)) sob o argumento de que o ponto P é encerrado por uma área nula e, portanto, não está associado a uma quantidade finita de carga, não podendo, assim, ser tratado como uma carga puntiforme. Se não houvesse carga em P:

  • (i)

    a densidade local de cargas seria nula e não haveria descontinuidade alguma;

  • (ii)

    se σ = 0 e dQ=0, as Equações (2a,2b e 3a,3b), obviamente, levariam ao valor EP = 0, mostrando que este é um ponto “vazio” e esse elemento em nada influencia na superposição dos anéis. Em suma, o campo calculado em P só se deve ao restante das cargas, é dado por todas as cargas, menos a do anel de P;

  • (iii)

    o campo evoluiria suavemente de dentro para fora (de 0 a 1 ou 0 a σ/ε0), passando por infinitos valores e até mesmo por 1/2 na superfície, mas, de forma alguma, seria descontínuo ou representado pelo gráfico da Figura 1, defendido pelo Teorema encontrado em [11. F.M.S. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200182 (2020)]. (Vide transcrição do Griffith acima);

  • (iv)

    não haveria força radial para fora sobre o elemento de superfície em P nem sobre qualquer outro elemento da superfície da esfera4 4 A força elétrica sobre a superfície (dF = σdQ/2ε0) pode ser vista na página 30 da Ref. [7]. ;

  • (v)

    não haveria pressão eletrostática alguma sobre a superfície da esfera.5 5 Se tomarmos a expressão da nota de rodapé anterior e substituirmos dQ por σdA, encontramos a força por unidade de área ou a pressão eletrostática (dF/dA = p = σ2/2ε0) que pode ser vista na Ref. [6] ou na página 32 da Ref. [7], inclusive com um cálculo de um valor típico de 3, 6.10−4 N/m2.

Sendo assim, existe sim um elemento de carga não nulo em ambos os anéis diametralmente opostos da esfera (em z = ±R) dados, justamente, por dQ = σdA (para que σ seja constante, finito e diferente de zero, dQ e dA são não nulos). Contudo, para mostrar que este elemento de carga se comporta como uma carga puntiforme, façamos r=0 e d = Rz na Eq. (1), encontrando a expressão para o campo de uma carga puntiforme a uma distância “d” não nula da mesma e que não está definido em d=0 (ou z=R).

(5a) d E Z = k 0 d Q d 2

Em um caso particular de um ponto sobre a esfera, podemos fazer z = −R na Eq. (1); e θ = π nas Eqs. (2b) e (3b), encontrando, em todas,

(5b) d E Z = k 0 d Q 4 R 2

Esta é a expressão do campo de uma carga puntiforme dQ a uma distância 2R da mesma. Obviamente, isto ocorre pois d = 2RRdθ. Ao nos aproximarmos muito do elemento de carga dQ, que ocupa a superfície dA em z=R, ele irá se comportar como um pequeno disco carregado, gerando em pontos próximos à sua face um campo de módulo σ2ε0 para dentro e para fora da esfera. Não estamos dizendo que o campo do disco é infinito, estamos dizendo que este pequeno disco gera campos com valores finitos e sentidos opostos em suas faces (±σ2ε0) e que o campo não está definido sobre a superfície, sobre o próprio disco, onde d=0 ou z=R. Então, o restante das cargas deve gerar um campo em P (+σ2ε0) de dentro para fora (é aí que está o recalcitrante fator 1/2), de modo a fazer com que o campo interno seja nulo e o externo seja σε0. Mais adiante, como já feito em [22. G.E. Assad, Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20190245 (2020)], mostraremos como se comporta o campo quando “viajamos” através de um orifício na esfera, tal qual através do ponto P quando se retira a carga dQ.Passaremos por 1/2 e não saltaremos para ele.

3. A Integração

Admitindo-se, como dito por Jackson [55. J.D. Jackson, Classical Electrodynamics: (Wiley, NewYork, 1998), 3rd ed., p. 31.], Griffith [66. D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Prentice Hall, Upper Saddle River-NJ, 1999), p. 102.], Purcell [77. E.M. Purcell e D. J. Morin, Electricity and Magnetism: 3rd ed. (Cambridge University Press, New York, 2013), v. 2.], etc., que o campo é descontínuo na superfície de um condutor com distribuição superficial de cargas, no caso da geometria esférica e com o método da superposição de anéis, a superposição de todos os anéis sobre a esfera gera uma singularidade não integrável em pontos da superfície. Assim, para regularizar a integral, exclui-se o ponto do domínio em que há descontinuidade (em que o integrando diverge) e procede-se com o limite de aproximação de P. Método já mostrado e bem fundamentado em [22. G.E. Assad, Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20190245 (2020), 33. K. Slodkowski, M.C. Pinheiro e T.C. Luchese, Rev. Bras. Ensino Fís.40, e2311 (2018).] e [44. F.M.S. Lima, Resonance 23, 1215 (2018)]. Para generalizar, considere dEz função de uma variável qualquer (e.g. dEz = f(w)), com descontinuidade em w=a (f(a) é indefinido). O procedimento bem conhecido de regularização da integral impropria é:

(6) a b f ( w ) d w = lim k a k b f ( w ) d w

Desta forma, os procedimentos de integração associados às Eqs. (13), retirando-se um elemento infinitesimal de carga (dq) da superfície, levariam ao mesmo fator 1/2. Isto é, o campo gerado por todas as cargas da vizinhança de P (EQ–dq), excluindo-se a carga deste elemento de superfície seria radial para fora e dado por:

(7) E Q - d q | z = R = 1 2 k 0 Q R 2 = σ 2 ε 0

Onde Q é a carga total da esfera. Este campo, ao se superpor ao campo do elemento de superfície em z=R, zera o campo no interior, faz o campo ser σε0 em pontos externos muito próximos da esfera e cria descontinuidade em z=R.

Com todo o rigor matemático, na Ref. [22. G.E. Assad, Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20190245 (2020)] é mostrada uma expressão para o cálculo do campo de “todos” os anéis em um ponto qualquer do diâmetro da esfera e não só na superfície. A equação na forma dimensional é mostrada a seguir na Equação (8). O eixo de simetria foi tomado no eixo z para efeito comparativo com [11. F.M.S. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200182 (2020)].

(8) E ( z ) = σ 2 ε 0 R z [ - R + z ( - R + z ) 2 + 1 ] , z ± R

A descontinuidade no valor do campo pode ser rigorosamente obtida quando se faz o limite de E(z) com z tendendo a R pela direita e pela esquerda, além de que, E(R) é indefinido, a função E(z), como esperado, apresenta uma descontinuidade na superfície, conforme mostra a Figura 4. Na Figura 5, coloca-se o conhecido gráfico do potencial elétrico com destaque para a não diferenciação do mesmo com respeito a z, em z=R, ratificando a descontinuidade do campo.

Figura 4
Descontinuidade do campo elétrico na superfície do condutor esférico.
Figura 5
Gráfico de V(z) com destaque para o fato de que esta função é NÃO derivável em z=R (superfície).
(9) { lim z R - E ( z ) = 0 lim z R + E ( z ) = σ ε 0

Agora, se retirarmos o elemento de carga do elemento de área onde se encontra P, conforme as palavras citadas de David Griffith [66. D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Prentice Hall, Upper Saddle River-NJ, 1999), p. 102.], o campo deve evoluir suavemente entre seus notórios valores de “0” no interior da esfera até “σε0” em pontos justapostos à sua superfície. Para verificar este comportamento, em [22. G.E. Assad, Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20190245 (2020)], o procedimento de retirada do elemento de carga é feito através da alteração do limite de integração, tal qual feito nas demais referências associadas, levando ao seguinte resultado:

(10) E ( z , ξ ) = σ 2 ε 0 R z ( 1 + - R + z c o s ( ξ ) R 2 + z 2 - 2 R z c o s ( ξ ) )

Esta equação mostra que quando ξ→0, o campo neste pequeno orifício é “σ2ε0” e que não há, de fato, descontinuidade alguma entre pontos internos e externos. Os limites laterais são absolutamente iguais e também assumem este valor. Vide Eq. (11).

(11) lim ξ 0 E ( z R + , - , ξ ) = σ 2 ε 0

Para mostrar a transição do campo através do orifício e a confirmação da não descontinuidade, observe a Figura 6 que mostra a plotagem de três gráficos representativo da Eq. (10), com ξ = 10−7 rad em três escalas diferentes.

Figura 6
Gráficos que mostram a evolução do campo através do elemento de área carregado retirado da superfície do condutor no ponto P.

Estes gráficos, com escalas horizontais diferentes, mostram a evolução do campo quando “viajamos” através do orifício de onde foi retirada a carga da superfície para eliminar a descontinuidade do campo. Ao ponto que nos afastamos da esfera, vemos uma transição súbita do valor do campo e, quando próximos, vemos que, de fato, o campo evolui suavemente através desse, mostrando mais uma vez que, em se retirando o elemento de superfície, a descontinuidade não mais existe. Não obstante, como o campo é contínuo em todo o domínio e sabendo que E(z)=-Vz mostra-se, na Figura 7, o comportamento do potencial elétrico ao longo do eixo z, com destaque para pontos muito próximos de z=R, de onde foi retirado o elemento de carga e por onde transita-se através do “buraco”. Este destaque mostra que V(z) está longe de estar associado à transição do campo sugerida em [11. F.M.S. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200182 (2020)] e representada no gráfico da Fig. 1. Sugere-se, enfim, que o leitor se indague: como seria o comportamento do potencial se a transição do campo fosse, de fato, como mostrada na Fig. 1?

Figura 7
Comportamento do potencial elétrico em função da posição, ao longo de uma direção radial com destaque para a transição entre pontos internos e externos próximos do “buraco” deixado pela retirada do elemento de carga dq.

4. Conclusões

Após análise da metodologia adotada por [11. F.M.S. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200182 (2020)], observamos que o uso da superposição de anéis para a determinação do campo elétrico em um ponto da superfície carregada de um condutor esférico apresenta um nítida descontinuidade em z=R, evidenciada, exatamente, a partir da fórmula clássica do campo elétrico gerado por um anel em pontos do eixo de simetria do mesmo, Eq. (1). O campo não deixa de ser descontínuo neste ponto (z=R ou θ = 0), nem a função não passa a ser integrável nele, por uma mudança de variável. A descontinuidade tem invariância topológica. Todas as Equações advindas de (1) devem ser aplicáveis em todos os pontos do domínio, excetuando-se z=R, inclusive a Equação (3a), através da qual Lima [11. F.M.S. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200182 (2020)] afirma que o ponto pode ser reincluído e que leva ao suposto salto de E=0 até E=σ2ε0 e deste para E=σε0. Sendo assim, os limites de integração associados às Equações (13) devem ser [−R,R) e (0,π]. Ainda, conforme o próprio autor, a retirada deste ponto do domínio não afeta o valor da integração e leva ao mesmo fator 1/2 (associado ao Valor Principal de Cauchy para integrais impróprias) mas, não faz o campo variar de acordo com a Fig. 1. O campo transitaria suavemente de E=0 a E=σε0 através do orifício deixado em P, conforme dito por [66. D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Prentice Hall, Upper Saddle River-NJ, 1999), p. 102.] e demonstrado por [22. G.E. Assad, Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20190245 (2020)] com a Eq. (10) e a representação gráfica na Fig. 5. Isto não é nada além de estarmos dizendo que a descontinuidade do campo elétrico em uma superfície carregada é dada, exclusivamente pela carga presente no elemento de superfície, pela densidade de cargas local. Excluindo-se este elemento, não há mais descontinuidade, conforme ratificado pela famosa Ref. [55. J.D. Jackson, Classical Electrodynamics: (Wiley, NewYork, 1998), 3rd ed., p. 31.].

Por fim, se o modelo adotado é o de uma distribuição superficial esférica de cargas, o gráfico representativo é o da Figura 4 e sugere-se:

“Para qualquer esfera condutora de raio R e densidade superficial σ, em equilíbrio eletrostático, o campo elétrico é descontinuo em pontos de sua superfície, nulo em seu interior e σ ε 0 para pontos da superfície externa quando, então, cai com a lei do inverso do quadrado da distância ao centro da esfera.”

REFERÊNCIAS

  • 1.
    F.M.S. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 42, e20200182 (2020)
  • 2.
    G.E. Assad, Rev. Bras. Ens. Fís. 42, e20190245 (2020)
  • 3.
    K. Slodkowski, M.C. Pinheiro e T.C. Luchese, Rev. Bras. Ensino Fís.40, e2311 (2018).
  • 4.
    F.M.S. Lima, Resonance 23, 1215 (2018)
  • 5.
    J.D. Jackson, Classical Electrodynamics: (Wiley, NewYork, 1998), 3rd ed., p. 31.
  • 6.
    D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Prentice Hall, Upper Saddle River-NJ, 1999), p. 102.
  • 7.
    E.M. Purcell e D. J. Morin, Electricity and Magnetism: 3rd , ed. (Cambridge University Press, New York, 2013), v. 2.
  • 1
    Texto traduzido para a língua portuguesa.
  • 2
    O elemento de carga pode ser escrito, sem perda de generalidade, por dQ = 2πσR2senθdθ.
  • 3
    Texto traduzido para a língua portuguesa.
  • 4
    A força elétrica sobre a superfície (dF = σdQ/2ε0) pode ser vista na página 30 da Ref. [77. E.M. Purcell e D. J. Morin, Electricity and Magnetism: 3rd ed. (Cambridge University Press, New York, 2013), v. 2.].
  • 5
    Se tomarmos a expressão da nota de rodapé anterior e substituirmos dQ por σdA, encontramos a força por unidade de área ou a pressão eletrostática (dF/dA = p = σ2/2ε0) que pode ser vista na Ref. [66. D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Prentice Hall, Upper Saddle River-NJ, 1999), p. 102.] ou na página 32 da Ref. [77. E.M. Purcell e D. J. Morin, Electricity and Magnetism: 3rd ed. (Cambridge University Press, New York, 2013), v. 2.], inclusive com um cálculo de um valor típico de 3, 6.10−4 N/m2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2020
  • Aceito
    15 Dez 2020
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