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Ondas gravitacionais de buracos negros coalescentes: um estudo quantitativo a partir de física básica

Gravitational waves from coalescing black holes: a quantitative study from fundamental physics

Resumos

Este trabalho mostra que é possível entender as características essenciais das ondas gravitacionais emitidas pela coalescência de sistemas binários a partir dos conhecimentos de física básica. Empregamos não mais do que conceitos abordados nos cursos introdutórios de mecânica e eletromagnetismo de uma graduação em ciências exatas. Derivamos cuidadosamente as equações necessárias para compreender quantitativamente as conclusões apontadas no artigo de descoberta das ondas gravitacionais da Colaboração LIGO para o evento GW150914, com precisão de ordem de grandeza ou maior. Usamos os dados disponibilizados para a amplitude das ondas gravitacionais, as frequências do início da fase espiral e de chirp e o tempo até a coalescência para estimar, por exemplo, a massa de chirp do par de buracos negros que coalesceram, a massa total do sistema, as massas individuais de cada buraco negro, o tamanho do sistema binário e a distância da Terra aos buracos negros do evento GW150914. Para ilustrar a potencialidade da nossa abordagem, estendemos a nossa análise quantitativa aos dez primeiros eventos divulgados pela Colaboração LIGO-Virgo entre 12 de fevereiro de 2016 (evento de descoberta) e 20 junho de 2020 (evento GW190814).

Palavras-chaves:
Ondas gravitacionais; coalescência de buracos negros; parâmetros mensuráveis; física básica


This paper shows that it is possible to understand the key features of the gravitational waves emitted by coalescing binary systems from the concepts of fundamental physics. We utilize no more then the contents typically covered in introductory courses on mechanics and electromagnetism that are common to all STEM undergraduate programs. We meticulously deduce the equations required to comprehend the results announced in the paper by the LIGO Collaboration for the event GW150914. Our quantitative description is at least of order of magnitude accurate. We estimate the chirp mass of the coalescing black holes, the total mass of the system, the individual black hole masses, the size of the binary system, and the distance from the Earth to the black holes of the event GW150914. These estimates are performed by utilizing the available data for the amplitude of the gravitational waves, the frequency at the beginning of the inspiral phase, the chirp frequency, and the time until coalescence. In order to illustrate the power of our approach, we apply our quantitative analysis to the first ten gravitational waves detections announced by the LIGO-Virgo Collaboration from February 12, 2016 (discovery event) until June 20, 2020 (event GW190814).

Keywords:
Gravitational waves; coalescing black holes; measurable parameters; fundamental physics


1. Introdução

No ano de 2019 celebramos os 100 anos da primeira verificação experimental da Teoria da Relatividade Geral de Einstein. A celebração é particularmente festiva para nós, pois ela ocorreu no Brasil, cidade de Sobral, Ceará, por ocasião da observação de um eclipse solar pela equipe de Crommelin e Davidson [1[1] L.C.B Crispino e M.C. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 40, e1601 (2018)., 2[2] L.C.B Crispino e M.C. Lima, Rev. Bras. Ensino Fís. 38, e4203 (2016).].

Essa medição confirmou a predição de Einstein de que raios de luz curvam-se na presença de campos gravitacionais relativamente intensos [3[3] C.H. Lenzi, P.J. Pompeia e N. Studart, Rev. Bras. Ensino Fís. 41, e20190238 (2019).], como aquele produzido pelo Sol.1 1 A Ref. [3] enfatiza que a gravitação newtoniana também prevê um desvio da luz devido a presença de uma fonte gravitacional, como mostrou Jhohann Von Soldner e Henry Cavendish. Estrelas tiveram suas posições aparentes deslocadas pois os raios de luz que emitiam, e que vinham em nossa direção, passaram tangenciando um Sol eclipsado e tiveram suas trajetórias defletidas.

Uma confirmação indireta da Relatividade Geral aconteceu a partir de 1975, com a observação de um sistema binário envolvendo o pulsar PSR1913+16 [4[4] R.A. Hulse e J.H. Taylor, Astrophys. J. 195, L51 (1975).]. De fato, a teoria previa que ondas gravitacionais seriam emitidas na situação em que duas estrelas massivas estivessem em órbita uma em torno da outra [5[5] M. Maggiore, Gravitational Waves. Volume 1: Theory and Experiments (Oxford University Press, Oxford, 2008).]. Essa emissão levaria a uma perda energética do sistema e, por consequência, a uma diminuição do seu raio orbital [6[6] J.H. Taylor e J.M. Weisberg, Astrophys. J. 253, 908 (1982).]. Hulse, Taylor e Weisberg mediram a taxa de variação da frequência angular relativa associada em função do tempo de emissão: a curva era perfeitamente ajustada pelo modelo de irradiação de ondas gravitacionais previsto pela Relatividade Geral [7[7] J.M. Weisberg e J.H. Taylor, em: Binary Radio Pulsars, Proc. Aspen Conference, ASP Conf. Series, editado por: F.A. Rasio e I.H. Stairs (Astronomical Society of the Pacific, San Francisco, 2005).].

Finalmente, no ano de 2015, as ondas gravitacionais foram diretamente confirmadas pela observação da coalescência de buracos negros, eles mesmos uma outra predição da Teoria da Relatividade [8[8] V. De Sabbata e M. Gasperini, Introduction to Gravitation (World Scientific, Singapore, 1985).]. A observação foi feita pela colaboração LIGO (de Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) e publicada no início de 2016 no artigo seminal da Ref. [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).]. Em 2017, Rainer Weiss, Barry C. Barrish e Kip S. Thorne receberam o Prêmio Nobel “por contribuições decisivas ao detector LIGO e a observação de ondas gravitacionais” em nome de toda a colaboração (cf. [10[10] https://www.nobelprize.org/prizes/physics/2017/summary/
https://www.nobelprize.org/prizes/physic...
]).2 2 A atribuição do referido prêmio Nobel, precisamente no ano de 2017, coincide com o ano de detecção do evento GW170817, a primeira observação de coalescência de estrelas de nêutrons e o consequente nascimento da astronomia de multi-mensageiros.

Os eventos de coalescência continuaram a ser medidos [11[11] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 241103 (2016)., 12[12] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 118, 221101 (2017)., 13[13] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 851, L35 (2017)., 14[14] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 141101 (2017)., 15[15] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 161101 (2017)., 16[16] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. D 102, 043015 (2020)., 17[17] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 892, L3 (2020)., 18[18] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 125, 101102 (2020)., 19[19] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 896, L44 (2020).] e, agora, eles são observados também em sistemas binários de estrelas de nêutrons [15[15] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 161101 (2017)., 20[20] The LIGO Scientific Collaboration, the Virgo Collaboration, Fermi GBM, INTEGRAL, the IceCube Collaboration, AstroSat Cadmium Zinc Telluride Imager Team, IPN Collaboration, the Insight-Hxmt Collaboration, the ANTARES Collaboration, the Swift Collaboration, et al., ApJL 848, L12 (2017)., 21[21] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, the 1M2H Collaboration, the Dark Energy Camera GW-EM Collaboration and the DES Collaboration, the DLT40 Collaboration, the Las Cumbres Observatory Collaboration, the VINROUGE Collaboration, the MASTER Collaboration, et al., Nature 551, 85 (2017)., 22[22] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 123, 011102 (2019).]. Estes eventos são especiais porque as estrelas de nêutrons podem ser vistas no espectro eletromagnético—nos comprimentos de onda de rádio, de infravermelho (IR), do óptico, do ultravioleta (UV), de raios-X e dos raios-gama (γ-ray bursts) [20[20] The LIGO Scientific Collaboration, the Virgo Collaboration, Fermi GBM, INTEGRAL, the IceCube Collaboration, AstroSat Cadmium Zinc Telluride Imager Team, IPN Collaboration, the Insight-Hxmt Collaboration, the ANTARES Collaboration, the Swift Collaboration, et al., ApJL 848, L12 (2017).]. Isso inaugurou a astronomia de multi-mensageiros (multi-messenger astronomy) e pôde indicar de forma observacional que os elementos da tabela periódica mais pesados que o ferro (incluindo ouro e platina) podem, de fato, ser cozinhados em processos de coalescência envolvendo estrelas de nêutrons (via nucleossíntese por captura rápida de nêutrons pesados—o r-process nucleosynthesis) [23[23] M.R. Drout, A.L. Piro, B.J. Shappee, C.D. Kilpatrick, J.D. Simon, C. Contreras, D.A. Coulter, R.J. Foley, M.R. Siebert, N. Morrell, et al., Science 358, 1570 (2017)., 24[24] D. Watson, C.J. Hansen, J. Selsing, A. Koch, D.B. Malesani, A.C. Andersen, J.P.U. Fynbo, A. Arcones, A. Bauswein, S. Covino, et al., Nature 574, 497 (2019).]. Os dados da observação da coalescência das estrelas de nêutrons também permitiu vincular parâmetros de equações de estado para a matéria densa sob condições extremas, fornecer estimativas de parâmetros cosmológicos [21[21] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, the 1M2H Collaboration, the Dark Energy Camera GW-EM Collaboration and the DES Collaboration, the DLT40 Collaboration, the Las Cumbres Observatory Collaboration, the VINROUGE Collaboration, the MASTER Collaboration, et al., Nature 551, 85 (2017).] e vincular fortemente os modelos de gravitação modificada. Com efeito, as extensões à Relatividade Geral que previam que as ondas gravitacionais poderiam viajar a velocidades diferentes da velocidade da luz no vácuo estão em dificuldades [22[22] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 123, 011102 (2019).], embora algumas propostas de gravitação modificada com motivações em correções efetivas ofereçam resultados interessantes, como e.g. em [25[25] S.G. Vilhena, L.G. Medeiros e R.R. Cuzinatto, Phys. Rev. D 104, 084061 (2021).].

A Fig. 1 mostra a observação pioneira das ondas gravitacionais pela Colaboração LIGO, chamada GW150914.3 3 Na alcunha GW150914: “GW” é a abreviação de “Gravitational Waves”, ou Ondas Gravitacionais, em português; os dois primeiros números (15) dizem respeio ao ano da descoberta (2015); os dois números intermediários (09) indicam o mês da medição (mês 09, i.e. setembro); e os números finais (14) denotam o dia da detecção (dia 14). Esse padrão é mantido para todos os eventos posteriores detectados pela Colaboração LIGO-Virgo. Os quatro painéis superiores mostram o padrão oscilatório da onda gravitacional até o instante do evento de coalescência (colisão e junção dos buracos negros do sistema binário). Os dois painéis inferiores da mesma figura exibem o aumento da frequência das ondas gravitacionais à medida que diminui a distância orbital entre os dois buracos que compunham o sistema binário antes da coalescência. Há muita informação física a se extrair dessa figura, e a proposta deste artigo é fazer precisamente isso, para esse e outros eventos detectados pela colaboração LIGO-Virgo,4 4 Virgo é o nome do detector de ondas gravitacionais localizado na cidade de Pisa, na Itália. Estabeleceu-se uma cooperação entre os observatórios americanos LIGO e o interferômetro italiano para pesquisa e desenvolvimento dos detectores e também melhor caracterização e localização das fontes emissoras. Hoje, o observatório japonês KAGRA integra a colaboração. Assim, pode-se usar o recurso de triangulação para determinar precisamente a posição no céu da origem das ondas gravitacionais. Mais sobre os interferômetros será dito na Seção 2. usando conceitos dos cursos introdutórios da graduação em ciências exatas.

Figura 1
Parâmetros das ondas gravitacionais emitidas por um sistema binário de dois buracos negros coalescentes conforme a primeira observação da Colaboração LIGO em um evento cunhado GW150914 [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).]. Os painéis superiores (na primeira linha) mostram o padrão das ondas gravitacionais—o strainh—conforme detectado pelo observatório LIGO-Hanford (H1, à esquerda) e pelo interferômetro LIGO-Livingston (L1, à direita). O padrão de h em L1 (curva azul no painel superior direito) aparece superposto ao sinal de h detectado por H1 (deslocado temporalmente, para levar em conta a diferença no tempo de detecção, e invertido, para compensar a diferença na orientação dos observatórios em solo; curva vermelho-fraca) para efeito de comparação visual. A segunda linha de painéis contém as simulações do strain: as curvas sólidas mostram as formas de onda obtidas via relatividade numérica e as regiões sombreadas em cinza mostram os intervalos de confiança para a reconstruções do strain (levando em conta a modelagem astrofísica do sistema binário–região cinza-escura–e a combinação linear de ondeletas sino-gaussianas–área cinza-clara). A terceira linha de painéis mostra a diferença ponto-a-ponto entre os sinais detectados (na primeira linha) e as formas de onda da relatividade numérica (na segunda linha): a variação em torno do zero indica o nível de coincidência entre o medido e o previsto. A linha inferior (quarta linha) contém a representação tempo versus frequência dos dados de strain, mostrando o aumento da frequência do sinal com o tempo. Fonte: Ref. [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).].

Outros artigos publicados pela RBEF exploraram competentemente diversos aspectos das ondas gravitacionais com graus variados de aprofundamento. Por exemplo, o artigo [26[26] M. Cattani e J.M.F. Bassalo, Rev. Bras. Ensino Fís. 38, e4202 (2016).] e referências lá citadas abordaram os detalhes acerca da detecção empregando conceitos de física típicos de final de um curso de bacharelado em física. O trabalho [27[27] M.P. Ramos e R.V. Maluf, Rev. Bras. Ensino Fís. 40, e2302 (2018).] apresenta uma derivação detalhada da solução de ondas gravitacionais a partir das equações de Einstein para Relatividade Geral (RG)—vide-se também [28[28] M. Cattani, arXiv:1005.4314 (2010).]; acontece que a RG que é geralmente explorada apenas nos cursos de pós-graduação de física. O escopo do presente trabalho é ampliar o público alvo do assunto das ondas gravitacionais e buracos negros, tornando os principais resultados divulgados pela Colaboração LIGO-Virgo acessíveis aos estudantes em início de graduação em ciências exatas, incluindo futuros físicos, químicos, geólogos, oceanógrafos, matemáticos, engenheiros, bacharéis em ciência e tecnologia; todos os quais passam pelos cursos de cálculo diferencial e integral [29[29] H.L. Guidorizzi, Um curso de cálculo (LTC, Rio de Janeiro, 2018), v. 1, 6 ed., 30[30] H.L. Guidorizzi, Um curso de cálculo (LTC, Rio de Janeiro, 2018), v. 2, 6 ed., 31[31] H.L. Guidorizzi, Um curso de cálculo (LTC, Rio de Janeiro, 2018), v. 3, 6 ed., 32[32] H.L. Guidorizzi, Um curso de cálculo (LTC, Rio de Janeiro, 2018), v. 4, 6 ed., 33[33] G.F. Simmons, Cálculo com geometria analítica (Pearson Universidades, São Paulo, 1996), v. 1., 34[34] G.F. Simmons, Cálculo com geometria analítica (Pearson Universidades, São Paulo, 1996), v. 2.] e física básica [35[35] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 1: Mecânica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed., 36[36] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 2: Gravitação, Ondas e Termodinâmica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed., 37[37] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 1: Mecânica (Edgard Blücher, São Paulo, 2002), v. 1, 4 ed., 38[38] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 2: Fluidos, Oscilações e Ondas e Calor (Edgard Blücher, São Paulo, 2002), v. 2, 4 ed., 39[39] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 3: Eletromagnetismo (Edgard Blücher, São Paulo, 1997), v. 3., 40[40] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 4: Ótica, Relatividade, Física Quântica (Edgard Blücher, São Paulo, 1998), v. 4.].

Não usaremos mais do que conceitos elementares de diferenciação e integração, mecânica Newtoniana e eletromagnetismo para construir as equações que caracterizam as ondas gravitacionais e os sistemas binários de buracos negros que as emitem. Como veremos, as equações levam a estimativas surpreendentemente acuradas dos parâmetros físicos dos sistemas binários, comparáveis aos valores oferecidos nos artigos da Colaboração LIGO-Virgo. Todavia, cabem duas advertências sobre essa nossa abordagem. A mecânica newtoniana é construída sobre a hipótese da existência da classe de referenciais inerciais, consistentes com a ideia de que espaço e tempo são absolutos. Adiante neste texto, descreveremos o espaço e o tempo como uma unidade que pode ser imaginada como uma superfície deformável na presença de matéria e energia; as ondas gravitacionais são oscilações neste continuum quadridimensional. Este último cenário é uma visão típica do contexto einsteniano e não da filosofia de Newton. Comete-se aqui um anacronismo: nossos cálculos newtonianos serão guiados por imagens qualitativas advindas da relatividade geral. A rigor, isso é um abuso de linguagem, mas que se justificará pelos resultados robustos apresentados neste trabalho. Ademais, ao nosso favor, lembramos que anacronismos não são novos, pois uma cosmologia com um universo em expansão já foi estudada no cenário newtoniano (veja-se, por exemplo, [41[41] R.E. Souza, Introdução à Cosmologia (EDUSP, São Paulo, 2004)., 42[42] B.S. Ryden, Introduction to Cosmology (Cambridge University Press, Cambridge, 2016), 2 ed.]) com benefícios pedagógicos incontestáveis. A segunda observação de prudência é quanto as nossas inúmeras aproximações: elas são de grande ajuda no nosso tratamento quantitativo baseado em física clássica não-relativística, mas levam a certas incongruências. Como exemplo, citamos o caso da nossa descrição da fase espiral do sistema binário em direção à coalescência ao final da Seção 3 3. Dinâmica Orbital do Sistema Binário de Buracos Negros Os buracos negros em sistemas binários são resultado do colapso gravitacional de estrelas da ordem de dezenas de massas solares. Mais adiante, caracterizaremos os buracos negros com mais cuidado. Agora, é suficiente ter em mente que buracos negros são objetos astrofísicos compactos. Isso permite que sejam modelados como um par de partículas pontuais em órbita mútua sob ação da interação gravitacional. Dessa forma, tomamos o sistema binário como um par de massas m e M em órbita circular em torno do centro de massa (CM), do qual distam r e R, respectivamente.12 Os vetores associados são denominados r→=r e R→=R (usamos o negrito para denotar vetores), conforme mostra a Fig. 5. Em acordo com a proposta do trabalho de usar física introdutória [49], modelamos o sistema com a lei de gravitação Newtoniana [35, 36]. Considere a Fig. 5(a). O método geométrico de soma de vetores (“coloca-se a origem do segundo vetor na extremidade do primeiro; o vetor soma parte da origem do primeiro para chegar na extremidade do segundo”) garante que: (1) r M = R CM + R ⇒ R = r M - R CM , sendo rM o vetor que localiza a massa M do sistema binário de massas pontuais (M,m), e (2) r m = R CM + r ⇒ r = r m - R CM , onde rm é o vetor da origem do sistema de coordenadas até a massa m. A distância relativa rrel entre M e m é a magnitude do vetor diferença: (3) r rel = - R + r . De fato, rrel é o vetor que parte da massa M e chega à massa m; como tal, ele é a soma do vetor (-R) com o vetor r. Figura 5 (a) Variáveis que participam da localização das massas do sistema binário. O vetor RCM parte da origem 𝒪 do sistema de coordenadas e chega na localização do centro de massa (CM). O vetor rM localiza a massa M a partir da origem 𝒪; o vetor rm localiza a massa m a partir da origem 𝒪. Por outro lado, o vetor R localiza M partindo do CM; o vetor r parte do CM e chega à massa m. (b) O vetor distância relativa rrel parte de M em direção à m. O vetor FM⁢(m) é a força em M devido à m; o vetor Fm⁢(M) é a força em m devido à M. O vetor FM⁢(m) tem a direção de rrel, que é indicada pelo vetor unitário r^rel. O vetor Fm⁢(M) aponta do sentido oposto pois a força gravitacional é atrativa. Pela definição de vetor centro de massa RCM como a distância ponderada pelas massas do sistema [35, 37], sabemos que: (4) R CM = M ⁢ r M + m ⁢ r m M + m . Sabemos também que a massa total(Mtot) é a soma das massas individuais das partículas no sistema: (5) M tot = M + m . Então, substituindo (4) em (1) obtemos: (6) R = - m M tot ⁢ ( r m - r M ) . Analogamente, inserindo (4) em (2) temos: (7) r = M M tot ⁢ ( r m - r M ) . Por outro lado, substituindo (1) e (2) em (3), temos: (8) r rel = - ( r M - R CM ) + ( r m - R CM ) = ( r m - r M ) . Substituindo (8) em (6) e (7): (9) R = - m M tot ⁢ r rel , (10) r = M M tot ⁢ r rel . Consideremos, agora, a Segunda Lei de Newton [35]: (11) F = μ ⁢ a rel = μ ⁢ d ⁢ v rel d ⁢ t = μ ⁢ d d ⁢ t ⁢ ( d ⁢ r rel d ⁢ t ) = μ ⁢ d d ⁢ t ⁢ ( r ˙ rel ) = μ ⁢ r ¨ rel , onde F é o vetor força atuando sobre a massa μ responsável pela sua aceleração arel. A velocidade vrel da partícula é a taxa de variação temporal de sua posição rrel. A equação acima estabelece a nossa notação: ponto acima de uma quantidade indica derivação com respeito ao tempo t. Para uma origem do sistema de coordenadas fixadas no CM, as partículas M e m são localizadas diretamente pelos vetores R e r, respectivamente (ou seja, não necessitamos mais empregar os vetores rM e rm). Então, para essas partículas, a segunda lei é: (12) F M ⁢ ( m ) = M ⁢ R ¨ , onde FM⁢(m) representa a força sobre a massa M devido à massa m. Dizemos isso pois sabemos que as massas M e m interagem gravitacionalmente de acordo com a lei da gravitação universal de Newton [36]. A força Fm⁢(M) sobre m devido à atração gravitacional da massa M é: (13) F m ⁢ ( M ) = m ⁢ r ¨ . A própria força gravitacional tem a forma funcional ditada por Newton [37]: (14) F M ⁢ ( m ) = G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( + r ^ rel ) e (15) F m ⁢ ( M ) = G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( - r ^ rel ) , com G=6,674×10-11⁢m3⁢kg-1⁢s-2. Ou seja, a força gravitacional é de atração mútua (o que explica o sinal negativo na última equação): (16) F m ⁢ ( M ) = - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel = - F M ⁢ ( m ) . Vide-se a Fig. 5(b) para a representação gráfica das forças FM⁢(m) e Fm⁢(M). Substituindo (16) em (12), temos: (17) G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( + r ^ rel ) = M ⁢ R ¨ ⇒ - G ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel = - R ¨ , e, inserindo (16) em (13), temos: (18) G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( - r ^ rel ) = m ⁢ r ¨ ⇒ - G ⁢ M r rel 2 ⁢ r ^ rel = r ¨ . Somando (17) e (18): - G ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel + ( - G ⁢ M r rel 2 ⁢ r ^ rel ) = - R ¨ + r ¨ , ou seja, (19) ( m + M ) ⁢ [ - G ⁢ 1 r rel 2 ⁢ r ^ rel ] = - R ¨ + r ¨ . Por inspiração vinda da força gravitacional, Eq. (16), temos: (20) F grav = [ - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel ] ≡ F , que é a força F em ação sobre as partículas sob consideração. Para reconhecer a presença de F na Eq. (19), introduzimos o produto das massas nesta relação, multiplicando-a e dividindo-a por (M⁢m): ( m + M ) M ⁢ m ⁢ [ - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel ] = - R ¨ + r ¨ . Então, percebemos F dentro dos colchetes. Isso resulta em: (21) ( m + M ) M ⁢ m ⁢ F = ( - R ¨ + r ¨ ) . Derivando (3) em relação ao tempo, temos: d ⁢ r rel d ⁢ t = - d ⁢ R d ⁢ t + d ⁢ r d ⁢ t ⇒ r ˙ rel = - R ˙ + r ˙ . Repetindo esse procedimento: (22) d d ⁢ t ⁢ r ˙ rel = - d d ⁢ t ⁢ R ˙ + d d ⁢ t ⁢ r ˙ ⇒ r ¨ rel = ( - R ¨ + r ¨ ) . Podemos notar que o lado direito de (21) é justamente a equação (22): (23) F = M ⁢ m ( m + M ) ⁢ r ¨ rel . Definindo a massa reduzida como: (24) μ ≡ M ⁢ m ( m + M ) , temos: (25) F = μ ⁢ r ¨ rel . A Eq. (25) é a Segunda Lei de Newton do sistema binário: compare (11) e (25). Dessa forma, justificamos a importância do conceito de massa reduzida e mostramos a forma natural como ela aparece no contexto do movimento de dois corpos sob ação mútua da força gravitacional. Ademais, esse raciocínio mostra que tudo se passa como se pudéssemos substituir o sistema binário de duas massas M e m por um sistema de uma única partícula pontual de massa igual à massa reduzida μ que executa um movimento circular. Essa interpretação é justificada pela forma (25) da Segunda Lei de Newton para o sistema de partículas: ela é idêntica a forma tradicional F=m⁢a aplicada à uma única massa pontual m perante o mapeamento μ→m e r¨rel=arel→a. Agora, encontraremos a Terceira Lei de Kepler para o movimento orbital do sistema binário. Substituindo Eq. (20) em (25): μ ⁢ r ¨ rel = - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel ou, usando a Eq. (24), (26) r ¨ rel = - G ⁢ ( m + M ) r rel 2 ⁢ r ^ rel . A aceleração arel=r¨rel é aquela que garante o movimento orbital do sistema binário. Por simplicidade, tomamos esse movimento como um Movimento Circular Uniforme (MCU). Sabemos que a aceleração característica do MCU é a aceleração centrípeta acp, cuja fórmula é [35]: (27) a cp = v rel 2 r rel ⁢ ( - r ^ rel ) , onde a velocidade tangencial no movimento circular tem seu módulo dado por: (28) v rel = ω ⁢ r rel . A quantidade ω é a velocidade angular do movimento circular—ou frequência angular do movimento harmônico simples (MHS) a ele equivalente13: (29) ω = 2 ⁢ π T . A quantidade T é o período orbital do sistema binário. Inserindo (28) em (27), temos: acp=-ω2⁢rrel⁢r^rel, a qual, devido à Eq. (29), fica: (30) a cp = - 4 ⁢ π 2 ⁢ r rel T 2 ⁢ r ^ rel . Faremos r¨rel=arel=acp igualando a Eq. (26) com a Eq. (30) e fatorando o termo (-r^rel) comum a ambos os membros da equação. Isso resulta em: (31) r rel 3 T 2 = G ⁢ m 4 ⁢ π 2 ⁢ ( 1 + M m ) . Esta é a Terceira Lei de Kepler [37]: Os quadrados dos períodos de revolução de dois planetas quaisquer estão entre si como os cubos de suas distâncias médias ao Sol. Em outras palavras, T2 é diretamente proporcional à rrel3, ou ainda, (32) T 2 ∝ r rel 3 ⇒ r rel 3 T 2 ∝ constante . A Terceira Lei de Kepler é, por isso também, chamada de Lei dos Períodos. Ela pode ser colocada em termos da velocidade angular ω do conjunto ao usarmos a Eq. (29) em conjunto com: (33) r rel 2 = r rel ⋅ r rel = ( - R + r ) ⋅ ( - R + r ) = R 2 + r 2 - 2 ⁢ R ⋅ r = R 2 + r 2 - 2 ⁢ R ⁢ r ⁢ cos ⁡ ( 180 o ) = R 2 + r 2 + 2 ⁢ R ⁢ r = ( R + r ) 2 , onde usamos a definição (3) e a Fig. 5 para identificar que o ângulo entre os vetores R e r é 180cpsdummyo.14 Logo, a magnitude do vetor de distância relativa entre as massas é (34) r rel = ( R + r ) e a Eq. (31) fica [49]: (35) ω 2 = G ⁢ ( M + m ) ( R + r ) 3 . A Eq. (35) é a Terceira Lei de Kepler para o movimento orbital em termos da frequência angular. Ela pode ser aliada ao princípio da conservação de energia para especificarmos a energia mecânica total Etot armazenada do movimento orbital do sistema binário. A energia mecânica total é [35]: (36) E tot = K + U = 1 2 ⁢ μ ⁢ v rel 2 + [ - G ⁢ M ⁢ m r rel ] , onde K=(1/2)⁢μ⁢vrel2 é a energia cinética da massa reduzida μ animada com velocidade vrel e (37) U = - G ⁢ M ⁢ m r rel é a expressão para a energia potencial gravitacionalU=Ugrav do sistema binário. Então, com (24) e (34): (38) E tot = 1 2 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) ⁢ v rel 2 - G ⁢ M ⁢ m ( R + r ) . Usando (28) nesta equação: E tot = 1 2 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) ⁢ ( ω ⁢ r rel ) 2 - G ⁢ M ⁢ m ( R + r ) . Podemos eliminar ω e rrel deste resultado ao empregarmos as Eqs. (34) e (35). Assim, obtemos: (39) E tot = - 1 2 ⁢ G ⁢ M ⁢ m ( R + r ) , que é a equação de energia orbital do sistema binário. A expressão (39) é uma manifestação do Teorema do Virial [51]. Podemos escrever a Eq. (39) em termos de frequência orbital. De fato, de (35), temos: ( R + r ) = [ G ⁢ ( M + m ) ω 2 ] 1 / 3 , a qual leva à: (40) E tot = - 1 2 ⁢ G 2 / 3 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) 1 / 3 ⁢ ω 2 / 3 . Essa será uma das grandezas físicas calculadas quando estudarmos o sistema de buracos negros binários, os quais coalescem para formar um único buraco negro e emitem ondas gravitacionais no processo. As ondas gravitacionais carregam energia para fora do sistema binário. Essa energia é drenada da energia mecânica orbital do sistema. Por isso, Etot deve variar no tempo, i.e. deve existir uma derivada não-nula deEtot. Vamos calcular d⁢Etot/d⁢t diferenciando a Eq. (40) com relação ao tempo. Temos: d ⁢ E tot d ⁢ t = - 1 2 ⁢ G 2 / 3 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) 1 / 3 ⁢ 2 3 ⁢ ω 2 / 3 - 1 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t . Veja que aqui admitimos que a frequência angular muda com o tempo: ω=ω⁢(t). Isso não é estritamente verdade no movimento circular uniforme, que supusemos válido para deduzir a Terceira Lei de Kepler—pois usamos a expressão da aceleração centrípeta (27). Entretanto, em um sistema coalescente, as massas M e m vão espiralando em direção ao centro de massa. Neste processo espiral, a distância mútua rrel=(R+r) diminui, a velocidade tangencial (da massa reduzida) aumenta e a velocidade (ou frequência) angular ω também aumenta.15 Ou seja, vale: (41) - d ⁢ E tot d ⁢ t = 1 3 ⁢ G 2 / 3 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) 1 / 3 ⁢ ω - 1 / 3 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t . A perda de energia orbital (-d⁢Etot/d⁢t) só pode acontecer pelo ganho de energia das ondas gravitacionais, o que leva à potência irradiada Pirrad. Na próxima seção encontraremos a equação para a energia por unidade de tempo carregada pela ondas gravitacionais. e seções seguintes. De fato, iniciamos o estudo considerando a órbita do par binário com circular, a qual é caracterizada por uma velocidade angular ω constante. Depois de estabelecermos a Terceira Lei de Kepler e encontrarmos a fórmula para a energia mecânica total Etot do sistema binário, relaxamos a constância de ω para encontrar a variação de Etot no tempo devido à emissão de energia gravitacional, descrevendo a consequente redução do raio orbital e o aumento da magnitude de ω. A maneira rigorosamente coerente de tratar o movimento orbital admitiria ω dependente do tempo de princípio, assumiria a complicação de abandonar a hipótese inicial do movimento circular uniforme, levando automaticamente à necessidade de adotar um tratamento de mecânica analítica sofisticada para o estudo da trajetória dos corpos envolvidos. Esse tipo de sofisticação de abordagem não é feito, nem mesmo, nos textos mais rigorosos de estudo das ondas gravitacionais de sistemas binários usando relatividade geral: mesmo a Ref. [5[5] M. Maggiore, Gravitational Waves. Volume 1: Theory and Experiments (Oxford University Press, Oxford, 2008).]—um livro clássico no assunto, usado como referência em pesquisas de ponta sobre ondas gravitacionais—adota a aproximação de órbitas circulares na sua primeira descrição de sistemas binários. Por razões como esta, sentimo-nos justificados com as aproximações que adotamos no presente texto.

Com dados como aqueles na Fig. 1, seremos capazes de calcular os seguintes parâmetros físicos associados ao sistema binário de buracos negros coalescentes: valores para a massa total do par, as massas individuais de cada buraco negro, o tamanho do sistema binário, a distância da Terra aos buracos negros, a energia emitida na forma de ondas gravitacionais e seu equivalente em massa. Também ofereceremos uma explicação convincente para a forma da onda gravitacional como o padrão detectado e exibido no painel superior esquerdo da Fig. 1. Descreveremos quantitativamente o decréscimo da distância de separação entre os buracos negros no caminho espiral até a coalescência. Verificaremos que essa aproximação inexorável dos buracos negros leva a um aumento vertiginoso da velocidade orbital e, enfim, à emissão de um pico de frequência—a frequência de chirp—marcando o evento crucial da formação do buraco resultante da coalescência.

O artigo está organizado como segue. A Seção 2 2. Os Observatórios LIGO e a Verificação de c como Velocidade de Propagação das Ondas Gravitacionais A Fig. 2 mostra fotos dos observatórios LIGO nas cidades de Hanford (Washington) e Livingston (Louisiana). A posição relativa dos observatórios-irmãos no território dos Estados Unidos aparece na parte (a) da Fig. 3. Figura 2 Observatório LIGO em Hanford—imagem superior—e observatório LIGO em Livingston—foto inferior—responsáveis pela primeira detecção das ondas gravitacionais emitidas no processo de coalescência de buracos negros. Fonte: Ref. [43]. O termo “observatório” geralmente remete, no contexto da astrofísica, à imagem dos espelhos dos observatórios ópticos ou às antenas parabólicas típicas dos radiotelescópios. Revertendo essa expectativa, a geometria dos observatórios de ondas gravitacionais é na forma de braços perpendiculares. Essa geometria acompanha a engenharia dos interferômetros, que remonta aos experimentos de Michelson e Morley [40]. Feixes de laser circulam pelos braços perpendiculares em cada observatório, dentro dos tubos visíveis nas fotos da Fig. 2. A parte central da Fig. 3 ilustra o caminho do feixe de laser desde a fonte (Laser Source), passando pelo divisor de feixe (Beam Splitter), viajando entre as massas teste (Test Mass) em cada braço de 4 km de comprimento (múltiplas vezes), para finalmente chegar ao fotodetector (Photodetector). Figura 3 Observatórios LIGO como interferômetros (centro da figura). Parte (a): localização geográfica dos observatórios LIGO-Hanford (em vermelho) e LIGO-Livingston (em azul). Parte (b): curva de sensibilidade dos detectores. Fonte: Ref. [9]. O braços são projetados nesta geometria particular para se adequar à natureza da onda gravitacional prevista no contexto da Relatividade Geral. A RG propõe uma mudança do paradigma newtoniano na descrição da interação gravitacional. Newton entende a gravitação como uma força de ação à distância entre corpos massivos. Einstein interpreta a gravitação como uma deformação na geometria do espaço (e do tempo) produzida na presença de matéria (e energia). Para fixar as ideias, podemos imaginar o espaço como uma superfície bidimensional. A presença de uma massa sobre ela produziria uma depressão côncava, como uma bola de boliche forma uma bacia no entorno do seu ponto de contato com um lençol esticado.5 Uma segunda bola—digamos, uma bolha de bilhar—produziria uma outra depressão curva sobre o lençol. O movimento de cada bola seria ditado pelas depressões geradas pelo conjunto. É assim que se entende, de forma bastante simplista, a dinâmica orbital de sistemas de dois corpos no contexto da RG.6 Nesta analogia, uma onda gravitacional é uma ondulação produzida sobre a superfície do lençol pela dinâmica orbital dessas massas, que espiralam uma em direção à outra até o encontro no centro de massa. Ondas gravitacionais são ondulações na superfície do espaço-tempo. Para localizar um ponto em um plano, precisamos de duas coordenadas de um sistema de eixos (x,y). Analogamente, para localizar um ponto sobre a superfície do espaço-tempo que oscila, precisamos de duas coordenadas generalizadas ou, numa linguagem mais técnica, precisamos de dois graus de liberdade que fazem as vezes das coordenadas (x,y) no caso do espaço-curvo.7 Essas coordenadas generalizadas são chamadas de modos de polarização das ondas gravitacionais; eles são representados pelos símbolos h+ e h×. O modo de polarização h+ pode ser entendido como uma oscilação nas direções norte-sul e leste-oeste; daí a forma de cruz (+) do rótulo de h+. De forma complementar, h× dá conta de descrever as oscilações do espaço-tempo nas direções nordeste-sudoeste e noroeste-sudeste, motivando o uso do rótulo da cruz deitada (×) em h× [44, 45, 46].8 A Fig. 4 representa a passagem da onda gravitacional com modo de polarização h+ pelos braços do interferômetro LIGO. Os painéis dessa figura devem ser observados na sequência horária a partir do painel superior esquerdo. Os braços horizontal (chamado de x) e vertical (y) do interferômetro são projetados para que tenham o mesmo comprimento Lx=Ly=4⁢km na ausência da onda gravitacional. Essa situação é esboçada no canto superior esquerdo da Fig. 4. Ao atingir o plano do detector, o modo de polarização h+ distorce o espaço-tempo, estica-o na direção norte-sul e o encolhe na direção leste-oeste. O estiramento do espaço carrega o braço vertical fazendo-o aumentar de comprimento para (Ly+δ⁢Ly); ao mesmo tempo, o braço horizontal tem o comprimento comprimido para (Lx-δ⁢Lx). Essa situação é retratada no painel superior direito da Fig. 4. Figura 4 A deformação dos braços perpendiculares do observatório LIGO pela passagem da onda gravitacional. No destaque de cada painel aparece o estiramento de um anel de partículas-teste que, de inicialmente circular, passa a elíptico a medida que o modo de polarização h+ o atravessa; esse anel-teste ajuda a visualizar o efeito da onda gravitacional sobre o interferômetro. Fonte: Ref. [43]. O modo h+ varia no tempo a medida que atravessa o detector: isto é o que caracteriza o comportamento oscilatório da onda. O próximo acontecimento é a inversão do padrão anterior: o encurtamento acontece na direção norte-sul e o estiramento ocorre na direção leste-oeste. Nesta situação, o braço vertical passa para o comprimento menor (Ly-δ⁢Ly), enquanto o braço horizontal estica para (Lx+δ⁢Lx). Tal configuração aparece no painel inferior esquerdo da Fig. 4. Finalmente, o padrão de onda volta à situação original em que ambos os braços do detector recuperam o comprimento projetado Lx=Ly=4⁢km, o que completa um ciclo de oscilação da onda gravitacional, do espaço-tempo deformado e do estiramento e contração do interferômetro LIGO. A magnitude da deformação é da ordem de 10-21⁢m, i.e. δ⁢Lx∼δ⁢Ly∼10-21⁢m, porque a amplitude da onda gravitacional, chamada de strainh, é dessa mesma ordem de tamanho. De fato, observem-se os valores no eixo y do gráfico com o padrão oscilatório em vermelho no painel superior esquerdo da Fig. 1 mostrando a detecção do evento de descoberta GW150914. Para pôr esse resultado em perspectiva, lembre-se que o tamanho do núcleo atômico é da da ordem de 1⁢fm=10-15⁢m. Isso significa que o interferômetro LIGO foi capaz de detectar variações de tamanho de cerca de um milionésimo (10-6) do tamanho do núcleo atômico. Isso faz da detecção das ondas gravitacionais a medição de maior precisão na história das ciências naturais [9]. Aferir distâncias desse tamanho assombrosamente pequeno também diz muito a respeito da sofisticação técnica que envolveu a engenharia dos interferômetros LIGO. Mais dos impressionantes detalhes técnicos sobre a engenharia dos detectores podem ser encontradas nos artigos da Colaboração LIGO-Virgo, e.g. em [9, 43, 47]. A Fig. 3(a) indica que os observatórios LIGO-Hanford (sinalizado em vermelho sobre o mapa dos EUA) e LIGO-Livingston (indicado em azul) foram dispostos sobre o terreno de tal maneira que seus braços apontassem para direções diferentes, com uma angulação relativa. Essa estratégia foi proposital, para que se pudesse detectar também o modo de polarização h×, que produziria estiramentos e encurtamentos dos braços nas direções noroeste-sudeste e nordeste-sudoeste.9 A Fig. 3(a) também dá a diferença de tempo Δ⁢t entre as detecções das ondas gravitacionais do evento GW150914 pelos observatórios LIGO-Hanford e LIGO-Livingston. As ondas foram detectadas primeiro pelo observatório em Livingston (L1) e, então, 10⁢ms depois pelo observatório de Hanford (H1). Pela latitude e longitude de cada localidade, estima-se a distância Δ⁢x≃3000⁢km entre ambos os observatórios.10 Supondo um caminho retilíneo de propagação das ondas, estima-se a velocidade média de propagação v = Δ ⁢ x Δ ⁢ t ≃ 3000 ⁢ km 10 × 10 - 3 ⁢ s = 3 × 10 8 ⁢ m/s = c , que é justamente a velocidade de propagação da luz c. A conclusão é que as ondas gravitacionais propagam-se à velocidade da luz. Essa foi uma eloquente confirmação da Relatividade Geral, que prevê precisamente este fato. Para sermos completos, digamos que a parte (b) da Fig. 3 (canto superior direito) mostra a sensibilidade de detecção dos detectores LIGO na configuração que fez a descoberta do evento GW150914. É um gráfico do ruído na medida do strain como função da frequência da onda gravitacional. Note-se que o ruído é uma ordem de grandeza menor (10-22) do que a precisão necessária para detecção (10-21) para a imensa maioria dos valores de frequência. A região de maior sensibilidade do detector—o fundo da bacia no gráfico—corresponde à faixa de 100 Hz à 400 Hz. Essa região de frequência determina o tipo de fonte das ondas gravitacionais que podem ser medidas com os observatórios LIGO. Essas ondas são tipicamente provindas de sistemas binários de buracos negros, estrelas de nêutrons ou uma combinação de ambos11 São esses sistemas binários que passaremos a estudar a seguir. apresenta os observatórios LIGO, enfatizando a razão física de suas geometria, estrutura e localização, motivadas pela natureza das ondas gravitacionais a serem detectadas. Nesta mesma seção mostramos que as ondas gravitacionais propagam-se à velocidade da luz. Essas ondas trazem informações sobre a fonte emissora, tipicamente sistemas binários de objetos compactos como buracos negros e estrelas de nêutrons. Na Seção 3 3. Dinâmica Orbital do Sistema Binário de Buracos Negros Os buracos negros em sistemas binários são resultado do colapso gravitacional de estrelas da ordem de dezenas de massas solares. Mais adiante, caracterizaremos os buracos negros com mais cuidado. Agora, é suficiente ter em mente que buracos negros são objetos astrofísicos compactos. Isso permite que sejam modelados como um par de partículas pontuais em órbita mútua sob ação da interação gravitacional. Dessa forma, tomamos o sistema binário como um par de massas m e M em órbita circular em torno do centro de massa (CM), do qual distam r e R, respectivamente.12 Os vetores associados são denominados r→=r e R→=R (usamos o negrito para denotar vetores), conforme mostra a Fig. 5. Em acordo com a proposta do trabalho de usar física introdutória [49], modelamos o sistema com a lei de gravitação Newtoniana [35, 36]. Considere a Fig. 5(a). O método geométrico de soma de vetores (“coloca-se a origem do segundo vetor na extremidade do primeiro; o vetor soma parte da origem do primeiro para chegar na extremidade do segundo”) garante que: (1) r M = R CM + R ⇒ R = r M - R CM , sendo rM o vetor que localiza a massa M do sistema binário de massas pontuais (M,m), e (2) r m = R CM + r ⇒ r = r m - R CM , onde rm é o vetor da origem do sistema de coordenadas até a massa m. A distância relativa rrel entre M e m é a magnitude do vetor diferença: (3) r rel = - R + r . De fato, rrel é o vetor que parte da massa M e chega à massa m; como tal, ele é a soma do vetor (-R) com o vetor r. Figura 5 (a) Variáveis que participam da localização das massas do sistema binário. O vetor RCM parte da origem 𝒪 do sistema de coordenadas e chega na localização do centro de massa (CM). O vetor rM localiza a massa M a partir da origem 𝒪; o vetor rm localiza a massa m a partir da origem 𝒪. Por outro lado, o vetor R localiza M partindo do CM; o vetor r parte do CM e chega à massa m. (b) O vetor distância relativa rrel parte de M em direção à m. O vetor FM⁢(m) é a força em M devido à m; o vetor Fm⁢(M) é a força em m devido à M. O vetor FM⁢(m) tem a direção de rrel, que é indicada pelo vetor unitário r^rel. O vetor Fm⁢(M) aponta do sentido oposto pois a força gravitacional é atrativa. Pela definição de vetor centro de massa RCM como a distância ponderada pelas massas do sistema [35, 37], sabemos que: (4) R CM = M ⁢ r M + m ⁢ r m M + m . Sabemos também que a massa total(Mtot) é a soma das massas individuais das partículas no sistema: (5) M tot = M + m . Então, substituindo (4) em (1) obtemos: (6) R = - m M tot ⁢ ( r m - r M ) . Analogamente, inserindo (4) em (2) temos: (7) r = M M tot ⁢ ( r m - r M ) . Por outro lado, substituindo (1) e (2) em (3), temos: (8) r rel = - ( r M - R CM ) + ( r m - R CM ) = ( r m - r M ) . Substituindo (8) em (6) e (7): (9) R = - m M tot ⁢ r rel , (10) r = M M tot ⁢ r rel . Consideremos, agora, a Segunda Lei de Newton [35]: (11) F = μ ⁢ a rel = μ ⁢ d ⁢ v rel d ⁢ t = μ ⁢ d d ⁢ t ⁢ ( d ⁢ r rel d ⁢ t ) = μ ⁢ d d ⁢ t ⁢ ( r ˙ rel ) = μ ⁢ r ¨ rel , onde F é o vetor força atuando sobre a massa μ responsável pela sua aceleração arel. A velocidade vrel da partícula é a taxa de variação temporal de sua posição rrel. A equação acima estabelece a nossa notação: ponto acima de uma quantidade indica derivação com respeito ao tempo t. Para uma origem do sistema de coordenadas fixadas no CM, as partículas M e m são localizadas diretamente pelos vetores R e r, respectivamente (ou seja, não necessitamos mais empregar os vetores rM e rm). Então, para essas partículas, a segunda lei é: (12) F M ⁢ ( m ) = M ⁢ R ¨ , onde FM⁢(m) representa a força sobre a massa M devido à massa m. Dizemos isso pois sabemos que as massas M e m interagem gravitacionalmente de acordo com a lei da gravitação universal de Newton [36]. A força Fm⁢(M) sobre m devido à atração gravitacional da massa M é: (13) F m ⁢ ( M ) = m ⁢ r ¨ . A própria força gravitacional tem a forma funcional ditada por Newton [37]: (14) F M ⁢ ( m ) = G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( + r ^ rel ) e (15) F m ⁢ ( M ) = G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( - r ^ rel ) , com G=6,674×10-11⁢m3⁢kg-1⁢s-2. Ou seja, a força gravitacional é de atração mútua (o que explica o sinal negativo na última equação): (16) F m ⁢ ( M ) = - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel = - F M ⁢ ( m ) . Vide-se a Fig. 5(b) para a representação gráfica das forças FM⁢(m) e Fm⁢(M). Substituindo (16) em (12), temos: (17) G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( + r ^ rel ) = M ⁢ R ¨ ⇒ - G ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel = - R ¨ , e, inserindo (16) em (13), temos: (18) G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( - r ^ rel ) = m ⁢ r ¨ ⇒ - G ⁢ M r rel 2 ⁢ r ^ rel = r ¨ . Somando (17) e (18): - G ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel + ( - G ⁢ M r rel 2 ⁢ r ^ rel ) = - R ¨ + r ¨ , ou seja, (19) ( m + M ) ⁢ [ - G ⁢ 1 r rel 2 ⁢ r ^ rel ] = - R ¨ + r ¨ . Por inspiração vinda da força gravitacional, Eq. (16), temos: (20) F grav = [ - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel ] ≡ F , que é a força F em ação sobre as partículas sob consideração. Para reconhecer a presença de F na Eq. (19), introduzimos o produto das massas nesta relação, multiplicando-a e dividindo-a por (M⁢m): ( m + M ) M ⁢ m ⁢ [ - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel ] = - R ¨ + r ¨ . Então, percebemos F dentro dos colchetes. Isso resulta em: (21) ( m + M ) M ⁢ m ⁢ F = ( - R ¨ + r ¨ ) . Derivando (3) em relação ao tempo, temos: d ⁢ r rel d ⁢ t = - d ⁢ R d ⁢ t + d ⁢ r d ⁢ t ⇒ r ˙ rel = - R ˙ + r ˙ . Repetindo esse procedimento: (22) d d ⁢ t ⁢ r ˙ rel = - d d ⁢ t ⁢ R ˙ + d d ⁢ t ⁢ r ˙ ⇒ r ¨ rel = ( - R ¨ + r ¨ ) . Podemos notar que o lado direito de (21) é justamente a equação (22): (23) F = M ⁢ m ( m + M ) ⁢ r ¨ rel . Definindo a massa reduzida como: (24) μ ≡ M ⁢ m ( m + M ) , temos: (25) F = μ ⁢ r ¨ rel . A Eq. (25) é a Segunda Lei de Newton do sistema binário: compare (11) e (25). Dessa forma, justificamos a importância do conceito de massa reduzida e mostramos a forma natural como ela aparece no contexto do movimento de dois corpos sob ação mútua da força gravitacional. Ademais, esse raciocínio mostra que tudo se passa como se pudéssemos substituir o sistema binário de duas massas M e m por um sistema de uma única partícula pontual de massa igual à massa reduzida μ que executa um movimento circular. Essa interpretação é justificada pela forma (25) da Segunda Lei de Newton para o sistema de partículas: ela é idêntica a forma tradicional F=m⁢a aplicada à uma única massa pontual m perante o mapeamento μ→m e r¨rel=arel→a. Agora, encontraremos a Terceira Lei de Kepler para o movimento orbital do sistema binário. Substituindo Eq. (20) em (25): μ ⁢ r ¨ rel = - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel ou, usando a Eq. (24), (26) r ¨ rel = - G ⁢ ( m + M ) r rel 2 ⁢ r ^ rel . A aceleração arel=r¨rel é aquela que garante o movimento orbital do sistema binário. Por simplicidade, tomamos esse movimento como um Movimento Circular Uniforme (MCU). Sabemos que a aceleração característica do MCU é a aceleração centrípeta acp, cuja fórmula é [35]: (27) a cp = v rel 2 r rel ⁢ ( - r ^ rel ) , onde a velocidade tangencial no movimento circular tem seu módulo dado por: (28) v rel = ω ⁢ r rel . A quantidade ω é a velocidade angular do movimento circular—ou frequência angular do movimento harmônico simples (MHS) a ele equivalente13: (29) ω = 2 ⁢ π T . A quantidade T é o período orbital do sistema binário. Inserindo (28) em (27), temos: acp=-ω2⁢rrel⁢r^rel, a qual, devido à Eq. (29), fica: (30) a cp = - 4 ⁢ π 2 ⁢ r rel T 2 ⁢ r ^ rel . Faremos r¨rel=arel=acp igualando a Eq. (26) com a Eq. (30) e fatorando o termo (-r^rel) comum a ambos os membros da equação. Isso resulta em: (31) r rel 3 T 2 = G ⁢ m 4 ⁢ π 2 ⁢ ( 1 + M m ) . Esta é a Terceira Lei de Kepler [37]: Os quadrados dos períodos de revolução de dois planetas quaisquer estão entre si como os cubos de suas distâncias médias ao Sol. Em outras palavras, T2 é diretamente proporcional à rrel3, ou ainda, (32) T 2 ∝ r rel 3 ⇒ r rel 3 T 2 ∝ constante . A Terceira Lei de Kepler é, por isso também, chamada de Lei dos Períodos. Ela pode ser colocada em termos da velocidade angular ω do conjunto ao usarmos a Eq. (29) em conjunto com: (33) r rel 2 = r rel ⋅ r rel = ( - R + r ) ⋅ ( - R + r ) = R 2 + r 2 - 2 ⁢ R ⋅ r = R 2 + r 2 - 2 ⁢ R ⁢ r ⁢ cos ⁡ ( 180 o ) = R 2 + r 2 + 2 ⁢ R ⁢ r = ( R + r ) 2 , onde usamos a definição (3) e a Fig. 5 para identificar que o ângulo entre os vetores R e r é 180cpsdummyo.14 Logo, a magnitude do vetor de distância relativa entre as massas é (34) r rel = ( R + r ) e a Eq. (31) fica [49]: (35) ω 2 = G ⁢ ( M + m ) ( R + r ) 3 . A Eq. (35) é a Terceira Lei de Kepler para o movimento orbital em termos da frequência angular. Ela pode ser aliada ao princípio da conservação de energia para especificarmos a energia mecânica total Etot armazenada do movimento orbital do sistema binário. A energia mecânica total é [35]: (36) E tot = K + U = 1 2 ⁢ μ ⁢ v rel 2 + [ - G ⁢ M ⁢ m r rel ] , onde K=(1/2)⁢μ⁢vrel2 é a energia cinética da massa reduzida μ animada com velocidade vrel e (37) U = - G ⁢ M ⁢ m r rel é a expressão para a energia potencial gravitacionalU=Ugrav do sistema binário. Então, com (24) e (34): (38) E tot = 1 2 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) ⁢ v rel 2 - G ⁢ M ⁢ m ( R + r ) . Usando (28) nesta equação: E tot = 1 2 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) ⁢ ( ω ⁢ r rel ) 2 - G ⁢ M ⁢ m ( R + r ) . Podemos eliminar ω e rrel deste resultado ao empregarmos as Eqs. (34) e (35). Assim, obtemos: (39) E tot = - 1 2 ⁢ G ⁢ M ⁢ m ( R + r ) , que é a equação de energia orbital do sistema binário. A expressão (39) é uma manifestação do Teorema do Virial [51]. Podemos escrever a Eq. (39) em termos de frequência orbital. De fato, de (35), temos: ( R + r ) = [ G ⁢ ( M + m ) ω 2 ] 1 / 3 , a qual leva à: (40) E tot = - 1 2 ⁢ G 2 / 3 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) 1 / 3 ⁢ ω 2 / 3 . Essa será uma das grandezas físicas calculadas quando estudarmos o sistema de buracos negros binários, os quais coalescem para formar um único buraco negro e emitem ondas gravitacionais no processo. As ondas gravitacionais carregam energia para fora do sistema binário. Essa energia é drenada da energia mecânica orbital do sistema. Por isso, Etot deve variar no tempo, i.e. deve existir uma derivada não-nula deEtot. Vamos calcular d⁢Etot/d⁢t diferenciando a Eq. (40) com relação ao tempo. Temos: d ⁢ E tot d ⁢ t = - 1 2 ⁢ G 2 / 3 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) 1 / 3 ⁢ 2 3 ⁢ ω 2 / 3 - 1 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t . Veja que aqui admitimos que a frequência angular muda com o tempo: ω=ω⁢(t). Isso não é estritamente verdade no movimento circular uniforme, que supusemos válido para deduzir a Terceira Lei de Kepler—pois usamos a expressão da aceleração centrípeta (27). Entretanto, em um sistema coalescente, as massas M e m vão espiralando em direção ao centro de massa. Neste processo espiral, a distância mútua rrel=(R+r) diminui, a velocidade tangencial (da massa reduzida) aumenta e a velocidade (ou frequência) angular ω também aumenta.15 Ou seja, vale: (41) - d ⁢ E tot d ⁢ t = 1 3 ⁢ G 2 / 3 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) 1 / 3 ⁢ ω - 1 / 3 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t . A perda de energia orbital (-d⁢Etot/d⁢t) só pode acontecer pelo ganho de energia das ondas gravitacionais, o que leva à potência irradiada Pirrad. Na próxima seção encontraremos a equação para a energia por unidade de tempo carregada pela ondas gravitacionais. estudamos a dinâmica orbital dos sistemas binários emissores assumindo órbitas inicialmente circulares e movimento a velocidades não-relativísticas. Encontramos a equação para a variação da energia orbital assumindo que parte da energia mecânica é dissipada pela emissão das ondas gravitacionais. Essa energia é convertida em potência irradiada, cuja fórmula é construída na Seção 4 4. A Potência Irradiada na Forma de Ondas Gravitacionais A dedução rigorosa da expressão para a potência irradiadaPirrad na forma de ondas gravitacionais é feita no contexto da Relatividade Geral; porém, neste texto, encontraremos a expressão de Pirrad usando análise dimensional e analogia com o ondas eletromagnéticas. Com efeito, mostraremos abaixo que [49]: (42) P irrad = α ⁢ G 7 / 3 ⁢ ω 10 / 3 c 5 ⁢ ( M ⁢ m ) 2 ( M + m ) 2 / 3 , onde α é uma constante sem dimensão e c=299 792 458⁢m/s≃3×108⁢m/s é a velocidade da luz no vácuo. Para essa tarefa, utilizaremos três equações, a saber: 1. A Terceira Lei de Kepler na forma da Eq. (31): (43) ω 2 = G ⁢ ( M + m ) ( R + r ) 3 ; 2. A equação do momento de inércia ℐ para o sistema de duas partículas compondo o sistema binário de buracos negros: (44) ℐ = m ⁢ M ( m + M ) ⁢ ( r + R ) 2 ; 3. A fórmula da potência irradiada pelo sistema binário (45) P grav = α ⁢ G ⁢ ℐ 2 ⁢ ω 6 c 5 , construída por analogia ao caso eletromagnético. A primeira dessas três equações, Eq. (43), já foi deduzida—vide-se a Eq. (35). Portanto, deduziremos as duas últimas, Eqs. (44) e (45), começando pelo momento de inércia ℐ. Seguindo a Ref. [35], o momento de inércia de um sistema de partículas é: (46) ℐ = ∑ i = 1 n m i ⁢ d i 2 , onde mi é a massa da i-ésima partícula do sistema e di é a sua distância até o eixo de rotação. No caso dos nossos estudos, temos dois buracos negros de massa M e m em órbita mútua em torno do centro de massa. Vimos, na argumentação abaixo da Eq. (25), que uma descrição alternativa é trocar o estudo do sistema binário pelo estudo de uma partícula de massa reduzida μ=m⁢M/(m+M) em movimento circular em torno do eixo de rotação a uma distância igual à (47) d = r rel = ( r + R ) , ou seja, d é a soma das distâncias de cada massa até o centro de massa. Então, na fórmula (46), temos uma única partícula, ou seja, n=1. Portanto: ℐ = ∑ i = 1 1 m i ⁢ d i 2 = m 1 ⁢ d 1 2 , onde, em nosso caso, m1=μ e d1=d. Logo, (48) ℐ = μ ⁢ d 2 . Substituindo as expressões de μ, Eq. (24), e de d, Eq. (47), na Eq. (48), temos: ℐ = m ⁢ M ( m + M ) ⁢ ( r + R ) 2 , que é a Eq. (44). Agora, queremos encontrar a Eq. (45). Faremos isso por analogia ao caso elétrico. Sabemos que a densidade de energia u armazenada no campo elétrico E é [39]: (49) u = 1 2 ⁢ ϵ 0 ⁢ E 2 . Densidade de energia é energia por unidade por unidade de volume: u=Δ⁢E/Δ⁢V, sendo Δ⁢E a energia do campo elétrico armazenada no elemento de volume Δ⁢V. Na Eq. (49) aparecem a permissividade elétrica do vácuo ϵ0=8,85×10-12⁢C2/(N⁢m2) e o vetor campo elétrico E ao quadrado. A potência Pelet é definida como energia emitida por intervalo de tempo Δ⁢t: (50) P elet ∝ Δ ⁢ E Δ ⁢ t ∝ ( u ⁢ Δ ⁢ V ) Δ ⁢ t ∝ 1 2 ⁢ ϵ 0 ⁢ E 2 ⁢ Δ ⁢ V Δ ⁢ t . De maneira ainda mais simples, a relação de proporcionalidade (50) escreve-se: (51) P elet ∝ E 2 . A mensagem importante na relação (51) é: a potência vai com o quadrado da magnitude do campo que a gera. É a oscilação do campo elétrico E que produz a onda eletromagnética, a qual vai carregar a energia por unidade de tempo, que, por sua vez, define a potência. No caso do sistema binário, é a onda gravitacional gravitacional que produz a potência irradiada. Por sua vez, a onda gravitacional está associada: (1) às massas dos buracos negros, através da massa reduzida μ; (2) à distância entre os buracos, pois é no processo espiral que a distância mútua d varia a medida que a radiação é emitida. O momento de inércia ℐ=μ⁢d2 é a quantidade física que contém essas duas grandezas das quais depende a onda gravitacional. Então, sabemos que a potência deve depender do momento de inércia. Conclusão: é a variação de ℐ que produz a potência Pgrav no caso gravitacional. Por outro lado, é a variação do campo E que produz a potência P no caso elétrico. Isso sugere o seguinte mapeamento do caso elétrico para o gravitacional: { P elet → P grav E → ℐ . Implementando esse mapeamento na relação (51), temos16: (52) P grav ∝ ℐ 2 . A potência associada à onda gravitacional é emitida na fase de órbita mútua dos buracos negros, que giram com uma velocidade angular ω. Espera-se que, quanto maior a rotação, maior a emissão de ondas gravitacionais, e consequentemente, maior a potência irradiada. Resumindo, quanto maior ω, maior Pgrav. Logo, vale: (53) P grav ∝ ω χ , onde χ é uma constante a ser determinada. A razão de a introduzirmos é: não sabemos se Pgrav vai com o expoente linear de ω ou algum outro valor de expoente maior do que 1. A relação (50) mostra que a potência elétrica Pelet depende também da constante elétrica ϵ0: P elet ∝ ϵ 0 , Por analogia, isso sugere que a potência gravitacional Pgrav dependerá da constante da gravitação G, ou seja, esperamos que valha o mapeamento ϵ 0 → G na passagem do caso elétrico para gravitacional. Assim, esperamos que (54) P grav ∝ G η , onde η é uma constante a ser determinada, pois não sabemos de antemão se Pgrav depende de G1, ou G2, ou G3/2, ou qualquer outro expoente. A potência gravitacional Pgrav também deve depender da velocidade da luz c: (55) P grav ∝ c ζ , onde ζ é um expoente constante a ser determinado. As razões para isso são: (1) a potência é relacionada ao fluxo de energia por unidade de tempo. A velocidade da luz é medida em metros por segundo, ou seja, metros por unidade de tempo. Tanto Pgrav como c são medidos “por unidade de tempo”; (2) a energia da onda gravitacional viaja à velocidade da luz c, como indicam as observações da colaboração LIGO (vide-se o final da Seção 2) em conjunto com as observações de observatórios ópticos (astronomia multi-mensageiros, ou multimesseger astronomy [15, 22]). As relações de proporcionalidade (52)–(55) são atendidas simultaneamente se as combinarmos em uma mesma relação de proporcionalidade: P grav ∝ ℐ 2 ⁢ ω χ ⁢ G η ⁢ c ζ . Para substituir o sinal de proporcionalidade (∝) pelo sinal de igualdade (=), precisamos introduzir uma constante de proporcionalidade, que vamos chamar de α. Com isso: (56) P grav = α ⁢ ℐ 2 ⁢ ω χ ⁢ G η ⁢ c ζ . Para determinar os expoentes χ, η e ζ fazemos uma análise dimensional da Eq. (56). A unidade de potência é17: (57) [ P grav ] = [ ( energia ) ( tempo ) ] = J s = N ⁢ m s = ( kg ⁢ m s 2 ) ⁢ m s = kg ⁢ m 2 s 3 , onde usamos que J=N⁢m pois o trabalho (uma forma de energia) é dado por W=F⁢d⁢cos⁡θ, sendo θ o ângulo entre F e o vetor deslocamento d.18 Então [W]=[F]⁢[d]=N⁢m e [W]=J. Também usamos que F=m⁢a para decompor a unidade N. Do lado direito de Eq. (56) temos α⁢ℐ2⁢ωχ⁢Gη⁢cζ, onde α é uma constante adimensional. Por isso, a análise dimensional dá: (58) [ α ⁢ ℐ 2 ⁢ ω χ ⁢ G η ⁢ c ζ ] = [ ℐ 2 ⁢ ω χ ⁢ G η ⁢ c ζ ] = [ ℐ ] 2 ⁢ [ ω ] χ ⁢ [ G ] η ⁢ [ c ] ζ = [ kg ⁢ m 2 ] 2 ⁢ ( rad s ) χ ⁢ [ Nm 2 ( kg ) 2 ] η ⁢ [ m s ] ζ , onde usamos que a unidade do momento de inércia ℐ é, cf. a Eq. (46): (59) [ ℐ ] = [ m ⁢ d 2 ] = [ m ] ⁢ [ d ] 2 = [ kg ] ⁢ [ m ] 2 = kg ⁢ m 2 . A unidade da constante de Newton G é encontrada a partir da lei da gravitação universal (20), i.e. (60) [ G ] = [ F ] ⁢ [ r rel ] 2 [ M ] ⁢ [ m ] = [ N ] ⁢ [ m ] 2 [ kg ] ⁢ [ kg ] = Nm 2 ( kg ) 2 . Como podemos suprimir a unidade radianos (rad) em (58), temos: (61) [ α ⁢ ℐ 2 ⁢ ω χ ⁢ G η ⁢ c ζ ] = ( kg ) 2 ⁢ m 4 ⁢ ( 1 s ) χ ⁢ N η ⁢ m 2 ⁢ η ( kg ) 2 ⁢ η ⁢ m ζ s ζ = ( kg ) ( 2 - 2 ⁢ η + η ) ⁢ m ( η + 4 + 2 ⁢ η + ζ ) s ( χ + ζ + 2 ⁢ η ) . Pela Eq. (56), sabemos que: [ P grav ] = [ α ⁢ ℐ 2 ⁢ ω χ ⁢ G η ⁢ c ζ ] . Logo, substituindo as Eqs. (57) e (61), temos: ( kg ) 1 ⁢ m 2 s 3 = ( kg ) ( 2 - 2 ⁢ η + η ) ⁢ m ( η + 4 + 2 ⁢ η + ζ ) s ( χ + ζ + 2 ⁢ η ) i.e., igualando a potência de (kg) do lado esquerdo com a potência do (kg) do lado direito e etc., obtemos o sistema: { 1 = ( 2 - 2 ⁢ η + η ) ( potência do kg ) 2 = ( η + 4 + 2 ⁢ η + ζ ) ( potência do m ) 3 = ( χ + ζ + 2 ⁢ η ) ( potência do s ) ⇒ { η = 1 ζ = - 5 χ = 6 . Substituindo os valores de {χ,η,ζ} na Eq. (56), resulta: (62) P grav = α ⁢ ℐ 2 ⁢ ω 6 ⁢ G 1 ⁢ c - 5 = α ⁢ G ⁢ ℐ 2 ⁢ ω 6 c 5 . Esta é Pgrav aparecendo na Eq. (45). Agora que já demonstramos as Eqs. (44) e (45), basta usá-las em conjunto com (43) para provar a validade da Eq. (42). Vejamos: (63) P irrad = P grav = α ⁢ G ⁢ ω 6 c 5 ⁢ ℐ 2 = α ⁢ G ⁢ ω 6 c 5 ⁢ [ m ⁢ M ( m + M ) ⁢ ( r + R ) 2 ] 2 . O termo que vai com (r+R)4 pode ser eliminado usando a Terceira Lei de Kepler na forma da Eq. (43): (64) ω 2 = G ⁢ ( M + m ) ( R + r ) 3 ⇒ ( R + r ) 4 = G 4 / 3 ⁢ ( M + m ) 4 / 3 ω 8 / 3 . Substituindo (64) em (63), resulta: (65) P irrad = α ⁢ G 7 / 3 ⁢ ω 10 / 3 c 5 ⁢ ( m ⁢ M ) 2 ( m + M ) 2 / 3 Essa é precisamente a equação derivada no contexto da Relatividade Geral [5] se fizermos (66) α = 32 5 . Não conhecemos uma forma de determinar a constante α com base na física básica da graduação, sem empregar Relatividade Geral, mas já consideramos uma vitória a própria possibilidade de determinar a forma (65) no contexto dos fundamentos de física acessíveis aos estudantes familiarizados com o conteúdos dos cursos introdutórios [35, 36, 37, 39]. . A Seção 5 5. O Balanço Energético Órbita-Ondas Gravitacionais e a Massa de Chirp Dissemos antes—no final da Seção 3—que a perda de energia orbital pelo sistema orbital durante a sua fase espiral é convertida em potência irradiada na forma de ondas gravitacionais. Isso se traduz na equação (67) P irrad = - d ⁢ E tot d ⁢ t . Então, podemos identificar as Eqs. (65) e (41), para concluir que: (68) ( m ⁢ M ) 3 / 5 ( m + M ) 1 / 5 = c 3 ⁢ 1 G ⁢ ( 1 3 ⁢ α ⁢ ω - 11 / 3 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t ) 3 / 5 . Aqui aparece pela primeira vez a massa de chirp: (69) ℳ = ( M ⁢ m ) 3 / 5 ( M + m ) 1 / 5 . De fato, a quantidade ℳ tem unidade de massa (quilograma no S.I.). Logo, (70) ℳ = c G 3 ⁢ ( 1 3 ⁢ α ⁢ ω - 11 / 3 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t ) 3 / 5 . A massa de chirp será uma das quantidades físicas calculadas a partir dos dados medidos das ondas gravitacionais. A palavra chirp significa chilreio e remete ao som emitido por pássaros, como um pequeno som agudo correspondente ao aumento da frequência na onda sonora [47]. Analogamente, o aumento da frequência angular na coalescência de buracos negros aparece como o aumento de frequência da onda gravitacional, indicado pelo arco luminoso nos painéis inferiores da Fig. 1 de detecção do evento de descoberta. Calcularemos o valor numérico da massa de chirp para o evento GW150914 em breve. Sabemos que a definição de frequência f em termos do período T é [35]: (71) f = 1 T ⇒ T = 1 f . A frequência mede o evento a se repetir no movimento harmônico, que é equivalente ao movimento circular uniforme [50]. Para um volta completa no sistema em órbita circular [35], temos: (72) T = 2 ⁢ π ω ( sistema de uma partícula ) . Em um sistema binário, as massas são diametralmente opostas e o sistema assume a mesma configuração inicial depois de meia volta de cada uma das massas. Por isso, a frequência é duas vezes aquela típica de um sistema de uma partícula, ou, o que é equivalente, o período da onda gravitacional é metade daquele de um sistema de uma partícula: (73) T = π ω ( sistema binário ) . Usando esta última equação na definição de f, Eq. (71), temos: (74) 1 f = π ω ⇒ ω = π ⁢ f ( sistema binário ) . Derivando (74) com respeito ao tempo t: (75) d ⁢ ω d ⁢ t = π ⁢ d ⁢ f d ⁢ t . Substituindo ω e d⁢ω/d⁢t, cf. as Eqs. (74) e (75), na Eq. (70), temos a massa de chirp em termos da frequência: (76) ℳ = c 3 G ⁢ ( 1 3 ⁢ α ⁢ π - 8 / 3 ⁢ f - 11 / 3 ⁢ d ⁢ f d ⁢ t ) 3 / 5 . Esta é justamente a equação que aparece na primeira coluna da página 3 do artigo de descoberta [9] da Colaboração LIGO.19 A Eq. (76) pode ser integrada desde o tempo inicial t1 do movimento espiral dos buracos negros em direção à coalescência, correspondente a uma frequência f1, até um tempo subsequente t2 correspondente a uma frequência f2: { t = t 1 → f = f 1 ( início da coalescência ) t = t 2 → f = f 2 ( tempo arbitrário na fase espiral ) . Essas serão as nossas condições iniciais (ou de contorno). Agora, manipulamos a Eq. (76) para isolar a frequência e sua derivada do lado esquerdo; (77) f - 11 / 3 ⁢ d ⁢ f d ⁢ t = 3 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ ( G c 3 ⁢ ℳ ) 5 / 3 , e integramos dos dois lados: (78) ∫ f 1 f 2 f - 11 / 3 ⁢ d f = 3 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ ( G c 3 ⁢ ℳ ) 5 / 3 ⁢ ∫ t 1 t 2 d t . A integral do lado esquerdo dá: ∫ f 1 f 2 f - 11 / 3 ⁢ d f = - 3 8 ⁢ ( 1 f 2 - 8 / 3 - 1 f 1 - 8 / 3 ) , enquanto a do lado direito de (78) vale: (79) ∫ t 1 t 2 d t = ( t 2 - t 1 ) ≡ τ . Basta substituir os dois últimos resultados na Eq. (78), para obter: (80) 1 f 1 8 / 3 - 1 f 2 8 / 3 = 8 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ ( G ⁢ ℳ ) 5 / 3 c 5 ⁢ τ . Enfatizamos a interpretação das quantidades nesta expressão: f1 é a frequência no início do processo de diminuição do raio orbital (começo da espiral para o centro de massa) e f2 é a frequência depois de um tempo τ. A frequência f2 é tratada como aquela relativa ao evento de coalescência das massas no sistema binário (frequência de chirp) e corresponde ao pico do arco luminoso no painel inferior esquerdo da Fig. 1. Como f2≫f1 é uma ótima aproximação considerar que f2 diverge: (81) f 2 → ∞ ( coalescência ) . Consideraremos isso abaixo. De fato, isolamos a quantidade ℳ na Eq. (80), (82) ℳ = 1 G ⁢ [ 1 8 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ c 5 τ ⁢ ( 1 f 1 8 / 3 - 1 f 2 8 / 3 ) ] 3 5 e passamos ao limite (81).20 Logo, (83) ℳ = 1 G [ 1 8 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 c 5 τ 1 f 1 8 / 3 ] 3 5 . Essa equação mostra que podemos encontrar a massa de chirp apenas determinando o tempo τ e a frequência f1. Acontece que essas quantidades podem ser lidas diretamente de gráficos como os da Fig. 1. É dessa forma que conseguimos começar a caracterizar o sistema de buracos negros a partir da detecção das ondas gravitacionais que eles emitem quando do processo de coalescência. O início do processo de coalescência no evento GW150914 correspondente ao começo do arco luminoso amarelo-esverdeado no quadro inferior esquerdo da Fig. 1. O valor do eixo x associado a esse começo dá o tempo inicial t1≃0,34⁢s; o valor no eixo y está relacionado à frequência inicial da coalescência f1≃43⁢Hz. O pico do arco luminoso acontece para t2=0,43⁢s, ele corresponde ao máximo de frequência, atribuída ao chirp. Logo, τ=t2-t1≃0,09⁢s, cf. a Eq. (79). Substituindo esses valores numéricos de τ e f1 na Eq. (83), obtemos ℳ≃32⁢M☉ onde M☉=1,9885×1030⁢kg é a massa do Sol. Nesta estimativa, usamos α=32/5, cf. a Eq. (66), bem como os valores das constantes fundamentais: G=6,6743×10-11⁢N⁢m2⁢kg-2; e, c=299 792 458⁢m/s. A massa de chirp é uma medida da massa do sistema binário associada à coalescência. Para o evento GW150914 ela é maior que 30 vezes a massa de nosso Sol. Esse número é extraordinariamente grande e dá um indício de que as massas individuais dos buracos negros que colidem são igualmente enormes. Vamos investigar essas e outras características dos buracos negros nas próximas duas seções. mostra como o balanço energético entre energia orbital e energia irradiada conduz naturalmente à massa de chirp, que dá uma medida da massa do sistema binário de buracos negros no momento da coalescência—e também é a única equação de destaque no paper de descoberta do LIGO [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).]. A Seção 6 6. Raio de Schwarzschild e o Tamanho do Sistema Binário na Coalescência A coalescência do par de buracos negros provoca o surgimento de um único buraco negro central e a subsequente atenuação na emissão de ondas gravitacionais (ring down) [9].21 Uma característica definidora de todo buraco negro [52] é seu horizonte de eventos: trata-se de uma região de dentro da qual nada pode emergir, sequer a luz.22 Nossa próxima tarefa é dar argumentos que conduzem à equação para o raio dessa região admitida esférica23 nas vizinhanças de um buraco negro, estabelecendo o ponto de não-retorno de matéria e energia. Esse raio é denominado raio de Schwarzschild, Rs [28]. Em 2019, tivemos a primeira foto de um buraco negro (Fig. 6) publicada pela equipe do EHT (Event Horizon Telescope), cf. [59]. A colaboração LIGO-Virgo ofereceu a primeira comprovação direta da existência de buracos negros através da detecção das suas ondas gravitacionais em sistemas binários [9]. A colaboração EHT trouxe a comprovação visual direta da realidade física dos buracos negros.24 Figura 6 Foto do buraco negro M87* em Virgem capturada pelo Event Horizon Telescope Collaboration e divulgada em 10 de abril de 2019. Este é um buraco negro supermassivo (com 6,5 bilhões de massas solares) solitário no centro da galáxia M87. Neste trabalho estudamos buracos negros de massas ordinárias (da ordem de dezenas de massas solares) em sistemas binários. Imagem disponível em <https://eventhorizontelescope.org>. Um exercício tradicional de um curso introdutório de fenômenos mecânicos é calcular a velocidade de escape de uma partícula (por exemplo, um foguete) a partir da superfície de um corpo celeste (digamos, a Terra) [36]. Se aplicarmos esse raciocínio a uma partícula de luz que se move com velocidade c, encontraremos uma distância típica: (84) R S = 2 ⁢ G ⁢ M c 2 . Para isso, precisamos da energia potencial gravitacional (37): U ⁢ ( r ) = - G ⁢ M ⁢ m r onde, no presente contexto, m é massa da partícula-teste, Mé a massa do corpo central produzindo o campo gravitacional e r é a distância da partícula m até o centro da massa M. Usando nossos conhecimentos em física de nível introdutório, sabemos que a energia mecânica total E é a soma da energia cinética K com a energia potencial U, E=K+U. Logo: (85) E = 1 2 ⁢ m ⁢ v 2 - G ⁢ M ⁢ m r . Queremos calcular a velocidade escape, (86) v = v escape , que é aquela correspondente à (87) E = 0 ( energia mínima ) . Este é o valor mínimo de energia mecânica, o limiar que garante a partícula subir o poço de potencial estabelecido pela atração gravitacional esgotando toda sua energia no processo. Essa energia mecânica nula correspondente ao valor mínimo de velocidade que permite a energia cinética da partícula compensar exatamente a energia potencial gravitacional. Colocando E=0 na Eq. (85): (88) 1 2 ⁢ v escape 2 = G ⁢ M r , onde a massa m foi convenientemente cancelada.25 A partícula de luz sempre viaja a uma velocidade constante igual a c. Então, para a luz: (89) v escape = c ( partícula de luz ) . Isso vai corresponder a distância (90) r = R S , chamada de raio de Schwarzschild (que é, por definição, a distância associada à velocidade de escape da luz). Então, de (88), (89) e (90): 1 2 ⁢ c 2 = G ⁢ M R S , i.e. (91) R S = 2 ⁢ G ⁢ M c 2 ( raio de Scharzschild ) , que é justamente a Eq. (84), como queríamos demonstrar. O valor de raio em (91) estabelece o horizonte de eventos em volta do corpo de massa M. Trata-se da superfície limite de dentro da qual nada, nem mesmo a luz, escapa porque seria necessário uma velocidade maior do que c para isso (o que não existe na Natureza). Estamos interessados, agora, em estimar qual é o raio de Schwarzschild associado ao par de buracos negros do sistema binário. Assim, a massa M que aparece na Eq. (91) deve ser mapeada para a massa total do par, Mtot: (92) M → M tot = ( M + m ) , onde usamos a Eq. (5). Logo, para o sistema binário26: (93) R S = 2 ⁢ G ⁢ ( M + m ) c 2 ( sistema binário ) . Ademais, estimamos que os buracos negros do sistema binário devem estar separados de R s no momento em que começam a se juntar para formar um único buraco negro. Temos, então: (94) R S → r rel = ( R + r ) ( coalescência ) , cf. a Eq. (34), e—inserindo (94) em (93)— (95) ( R + r ) = 2 ⁢ G c 2 ⁢ ( M + m ) ( coalescência ) . Isso faz sentido: há dois corpos, portanto, duas distâncias R e r até o centro de massa compondo o raio Rs e duas massas distintas M e m formando a massa que aparece na Eq. (91). Assim, para obtermos o raio e a massa total do evento devemos considerar a soma das massas dos burracos negros e sua distância relativa. A massa total Mtot em (92)—e em (95)—pode ser determinada com a ajuda da Terceira Lei de Kepler e da frequência de chirp. É isso que veremos na próxima seção. apresenta a derivação para o raio de Schwarzschild, relacionado ao horizonte de eventos de buracos negros, e estabelece as equações para a estimativa de tamanho do sistema binário coalescente. A Seção 7 7. Massa Total, Massas Individuais e Massa Irradiada 7.1. A massa total do sistema binário A massa total Mtot é um dos parâmetros físicos de interesse para caracterização do par de buracos negros coalescentes. Vamos, então, estimá-la em termos de uma grandeza mensurável a partir das ondas gravitacionais emitidas pelo sistema binário. Substituindo o resultado (95) na Eq. (35), obtemos: ω 2 = G ⁢ ( M + m ) [ 2 ⁢ G c 2 ⁢ ( M + m ) ] 3 ⇒ ( M + m ) = c 3 8 1 / 2 ⁢ G ⁢ ω , ou, devido à Eq. (5), Mtot=(M+m), e à Eq. (74), ω=π⁢f: (96) M tot = 1 π ⁢ 8 c 3 G ⁢ f c . onde usamos f=fc, a frequência de chirp. A identificação da frequência f com a frequência correspondente ao chirp é razoável, pois o raio de Schwarzschild, o horizonte de eventos do buraco negro resultante do processo de coalescência, deve corresponder ao instante de emissão da radiação de frequência máxima fmax: é na coalescência indicada pelo chirp que nasce o buraco negro central. Ademais, esse raciocínio indica que (97) f max = f c ( frequência de chirp ) . A Eq. (96) mostra que a massa total do sistema binário de buracos negros é uma quantidade calculável a partir da fc, uma grandeza que pode ser lida diretamente dos dados observacionais, como aqueles da Fig. 1. O pico do arco luminoso no quadro inferior esquerdo da Fig. 1 acontece em t2=0,43⁢s (valor no eixo x) e corresponde à fmax=fc=307⁢Hz. Essa é a frequência de chirp que estimamos para o evento GW150914. A substituição desse valor em (96) dá Mtot=74⁢M☉. Aqui temos a verificação de uma afirmação que fizemos ao final da Seção 5: as massas dos buracos negros coalescentes são enormes. A soma das massas dos dois buracos negros no evento GW150914 é 74 vezes maior que a do nosso Sol.27 7.2. As massas individuais dos buracos negros O objetivo agora é isolar M e m em termos de Mtot e ℳ. Queremos isso para calcular as massas individuais de cada buraco negro usando os dados observacionais que fornecem os valores de ℳ e Mtot através das Eqs. (83) e (96). Escrevendo (5) e (69) juntas: (98) { M tot = M + m ℳ = ( M ⁢ m ) 3 / 5 ( M + m ) 1 / 5 . Isolando m na primeira equação do sistema, temos: (99) m = ( M tot - M ) . Inserindo (99) na segunda equação do sistema (98), obtemos: (100) M 6 - 3 ⁢ M tot ⁢ M 5 + 3 ⁢ M tot 2 ⁢ M 4 - M tot 3 ⁢ M 3 + ℳ 5 ⁢ M tot = 0 . Se pudéssemos encontrar M como solução desta equação algébrica, então bastaria substituir o valor de M em (99), em conjunto com o valor observacional de Mtot, para determinar m. Todavia, a Eq. (100) é uma equação de sexta ordem em M e não tem solução analítica. Por isso, precisamos buscar um outro método de solução do sistema (98). Seguindo a Ref. [49], propomos que a massa m deve ser uma fração ξ da massa total Mtot: (101) m = ξ M tot , onde 0<ξ<1 (por definição, i.e. m<Mtot). Substituindo (101) na primeira equação do sistema (98), tem-se: (102) M = ( 1 - ξ ) M tot . Se conseguirmos calcular ξ, então as Eqs. (101) e (102) permitem obter m e M, as massas de cada buraco negro no sistema binário. Para obter ξ, usamos (69)—a qual é a segunda equação do sistema (98)—em conjunto com as Eqs. (101) e (102). Veja: ℳ = ( M ⁢ m ) 3 / 5 ( M + m ) 1 / 5 = { [ ( 1 - ξ ) ⁢ M tot ] ⁢ [ ξ ⁢ M tot ] } 3 / 5 { [ ( 1 - ξ ) ⁢ M tot ] + [ ξ ⁢ M tot ] } 1 / 5 = ( ξ - ξ 2 ) 3 / 5 ⁢ M tot i.e., ξ 2 - ξ + ( ℳ M tot ) 5 / 3 = 0 , que é uma equação do segundo grau na variável ξ, cuja solução é dada pela fórmula de Báskara: (103) ξ = 1 2 ± 1 4 - ( ℳ M tot ) 5 / 3 . Tomamos o sinal negativo em (103) sem perda de generalidade: o sinal positivo apenas forneceria o valor complementar à ξ no intervalo entre 0 e 1. Para que o argumento da raiz seja positivo (o que significa que ξ é real, para que M e m sejam reais!), devemos ter ( ℳ M tot ) 5 / 3 < 1 4 , o que implica no vínculo: (104) M tot > ( 4 ) 3 / 5 ⁢ ℳ , ou Mtot>2,297⁢ℳ. Este vínculo é a mesma coisa que: (105) ℳ < 0,44 M tot . Essa relação é importante do ponto de vista prático: precisamos estimar os valores de f1, fc e τ a partir dos dados observacionais—como aqueles da Fig. 1—que levem, através das Eqs. (83) e (96), a valores de ℳ e Mtot satisfazendo (105). Do contrário, nossa estimativa de f1, fc e τ não foi boa o suficiente e precisamos retornar aos gráficos dos dados para refazer a estimativa desses observáveis. Se ℳ e Mtot já satisfazem o vínculo (104), então calcula-se ξ pela Eq. (103). O último passo é usar o valor de ξ (e de Mtot) para encontrar m e M através das Eqs. (101) e (102). Exemplificamos, agora, esse procedimento para o evento GW150914. Conforme estimado no último parágrafo da Seção 5: f1=43⁢Hz e τ=0,09⁢s; isso resultou em ℳ=32⁢M☉. Ademais, estimamos fc=307⁢Hz ao final da Seção 7.1, o que leva à Mtot=74⁢M☉. Com isso, podemos encontrar (0,44⁢Mtot)=32,6⁢M☉ que é ligeiramente maior que ℳ, satisfazendo o vínculo (105). Então, podemos prosseguir e estimar o valor de ξ substituindo os valores ℳ=32⁢M☉ e Mtot=74⁢M☉ em (103). O resultado é ξ=0,4. Colocando esse valor e o resultado Mtot=74⁢M☉ nas Eqs. (102) e (101) encontramos a massa do buraco negro primário M=44⁢M☉ e a massa do buraco negro secundário m=30⁢M☉. São colossos colidindo no espaço. Isso só poderia resultar em um evento extremamente energético, conforme abordaremos na próxima subseção.28 7.3. A massa irradiada na forma de ondasgravitacionais Nosso próximo passo é encontrar a expressão para calcular a energia total irradiadaEirrad pelo sistema binário no momento da coalescência através da emissão das ondas gravitacionais. Para isso, substituímos o valor do raio de Schwarzschild (separação de buracos negros na coalescência) na equação para energia mecânica orbital do sistema. Então, inserindo a Eq. (95) na Eq. (39), temos: (106) E irrad = - 1 4 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) ⁢ c 2 . Note que o sinal negativo aparece porque a energia é perdida pelo sistema binário. Essa energia é carregada para longe da fonte pelas ondas gravitacionais. Segundo a equação de Einstein para a equivalência massa-energia [40], E=m⁢c2, podemos escrever (107) E irrad = M irrad ⁢ c 2 . Comparando as duas últimas equações, (106) e (107), concluímos que a massa irradiada por ocasião da coalescência é: (108) M irrad = 1 4 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) . (Obviamente desprezamos o sinal negativo da Eq. (106) cujo o significado está ligado a dissipação). Lembre-se a definição (24) para a massa reduzida; então, a Eq. (108) mostra que a massa irradiada na forma de ondas gravitacionais é um quarto da massa reduzida do sistema binário: Mirrad=μ/4. Na seção anterior estimamos os valores M=44⁢M☉ e m=30⁢M☉ para os buracos negros do evento GW150914. Colocando esses valores na Eq. (106) leva à Eirrad=4×1017⁢J=2,5×1024⁢TeV (onde usamos 1⁢eV=1,602×10-19⁢J). Para colocar esse resultado em perspectiva, o acelerador de partículas LHC foi projetado para operar com uma energia máxima de colisão igual a 14 TeV [60] (hoje o CERN opera esse equipamento, a maior máquina já construída pela humanidade de acordo com muitos parâmetros, à 13 TeV). A energia emitida na coalescência de buracos negros do evento GW150914 emitiu um trilhão de trilhão de vezes mais energia do máximo que a humanidade pode produzir em um experimento hoje. Uma comparação mais justa talvez seja aquela com a energia que o nosso Sol pode emitir em todo seu ciclo de vida. Estima-se que o Sol emitirá 1% de sua massa total na forma de radiação, i.e. 0,01⁢M☉. Por outro lado, a massa irradiada no evento GW150914 é encontrada pondo M=44⁢M☉ e m=30⁢M☉ em (108), o que dá Mirrad=4⁢M☉!29 7.4. Estimativa do máximo de energia irradiada em função do balanço de massas Imagine que fosse possível ajustar os valores das massas individuais M e m dos buracos negros no sistema binário à nossa própria vontade. Isso seria feito regulando o valor do parâmetro ξ, em termos do qual as massas dependem—cf. as Eqs. (101) e (102). Assim, para uma dada massa total fixa Mtot, poderíamos nos perguntar: Qual é o balanço de valor das massas que permite maximizar a energia total irradiada Etot na forma de ondas gravitacionais? É claro que nós não podemos ajustar o valor das massas, mas a Natureza o faz por amostragem estatística; afinal, há incontáveis sistemas de buracos negros binários nas bilhões de galáxias do Universo. Então, a pergunta faz sentido. Para encontrar o valor de ξ que maximiza Etot procedemos em dois passos. Primeiro, escrevemos Etot em função de ξ ao substituirmos (101) e (102) em (106): (109) E irrad ⁢ ( ξ ) = - 1 4 ⁢ ξ ⁢ ( 1 - ξ ) ⁢ ( M tot ⁢ c 2 ) . O segundo passo é derivar a função Eirrad⁢(ξ) com respeito à ξ e igualar o resultado a zero [29, 33]: d d ⁢ ξ ⁢ E irrad ⁢ ( ξ ) = - 1 4 ⁢ ( 1 - 2 ⁢ ξ ) ⁢ ( M tot ⁢ c 2 ) = 0 , i.e. ξ = 1 2 ( máximo de ⁢ E irrad ) . Inserindo esse valor de ξ de volta nas Eqs. (101) e (102), concluímos que a energia irradiada é máxima se M=m=(Mtot/2), ou seja, se a massa dos dois buracos negros do sistema binário forem iguais. No evento de descoberta, de acordo com as estimativas da Colaboração LIGO-Virgo [9], temos a massa do buraco negro primário M=36-4+5⁢M☉ e a massa do buraco negro secundário m=29-4+4⁢M☉, de modo que M≃m se levarmos em conta o intervalo de incertezas. Por isso, a energia irradiada foi tão grande quanto poderia ser. Essa é a razão dos líderes da Colaboração LIGO terem afirmado que tivemos muita sorte em detectar justamente o evento GW150914, quase que de imediato após a entrada do observatório em operação, depois dos melhoramentos de instrumentação em 2015 [43, 47]. 7.5. Estimativa da distância de separação inicial dos buracos negros e do raio de coalescência Na Seção 7.1 aprendemos a estimar a massa total Mtot do par de buracos negros no sistema binário. Esse resultado pode ser usado para encontrar a distância de separação dos buracos negros no início da coalescência. De fato, considere a Terceira Lei de Kepler na forma: (110) ω 2 = G ⁢ M tot r rel 3 . Aqui, inserimos a Eq. (34) em (35) e usamos a definição (5). Sabemos pela Eq. (74), que a frequência angular do sistema binário é ω=π⁢f, onde f é a frequência da onda gravitacional. Usando essa informação na equação acima, resulta: (111) r 0 = ( G ⁢ M tot ) 1 / 3 ( π ⁢ f 1 ) 2 / 3 ( raio do sistema binário ) . Na nossa notação, f1 é a estimativa para frequência da onda no início da coalescência. Por isso, usamos f=f1 na Eq. (111) para encontrar o tamanho r0 do sistema binário no início da fase espiral. Para o evento GW150914, estimamos f1=43⁢Hz, com base na Fig. 1, e Mtot=74⁢M☉, na Seção 7.1. Colocando esses valores em (111), obtemos r0≃815⁢km como o tamanho inicial do sistema binário. Em contrapartida, o raio do horizonte de eventos do buraco negro resultante da coalescência é dado pelo raio de Schwarzschild, Eqs. (94) e (95): (112) r c = 2 ⁢ G ⁢ M tot c 2 ( raio de coalescência ) . Essa é a expressão de cálculo para o raio de coalescência rc. O evento de descoberta, com Mtot=74⁢M☉ pelas nossas estimativas, leva à rc≃220⁢km, que é cerca de quatro vezes menor do que o raio orbital inicial r0. Como esperado, o horizonte de eventos do buraco negro central é mais compacto do que a órbita inicial dos buracos negros isolados. Aliás o raio do horizonte de eventos de cada buraco negro no evento de descoberta é encontrado empregando a Eq. (91): R S M = 2 ⁢ G ⁢ M c 2 ≃ 131 ⁢ km e R S m = 2 ⁢ G ⁢ m c 2 ≃ 89 ⁢ km ( GW ⁢ 150914 ) . O diretor executivo do laboratório LIGO (Caltech), David Reitze, deu a estimativa grosseira de 150 km para o tamanho dos buracos negros coalescentes na conferência de imprensa para anunciar a descoberta do evento GW150914 [47]. As distâncias r0 e rc caracterizam o sistema binário in situ. Uma outra distância que pode ser estimada com os dados da Colaboração LIGO-Virgo é aquela entre os buracos negros emissores das ondas e os detectores delas. É o que faremos a seguir. condensa uma série de resultados fundamentais para a caracterização da fonte de ondas gravitacionais: massas total do sistema, massas individuais do par de buracos negros coalescentes, massa total irradiada e seu equivalente em energia, dentre outros. A Seção 8 8. Intensidade da Radiação, Strain e a Distância entre a Terra e os Buracos Negros Nesta seção, estabeleceremos a distância do sistema binário emissor até os detectores na Terra usando o valor da amplitude da onda gravitacional, a expressão para a potência irradiada e um pouco de análise dimensional. A frequência f da onda gravitacional está relacionada à velocidade angular orbital ω do par de buracos negros no sistema binário pela Eq. (74): ω=π⁢f. Substituindo esse resultado em (65), obtemos a potência irradiada Pirrad em termos de f: (113) P irrad = α ⁢ G 7 / 3 c 5 ⁢ ( π ⁢ f ) 10 / 3 ⁢ ( m ⁢ M ) 2 ( m + M ) 2 / 3 . A intensidade Iirrad da radiação gravitacional é definida como potência por unidade de área: (114) I irrad = P irrad A , onde A é a área da casca esférica correspondente à frente de onda da radiação gravitacional. Seja ρ o raio dessa casca esférica. Então, a sua área é calculada pela fórmula conhecida da geometria tridimensional [33, 34]: (115) A = 4 ⁢ π ⁢ ρ 2 . Imaginamos que os observatórios LIGO detectam a onda quando essa frente de onda esférica de raio ρ atinge a Terra. Então ρ é também a distância entre a Terra e o centro de massa do sistema binário de buracos negros coalescentes. A intensidade irradiada pode ser escrita em termos do strainh, que é a amplitude da onda gravitacional. O strain é a quantidade que aparece no eixo y dos painéis superiores na Fig. 1 e dá conta da magnitude de oscilação (vertical) no padrão vibracional da onda gravitacional. Para formular Iirrad=Iirrad⁢(h), perceba-se que, cf. a Eq. (114): (116) I irrad ∝ P irrad . No caso eletromagnético, vimos que a potência é proporcional à densidade de energia u, e a densidade de energia u é proporcional ao quadrado do campo elétrico—vide-se a Eq. (50): (117) P elet ∝ ϵ 0 ⁢ E 2 ⁢ 1 Δ ⁢ t . Na onda eletromagnética, o campo elétrico oscila e por isso tem um padrão cossenoidal. Em verdade, uma onda plana monocromática que se propaga na direção do eixo z de um sistema Cartesiano terá um campo elétrico dado por [39]: (118) E = ℰ ⁢ cos ⁡ ( k ⁢ z - k ⁢ c ⁢ t ) ⁢ x ^ , onde ℰ é a amplitude do campo elétrico e k é o número de onda. O produto kc forma a frequência angular da onda eletromagnética.30 O vetor unitário x^ indica que o vetor campo elétrico E aponta na direção do eixo x. Com a Eq. (118) fica fácil aceitar que a potência elétrica (117) é proporcional ao quadrado da amplitude ℰ: (119) P elet ∝ ϵ 0 ⁢ ℰ 2 ⁢ 1 Δ ⁢ t ( elétrico ) . No análogo gravitacional de (119), em vez da amplitude do campo elétrico ℰ, nós temos o strainh. De fato, veremos na Seção 10 que a equação da onda gravitacional é do tipo h+=h⁢cos⁡(ω⁢t), a qual é similar à (118) e aponta que h é a amplitude da onda. Então, a relação (119) é mapeada para: (120) P irrad ∝ G ψ ⁢ c δ ⁢ f ϵ ⁢ h 2 ( gravitacional ) , onde aparece a constante gravitacional G (no lugar da constante elétrica ϵ0) e aparece também a velocidade da luz c (que leva em conta a velocidade com que a radiação gravitacional se propaga). Ademais, introduzimos a frequência f em (120) pois ela traz informação sobre a onda gravitacional ao mesmo tempo que inclui a unidade s-1, a qual é necessária para compor a unidade de potência. Na Eq. (120), escrevemos as constantes ψ, δ e ϵ que precisam ser determinadas por análise dimensional. De fato, por definição—vide-se Eq. (114): [ I irrad ] = [ potência ] [ área ] = [ energia ] [ tempo ] ⁢ [ área ] = J s × m 2 . Por outro lado, pelas Eqs. (116) e (120), temos: I irrad ∝ G ψ ⁢ c δ ⁢ f ϵ ⁢ h 2 , ou, introduzindo a constante de proporcionalidade adimensional β: (122) I irrad = β ⁢ G ψ ⁢ c δ ⁢ f ϵ ⁢ h 2 . Desse modo: [ I irrad ] = [ β ] ⁢ [ G ] ψ ⁢ [ c ] δ ⁢ [ f ] ϵ ⁢ [ h ] 2 , com [β]=1. Como o strain é definido como uma quantidade adimensional,31[h]=1 e ficamos com: [ I rad ] = [ G ] ψ ⁢ [ c ] δ ⁢ [ f ] ϵ , onde [G]=Nm2/(kg)2, pela Eq. (60). Além disso, [c]=m/s. Então: (123) [ I irrad ] = [ Nm 2 ( kg ) 2 ] ψ ⁢ ( m s ) δ ⁢ ( 1 s ) ϵ . Determinamos ψ, δ e ϵ igualando (26) com (123): J s × m 2 = J ( - ψ ) s ( 4 ⁢ ψ + δ + ϵ ) × m - ( 5 ⁢ ψ + δ ) . A igualdade se estabelece para: { 1 = ( - ψ ) 1 = ( 4 ⁢ ψ + δ + ϵ ) 2 = - ( 5 ⁢ ψ + δ ) ⇒ { ψ = - 1 δ = 3 ϵ = 2 . Finalmente, inserindo os valores de ψ, δ e ϵ acima na expressão (122) de Irad, temos: (124) I irrad = β ⁢ c 3 ⁢ f 2 G ⁢ h 2 . Essa é a intensidade da radiação gravitacional emitida pelo sistema binário em função do strainh e da frequência f da onda. Ela permite encontrar a distância ρ entre a Terra e o sistema binário. Para isso, basta substituir as Eqs. (115), (113) e (124) na (114): β ⁢ c 3 ⁢ f 2 G ⁢ h 2 = 1 ( 4 ⁢ π ⁢ ρ 2 ) ⁢ α ⁢ G 7 / 3 c 5 ⁢ ( π ⁢ f ) 10 / 3 ⁢ ( m ⁢ M ) 2 ( m + M ) 2 / 3 . Queremos calcular a distância ρ. Vamos isolar essa quantidade: (125) ρ = 1 2 ⁢ ( α β ) 1 / 2 ⁢ G 5 / 3 c 4 ⁢ π 7 / 6 ⁢ f 2 / 3 ⁢ 1 h ⁢ ( m ⁢ M ) ( m + M ) 1 / 3 . A frequência f na Eq. (125) é aquela que corresponde ao strain; dizendo de outra forma h é uma função da frequência.32 Por isso, o valor de f relacionado ao máximo de amplitude h da onda gravitacional deve corresponder ao máximo de frequência da onda, que é justamente a frequência de chirpf=fc. Referimos o leitor à Fig. 1: o pico do padrão oscilatório no painel superior esquerdo (o valor de h para o evento GW150914) corresponde ao pico do arco luminoso no painel inferior esquerdo (que dá a frequência de chirp). Até onde vai nosso conhecimento, não é possível determinar a constante de proporcionalidade adimensional β das Eqs. (124) e (125) sem o tratamento relativístico completo33 [5, 8]. Seguir a abordagem da Relatividade Geral para ondas gravitacionais, como feito na Ref. [27], foge do escopo deste trabalho. Ainda assim, para permitir a estimativa numérica de ρ, usaremos o valor de β conhecido da teoria relativística: (126) β = π 2 . Note-se que β≃1,571 é da ordem de 1 e não teria sido um erro muito grave (nem para a estimativa dos valores numéricos, nem para a forma funcional das quantidades Iirrad e ρ) ignorar β em (126), i.e. adotar β∼1. Substituindo os valores de α e β, Eqs. (66) e (126), em (125), resulta: (127) ρ = 4 5 G 5 / 3 c 4 1 h ( π f ) 2 / 3 m ⁢ M ( m + M ) 1 / 3 . Essa é distância entre o sistema binário e os observatórios LIGO-Virgo na Terra. Extraímos os valores de h e f=fc diretamente dos dados observacionais—figuras como a Fig. 1. As massas M e m são calculadas conforme a explicação entre as Eqs. (101) e (103). Com o conjunto de valores {h,fc,m,M} e a Eq. (127), calcula-se ρ. Para o evento de descoberta GW150914, estimamos anteriormente que fc=300⁢Hz, m=30⁢M☉ e M=44⁢M☉. O painel superior esquerdo da Fig. 1 dá o valor do strain; cujo valor corresponde ao pico do padrão oscilatório em vermelho (valor no eixo y relativo à altura máxima): h≃1,2×10-21. Inserindo esses valores na Eq. (127) dá ρ≃2⁢bilhões de ano-luz. O ano-luz é uma medida de comprimento igual à distância que a luz pode percorrer no vácuo durante um ano terrestre; 1 ano-luz vale 9,4607×1015⁢m. A Colaboração LIGO-Virgo estima a distância entre a Terra e o evento GW150914 em 1,3 bilhões de anos luz [43, 47], o que significa que a coalescência que emitiu as ondas gravitacionais detectadas pelos observatórios em 2015 aconteceu à mais de um bilhão de anos atrás, numa era em que a vida na forma de organismos multicelulares estava apenas começando a se espalhar pela Terra [47]. oferece a dedução de uma equação que permite inferir a distância da Terra até os buracos negros emissores das ondas gravitacionais em função da amplitude máxima dessas ondas (o chamado strain). A fase espiral da dinâmica orbital dos buracos negros até a coalescência é dissecada na Seção 9 9. A Diminuição da Distância Orbital na Fase Espiral e a Frequência de Chirp Na Seção 3 estudamos a dinâmica orbital do sistema binário. Começamos assumindo uma órbita circular em torno do centro de massa do par de buracos negros. Então, relaxamos essa característica argumentando que a energia orbital do sistema variava: parte da energia mecânica do sistema era perdida através da emissão de ondas gravitacionais. De fato a Eq. (40) mostrou que E tot depende da frequência orbital ω, a qual está associada à frequência f da onda gravitacional. O fato de que (d⁢Etot/d⁢ω) pode ser diferente de zero—cf. a Eq. (41)—leva à potência irradiada Pirrad dada pela Eq. (67). Mostraremos nesta seção que a energia orbital perdida resulta na diminuição da distância de separação entre os buracos negros. Por essa razão eles espiralam em direção ao centro de massa e coalescem. Verificaremos também que, ao espiralarem, os buracos negros aumentam a sua velocidade orbital, o que se reflete no aumento da frequência orbital e, portanto, no aumento da frequência da onda gravitacional até a derradeira emissão da frequência de chirpfc. 9.1. Separação dos buracos negros na fase espiral Dado o contexto acima, consideremos novamente a Eq. (110): (128) ( π ⁢ f ) 2 = G ⁢ M tot r rel 3 , onde f=f⁢(t) e rrel=rrel⁢(t): o raio de separação dos buracos negros diminui a medida que f aumenta, já que rrel3∝1/f2. Derivando a equação com respeito ao tempo, dá: π 2 ⁢ ( 2 ⁢ f ⁢ f ˙ ) = ( G ⁢ M tot ) ⁢ ( - 3 ⁢ r rel - 4 ⁢ r ˙ rel ) , que é o mesmo que ( π ⁢ f ) 2 ⁢ ( 2 ⁢ f ˙ f ) = ( G ⁢ M tot r rel 3 ) ⁢ ( - 3 ⁢ r ˙ rel r rel ) . Usando (128) do lado esquerdo da última equação para eliminar (π⁢f)2, obtemos: (129) r ˙ rel r rel = - 2 3 ⁢ f ˙ f , a qual é uma relação obtida também no tratamento relativístico—cf. a Eq. (4.24) da Ref. [5]. O lado direito de (129) pode ser especificado com a ajuda da Eq. (77): f - 11 / 3 ⁢ f ˙ = 3 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ ( G c 3 ⁢ ℳ ) 5 / 3 , que é o mesmo que: (130) f ˙ f = ( f 8 / 3 ) ⁢ 3 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ ( G c 3 ⁢ ℳ ) 5 / 3 . Ademais, é possível inverter a Eq. (83) para encontrar a frequência em termos da massa de chirp: (131) f 8 / 3 = 1 8 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ 1 τ ⁢ ( G ⁢ ℳ c 3 ) - 5 / 3 . Nesta expressão, (132) τ = ( t 2 - t 1 ) = ( t c - t ) , i.e., tomamos t2=tc como o instante em que ocorre a coalescência. Em (131), também usamos f1=f, pois f1 é a frequência do início da observação da dinâmica órbital do sistema binário, a qual acontece no tempo t1=t que decidirmos (arbitrário, a nosso critério). Inserindo (131) no lado direito de (130), encontramos: (133) f ˙ f = 3 8 ⁢ 1 τ . Substituindo (133) em (129) resulta (134) r ˙ rel r rel = - 1 4 ⁢ 1 τ , que é uma equação diferencial de primeira ordem separável e facilmente integrável. Em verdade, escrevendo r˙rel=d⁢rreld⁢t e empregando (132) em (134): ∫ ℛ 0 ℛ d ⁢ r rel r rel = - 1 4 ⁢ ∫ t 0 t d ⁢ t ′ ( t c - t ′ ) , sendo ℛ0 (ℛ) o valor da distância de separação dos buracos negros no sistema binário no tempo inicial t0 (tempo posterior t).34 Por consistência, τ0=tc-t0. Resolvendo as integrais de cada lado na última equação: ln ⁡ r rel | ℛ 0 ℛ = - 1 4 ⁢ [ - ln ⁡ ( t c - t ′ ) ] t 0 t , ou ln ℛ ℛ 0 = ln ( t c - t t c - t 0 ) 1 / 4 , ou ainda, (135) ℛ ( t ) = ℛ 0 ( t c - t t c - t 0 ) 1 / 4 , onde t0⩽t⩽tc. A medida que o sistema binário tende à coalescência, t→tc e o numerador de (135) tende a zero, i.e. a distância de separação entre os buracos negros vai a zero, por isso eles se chocam e coalescem no único buraco negro central. Essa característica pode ser confirmada no gráfico da função ℛ⁢(t), construído com a função na Eq. (135). O gráfico de ℛ⁢(t) em unidades de ℛ0 aparece na Fig. 7.35 Figura 7 Gráfico da separação dos buracos negros do sistema binário em função do tempo. O gráfico foi construído com a equação para ℛ⁢(t) encontrada neste trabalho—Eq. (135). É notável a semelhança dessa curva com àquela apresentada na Fig. 2 da do paper de descoberta [9] da Colaboração LIGO, curva em preto—vide-se a reprodução na nossa Fig. 8. A colaboração LIGO mede ℛ0=r0 (raio do sistema binário em t=t1) em unidades do raio de Schwarzschild do conjunto, i.e., em unidades do raio de coalescência rc≡ℛS (em t=tc; vide-se a Seção 7.5). Então, o gráfico de (135) é a a medida de separação dos buracos em unidades do raio de Schwarzschild do sistema binário. Para o evento GW150914, vale t0=t1=0,34⁢s e tc=0,43⁢s; fazemos o tempo t variar partindo de 0,25⁢s (para coerência com a escala da Fig. 2 de [9]), passando por t1=0,34⁢s, até atingir o valor tc=0,43⁢s. A curva da Fig. 7 corresponde justamente à curva preta no painel inferior da Fig. 2 no paper de descoberta [9], a qual foi reproduzida em nossa Fig. 8 para conveniência do leitor. Figura 8 Fig. 2 do paper de descoberta [9] da colaboração LIGO para o evento GW150814. O topo da figura representa quatro momentos sucessivos da dinâmica do sistema binário: a fase espiral (Inspiral) começa com uma separação maior entre os buracos negros (à esquerda), evolui para uma configuração de menor separação e maior velocidade orbital relativa, a qual culmina com a coalescência (Merger), onde a distância de separação despenca e a velocidade diverge; após a coalescência, resta o único buraco negro na fase transiente chamada Ring-down (à direita). Todas essas fases da dinâmica do sistema têm reflexos nas curvas de separação (em preto no painel inferior), de velocidade (em verde, painel inferior) e da amplitude da onda gravitacional ou strain (curva vermelha, painel intermediário). É evidente que o strain é máximo no momento da coalescência dos buracos negros e se atenua durante o ring-down. Fonte: Ref. [9]. A coincidência de nosso tratamento não-relativístico com o resultado numérico relativístico rigoroso da equipe LIGO é notável. 9.2. Velocidade de coalescência e frequência de chirp A velocidade de coalescência pode ser definida como 𝒱=ℛ˙. Assim, derivando (135) com respeito ao tempo t: 𝒱 ⁢ ( t ) = - 1 4 ⁢ ℛ 0 ( t c - t 0 ) ⁢ ( t c - t 0 t c - t ) 3 / 4 , cujo valor absoluto, em unidades de velocidade da luz c, é: (136) | 𝒱 | c = 𝒱 0 c 1 4 ( t c - t 0 t c - t ) 3 / 4 , onde usamos 𝒱0≡ℛ0/(tc-t0). Lembre-se que t0⩽t⩽tc, ou seja, a medida que t se aproxima de tc, o denominador de (136) tende a zero e a velocidade relativa dos buracos negros |𝒱|/c diverge. Isso significa que a colisão dos buracos negros do sistema binário acontece a velocidades relativísticas e, a rigor, o tratamento não-relativístico deste artigo falha próximo à coalescência. Ainda assim, textos rigorosos como a Ref. [5] reportam o mesmo resultado que o nosso e, talvez o mais importante, a coincidência da curva 𝒱⁢(t) que encontramos com aquela da Colaboração LIGO-Virgo em [9] é notável.36 De fato, compare-se a curva verde do painel inferior da Fig. 2 no artigo [9]—reproduzida em nossa Fig. 8—com o gráfico da função |𝒱⁢(t)/c| na Fig. 9. Figura 9 Gráfico da velocidade orbital relativa dos buracos negros no sistema binário em função do tempo de acordo com a Eq. (136). A curva de |𝒱/c| tem o mesmo comportamento da curva verde na Fig. 8. A Eq. (131) é o mesmo que: (137) f ( t ) = 1 π ( G ⁢ ℳ c 3 ) - 5 / 8 1 [ 8 ⁢ α ⁢ ( t c - t ) ] 3 / 8 . Esta é a equação para frequência f da onda gravitacional emitida pelos buracos negros no movimento espiral em direção à coalescência. Ela é calculada em um tempo t, tal que t1⩽t⩽tc e tc é o instante em que ocorre a coalescência. Em t=tc, τ=(tc-t)→0 e a frequência fc=f⁢(tc)diverge.37 A curva da função f⁢(t) conforme a Eq. (137) aparece na Fig. 10. Esse comportamento funcional corresponde ao arco luminoso ascendente na Fig. 1 do paper de descoberta do evento GW150914—reproduzida em nossa Fig. 1: vide-se os painéis inferiores correspondentes aos gráficos de frequência por tempo. Figura 10 Gráfico da frequência da onda gravitacional emitida pelo sistema binário em função do tempo de acordo com a Eq. (137). Usamos os valores ℳ=32⁢M☉ e tc=0,43⁢s que estimamos para o evento GW150914. Perceba-se como essa curva tem exatamente a forma medida pela colaboração LIGO: o arco luminoso no painel inferior esquerdo da Fig. 1. A Fig. 10 permite entender, a partir de física básica, a natureza frequência de chirp, que foi um dos protagonistas nas conferências de imprensa divulgando a descoberta das ondas gravitacionais e a primeira detecção direta da existência material de buracos negros na Natureza [43, 47]. . Na seção 10 10. A Forma Funcional da Onda Gravitacional e os Modos de Polarização Observe-se a Fig. 8. Ela é a reprodução da Fig. 2 no artigo [9] da colaboração LIGO. Na seção anterior, entendemos a razão para o formato das curvas no painel inferior desta figura. Nesta seção, queremos deduzir a equação que produz a forma oscilatória da curva vermelha no painel superior da mesma figura. Trata-se do gráfico para a forma da onda gravitacional h⁢(t) em função do tempo. 10.1. Os modos de polarização h+ e h× Conforme vimos na Seção 2, a onda gravitacional h⁢(t) tem dois modos de polarização, que chamamos de h+ e h×. O modo h+ descreve vibrações do espaço nas direções norte-sul e leste-oeste (Fig. 4); o modo de polarização h× dá conta das deformações do espaço nas direções noroeste-sudeste e nordeste-sudoeste. Como h+ e h× dizem respeito às oscilações, elas devem ter a forma de senos e cossenos. A diferença entre as direções de vibração de h+ e h× pode ser entendida como uma diferença de fase de noventa graus ou π/2 radianos. Essa fase é justamente o que diferencia senos e cossenos [29, 33]. Logo, faz sentido que: (138) h + ∼ cos ⁡ ( ω ⁢ t ) e (139) h × ∼ sin ⁡ ( ω ⁢ t ) . Dessa forma, (140) h × ⁢ ( ω ⁢ t ) = cos ⁡ ( ω ⁢ t - π 2 ) = h + ⁢ ( ω ⁢ t - π 2 ) . No que segue, vamos especificar cuidadosamente a forma funcional completa do modo de polarização h+⁢(t). Então, o leitor pode estender o raciocínio ao modo de polarização h×⁢(t) empregando a relação (140). 10.2. A forma funcional de h+: o padrão de onda até o chirp Vamos rescrever a Eq. (127) para a distância fonte-observador ρ em termos da frequência orbital ω=π⁢f, Eq. (74), e da massa de chirp ℳ=(M⁢m)3/5/(M+m)1/5, Eq. (5). Temos: ρ = 4 5 ⁢ G 5 / 3 c 4 ⁢ 1 h ⁢ ω 2 / 3 ⁢ [ ( m ⁢ M ) 3 / 5 ( m + M ) 1 / 5 ] 5 / 3 = 4 5 ⁢ 1 h ⁢ ( ω c ) 2 / 3 ⁢ [ G ⁢ ℳ c 2 ] 5 / 3 , ou seja, (141) h = 4 5 ⁢ 1 ρ ⁢ ( G ⁢ ℳ c 2 ) 5 / 3 ⁢ ( ω c ) 2 / 3 é a amplitude da onda gravitacional. Note-se que ela cai linearmente com a distância ρ. A radiação eletromagnética ensina que o (módulo do vetor) campo elétrico oscilante é da forma38: (142) | E | ∝ 1 ρ ⁢ cos ⁡ ( ω ⁢ t ) ( radiação eletromagnética ) . Veja que a amplitude da radiação eletromagnética (coeficiente da função cossenoidal) cai linearmente com ρ, assim como acontece com h na Eq. (141). Essa semelhança dos casos gravitacional e eletromagnético dá confiança ao nosso resultado (141) e também indica que a radiação gravitacional deve apresentar uma dependência temporal como a de |E| em (142). Dessa forma, esperamos que39: (143) h + ∝ 1 ρ ⁢ cos ⁡ ( ω ⁢ t ) ( radiação gravitacional ) . Esta relação é contemplada também na Eq. (138), h+∼cos⁡(ω⁢t). Tudo parece elegantemente consistente, ainda mais se observarmos que o fator de proporcionalidade remanescente em (143) já foi determinado em (141). De fato, escrevemos (144) h + ⁢ ( t ) = h ⁢ cos ⁡ ( ω ⁢ t ) , i.e.40 (145) h + = 4 5 1 ρ ( G ⁢ ℳ c 2 ) 5 / 3 ( ω c ) 2 / 3 cos ( ω t ) . O fator (G⁢ℳ/c2) indica porque é tão difícil detectar as ondas gravitacionais: G∼10-10, c2∼1016 em unidades do S.I.; por isso: (G⁢ℳ/c2)∼10-26⁢ℳ. Logo, precisamos de um sistema binário com uma massa de chirpℳ muitas vezes maior que 10+34⁢kg (uma massa solar vale M☉=1,99×1034⁢kg) para compensar as distâncias enormes da fonte, tipicamente da ordem ρ∼1 bilhão de anos-luz ∼109×(9,46×1015⁢m). Lembramos que a estimativa da distância Terra-fonte para o evento de descoberta em [9] foi de 410⁢Mpc≃1,3×109⁢anos-luz e da sua massa de chirp foi de ≃30⁢M☉. Figura 11 Gráfico do strain conforme nossa dedução a partir de física básica—vise-se a Eq. (145). Note-se a semelhança com a curva vermelha na Fig. 8, a qual é a modelagem numérico-relativística de LIGO-Virgo para o strain. A Fig. 11 mostra o gráfico da função h+ em função do tempo t conforme previsto pela Eq. (145). Dois fenômenos acontecem a medida que o tempo t aumenta: 1. a envoltória da curva h+⁢(t) aumenta. A amplitude da onda gravitacional cresce até atingir o valor máximo de strain no valor t=tc. O pico da amplitude dá-se na coalescência dos buracos negros; e, 2. a frequência f=ω/π da onda gravitacional aumenta. Isso significa que o comprimento de onda λ=c/f diminui [36]. É por isso que o padrão de picos e vales fica progressivamente mais compacto conforme observamos a curva da esquerda para a direita. Quando o valor de t aproxima-se do tempo de coalescência tc, a frequência tende à frequência de chirpfc, a qual essencialmente diverge, levando à λc→0. A partir daí ocorre o efeito chamado ring down: após a coalescência, forma-se um único buraco negro central e a detecção de ondas gravitacionais cessa após passar por um rápido amortecimento transiente. (O amortecimento não aparece na nossa Fig. 11, mas é visível na curva vermelha da Fig. 8 à partir de t=tc=0,43⁢s.) A curva na Fig. 11 apresenta precisamente as mesmas características do padrão de strain gerado pelo tratamento relativístico numérico da Colaboração LIGO-Virgo mostrado pela curva vermelha no painel superior da Fig. 8—Fig. 2 da Ref. [9]. Tão impressionante quanto esse fato, é a coincidência da curva de h+⁢(t) com o padrão de onda detectado pelos observatórios LIGO que pode ser visto no painel superior esquerdo da Fig. 1. Isso encerra a parte do artigo onde deduzimos as equações para os parâmetros relacionados à coalescência de sistemas binários e a consequente emissão de ondas gravitacionais usando física básica. Na próxima seção, usaremos essas equações extrair os números para os parâmetros que caracterizam os dez primeiros eventos detectados pela Colaboração LIGO-Virgo. encontramos a função matemática descrevendo as ondas gravitacionais e comparamos o seu gráfico às detecções de LIGO em [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).]. A Seção 11 11. Estimativas dos Valores dos Parâmetros Físicos das Binárias Coalescentes Nesta seção oferecemos estimativas dos parâmetros físicos associados aos sistemas binários coalescentes emissores de ondas gravitacionais confirmados pela colaboração LIGO desde o evento de descoberta, divulgado em 12 de fevereiro de 2016, até o evento confirmado em 20 de junho de 2020 [9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19].41 As estimativas são feitas empregando as equações derivadas a partir de física fundamental nas seções anteriores. Vide-se a Fig. 12. Os eventos detectados pela colaboração LIGO-Virgo confirmados até meados de 2020 foram: GW150914 (primeira detecção), GW151226, GW170104, GW170814, GW170817 (primeira detecção de coalescência de estrelas de nêutron), GW170608, GW190412, GW190425, GW190521, GW190814—todos encontrados no sítio <https://www.ligo.org/detections.php> e artigos lá referenciados [9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19]. A Fig. 12 coleciona esses eventos em um infográfico do cemitério estelar. Os artigos relacionados a esses eventos continham figuras similares à Fig. 1, a partir das quais coletamos os dados que aparecem na Tabela 1. Figura 12 Eventos de coalescências de sistemas binários detectados pela colaboração LIGO-Virgo entre 2015 e 2019 nas três primeiras rodadas operacionais dos observatórios. Nota-se a medida direta de vários eventos de coalescência de buracos negros de diferentes massas e um evento envolvendo estrelas de nêutrons. Este último permitiu validar o modelo de produção de elementos pesados no interior estelar e vincular modelos de gravidade modificada. Os números no lado esquerdo dão a estimativa das massas dos objetos estelares cuja coalescência foi a fonte das ondas gravitacionais. Fonte: [62]. Table 1 Dados observacionais para os dez primeiros eventos de coalescência de sistemas binários confirmados pela colaboração LIGO-Virgo. As quantidades são: t1 é o valor de tempo correspondente ao início da detecção do movimento espiral; t2 é o valor de tempo em que a coalescência ocorre; f1 é a frequência da onda gravitacional no início da detecção; fc é a frequência de chirp; h é a amplitude máxima do strain. t 1 ⁢ ( s ) t 2 ⁢ ( s ) τ ⁢ ( s ) f 1 ⁢ ( Hz ) f c ⁢ ( Hz ) h ⁢ ( 10 - 21 ) GW150914 0,34 0,43 0,09 43 307 1,2 GW151226 - 0,70 0,00 0,70 32 448 0,3 GW170104 0,53 0,60 0,07 48 256 0,6 GW170608 - 1,50 0,00 1,50 30 400 2,1 GW170814 0,44 0,53 0,09 52 240 0,7 GW170817 - 28,0 0,00 28,0 30 350 7,5 GW190412 - 0,38 0,13 0,50 40 200 2,0 GW190425 0,40 2,30 1,9 100 800 1,9 GW190521 0,40 0,45 0,05 35 150 2,5 GW190814 - 9,00 0,00 9,00 20 400 0,2 Ao longo do texto deste artigo, explicamos como estimar os dados {t1,t2,f1,fc,h} para o evento GW150914; fizemos isso no compasso em que desenvolvíamos as equações necessárias para os cálculos dos parâmetros físicos {ℳ,Mtot,M,m,Mirrad,r0,rc,RSM,RSm,ρ} associados a esse evento. O processo todo é longo, o raciocínio ficou diluído em várias etapas, o que pode ter obscurecido a visão global do método. Para remediar isso, vamos adotar a seguinte postura aqui: assumiremos as equações que já deduzimos sem explicações adicionais e dedicaremos atenção exclusiva à coleta dos dados e à estimativa dos parâmetros. Tomaremos arbitrariamente o evento GW170104 [12] como exemplo diferente daquele já explorado. O tratamento para os demais eventos é inteiramente análogo e fica a cargo do leitor. Figura 13 Dados observacionais do evento GW170104. Fonte: Ref. [12]. A Fig. 13 refere-se ao evento GW170104 e aparece no artigo [12]. Os valores do eixo x na parte inferior da figura dizem respeito ao tempo. O eixo y do segundo quadro (rotulado “Livingston”) fornece os valores de frequência da onda gravitacional. O início do arco luminoso neste quadro tem um valor no eixo y entre 32 Hz e 64 Hz, a aproximadamente meio caminho entre eles; isso leva a adotarmos f1=48⁢Hz. O valor associado à f1 no eixo x é estimado em t1=0,53⁢s (uma rápida olhada no quadro “Hanford” confirma o início do arco luminoso nesta posição do eixo x). O pico do arco luminoso no quadro “Livingston” corresponde ao valor de tempo t2=0,60⁢s (no eixo horizontal) e de frequência de cerca de fc=256⁢Hz. A frequência de pico é a frequência de chirp fc. O penúltimo quadro contém os padrões de vibração da onda gravitacional, cujo pico de amplitude ocorre para o valor h=0,6×10-21 do strain (no eixo y). Assim, obtemos os valores de {t1,t2,f1,fc,h} na linha da Tabela 1 para o evento GW170104. O valor de τ é calculado fazendo τ=t2-t1=0,60⁢s-0,53⁢s=0,07⁢s. O conjunto de valores {t1,t2,f1,fc,h} permite calcular a massa de chirpℳ, a massa total Mtot do sistema binário, o parâmetro de massa ξ, a massa M do buraco negro primário, a massa m do buraco negro secundário e o equivalente em massa irradiado Mirrad referentes ao evento GW170104. De fato, inserindo τ=0,07⁢s e f1=48⁢Hz na Eq. (83), encontra-se ℳ=31⁢M☉. O valor da frequência de chirp fc=256⁢Hz, quando substituído na Eq. (96), leva à Mtot=89⁢M☉. O par de valores {ℳ,Mtot} que acabamos de calcular é, então, colocado na Eq. (103) para fornecer ξ=0,22. Este parâmetro é fundamental porque, quando substituído nas equações (101) e (102), dá a massa individual dos buracos: m=19⁢M☉ e M=70⁢M☉. Esses valores de {m,M} levam à massa irradiada no evento GW170104 após substituição na Eq. (108): Mirrad=4⁢M☉ . As equações que mencionamos acima foram colocadas em caixas para facilitar sua localização ao longo do texto e para destacar suas importâncias. A Tabela 2 mostra a coleção dos valores {ℳ,Mtot,ξ,m,M,Mirrad}, cuja obtenção descrevemos nesse parágrafo, para o evento GW170104 (terceira linha) bem como para os demais eventos abordados neste trabalho. Table 2 Estimativa dos parâmetros físicos {ℳ,Mtot,m,M, Mirrad} para os dez primeiros eventos de coalescência de sistemas binários confirmados pela colaboração LIGO-Virgo. ℳ é a massa de chirp, Mtot indica a massa total do sistema binário, ξ é o parâmetro de massa, M representa a massa do buraco negro primário, m a massa do buraco negro secundário e Mirrad é a massa irradiada na forma de ondas gravitacionais. ℳ M tot ξ m M Mirrad ( M ☉ ) ( M ☉ ) ( M ☉ ) ( M ☉ ) ( M ☉ ) GW150914 32 74 0,40 30 44 4 GW151226 15 51 0,15 8 43 2 GW170104 31 89 0,22 19 70 4 GW170608 10 57 0,06 4 53 1 GW170814 23 95 0,11 10 85 2 GW170817 1,8 65,3 0,003 0,2 65,1 0,04 GW190412 13 114 0,03 3 111 1 GW190425 1,3 28,6 0,01 0,2 28,4 0,04 GW190521 63 152 0,35 53 99 9 GW190814 7 57 0,03 2 55 1 Ao observar as colunas da Tabela 2 que contém os valores de m e M, concluímos que a maioria dos objetos apresentam massas dezenas de vezes maiores do que aquelas de nosso Sol. Isso é uma das maneiras de confirmarmos que estamos lidando com buracos negros, pois os buracos negros formam-se apenas a partir de estrelas com massas da ordem de oito massas solares ou maiores [44]. Exceções notórias são os eventos GW170817, GW190425 e GW190814 que envolvem um par de estrelas de nêutrons [15], um provável sistema misto [17] e um par de buracos negros de massas bastante assimétricas [19].42 A coluna Mirred na Tabela 2 deixa claro que os eventos de coalescência envolvendo corpos tão massivos são altamente energéticos, emitindo energias equivalentes a várias vezes a quantidade de energia que o Sol poderia emitir durante toda em sua vida (ou melhor, durante toda a sua evolução estelar). Os valores de massa irradiada chegam a alcançar até cerca de 9 vezes o valor da massa solar (vide-se o evento GW190521). O próximo conjunto de quantidades físicas a ser estimado é relacionado a comprimentos e distâncias. Queremos encontrar o tamanho do sistema binário r0 no início da fase espiral; o raio de coalescência rc, que dá uma medida do horizonte de eventos do buraco negro resultante; o raio de Schwarzschild RSM (RSm) do buraco negro primário M (secundário m); e, a distância ρ da Terra até o centro de massa do sistema binário, tanto em unidades de anos-luz quanto em parsec (pc). Vide-se a Tabela 3. Table 3 Estimativa dos parâmetros físicos {r0,rc,RSm,RSM,ρ} para os dez primeiros eventos de coalescência de sistemas binários confirmados pela Colaboração LIGO-Virgo. r0 é o raio do sistema binário no início da fase espiral; rc é o raio de Schwarzschild do astro central na coalescência; RSm é o tamanho do horizonte de eventos do objeto de massa m; RSM é ao raio de Schwarzschild do astro de massa M; ρ é a distância entre a Terra e o sistema binário emissor de ondas gravitacionais. ρ é dado em bilhões de anos-luz (penúltima coluna) e também em mega parsec (1⁢pc=3,26⁢ano-luz). A coluna r0/rc dá o número de vezes que o tamanho inicial do sistema binário é maior do que o objeto pós-coalescência. r 0 r c r 0 r c R S m R S M ρ ( × 10 9 ρ ( km ) ( km ) ( km ) ( km ) ano-luz ) ( Mpc ) GW150914 815 220 4 89 131 2,1 639 GW151226 875 151 6 23 128 2,7 820 GW170104 805 264 3 58 206 3,5 1085 GW170608 949 169 6 11 158 0,2 68 GW170814 779 281 3 30 251 1,8 560 GW170817 992 193 5 1 192 0,003 0,9 GW190412 987 337 3 9 328 0,2 63 GW190425 337 84,3 4 0,5 83,8 0,01 4 GW190521 1187 450 3 157 293 1,9 593 GW190814 1243 169 7 5 164 1,2 352 Para o evento GW170104, havíamos medido f1=48⁢Hz (cf. a Tabela 1) e calculado Mtot=31⁢M☉ (Tabela 2); iserindo esses valores na Eq. (111), encontra-se r0=805⁢km. A Eq. (112) em conjunto com o valor Mtot=31⁢M☉ (na Tabela 2) leva à rc=264⁢km. Dividindo-se o valor de r0 pelo de rc encontramos aproximadamente 3, o que significa que o tamanho do sistema binário no início da fase espiral era cerca de três vezes maior do que o objeto central formado após a coalescência. O valor m=19⁢M☉ (Tabela 2) e a Eq. (91) dão o raio de Schwarzschild para o objeto de massa m do par, RSm=58⁢km. Analogamente, substituindo o valor M=70⁢M☉ (Tabela 2) na Eq. (91), encontramos o valor RSM=206⁢km para raio do horizonte the eventos do buraco negro primário. A distância ρ entre a Terra e o sistema binário é calculada mediante a substituição dos valores {fc=256⁢Hz,h=0,6×10-21} (Tabela 1) e {m=19⁢M☉,M=70⁢M☉} (Tabela 2) na Eq. (127); o resultado é ρ=3,5⁢bilhões de anos-luz (1⁢bilhão=1⁢G=109). Podemos converter esse valor para mega parsecs (que é a unidade usada pela colaboração LIGO-Virgo) usando o fator de conversão 1⁢pc=3,26⁢ano-luz; o resultado é ρ=1085⁢Mpc. (Também sabemos que 1⁢mega=1⁢M=106.) Os valores cujos cálculos foram descritos neste parágrafo aparecem na linha correspondente ao evento GW170104 da Tabela 3. A penúltima coluna da Tabela 3 evidencia que as distâncias entre os sistemas binários e a Terra são tipicamente da ordem de bilhão de anos-luz, o que significa que o evento de coalescência ocorreu há bilhões de anos no passado. Isso é bastante significativo, tendo em vista que a idade do universo é de cerca de 13,7 bilhões de anos [42]. A distância vertiginosa entre nós e os eventos de coalescência de buracos negros é bastante conveniente: como a intensidade da radiação gravitacional cai com o quadrado da distância ρ, cf. as Eqs. (114) e (115), a energia por unidade de tempo e de área que chega até nós é baixa. Isso explica porque não fomos incinerados pelas energias altíssimas emitidas pelos buracos negros coalescentes. 12. Discussão e Conclusão Na seção anterior usamos as equações que derivamos ao longo do texto usando física básica para estimar os parâmetros físicos de sistemas binários emissores de radiação gravitacional. Nesta seção, confrontaremos a precisão de nossas estimativas com aquelas da Colaboração LIGO-Virgo [62]. Assim, compilamos alguns dos valores nas nossas Tabelas 2 e 3 colocando-os lado a lado com os valores correspondentes encontrados nas Refs. [9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19]. Table 4 Tabela comparativa entre as estimativas deste trabalho e aquelas da Colaboração LIGO-Virgo. A sigla “OGFB” significa “Ondas Gravitacionais a partir de Física Básica”, uma versão resumida do título de nosso artigo; por isso os valores nas colunas indicadas por “OGFB” são aqueles que estimamos. Os valores nas colunas rotuladas por “LIGO” dizem respeito àqueles divulgados pela colaboração LIGO-Virgo nas Refs. [9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19]. ℳ ⁢ ( M ☉ ) M tot ⁢ ( M ☉ ) m ⁢ ( M ☉ ) M ⁢ ( M ☉ ) M irrad ⁢ ( M ☉ ) ρ ⁢ ( Mpc ) OGFB LIGO OGFB LIGO OGFB LIGO OGFB LIGO OGFB LIGO OGFB LIGO GW150914 32 29 74 66 30 29 44 36 4 3 639 410 GW151226 15 9 51 22 8 8 43 14 2 1 820 440 GW170104 31 21 89 51 19 19 70 31 4 2 1085 880 GW170608 10 8 57 19 4 7 53 12 1 1 68 340 GW170814 23 24 95 56 10 25 85 31 2 3 560 540 GW170817 1,8 1,2 65,3 2,7 0,2 1,4 65,1 1,2 0,04 0,03 0,9 40 GW190412 13 13 114 38 3 8 111 30 1 1 63 740 GW190425 1,3 1,4 28,6 3,4 0,2 1,1 28,4 2,5 0,04 0,11 4 159 GW190521 63 65 152 150 53 66 99 85 9 8 593 5300 GW190814 7 6 57 26 2 3 55 23 0,4 0,2 352 241 A grande maioria dos valores na Tabela 4 concordam pelo menos em ordem de grandeza, conforme concluímos ao comparar as quantidades nas colunas rotuladas por “OGFB” (nossas estimativas) com as quantidades correspondentes nas colunas rotuladas por “LIGO” (valores divulgados pela Colaboração LIGO-Virgo). Nota-se, na Tabela 4, que os valores para os eventos GW170817 e GW190425 contém números de algarismos significativos [37] diferentes dos demais eventos. Esses eventos são atípicos e precisamos fazer essa distinção nos algarismos para que as quantidades m, Mirrad e mesmo ρ aparecessem com valores diferentes de zero. O evento GW170817 é resultado da coalescência de duas estrelas de nêutrons [15]. O evento GW190415 envolveu um sistema binário de massa total de cerca de 3,4⁢M☉, cuja natureza é incerta [17]. Nosso tratamento é dedicado à descrição de pares de buracos coalescentes, não de pares de estrelas de nêutrons ou de sistemas mistos. O evento GW190412 envolveu buracos negros de massas bastante assimétricas [16], o que permite classificá-lo também como evento atípico, para o qual discrepâncias são esperadas. Os valores de Mtot do nosso tratamento são consistentemente maiores do que aqueles da Colaboração LIGO-Virgo. Isso indica que talvez estejamos subestimando os valores da frequência de chirpfc—vide-se a Eq. (96). Outra possibilidade para explicar a diferença é, claro, o fato de nossa descrição usar física não-relativística analítica para modelar um sistema que requer um tratamento baseado em Relatividade Geral numérica. As diferenças nos valores de Mtot entre nossa abordagem e a de LIGO-Virgo propagam-se para as massas m e M; de fato, o cálculo dessas massas depende do parâmetro ξ e este, por sua vez, é calculado com os valores de ℳ e Mtot—cf. as Eqs. (101), (102) e (103). Nossos valores para ρ diferem daqueles da Colaboração LIGO-Virgo em duas centenas de Mpc na maioria dos resultados. Embora seja verdade que essas diferenças são uma parcela significativa das próprias distâncias estimadas, também é verdade que as incertezas nas medidas LIGO-Virgo são, às vezes, cerca de ou maiores que 50% do valor da própria distância fonte-detector (como nos eventos das Refs. [9, 11, 12, 17, 18]). Uma outra explicação para as diferenças entre nossas estimativas para ρ e aquelas da Colaboração LIGO-Virgo é o fato de não levarmos em conta correções cosmológicas devido à expansão do universo. A Colaboração LIGO-Virgo faz um trabalho cuidadoso de considerar a correção devido ao redshift da fonte [42], enquanto que escapa de nossa proposta pedagógica usar cosmologia relativística [42, 63] na estimativa dos parâmetros dos sistemas binários emissores de ondas gravitacionais. No nosso tratamento, simplicidade é um elemento guia. Sendo assim, não levamos em conta alguns efeitos físicos importantes em uma abordagem mais rigorosa. Por exemplo, desconsideramos a possibilidade de órbitas elípticas do par de objetos no sistema binário, o que está relacionado à descrição limitada a uma única frequência para radiação gravitacional [5]. Ademais, as velocidades dos buracos negros (ou estrelas de nêutrons) na fase de mergulho na trajetória espiral atinge velocidades comparáveis à velocidade da luz antes da coalescência; isso exigiria uma abordagem relativística para a modelagem rigorosa da etapa anterior ao chirp [5]. Nós assumimos um movimento não-relativístico ao longo de todo o nosso texto, o que compromete o rigor quantitativo dos valores estimados. Uma terceira simplificação é o fato de não levamos em conta a possibilidade de spin (rotação em torno do próprio eixo) em cada corpo do sistema binário; consequentemente, parte da energia cinética de rotação do sistema foi deliberadamente ignorada. Mais uma limitação de nosso tratamento: não conseguimos modelar o objeto resultante da coalescência (sua massa, raio de Schwarzschild, seu spin), o que é reflexo de termos ignorado a etapa de ring down. O ring down corresponde à fase de amortecimento do padrão da onda gravitacional após a coalescência (Figs. 1 e 8). Temos a ideia de explorar o ring down a partir do estudo de oscilações amortecidas em um trabalho futuro, o qual poderia incluir a análise dos demais efeitos descritos neste parágrafo. A despeito das divergências apontadas na Tabela 4 entre nossas estimativas e as estimativas acuradas de LIGO-Virgo em [9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19] é possível destacar a coincidência dos valores em ordem de grandeza. Consideramos que esse fato é uma vitória da abordagem mais elementar adotada neste artigo. Ele demonstra que se pode entender quantitativamente as características principais das ondas gravitacionais emitidas por sistemas binários e de seus buracos negros progenitores já nos primeiros anos de uma graduação em ciências exatas. De fato, este trabalho explicou quantitativamente as características de cada uma das figuras presentes no artigo de descoberta da Colaboração LIGO-Virgo [9], incluindo a forma do strain, da diminuição da separação dos buracos negros na fase espiral e da divergência do valor da frequência no chirp, com o emprego de física básica. A descoberta da Colaboração LIGO-Virgo das ondas gravitacionais via a coalescência de buracos negros [9] constituiu mais um teste de validade sólido da Relatividade Geral, foi uma verificação direta da existência material de buracos negros, foi o experimento mais acurado jamais realizado na histórica das ciências naturais, rendeu o prêmio Nobel aos representantes das equipes envolvidas e ganhou ampla atenção dos estudantes das ciências exatas e do público em geral. Assim, esse assunto constitui uma oportunidade pedagógica excelente: ondas gravitacionais são um estimulante laboratório para o estudo de física. O presente trabalho explorou essa oportunidade, usando os dados que aparecem nos artigos da Colaboração LIGO-Virgo [9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19] e equações deduzidas à partir de física básica [35, 36, 37, 39] para calcular parâmetros físicos dos sistemas binários emissores, descrever o processo de coalescência e modelar o padrão das ondas gravitacionais. mostra como aplicar o arcabouço construído ao longo de todo o artigo para estudar os eventos de coalescência de buracos negros e de estrelas de nêutrons detectados pelo LIGO ao longo dos anos, exibindo todo o potencial do formalismo que desenvolvemos. O corpo principal do artigo encerra-se na Seção 12 12. Discussão e Conclusão Na seção anterior usamos as equações que derivamos ao longo do texto usando física básica para estimar os parâmetros físicos de sistemas binários emissores de radiação gravitacional. Nesta seção, confrontaremos a precisão de nossas estimativas com aquelas da Colaboração LIGO-Virgo [62]. Assim, compilamos alguns dos valores nas nossas Tabelas 2 e 3 colocando-os lado a lado com os valores correspondentes encontrados nas Refs. [9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19]. Table 4 Tabela comparativa entre as estimativas deste trabalho e aquelas da Colaboração LIGO-Virgo. A sigla “OGFB” significa “Ondas Gravitacionais a partir de Física Básica”, uma versão resumida do título de nosso artigo; por isso os valores nas colunas indicadas por “OGFB” são aqueles que estimamos. Os valores nas colunas rotuladas por “LIGO” dizem respeito àqueles divulgados pela colaboração LIGO-Virgo nas Refs. [9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19]. ℳ ⁢ ( M ☉ ) M tot ⁢ ( M ☉ ) m ⁢ ( M ☉ ) M ⁢ ( M ☉ ) M irrad ⁢ ( M ☉ ) ρ ⁢ ( Mpc ) OGFB LIGO OGFB LIGO OGFB LIGO OGFB LIGO OGFB LIGO OGFB LIGO GW150914 32 29 74 66 30 29 44 36 4 3 639 410 GW151226 15 9 51 22 8 8 43 14 2 1 820 440 GW170104 31 21 89 51 19 19 70 31 4 2 1085 880 GW170608 10 8 57 19 4 7 53 12 1 1 68 340 GW170814 23 24 95 56 10 25 85 31 2 3 560 540 GW170817 1,8 1,2 65,3 2,7 0,2 1,4 65,1 1,2 0,04 0,03 0,9 40 GW190412 13 13 114 38 3 8 111 30 1 1 63 740 GW190425 1,3 1,4 28,6 3,4 0,2 1,1 28,4 2,5 0,04 0,11 4 159 GW190521 63 65 152 150 53 66 99 85 9 8 593 5300 GW190814 7 6 57 26 2 3 55 23 0,4 0,2 352 241 , onde apresentamos nossos comentários finais. O artigo ainda conta com um apêndice, onde uma forma funcional refinada para o strain é apresentada.

2. Os Observatórios LIGO e a Verificação de c como Velocidade de Propagação das Ondas Gravitacionais

A Fig. 2 mostra fotos dos observatórios LIGO nas cidades de Hanford (Washington) e Livingston (Louisiana). A posição relativa dos observatórios-irmãos no território dos Estados Unidos aparece na parte (a) da Fig. 3.

Figura 2
Observatório LIGO em Hanford—imagem superior—e observatório LIGO em Livingston—foto inferior—responsáveis pela primeira detecção das ondas gravitacionais emitidas no processo de coalescência de buracos negros. Fonte: Ref. [43[43] https://www.ligo.caltech.edu/
https://www.ligo.caltech.edu/...
].

O termo “observatório” geralmente remete, no contexto da astrofísica, à imagem dos espelhos dos observatórios ópticos ou às antenas parabólicas típicas dos radiotelescópios. Revertendo essa expectativa, a geometria dos observatórios de ondas gravitacionais é na forma de braços perpendiculares. Essa geometria acompanha a engenharia dos interferômetros, que remonta aos experimentos de Michelson e Morley [40[40] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 4: Ótica, Relatividade, Física Quântica (Edgard Blücher, São Paulo, 1998), v. 4.]. Feixes de laser circulam pelos braços perpendiculares em cada observatório, dentro dos tubos visíveis nas fotos da Fig. 2. A parte central da Fig. 3 ilustra o caminho do feixe de laser desde a fonte (Laser Source), passando pelo divisor de feixe (Beam Splitter), viajando entre as massas teste (Test Mass) em cada braço de 4 km de comprimento (múltiplas vezes), para finalmente chegar ao fotodetector (Photodetector).

Figura 3
Observatórios LIGO como interferômetros (centro da figura). Parte (a): localização geográfica dos observatórios LIGO-Hanford (em vermelho) e LIGO-Livingston (em azul). Parte (b): curva de sensibilidade dos detectores. Fonte: Ref. [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).].

O braços são projetados nesta geometria particular para se adequar à natureza da onda gravitacional prevista no contexto da Relatividade Geral. A RG propõe uma mudança do paradigma newtoniano na descrição da interação gravitacional. Newton entende a gravitação como uma força de ação à distância entre corpos massivos. Einstein interpreta a gravitação como uma deformação na geometria do espaço (e do tempo) produzida na presença de matéria (e energia).

Para fixar as ideias, podemos imaginar o espaço como uma superfície bidimensional. A presença de uma massa sobre ela produziria uma depressão côncava, como uma bola de boliche forma uma bacia no entorno do seu ponto de contato com um lençol esticado.5 5 Essa imagem mental é representada nos diagramas das Figs. 3.3 e 3.4 da Ref. [44], onde ela ganha bases mais rigorosas. Uma segunda bola—digamos, uma bolha de bilhar—produziria uma outra depressão curva sobre o lençol. O movimento de cada bola seria ditado pelas depressões geradas pelo conjunto. É assim que se entende, de forma bastante simplista, a dinâmica orbital de sistemas de dois corpos no contexto da RG.6 6 Na verdade, a RG estabelece que partículas-teste seguem trajetórias geodésicas no espaço-tempo curvado pela presença de matéria e energia. Nesta analogia, uma onda gravitacional é uma ondulação produzida sobre a superfície do lençol pela dinâmica orbital dessas massas, que espiralam uma em direção à outra até o encontro no centro de massa.

Ondas gravitacionais são ondulações na superfície do espaço-tempo. Para localizar um ponto em um plano, precisamos de duas coordenadas de um sistema de eixos (x,y). Analogamente, para localizar um ponto sobre a superfície do espaço-tempo que oscila, precisamos de duas coordenadas generalizadas ou, numa linguagem mais técnica, precisamos de dois graus de liberdade que fazem as vezes das coordenadas (x,y) no caso do espaço-curvo.7 7 Mais especificamente, considere-se a superfície de uma esfera de raio constante. Nesta superfície bidimensional curva, precisamos de apenas duas coordenadas para localizar qualquer ponto: tratam-se dos ângulos azimutal φ e polar θ. Por analogia e extensão a este exemplo, em uma superfície curva oscilante, precisamos de duas coordenadas generalizadas, ou dois graus de liberdade, ou ainda, dois modos de polarização. Essas coordenadas generalizadas são chamadas de modos de polarização das ondas gravitacionais; eles são representados pelos símbolos h+ e h×. O modo de polarização h+ pode ser entendido como uma oscilação nas direções norte-sul e leste-oeste; daí a forma de cruz (+) do rótulo de h+. De forma complementar, h× dá conta de descrever as oscilações do espaço-tempo nas direções nordeste-sudoeste e noroeste-sudeste, motivando o uso do rótulo da cruz deitada (×) em h× [44[44] K.S. Thorne, Black Holes and Time Warps: Einstein’s Outrageous Legacy (Norton, New York, 1994)., 45[45] K.S. Thorne, The Science of Interstellar (Norton, New York, 2014)., 46[46] O.D. Aguiar, Astrofísica de Ondas Gravitacionais, disponível em: http://mtc-m21c.sid.inpe.br/col/sid.inpe.br/mtc-m21c/2019/01.31.16.38/doc/10_Astrofisica%20de%20Ondas%20Gravitacionais_2018.pdf
http://mtc-m21c.sid.inpe.br/col/sid.inpe...
].8 8 As direções norte-sul e leste-oeste do modo de polarização h+ devem ser entendidas sobre o plano perpendicular à direção de propagação da onda gravitacional. Assim, na representação da Fig. 4, as direções de h+ estão no plano da página, enquanto que a onda gravitacional atravessa o plano da página formando um ângulo de 90o. Da mesma forma, as direções nordeste-sudoeste e noroeste-sudeste de h× repousam no plano perpendicular à direção de propagação da onda gravitacional.

A Fig. 4 representa a passagem da onda gravitacional com modo de polarização h+ pelos braços do interferômetro LIGO. Os painéis dessa figura devem ser observados na sequência horária a partir do painel superior esquerdo. Os braços horizontal (chamado de x) e vertical (y) do interferômetro são projetados para que tenham o mesmo comprimento Lx=Ly=4km na ausência da onda gravitacional. Essa situação é esboçada no canto superior esquerdo da Fig. 4.

Ao atingir o plano do detector, o modo de polarização h+ distorce o espaço-tempo, estica-o na direção norte-sul e o encolhe na direção leste-oeste. O estiramento do espaço carrega o braço vertical fazendo-o aumentar de comprimento para (Ly+δLy); ao mesmo tempo, o braço horizontal tem o comprimento comprimido para (Lx-δLx). Essa situação é retratada no painel superior direito da Fig. 4.

Figura 4
A deformação dos braços perpendiculares do observatório LIGO pela passagem da onda gravitacional. No destaque de cada painel aparece o estiramento de um anel de partículas-teste que, de inicialmente circular, passa a elíptico a medida que o modo de polarização h+ o atravessa; esse anel-teste ajuda a visualizar o efeito da onda gravitacional sobre o interferômetro. Fonte: Ref. [43[43] https://www.ligo.caltech.edu/
https://www.ligo.caltech.edu/...
].

O modo h+ varia no tempo a medida que atravessa o detector: isto é o que caracteriza o comportamento oscilatório da onda. O próximo acontecimento é a inversão do padrão anterior: o encurtamento acontece na direção norte-sul e o estiramento ocorre na direção leste-oeste. Nesta situação, o braço vertical passa para o comprimento menor (Ly-δLy), enquanto o braço horizontal estica para (Lx+δLx). Tal configuração aparece no painel inferior esquerdo da Fig. 4.

Finalmente, o padrão de onda volta à situação original em que ambos os braços do detector recuperam o comprimento projetado Lx=Ly=4km, o que completa um ciclo de oscilação da onda gravitacional, do espaço-tempo deformado e do estiramento e contração do interferômetro LIGO.

A magnitude da deformação é da ordem de 10-21m, i.e. δLxδLy10-21m, porque a amplitude da onda gravitacional, chamada de strainh, é dessa mesma ordem de tamanho. De fato, observem-se os valores no eixo y do gráfico com o padrão oscilatório em vermelho no painel superior esquerdo da Fig. 1 mostrando a detecção do evento de descoberta GW150914. Para pôr esse resultado em perspectiva, lembre-se que o tamanho do núcleo atômico é da da ordem de 1fm=10-15m. Isso significa que o interferômetro LIGO foi capaz de detectar variações de tamanho de cerca de um milionésimo (10-6) do tamanho do núcleo atômico. Isso faz da detecção das ondas gravitacionais a medição de maior precisão na história das ciências naturais [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).]. Aferir distâncias desse tamanho assombrosamente pequeno também diz muito a respeito da sofisticação técnica que envolveu a engenharia dos interferômetros LIGO. Mais dos impressionantes detalhes técnicos sobre a engenharia dos detectores podem ser encontradas nos artigos da Colaboração LIGO-Virgo, e.g. em [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016)., 43[43] https://www.ligo.caltech.edu/
https://www.ligo.caltech.edu/...
, 47[47] https://www.youtube.com/watch?v=aEPIwEJmZyE
https://www.youtube.com/watch?v=aEPIwEJm...
].

A Fig. 3(a) indica que os observatórios LIGO-Hanford (sinalizado em vermelho sobre o mapa dos EUA) e LIGO-Livingston (indicado em azul) foram dispostos sobre o terreno de tal maneira que seus braços apontassem para direções diferentes, com uma angulação relativa. Essa estratégia foi proposital, para que se pudesse detectar também o modo de polarização h×, que produziria estiramentos e encurtamentos dos braços nas direções noroeste-sudeste e nordeste-sudoeste.9 9 Na prática, existe uma superposição desses modos e a análise dos dados deve ser capaz de fazer a decomposição da onda nas polarizações h+ e h×.

A Fig. 3(a) também dá a diferença de tempo Δt entre as detecções das ondas gravitacionais do evento GW150914 pelos observatórios LIGO-Hanford e LIGO-Livingston. As ondas foram detectadas primeiro pelo observatório em Livingston (L1) e, então, 10ms depois pelo observatório de Hanford (H1). Pela latitude e longitude de cada localidade, estima-se a distância Δx3000km entre ambos os observatórios.10 10 Pode-se estimar a distância Δ⁢x entre L1 e H1 usando, por exemplo, a ferramenta “medir distâncias” do Google Maps. O endereço de L1 é: LIGO Livingston, 19100 Ligo Rd, Livingston, LA 70754, United States. O endereço de H1 é: LIGO Hanford Observatory, 127124 N Route 10, Richland, WA 99354, United States. A distância dada pelo aplicativo entre esses pontos no mapa é Δ⁢x=3048,5⁢km. A incerteza no valor de Δ⁢x estimada com o Google Maps não é fornecida e poderia muito bem ser da ordem de 1% para a ferramenta utilizada (≃31⁢km). Daí a nossa escolha de Δ⁢x≃3000⁢km. Supondo um caminho retilíneo de propagação das ondas, estima-se a velocidade média de propagação

v = Δ x Δ t 3000 km 10 × 10 - 3 s = 3 × 10 8 m/s = c ,

que é justamente a velocidade de propagação da luz c. A conclusão é que as ondas gravitacionais propagam-se à velocidade da luz. Essa foi uma eloquente confirmação da Relatividade Geral, que prevê precisamente este fato.

Para sermos completos, digamos que a parte (b) da Fig. 3 (canto superior direito) mostra a sensibilidade de detecção dos detectores LIGO na configuração que fez a descoberta do evento GW150914. É um gráfico do ruído na medida do strain como função da frequência da onda gravitacional. Note-se que o ruído é uma ordem de grandeza menor (10-22) do que a precisão necessária para detecção (10-21) para a imensa maioria dos valores de frequência. A região de maior sensibilidade do detector—o fundo da bacia no gráfico—corresponde à faixa de 100 Hz à 400 Hz. Essa região de frequência determina o tipo de fonte das ondas gravitacionais que podem ser medidas com os observatórios LIGO. Essas ondas são tipicamente provindas de sistemas binários de buracos negros, estrelas de nêutrons ou uma combinação de ambos11 11 Ondas gravitacionais emitidas por fontes envolvendo buracos negros supermassivos ou o próprio universo primordial possuem frequências fora da faixa de sensibilidade do LIGO. Daí vem a necessidade de planejar outros detectores de ondas gravitacionais como o LISA (Laser Interferometer Space Antenna), um eventual futuro observatório espacial de ondas gravitacionais—vide-se e.g. a Ref. [48] e o site da colaboração em <https://www.lisamission.org/>. São esses sistemas binários que passaremos a estudar a seguir.

3. Dinâmica Orbital do Sistema Binário de Buracos Negros

Os buracos negros em sistemas binários são resultado do colapso gravitacional de estrelas da ordem de dezenas de massas solares. Mais adiante, caracterizaremos os buracos negros com mais cuidado. Agora, é suficiente ter em mente que buracos negros são objetos astrofísicos compactos. Isso permite que sejam modelados como um par de partículas pontuais em órbita mútua sob ação da interação gravitacional.

Dessa forma, tomamos o sistema binário como um par de massas m e M em órbita circular em torno do centro de massa (CM), do qual distam r e R, respectivamente.12 12 O movimento orbital geral de um sistema ligado de dois corpos é elíptico. Porém, mesmo no caso de sistemas binários elípticos, a forma da órbita é rapidamente circularizada pela perda de energia mecânica do sistema na forma de energia das ondas gravitacionais por ele emitidas [5]. Isso também dá suporte à simplificação que consideramos aqui. Mais tarde neste artigo, porém, relaxaremos a hipótese de órbita circular (com raio constante) para o par de buracos negros e passaremos a considerar a fase de movimento espiral até a coalescência. Os vetores associados são denominados r=r e R=R (usamos o negrito para denotar vetores), conforme mostra a Fig. 5. Em acordo com a proposta do trabalho de usar física introdutória [49[49] H. Mathur, K. Jones-Smith e A. Lowenstein, Am. J. Phys. 85, 676 (2017).], modelamos o sistema com a lei de gravitação Newtoniana [35[35] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 1: Mecânica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed., 36[36] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 2: Gravitação, Ondas e Termodinâmica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed.].

Considere a Fig. 5(a). O método geométrico de soma de vetores (“coloca-se a origem do segundo vetor na extremidade do primeiro; o vetor soma parte da origem do primeiro para chegar na extremidade do segundo”) garante que:

(1) r M = R CM + R R = r M - R CM ,

sendo rM o vetor que localiza a massa M do sistema binário de massas pontuais (M,m), e

(2) r m = R CM + r r = r m - R CM ,

onde rm é o vetor da origem do sistema de coordenadas até a massa m. A distância relativa rrel entre M e m é a magnitude do vetor diferença:

(3) r rel = - R + r .

De fato, rrel é o vetor que parte da massa M e chega à massa m; como tal, ele é a soma do vetor (-R) com o vetor r.

Figura 5
(a) Variáveis que participam da localização das massas do sistema binário. O vetor RCM parte da origem 𝒪 do sistema de coordenadas e chega na localização do centro de massa (CM). O vetor rM localiza a massa M a partir da origem 𝒪; o vetor rm localiza a massa m a partir da origem 𝒪. Por outro lado, o vetor R localiza M partindo do CM; o vetor r parte do CM e chega à massa m. (b) O vetor distância relativa rrel parte de M em direção à m. O vetor FM(m) é a força em M devido à m; o vetor Fm(M) é a força em m devido à M. O vetor FM(m) tem a direção de rrel, que é indicada pelo vetor unitário r^rel. O vetor Fm(M) aponta do sentido oposto pois a força gravitacional é atrativa.

Pela definição de vetor centro de massa RCM como a distância ponderada pelas massas do sistema [35[35] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 1: Mecânica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed., 37[37] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 1: Mecânica (Edgard Blücher, São Paulo, 2002), v. 1, 4 ed.], sabemos que:

(4) R CM = M r M + m r m M + m .

Sabemos também que a massa total(Mtot) é a soma das massas individuais das partículas no sistema:

(5) M tot = M + m .

Então, substituindo (4) em (1) obtemos:

(6) R = - m M tot ( r m - r M ) .

Analogamente, inserindo (4) em (2) temos:

(7) r = M M tot ( r m - r M ) .

Por outro lado, substituindo (1) e (2) em (3), temos:

(8) r rel = - ( r M - R CM ) + ( r m - R CM ) = ( r m - r M ) .

Substituindo (8) em (6) e (7):

(9) R = - m M tot r rel ,
(10) r = M M tot r rel .

Consideremos, agora, a Segunda Lei de Newton [35[35] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 1: Mecânica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed.]:

(11) F = μ a rel = μ d v rel d t = μ d d t ( d r rel d t ) = μ d d t ( r ˙ rel ) = μ r ¨ rel ,

onde F é o vetor força atuando sobre a massa μ responsável pela sua aceleração arel. A velocidade vrel da partícula é a taxa de variação temporal de sua posição rrel. A equação acima estabelece a nossa notação: ponto acima de uma quantidade indica derivação com respeito ao tempo t.

Para uma origem do sistema de coordenadas fixadas no CM, as partículas M e m são localizadas diretamente pelos vetores R e r, respectivamente (ou seja, não necessitamos mais empregar os vetores rM e rm). Então, para essas partículas, a segunda lei é:

(12) F M ( m ) = M R ¨ ,

onde FM(m) representa a força sobre a massa M devido à massa m. Dizemos isso pois sabemos que as massas M e m interagem gravitacionalmente de acordo com a lei da gravitação universal de Newton [36[36] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 2: Gravitação, Ondas e Termodinâmica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed.]. A força Fm(M) sobre m devido à atração gravitacional da massa M é:

(13) F m ( M ) = m r ¨ .

A própria força gravitacional tem a forma funcional ditada por Newton [37[37] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 1: Mecânica (Edgard Blücher, São Paulo, 2002), v. 1, 4 ed.]:

(14) F M ( m ) = G M m r rel 2 ( + r ^ rel )

e

(15) F m ( M ) = G M m r rel 2 ( - r ^ rel ) ,

com G=6,674×10-11m3kg-1s-2. Ou seja, a força gravitacional é de atração mútua (o que explica o sinal negativo na última equação):

(16) F m ( M ) = - G M m r rel 2 r ^ rel = - F M ( m ) .

Vide-se a Fig. 5(b) para a representação gráfica das forças FM(m) e Fm(M).

Substituindo (16) em (12), temos:

(17) G M m r rel 2 ( + r ^ rel ) = M R ¨ - G m r rel 2 r ^ rel = - R ¨ ,

e, inserindo (16) em (13), temos:

(18) G M m r rel 2 ( - r ^ rel ) = m r ¨ - G M r rel 2 r ^ rel = r ¨ .

Somando (17) e (18):

- G m r rel 2 r ^ rel + ( - G M r rel 2 r ^ rel ) = - R ¨ + r ¨ ,

ou seja,

(19) ( m + M ) [ - G 1 r rel 2 r ^ rel ] = - R ¨ + r ¨ .

Por inspiração vinda da força gravitacional, Eq. (16), temos:

(20) F grav = [ - G M m r rel 2 r ^ rel ] F ,

que é a força F em ação sobre as partículas sob consideração. Para reconhecer a presença de F na Eq. (19), introduzimos o produto das massas nesta relação, multiplicando-a e dividindo-a por (Mm):

( m + M ) M m [ - G M m r rel 2 r ^ rel ] = - R ¨ + r ¨ .

Então, percebemos F dentro dos colchetes. Isso resulta em:

(21) ( m + M ) M m F = ( - R ¨ + r ¨ ) .

Derivando (3) em relação ao tempo, temos:

d r rel d t = - d R d t + d r d t r ˙ rel = - R ˙ + r ˙ .

Repetindo esse procedimento:

(22) d d t r ˙ rel = - d d t R ˙ + d d t r ˙ r ¨ rel = ( - R ¨ + r ¨ ) .

Podemos notar que o lado direito de (21) é justamente a equação (22):

(23) F = M m ( m + M ) r ¨ rel .

Definindo a massa reduzida como:

(24) μ M m ( m + M ) ,

temos:

(25) F = μ r ¨ rel .

A Eq. (25) é a Segunda Lei de Newton do sistema binário: compare (11) e (25). Dessa forma, justificamos a importância do conceito de massa reduzida e mostramos a forma natural como ela aparece no contexto do movimento de dois corpos sob ação mútua da força gravitacional. Ademais, esse raciocínio mostra que tudo se passa como se pudéssemos substituir o sistema binário de duas massas M e m por um sistema de uma única partícula pontual de massa igual à massa reduzida μ que executa um movimento circular. Essa interpretação é justificada pela forma (25) da Segunda Lei de Newton para o sistema de partículas: ela é idêntica a forma tradicional F=ma aplicada à uma única massa pontual m perante o mapeamento μm e r¨rel=arela.

Agora, encontraremos a Terceira Lei de Kepler para o movimento orbital do sistema binário. Substituindo Eq. (20) em (25):

μ r ¨ rel = - G M m r rel 2 r ^ rel

ou, usando a Eq. (24),

(26) r ¨ rel = - G ( m + M ) r rel 2 r ^ rel .

A aceleração arel=r¨rel é aquela que garante o movimento orbital do sistema binário. Por simplicidade, tomamos esse movimento como um Movimento Circular Uniforme (MCU). Sabemos que a aceleração característica do MCU é a aceleração centrípeta acp, cuja fórmula é [35[35] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 1: Mecânica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed.]:

(27) a cp = v rel 2 r rel ( - r ^ rel ) ,

onde a velocidade tangencial no movimento circular tem seu módulo dado por:

(28) v rel = ω r rel .

A quantidade ω é a velocidade angular do movimento circular—ou frequência angular do movimento harmônico simples (MHS) a ele equivalente13 13 A equivalência do MCU com o MHS foi discutida no artigo [50] em conexão ao trabalho pioneiro Siderius Nuncius de Galileu Galilei e a observação das quatro maiores luas de Júpiter. :

(29) ω = 2 π T .

A quantidade T é o período orbital do sistema binário. Inserindo (28) em (27), temos: acp=-ω2rrelr^rel, a qual, devido à Eq. (29), fica:

(30) a cp = - 4 π 2 r rel T 2 r ^ rel .

Faremos r¨rel=arel=acp igualando a Eq. (26) com a Eq. (30) e fatorando o termo (-r^rel) comum a ambos os membros da equação. Isso resulta em:

(31) r rel 3 T 2 = G m 4 π 2 ( 1 + M m ) .

Esta é a Terceira Lei de Kepler [37[37] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 1: Mecânica (Edgard Blücher, São Paulo, 2002), v. 1, 4 ed.]: Os quadrados dos períodos de revolução de dois planetas quaisquer estão entre si como os cubos de suas distâncias médias ao Sol. Em outras palavras, T2 é diretamente proporcional à rrel3, ou ainda,

(32) T 2 r rel 3 r rel 3 T 2 constante .

A Terceira Lei de Kepler é, por isso também, chamada de Lei dos Períodos. Ela pode ser colocada em termos da velocidade angular ω do conjunto ao usarmos a Eq. (29) em conjunto com:

(33) r rel 2 = r rel r rel = ( - R + r ) ( - R + r ) = R 2 + r 2 - 2 R r = R 2 + r 2 - 2 R r cos ( 180 o ) = R 2 + r 2 + 2 R r = ( R + r ) 2 ,

onde usamos a definição (3) e a Fig. 5 para identificar que o ângulo entre os vetores R e r é 180cpsdummyo.14 14 Na segunda linha de (33) empregamos a definição de produto escalar (⋅), qual seja [35]: A⋅B=A⁢B⁢cos⁡ϕ, onde A (B) é a magnitude do vetor A (B) e ϕ é o ângulo entre os vetores A e B. Logo, a magnitude do vetor de distância relativa entre as massas é

(34) r rel = ( R + r )

e a Eq. (31) fica [49[49] H. Mathur, K. Jones-Smith e A. Lowenstein, Am. J. Phys. 85, 676 (2017).]:

(35) ω 2 = G ( M + m ) ( R + r ) 3 .

A Eq. (35) é a Terceira Lei de Kepler para o movimento orbital em termos da frequência angular. Ela pode ser aliada ao princípio da conservação de energia para especificarmos a energia mecânica total Etot armazenada do movimento orbital do sistema binário. A energia mecânica total é [35[35] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 1: Mecânica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed.]:

(36) E tot = K + U = 1 2 μ v rel 2 + [ - G M m r rel ] ,

onde K=(1/2)μvrel2 é a energia cinética da massa reduzida μ animada com velocidade vrel e

(37) U = - G M m r rel

é a expressão para a energia potencial gravitacionalU=Ugrav do sistema binário. Então, com (24) e (34):

(38) E tot = 1 2 M m ( M + m ) v rel 2 - G M m ( R + r ) .

Usando (28) nesta equação:

E tot = 1 2 M m ( M + m ) ( ω r rel ) 2 - G M m ( R + r ) .

Podemos eliminar ω e rrel deste resultado ao empregarmos as Eqs. (34) e (35). Assim, obtemos:

(39) E tot = - 1 2 G M m ( R + r ) ,

que é a equação de energia orbital do sistema binário. A expressão (39) é uma manifestação do Teorema do Virial [51[51] H. Goldstein, Classical Mechanics (Addison-Wesley, Reading, 1980), 2 ed.].

Podemos escrever a Eq. (39) em termos de frequência orbital. De fato, de (35), temos:

( R + r ) = [ G ( M + m ) ω 2 ] 1 / 3 ,

a qual leva à:

(40) E tot = - 1 2 G 2 / 3 M m ( M + m ) 1 / 3 ω 2 / 3 .

Essa será uma das grandezas físicas calculadas quando estudarmos o sistema de buracos negros binários, os quais coalescem para formar um único buraco negro e emitem ondas gravitacionais no processo. As ondas gravitacionais carregam energia para fora do sistema binário. Essa energia é drenada da energia mecânica orbital do sistema. Por isso, Etot deve variar no tempo, i.e. deve existir uma derivada não-nula deEtot.

Vamos calcular dEtot/dt diferenciando a Eq. (40) com relação ao tempo. Temos:

d E tot d t = - 1 2 G 2 / 3 M m ( M + m ) 1 / 3 2 3 ω 2 / 3 - 1 d ω d t .

Veja que aqui admitimos que a frequência angular muda com o tempo: ω=ω(t). Isso não é estritamente verdade no movimento circular uniforme, que supusemos válido para deduzir a Terceira Lei de Kepler—pois usamos a expressão da aceleração centrípeta (27). Entretanto, em um sistema coalescente, as massas M e m vão espiralando em direção ao centro de massa. Neste processo espiral, a distância mútua rrel=(R+r) diminui, a velocidade tangencial (da massa reduzida) aumenta e a velocidade (ou frequência) angular ω também aumenta.15 15 De acordo com a mecânica newtoniana, a órbita circular com ω=constante deveria persistir para sempre. Por outro lado, a relatividade geral prevê que buracos negros em órbita mútua devem emitir ondas gravitacionais [5, 27, 8, 44, 45] e, como consequência, devem perder energia mecânica e espiralar em direção ao centro de massa com ω=ω⁢(t). Para modelar esse processo de passagem da órbita circular para o movimento espiral no sistema físico, fazemos a passagem ω=constante→ω=ω⁢(t). Temos aqui um exemplo de anacronismo: usamos uma ideia da relatividade geral (o decaimento orbital por perda de energia gravitacional) para alterar uma configuração newtoniana (órbita circular estável) e sermos capazes de derivar equações que descrevem as ondas gravitacionais efetivamente detectadas pelos observatórios LIGO. Trata-se uma aproximação ou, de um ponto de vista mais purista, de uma violência ao rigor. Entretanto, para os leitores mais céticos, dizemos que essa prática é justificada pelos resultados consistentes que dela decorrem e é amplamente adotada, inclusive em textos consagrados de relatividade geral, como a Ref. [5], e em artigos de pesquisa científica atual, como por exemplo a Ref. [25]. Ou seja, vale:

(41) - d E tot d t = 1 3 G 2 / 3 M m ( M + m ) 1 / 3 ω - 1 / 3 d ω d t .

A perda de energia orbital (-dEtot/dt) só pode acontecer pelo ganho de energia das ondas gravitacionais, o que leva à potência irradiada Pirrad. Na próxima seção encontraremos a equação para a energia por unidade de tempo carregada pela ondas gravitacionais.

4. A Potência Irradiada na Forma de Ondas Gravitacionais

A dedução rigorosa da expressão para a potência irradiadaPirrad na forma de ondas gravitacionais é feita no contexto da Relatividade Geral; porém, neste texto, encontraremos a expressão de Pirrad usando análise dimensional e analogia com o ondas eletromagnéticas. Com efeito, mostraremos abaixo que [49[49] H. Mathur, K. Jones-Smith e A. Lowenstein, Am. J. Phys. 85, 676 (2017).]:

(42) P irrad = α G 7 / 3 ω 10 / 3 c 5 ( M m ) 2 ( M + m ) 2 / 3 ,

onde α é uma constante sem dimensão e c=299 792 458m/s3×108m/s é a velocidade da luz no vácuo. Para essa tarefa, utilizaremos três equações, a saber:

  1. 1.

    A Terceira Lei de Kepler na forma da Eq. (31):

    (43) ω 2 = G ( M + m ) ( R + r ) 3 ;

  2. 2.

    A equação do momento de inércia para o sistema de duas partículas compondo o sistema binário de buracos negros:

    (44) = m M ( m + M ) ( r + R ) 2 ;

  3. 3.

    A fórmula da potência irradiada pelo sistema binário

    (45) P grav = α G 2 ω 6 c 5 ,

    construída por analogia ao caso eletromagnético.

A primeira dessas três equações, Eq. (43), já foi deduzida—vide-se a Eq. (35). Portanto, deduziremos as duas últimas, Eqs. (44) e (45), começando pelo momento de inércia .

Seguindo a Ref. [35[35] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 1: Mecânica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed.], o momento de inércia de um sistema de partículas é:

(46) = i = 1 n m i d i 2 ,

onde mi é a massa da i-ésima partícula do sistema e di é a sua distância até o eixo de rotação.

No caso dos nossos estudos, temos dois buracos negros de massa M e m em órbita mútua em torno do centro de massa. Vimos, na argumentação abaixo da Eq. (25), que uma descrição alternativa é trocar o estudo do sistema binário pelo estudo de uma partícula de massa reduzida μ=mM/(m+M) em movimento circular em torno do eixo de rotação a uma distância igual à

(47) d = r rel = ( r + R ) ,

ou seja, d é a soma das distâncias de cada massa até o centro de massa. Então, na fórmula (46), temos uma única partícula, ou seja, n=1. Portanto:

= i = 1 1 m i d i 2 = m 1 d 1 2 ,

onde, em nosso caso, m1=μ e d1=d. Logo,

(48) = μ d 2 .

Substituindo as expressões de μ, Eq. (24), e de d, Eq. (47), na Eq. (48), temos:

= m M ( m + M ) ( r + R ) 2 ,

que é a Eq. (44).

Agora, queremos encontrar a Eq. (45). Faremos isso por analogia ao caso elétrico. Sabemos que a densidade de energia u armazenada no campo elétrico E é [39[39] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 3: Eletromagnetismo (Edgard Blücher, São Paulo, 1997), v. 3.]:

(49) u = 1 2 ϵ 0 E 2 .

Densidade de energia é energia por unidade por unidade de volume: u=ΔE/ΔV, sendo ΔE a energia do campo elétrico armazenada no elemento de volume ΔV. Na Eq. (49) aparecem a permissividade elétrica do vácuo ϵ0=8,85×10-12C2/(Nm2) e o vetor campo elétrico E ao quadrado.

A potência Pelet é definida como energia emitida por intervalo de tempo Δt:

(50) P elet Δ E Δ t ( u Δ V ) Δ t 1 2 ϵ 0 E 2 Δ V Δ t .

De maneira ainda mais simples, a relação de proporcionalidade (50) escreve-se:

(51) P elet E 2 .

A mensagem importante na relação (51) é: a potência vai com o quadrado da magnitude do campo que a gera. É a oscilação do campo elétrico E que produz a onda eletromagnética, a qual vai carregar a energia por unidade de tempo, que, por sua vez, define a potência.

No caso do sistema binário, é a onda gravitacional gravitacional que produz a potência irradiada. Por sua vez, a onda gravitacional está associada: (1) às massas dos buracos negros, através da massa reduzida μ; (2) à distância entre os buracos, pois é no processo espiral que a distância mútua d varia a medida que a radiação é emitida. O momento de inércia =μd2 é a quantidade física que contém essas duas grandezas das quais depende a onda gravitacional. Então, sabemos que a potência deve depender do momento de inércia. Conclusão: é a variação de que produz a potência Pgrav no caso gravitacional. Por outro lado, é a variação do campo E que produz a potência P no caso elétrico. Isso sugere o seguinte mapeamento do caso elétrico para o gravitacional:

{ P elet P grav E .

Implementando esse mapeamento na relação (51), temos16 16 Uma forma alternativa de estabelecer a relação entre a potência irradiada na forma de ondas gravitacionais e o momento de inércia do sistema de massas compondo o sistema binário é o seguinte. Ondas gravitacionais são emitidas quando quantidades enormes de massa são deslocadas, assim como ondas eletromagnéticas são emitidas por cargas em movimento acelerado. A equação da potência total irradiada por um oscilador de cargas (oscilador Herz) vai com o quadrado (da segunda derivada temporal) do momento de dipolo elétrico associado—cf. a Eq. (12.8.28) da Ref. [39], que é essencialmente a fórmula de Larmor. De forma similar, radiação gravitacional deve depender (da variação temporal) do momento de quadrupolo da distribuição de massa [8]. O momento de quadrupolo é essencialmente o mesmo que o momento de inércia—vide-se e.g. o apêndice A da Ref. [49]. Por analogia ao caso eletromagnético, que estabelece que Pelet vai com o quadrado do momento de dipolo, a potência total Pgraw da radiação gravitacional deve depender do quadrado do momento de inércia—exatamente como aparece na relação (52). :

(52) P grav 2 .

A potência associada à onda gravitacional é emitida na fase de órbita mútua dos buracos negros, que giram com uma velocidade angular ω. Espera-se que, quanto maior a rotação, maior a emissão de ondas gravitacionais, e consequentemente, maior a potência irradiada. Resumindo, quanto maior ω, maior Pgrav. Logo, vale:

(53) P grav ω χ ,

onde χ é uma constante a ser determinada. A razão de a introduzirmos é: não sabemos se Pgrav vai com o expoente linear de ω ou algum outro valor de expoente maior do que 1.

A relação (50) mostra que a potência elétrica Pelet depende também da constante elétrica ϵ0:

P elet ϵ 0 ,

Por analogia, isso sugere que a potência gravitacional Pgrav dependerá da constante da gravitação G, ou seja, esperamos que valha o mapeamento

ϵ 0 G

na passagem do caso elétrico para gravitacional. Assim, esperamos que

(54) P grav G η ,

onde η é uma constante a ser determinada, pois não sabemos de antemão se Pgrav depende de G1, ou G2, ou G3/2, ou qualquer outro expoente.

A potência gravitacional Pgrav também deve depender da velocidade da luz c:

(55) P grav c ζ ,

onde ζ é um expoente constante a ser determinado. As razões para isso são: (1) a potência é relacionada ao fluxo de energia por unidade de tempo. A velocidade da luz é medida em metros por segundo, ou seja, metros por unidade de tempo. Tanto Pgrav como c são medidos “por unidade de tempo”; (2) a energia da onda gravitacional viaja à velocidade da luz c, como indicam as observações da colaboração LIGO (vide-se o final da Seção 2 2. Os Observatórios LIGO e a Verificação de c como Velocidade de Propagação das Ondas Gravitacionais A Fig. 2 mostra fotos dos observatórios LIGO nas cidades de Hanford (Washington) e Livingston (Louisiana). A posição relativa dos observatórios-irmãos no território dos Estados Unidos aparece na parte (a) da Fig. 3. Figura 2 Observatório LIGO em Hanford—imagem superior—e observatório LIGO em Livingston—foto inferior—responsáveis pela primeira detecção das ondas gravitacionais emitidas no processo de coalescência de buracos negros. Fonte: Ref. [43]. O termo “observatório” geralmente remete, no contexto da astrofísica, à imagem dos espelhos dos observatórios ópticos ou às antenas parabólicas típicas dos radiotelescópios. Revertendo essa expectativa, a geometria dos observatórios de ondas gravitacionais é na forma de braços perpendiculares. Essa geometria acompanha a engenharia dos interferômetros, que remonta aos experimentos de Michelson e Morley [40]. Feixes de laser circulam pelos braços perpendiculares em cada observatório, dentro dos tubos visíveis nas fotos da Fig. 2. A parte central da Fig. 3 ilustra o caminho do feixe de laser desde a fonte (Laser Source), passando pelo divisor de feixe (Beam Splitter), viajando entre as massas teste (Test Mass) em cada braço de 4 km de comprimento (múltiplas vezes), para finalmente chegar ao fotodetector (Photodetector). Figura 3 Observatórios LIGO como interferômetros (centro da figura). Parte (a): localização geográfica dos observatórios LIGO-Hanford (em vermelho) e LIGO-Livingston (em azul). Parte (b): curva de sensibilidade dos detectores. Fonte: Ref. [9]. O braços são projetados nesta geometria particular para se adequar à natureza da onda gravitacional prevista no contexto da Relatividade Geral. A RG propõe uma mudança do paradigma newtoniano na descrição da interação gravitacional. Newton entende a gravitação como uma força de ação à distância entre corpos massivos. Einstein interpreta a gravitação como uma deformação na geometria do espaço (e do tempo) produzida na presença de matéria (e energia). Para fixar as ideias, podemos imaginar o espaço como uma superfície bidimensional. A presença de uma massa sobre ela produziria uma depressão côncava, como uma bola de boliche forma uma bacia no entorno do seu ponto de contato com um lençol esticado.5 Uma segunda bola—digamos, uma bolha de bilhar—produziria uma outra depressão curva sobre o lençol. O movimento de cada bola seria ditado pelas depressões geradas pelo conjunto. É assim que se entende, de forma bastante simplista, a dinâmica orbital de sistemas de dois corpos no contexto da RG.6 Nesta analogia, uma onda gravitacional é uma ondulação produzida sobre a superfície do lençol pela dinâmica orbital dessas massas, que espiralam uma em direção à outra até o encontro no centro de massa. Ondas gravitacionais são ondulações na superfície do espaço-tempo. Para localizar um ponto em um plano, precisamos de duas coordenadas de um sistema de eixos (x,y). Analogamente, para localizar um ponto sobre a superfície do espaço-tempo que oscila, precisamos de duas coordenadas generalizadas ou, numa linguagem mais técnica, precisamos de dois graus de liberdade que fazem as vezes das coordenadas (x,y) no caso do espaço-curvo.7 Essas coordenadas generalizadas são chamadas de modos de polarização das ondas gravitacionais; eles são representados pelos símbolos h+ e h×. O modo de polarização h+ pode ser entendido como uma oscilação nas direções norte-sul e leste-oeste; daí a forma de cruz (+) do rótulo de h+. De forma complementar, h× dá conta de descrever as oscilações do espaço-tempo nas direções nordeste-sudoeste e noroeste-sudeste, motivando o uso do rótulo da cruz deitada (×) em h× [44, 45, 46].8 A Fig. 4 representa a passagem da onda gravitacional com modo de polarização h+ pelos braços do interferômetro LIGO. Os painéis dessa figura devem ser observados na sequência horária a partir do painel superior esquerdo. Os braços horizontal (chamado de x) e vertical (y) do interferômetro são projetados para que tenham o mesmo comprimento Lx=Ly=4⁢km na ausência da onda gravitacional. Essa situação é esboçada no canto superior esquerdo da Fig. 4. Ao atingir o plano do detector, o modo de polarização h+ distorce o espaço-tempo, estica-o na direção norte-sul e o encolhe na direção leste-oeste. O estiramento do espaço carrega o braço vertical fazendo-o aumentar de comprimento para (Ly+δ⁢Ly); ao mesmo tempo, o braço horizontal tem o comprimento comprimido para (Lx-δ⁢Lx). Essa situação é retratada no painel superior direito da Fig. 4. Figura 4 A deformação dos braços perpendiculares do observatório LIGO pela passagem da onda gravitacional. No destaque de cada painel aparece o estiramento de um anel de partículas-teste que, de inicialmente circular, passa a elíptico a medida que o modo de polarização h+ o atravessa; esse anel-teste ajuda a visualizar o efeito da onda gravitacional sobre o interferômetro. Fonte: Ref. [43]. O modo h+ varia no tempo a medida que atravessa o detector: isto é o que caracteriza o comportamento oscilatório da onda. O próximo acontecimento é a inversão do padrão anterior: o encurtamento acontece na direção norte-sul e o estiramento ocorre na direção leste-oeste. Nesta situação, o braço vertical passa para o comprimento menor (Ly-δ⁢Ly), enquanto o braço horizontal estica para (Lx+δ⁢Lx). Tal configuração aparece no painel inferior esquerdo da Fig. 4. Finalmente, o padrão de onda volta à situação original em que ambos os braços do detector recuperam o comprimento projetado Lx=Ly=4⁢km, o que completa um ciclo de oscilação da onda gravitacional, do espaço-tempo deformado e do estiramento e contração do interferômetro LIGO. A magnitude da deformação é da ordem de 10-21⁢m, i.e. δ⁢Lx∼δ⁢Ly∼10-21⁢m, porque a amplitude da onda gravitacional, chamada de strainh, é dessa mesma ordem de tamanho. De fato, observem-se os valores no eixo y do gráfico com o padrão oscilatório em vermelho no painel superior esquerdo da Fig. 1 mostrando a detecção do evento de descoberta GW150914. Para pôr esse resultado em perspectiva, lembre-se que o tamanho do núcleo atômico é da da ordem de 1⁢fm=10-15⁢m. Isso significa que o interferômetro LIGO foi capaz de detectar variações de tamanho de cerca de um milionésimo (10-6) do tamanho do núcleo atômico. Isso faz da detecção das ondas gravitacionais a medição de maior precisão na história das ciências naturais [9]. Aferir distâncias desse tamanho assombrosamente pequeno também diz muito a respeito da sofisticação técnica que envolveu a engenharia dos interferômetros LIGO. Mais dos impressionantes detalhes técnicos sobre a engenharia dos detectores podem ser encontradas nos artigos da Colaboração LIGO-Virgo, e.g. em [9, 43, 47]. A Fig. 3(a) indica que os observatórios LIGO-Hanford (sinalizado em vermelho sobre o mapa dos EUA) e LIGO-Livingston (indicado em azul) foram dispostos sobre o terreno de tal maneira que seus braços apontassem para direções diferentes, com uma angulação relativa. Essa estratégia foi proposital, para que se pudesse detectar também o modo de polarização h×, que produziria estiramentos e encurtamentos dos braços nas direções noroeste-sudeste e nordeste-sudoeste.9 A Fig. 3(a) também dá a diferença de tempo Δ⁢t entre as detecções das ondas gravitacionais do evento GW150914 pelos observatórios LIGO-Hanford e LIGO-Livingston. As ondas foram detectadas primeiro pelo observatório em Livingston (L1) e, então, 10⁢ms depois pelo observatório de Hanford (H1). Pela latitude e longitude de cada localidade, estima-se a distância Δ⁢x≃3000⁢km entre ambos os observatórios.10 Supondo um caminho retilíneo de propagação das ondas, estima-se a velocidade média de propagação v = Δ ⁢ x Δ ⁢ t ≃ 3000 ⁢ km 10 × 10 - 3 ⁢ s = 3 × 10 8 ⁢ m/s = c , que é justamente a velocidade de propagação da luz c. A conclusão é que as ondas gravitacionais propagam-se à velocidade da luz. Essa foi uma eloquente confirmação da Relatividade Geral, que prevê precisamente este fato. Para sermos completos, digamos que a parte (b) da Fig. 3 (canto superior direito) mostra a sensibilidade de detecção dos detectores LIGO na configuração que fez a descoberta do evento GW150914. É um gráfico do ruído na medida do strain como função da frequência da onda gravitacional. Note-se que o ruído é uma ordem de grandeza menor (10-22) do que a precisão necessária para detecção (10-21) para a imensa maioria dos valores de frequência. A região de maior sensibilidade do detector—o fundo da bacia no gráfico—corresponde à faixa de 100 Hz à 400 Hz. Essa região de frequência determina o tipo de fonte das ondas gravitacionais que podem ser medidas com os observatórios LIGO. Essas ondas são tipicamente provindas de sistemas binários de buracos negros, estrelas de nêutrons ou uma combinação de ambos11 São esses sistemas binários que passaremos a estudar a seguir. ) em conjunto com as observações de observatórios ópticos (astronomia multi-mensageiros, ou multimesseger astronomy [15[15] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 161101 (2017)., 22[22] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 123, 011102 (2019).]).

As relações de proporcionalidade (52)–(55) são atendidas simultaneamente se as combinarmos em uma mesma relação de proporcionalidade:

P grav 2 ω χ G η c ζ .

Para substituir o sinal de proporcionalidade () pelo sinal de igualdade (=), precisamos introduzir uma constante de proporcionalidade, que vamos chamar de α. Com isso:

(56) P grav = α 2 ω χ G η c ζ .

Para determinar os expoentes χ, η e ζ fazemos uma análise dimensional da Eq. (56). A unidade de potência é17 17 Usamos o colchetes ao redor de uma quantidade física quando queremos indicar que estamos interessados apenas em sua dimensão, e.g. [F]=N, a unidade do vetor força é o newton. :

(57) [ P grav ] = [ ( energia ) ( tempo ) ] = J s = N m s = ( kg m s 2 ) m s = kg m 2 s 3 ,

onde usamos que J=Nm pois o trabalho (uma forma de energia) é dado por W=Fdcosθ, sendo θ o ângulo entre F e o vetor deslocamento d.18 18 A rigor, a equação W=F⁢d⁢cos⁡θ vale apenas no caso em que F é força constante [35]. Porém, ela é geral o suficiente para fins de análise dimensional. Então [W]=[F][d]=Nm e [W]=J. Também usamos que F=ma para decompor a unidade N.

Do lado direito de Eq. (56) temos α2ωχGηcζ, onde α é uma constante adimensional. Por isso, a análise dimensional dá:

(58) [ α 2 ω χ G η c ζ ] = [ 2 ω χ G η c ζ ] = [ ] 2 [ ω ] χ [ G ] η [ c ] ζ = [ kg m 2 ] 2 ( rad s ) χ [ Nm 2 ( kg ) 2 ] η [ m s ] ζ ,

onde usamos que a unidade do momento de inércia é, cf. a Eq. (46):

(59) [ ] = [ m d 2 ] = [ m ] [ d ] 2 = [ kg ] [ m ] 2 = kg m 2 .

A unidade da constante de Newton G é encontrada a partir da lei da gravitação universal (20), i.e.

(60) [ G ] = [ F ] [ r rel ] 2 [ M ] [ m ] = [ N ] [ m ] 2 [ kg ] [ kg ] = Nm 2 ( kg ) 2 .

Como podemos suprimir a unidade radianos (rad) em (58), temos:

(61) [ α 2 ω χ G η c ζ ] = ( kg ) 2 m 4 ( 1 s ) χ N η m 2 η ( kg ) 2 η m ζ s ζ = ( kg ) ( 2 - 2 η + η ) m ( η + 4 + 2 η + ζ ) s ( χ + ζ + 2 η ) .

Pela Eq. (56), sabemos que:

[ P grav ] = [ α 2 ω χ G η c ζ ] .

Logo, substituindo as Eqs. (57) e (61), temos:

( kg ) 1 m 2 s 3 = ( kg ) ( 2 - 2 η + η ) m ( η + 4 + 2 η + ζ ) s ( χ + ζ + 2 η )

i.e., igualando a potência de (kg) do lado esquerdo com a potência do (kg) do lado direito e etc., obtemos o sistema:

{ 1 = ( 2 - 2 η + η ) ( potência do kg ) 2 = ( η + 4 + 2 η + ζ ) ( potência do m ) 3 = ( χ + ζ + 2 η ) ( potência do s ) { η = 1 ζ = - 5 χ = 6 .

Substituindo os valores de {χ,η,ζ} na Eq. (56), resulta:

(62) P grav = α 2 ω 6 G 1 c - 5 = α G 2 ω 6 c 5 .

Esta é Pgrav aparecendo na Eq. (45).

Agora que já demonstramos as Eqs. (44) e (45), basta usá-las em conjunto com (43) para provar a validade da Eq. (42). Vejamos:

(63) P irrad = P grav = α G ω 6 c 5 2 = α G ω 6 c 5 [ m M ( m + M ) ( r + R ) 2 ] 2 .

O termo que vai com (r+R)4 pode ser eliminado usando a Terceira Lei de Kepler na forma da Eq. (43):

(64) ω 2 = G ( M + m ) ( R + r ) 3 ( R + r ) 4 = G 4 / 3 ( M + m ) 4 / 3 ω 8 / 3 .

Substituindo (64) em (63), resulta:

(65) P irrad = α G 7 / 3 ω 10 / 3 c 5 ( m M ) 2 ( m + M ) 2 / 3

Essa é precisamente a equação derivada no contexto da Relatividade Geral [5[5] M. Maggiore, Gravitational Waves. Volume 1: Theory and Experiments (Oxford University Press, Oxford, 2008).] se fizermos

(66) α = 32 5 .

Não conhecemos uma forma de determinar a constante α com base na física básica da graduação, sem empregar Relatividade Geral, mas já consideramos uma vitória a própria possibilidade de determinar a forma (65) no contexto dos fundamentos de física acessíveis aos estudantes familiarizados com o conteúdos dos cursos introdutórios [35[35] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 1: Mecânica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed., 36[36] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 2: Gravitação, Ondas e Termodinâmica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed., 37[37] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 1: Mecânica (Edgard Blücher, São Paulo, 2002), v. 1, 4 ed., 39[39] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 3: Eletromagnetismo (Edgard Blücher, São Paulo, 1997), v. 3.].

5. O Balanço Energético Órbita-Ondas Gravitacionais e a Massa de Chirp

Dissemos antes—no final da Seção 3 3. Dinâmica Orbital do Sistema Binário de Buracos Negros Os buracos negros em sistemas binários são resultado do colapso gravitacional de estrelas da ordem de dezenas de massas solares. Mais adiante, caracterizaremos os buracos negros com mais cuidado. Agora, é suficiente ter em mente que buracos negros são objetos astrofísicos compactos. Isso permite que sejam modelados como um par de partículas pontuais em órbita mútua sob ação da interação gravitacional. Dessa forma, tomamos o sistema binário como um par de massas m e M em órbita circular em torno do centro de massa (CM), do qual distam r e R, respectivamente.12 Os vetores associados são denominados r→=r e R→=R (usamos o negrito para denotar vetores), conforme mostra a Fig. 5. Em acordo com a proposta do trabalho de usar física introdutória [49], modelamos o sistema com a lei de gravitação Newtoniana [35, 36]. Considere a Fig. 5(a). O método geométrico de soma de vetores (“coloca-se a origem do segundo vetor na extremidade do primeiro; o vetor soma parte da origem do primeiro para chegar na extremidade do segundo”) garante que: (1) r M = R CM + R ⇒ R = r M - R CM , sendo rM o vetor que localiza a massa M do sistema binário de massas pontuais (M,m), e (2) r m = R CM + r ⇒ r = r m - R CM , onde rm é o vetor da origem do sistema de coordenadas até a massa m. A distância relativa rrel entre M e m é a magnitude do vetor diferença: (3) r rel = - R + r . De fato, rrel é o vetor que parte da massa M e chega à massa m; como tal, ele é a soma do vetor (-R) com o vetor r. Figura 5 (a) Variáveis que participam da localização das massas do sistema binário. O vetor RCM parte da origem 𝒪 do sistema de coordenadas e chega na localização do centro de massa (CM). O vetor rM localiza a massa M a partir da origem 𝒪; o vetor rm localiza a massa m a partir da origem 𝒪. Por outro lado, o vetor R localiza M partindo do CM; o vetor r parte do CM e chega à massa m. (b) O vetor distância relativa rrel parte de M em direção à m. O vetor FM⁢(m) é a força em M devido à m; o vetor Fm⁢(M) é a força em m devido à M. O vetor FM⁢(m) tem a direção de rrel, que é indicada pelo vetor unitário r^rel. O vetor Fm⁢(M) aponta do sentido oposto pois a força gravitacional é atrativa. Pela definição de vetor centro de massa RCM como a distância ponderada pelas massas do sistema [35, 37], sabemos que: (4) R CM = M ⁢ r M + m ⁢ r m M + m . Sabemos também que a massa total(Mtot) é a soma das massas individuais das partículas no sistema: (5) M tot = M + m . Então, substituindo (4) em (1) obtemos: (6) R = - m M tot ⁢ ( r m - r M ) . Analogamente, inserindo (4) em (2) temos: (7) r = M M tot ⁢ ( r m - r M ) . Por outro lado, substituindo (1) e (2) em (3), temos: (8) r rel = - ( r M - R CM ) + ( r m - R CM ) = ( r m - r M ) . Substituindo (8) em (6) e (7): (9) R = - m M tot ⁢ r rel , (10) r = M M tot ⁢ r rel . Consideremos, agora, a Segunda Lei de Newton [35]: (11) F = μ ⁢ a rel = μ ⁢ d ⁢ v rel d ⁢ t = μ ⁢ d d ⁢ t ⁢ ( d ⁢ r rel d ⁢ t ) = μ ⁢ d d ⁢ t ⁢ ( r ˙ rel ) = μ ⁢ r ¨ rel , onde F é o vetor força atuando sobre a massa μ responsável pela sua aceleração arel. A velocidade vrel da partícula é a taxa de variação temporal de sua posição rrel. A equação acima estabelece a nossa notação: ponto acima de uma quantidade indica derivação com respeito ao tempo t. Para uma origem do sistema de coordenadas fixadas no CM, as partículas M e m são localizadas diretamente pelos vetores R e r, respectivamente (ou seja, não necessitamos mais empregar os vetores rM e rm). Então, para essas partículas, a segunda lei é: (12) F M ⁢ ( m ) = M ⁢ R ¨ , onde FM⁢(m) representa a força sobre a massa M devido à massa m. Dizemos isso pois sabemos que as massas M e m interagem gravitacionalmente de acordo com a lei da gravitação universal de Newton [36]. A força Fm⁢(M) sobre m devido à atração gravitacional da massa M é: (13) F m ⁢ ( M ) = m ⁢ r ¨ . A própria força gravitacional tem a forma funcional ditada por Newton [37]: (14) F M ⁢ ( m ) = G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( + r ^ rel ) e (15) F m ⁢ ( M ) = G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( - r ^ rel ) , com G=6,674×10-11⁢m3⁢kg-1⁢s-2. Ou seja, a força gravitacional é de atração mútua (o que explica o sinal negativo na última equação): (16) F m ⁢ ( M ) = - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel = - F M ⁢ ( m ) . Vide-se a Fig. 5(b) para a representação gráfica das forças FM⁢(m) e Fm⁢(M). Substituindo (16) em (12), temos: (17) G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( + r ^ rel ) = M ⁢ R ¨ ⇒ - G ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel = - R ¨ , e, inserindo (16) em (13), temos: (18) G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( - r ^ rel ) = m ⁢ r ¨ ⇒ - G ⁢ M r rel 2 ⁢ r ^ rel = r ¨ . Somando (17) e (18): - G ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel + ( - G ⁢ M r rel 2 ⁢ r ^ rel ) = - R ¨ + r ¨ , ou seja, (19) ( m + M ) ⁢ [ - G ⁢ 1 r rel 2 ⁢ r ^ rel ] = - R ¨ + r ¨ . Por inspiração vinda da força gravitacional, Eq. (16), temos: (20) F grav = [ - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel ] ≡ F , que é a força F em ação sobre as partículas sob consideração. Para reconhecer a presença de F na Eq. (19), introduzimos o produto das massas nesta relação, multiplicando-a e dividindo-a por (M⁢m): ( m + M ) M ⁢ m ⁢ [ - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel ] = - R ¨ + r ¨ . Então, percebemos F dentro dos colchetes. Isso resulta em: (21) ( m + M ) M ⁢ m ⁢ F = ( - R ¨ + r ¨ ) . Derivando (3) em relação ao tempo, temos: d ⁢ r rel d ⁢ t = - d ⁢ R d ⁢ t + d ⁢ r d ⁢ t ⇒ r ˙ rel = - R ˙ + r ˙ . Repetindo esse procedimento: (22) d d ⁢ t ⁢ r ˙ rel = - d d ⁢ t ⁢ R ˙ + d d ⁢ t ⁢ r ˙ ⇒ r ¨ rel = ( - R ¨ + r ¨ ) . Podemos notar que o lado direito de (21) é justamente a equação (22): (23) F = M ⁢ m ( m + M ) ⁢ r ¨ rel . Definindo a massa reduzida como: (24) μ ≡ M ⁢ m ( m + M ) , temos: (25) F = μ ⁢ r ¨ rel . A Eq. (25) é a Segunda Lei de Newton do sistema binário: compare (11) e (25). Dessa forma, justificamos a importância do conceito de massa reduzida e mostramos a forma natural como ela aparece no contexto do movimento de dois corpos sob ação mútua da força gravitacional. Ademais, esse raciocínio mostra que tudo se passa como se pudéssemos substituir o sistema binário de duas massas M e m por um sistema de uma única partícula pontual de massa igual à massa reduzida μ que executa um movimento circular. Essa interpretação é justificada pela forma (25) da Segunda Lei de Newton para o sistema de partículas: ela é idêntica a forma tradicional F=m⁢a aplicada à uma única massa pontual m perante o mapeamento μ→m e r¨rel=arel→a. Agora, encontraremos a Terceira Lei de Kepler para o movimento orbital do sistema binário. Substituindo Eq. (20) em (25): μ ⁢ r ¨ rel = - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel ou, usando a Eq. (24), (26) r ¨ rel = - G ⁢ ( m + M ) r rel 2 ⁢ r ^ rel . A aceleração arel=r¨rel é aquela que garante o movimento orbital do sistema binário. Por simplicidade, tomamos esse movimento como um Movimento Circular Uniforme (MCU). Sabemos que a aceleração característica do MCU é a aceleração centrípeta acp, cuja fórmula é [35]: (27) a cp = v rel 2 r rel ⁢ ( - r ^ rel ) , onde a velocidade tangencial no movimento circular tem seu módulo dado por: (28) v rel = ω ⁢ r rel . A quantidade ω é a velocidade angular do movimento circular—ou frequência angular do movimento harmônico simples (MHS) a ele equivalente13: (29) ω = 2 ⁢ π T . A quantidade T é o período orbital do sistema binário. Inserindo (28) em (27), temos: acp=-ω2⁢rrel⁢r^rel, a qual, devido à Eq. (29), fica: (30) a cp = - 4 ⁢ π 2 ⁢ r rel T 2 ⁢ r ^ rel . Faremos r¨rel=arel=acp igualando a Eq. (26) com a Eq. (30) e fatorando o termo (-r^rel) comum a ambos os membros da equação. Isso resulta em: (31) r rel 3 T 2 = G ⁢ m 4 ⁢ π 2 ⁢ ( 1 + M m ) . Esta é a Terceira Lei de Kepler [37]: Os quadrados dos períodos de revolução de dois planetas quaisquer estão entre si como os cubos de suas distâncias médias ao Sol. Em outras palavras, T2 é diretamente proporcional à rrel3, ou ainda, (32) T 2 ∝ r rel 3 ⇒ r rel 3 T 2 ∝ constante . A Terceira Lei de Kepler é, por isso também, chamada de Lei dos Períodos. Ela pode ser colocada em termos da velocidade angular ω do conjunto ao usarmos a Eq. (29) em conjunto com: (33) r rel 2 = r rel ⋅ r rel = ( - R + r ) ⋅ ( - R + r ) = R 2 + r 2 - 2 ⁢ R ⋅ r = R 2 + r 2 - 2 ⁢ R ⁢ r ⁢ cos ⁡ ( 180 o ) = R 2 + r 2 + 2 ⁢ R ⁢ r = ( R + r ) 2 , onde usamos a definição (3) e a Fig. 5 para identificar que o ângulo entre os vetores R e r é 180cpsdummyo.14 Logo, a magnitude do vetor de distância relativa entre as massas é (34) r rel = ( R + r ) e a Eq. (31) fica [49]: (35) ω 2 = G ⁢ ( M + m ) ( R + r ) 3 . A Eq. (35) é a Terceira Lei de Kepler para o movimento orbital em termos da frequência angular. Ela pode ser aliada ao princípio da conservação de energia para especificarmos a energia mecânica total Etot armazenada do movimento orbital do sistema binário. A energia mecânica total é [35]: (36) E tot = K + U = 1 2 ⁢ μ ⁢ v rel 2 + [ - G ⁢ M ⁢ m r rel ] , onde K=(1/2)⁢μ⁢vrel2 é a energia cinética da massa reduzida μ animada com velocidade vrel e (37) U = - G ⁢ M ⁢ m r rel é a expressão para a energia potencial gravitacionalU=Ugrav do sistema binário. Então, com (24) e (34): (38) E tot = 1 2 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) ⁢ v rel 2 - G ⁢ M ⁢ m ( R + r ) . Usando (28) nesta equação: E tot = 1 2 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) ⁢ ( ω ⁢ r rel ) 2 - G ⁢ M ⁢ m ( R + r ) . Podemos eliminar ω e rrel deste resultado ao empregarmos as Eqs. (34) e (35). Assim, obtemos: (39) E tot = - 1 2 ⁢ G ⁢ M ⁢ m ( R + r ) , que é a equação de energia orbital do sistema binário. A expressão (39) é uma manifestação do Teorema do Virial [51]. Podemos escrever a Eq. (39) em termos de frequência orbital. De fato, de (35), temos: ( R + r ) = [ G ⁢ ( M + m ) ω 2 ] 1 / 3 , a qual leva à: (40) E tot = - 1 2 ⁢ G 2 / 3 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) 1 / 3 ⁢ ω 2 / 3 . Essa será uma das grandezas físicas calculadas quando estudarmos o sistema de buracos negros binários, os quais coalescem para formar um único buraco negro e emitem ondas gravitacionais no processo. As ondas gravitacionais carregam energia para fora do sistema binário. Essa energia é drenada da energia mecânica orbital do sistema. Por isso, Etot deve variar no tempo, i.e. deve existir uma derivada não-nula deEtot. Vamos calcular d⁢Etot/d⁢t diferenciando a Eq. (40) com relação ao tempo. Temos: d ⁢ E tot d ⁢ t = - 1 2 ⁢ G 2 / 3 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) 1 / 3 ⁢ 2 3 ⁢ ω 2 / 3 - 1 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t . Veja que aqui admitimos que a frequência angular muda com o tempo: ω=ω⁢(t). Isso não é estritamente verdade no movimento circular uniforme, que supusemos válido para deduzir a Terceira Lei de Kepler—pois usamos a expressão da aceleração centrípeta (27). Entretanto, em um sistema coalescente, as massas M e m vão espiralando em direção ao centro de massa. Neste processo espiral, a distância mútua rrel=(R+r) diminui, a velocidade tangencial (da massa reduzida) aumenta e a velocidade (ou frequência) angular ω também aumenta.15 Ou seja, vale: (41) - d ⁢ E tot d ⁢ t = 1 3 ⁢ G 2 / 3 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) 1 / 3 ⁢ ω - 1 / 3 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t . A perda de energia orbital (-d⁢Etot/d⁢t) só pode acontecer pelo ganho de energia das ondas gravitacionais, o que leva à potência irradiada Pirrad. Na próxima seção encontraremos a equação para a energia por unidade de tempo carregada pela ondas gravitacionais. —que a perda de energia orbital pelo sistema orbital durante a sua fase espiral é convertida em potência irradiada na forma de ondas gravitacionais. Isso se traduz na equação

(67) P irrad = - d E tot d t .

Então, podemos identificar as Eqs. (65) e (41), para concluir que:

(68) ( m M ) 3 / 5 ( m + M ) 1 / 5 = c 3 1 G ( 1 3 α ω - 11 / 3 d ω d t ) 3 / 5 .

Aqui aparece pela primeira vez a massa de chirp:

(69) = ( M m ) 3 / 5 ( M + m ) 1 / 5 .

De fato, a quantidade tem unidade de massa (quilograma no S.I.). Logo,

(70) = c G 3 ( 1 3 α ω - 11 / 3 d ω d t ) 3 / 5 .

A massa de chirp será uma das quantidades físicas calculadas a partir dos dados medidos das ondas gravitacionais. A palavra chirp significa chilreio e remete ao som emitido por pássaros, como um pequeno som agudo correspondente ao aumento da frequência na onda sonora [47[47] https://www.youtube.com/watch?v=aEPIwEJmZyE
https://www.youtube.com/watch?v=aEPIwEJm...
]. Analogamente, o aumento da frequência angular na coalescência de buracos negros aparece como o aumento de frequência da onda gravitacional, indicado pelo arco luminoso nos painéis inferiores da Fig. 1 de detecção do evento de descoberta. Calcularemos o valor numérico da massa de chirp para o evento GW150914 em breve.

Sabemos que a definição de frequência f em termos do período T é [35[35] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 1: Mecânica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed.]:

(71) f = 1 T T = 1 f .

A frequência mede o evento a se repetir no movimento harmônico, que é equivalente ao movimento circular uniforme [50[50] R.R. Cuzinatto, E.M. de Morais e C.N. de Souza, Rev. Bras. Ensino Fís. 36, 3306 (2014).]. Para um volta completa no sistema em órbita circular [35[35] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 1: Mecânica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed.], temos:

(72) T = 2 π ω ( sistema de uma partícula ) .

Em um sistema binário, as massas são diametralmente opostas e o sistema assume a mesma configuração inicial depois de meia volta de cada uma das massas. Por isso, a frequência é duas vezes aquela típica de um sistema de uma partícula, ou, o que é equivalente, o período da onda gravitacional é metade daquele de um sistema de uma partícula:

(73) T = π ω ( sistema binário ) .

Usando esta última equação na definição de f, Eq. (71), temos:

(74) 1 f = π ω ω = π f ( sistema binário ) .

Derivando (74) com respeito ao tempo t:

(75) d ω d t = π d f d t .

Substituindo ω e dω/dt, cf. as Eqs. (74) e (75), na Eq. (70), temos a massa de chirp em termos da frequência:

(76) = c 3 G ( 1 3 α π - 8 / 3 f - 11 / 3 d f d t ) 3 / 5 .

Esta é justamente a equação que aparece na primeira coluna da página 3 do artigo de descoberta [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).] da Colaboração LIGO.19 19 Conforme a Eq. (66), α=32/5, tal que 1/(3⁢α)=5/96.

A Eq. (76) pode ser integrada desde o tempo inicial t1 do movimento espiral dos buracos negros em direção à coalescência, correspondente a uma frequência f1, até um tempo subsequente t2 correspondente a uma frequência f2:

{ t = t 1 f = f 1 ( início da coalescência ) t = t 2 f = f 2 ( tempo arbitrário na fase espiral ) .

Essas serão as nossas condições iniciais (ou de contorno). Agora, manipulamos a Eq. (76) para isolar a frequência e sua derivada do lado esquerdo;

(77) f - 11 / 3 d f d t = 3 α π 8 / 3 ( G c 3 ) 5 / 3 ,

e integramos dos dois lados:

(78) f 1 f 2 f - 11 / 3 d f = 3 α π 8 / 3 ( G c 3 ) 5 / 3 t 1 t 2 d t .

A integral do lado esquerdo dá:

f 1 f 2 f - 11 / 3 d f = - 3 8 ( 1 f 2 - 8 / 3 - 1 f 1 - 8 / 3 ) ,

enquanto a do lado direito de (78) vale:

(79) t 1 t 2 d t = ( t 2 - t 1 ) τ .

Basta substituir os dois últimos resultados na Eq. (78), para obter:

(80) 1 f 1 8 / 3 - 1 f 2 8 / 3 = 8 α π 8 / 3 ( G ) 5 / 3 c 5 τ .

Enfatizamos a interpretação das quantidades nesta expressão: f1 é a frequência no início do processo de diminuição do raio orbital (começo da espiral para o centro de massa) e f2 é a frequência depois de um tempo τ. A frequência f2 é tratada como aquela relativa ao evento de coalescência das massas no sistema binário (frequência de chirp) e corresponde ao pico do arco luminoso no painel inferior esquerdo da Fig. 1. Como f2f1 é uma ótima aproximação considerar que f2 diverge:

(81) f 2 ( coalescência ) .

Consideraremos isso abaixo. De fato, isolamos a quantidade na Eq. (80),

(82) = 1 G [ 1 8 α π 8 / 3 c 5 τ ( 1 f 1 8 / 3 - 1 f 2 8 / 3 ) ] 3 5

e passamos ao limite (81).20 20 Lembramos que limx→∞⁡(1/xn)=0 onde n é um número positivo. Isso explica o desaparecimento do segundo termo no parêntesis da Eq. (82). Logo,

(83) = 1 G [ 1 8 α π 8 / 3 c 5 τ 1 f 1 8 / 3 ] 3 5 .

Essa equação mostra que podemos encontrar a massa de chirp apenas determinando o tempo τ e a frequência f1. Acontece que essas quantidades podem ser lidas diretamente de gráficos como os da Fig. 1. É dessa forma que conseguimos começar a caracterizar o sistema de buracos negros a partir da detecção das ondas gravitacionais que eles emitem quando do processo de coalescência.

O início do processo de coalescência no evento GW150914 correspondente ao começo do arco luminoso amarelo-esverdeado no quadro inferior esquerdo da Fig. 1. O valor do eixo x associado a esse começo dá o tempo inicial t10,34s; o valor no eixo y está relacionado à frequência inicial da coalescência f143Hz. O pico do arco luminoso acontece para t2=0,43s, ele corresponde ao máximo de frequência, atribuída ao chirp. Logo, τ=t2-t10,09s, cf. a Eq. (79). Substituindo esses valores numéricos de τ e f1 na Eq. (83), obtemos 32M onde M=1,9885×1030kg é a massa do Sol. Nesta estimativa, usamos α=32/5, cf. a Eq. (66), bem como os valores das constantes fundamentais: G=6,6743×10-11Nm2kg-2; e, c=299 792 458m/s.

A massa de chirp é uma medida da massa do sistema binário associada à coalescência. Para o evento GW150914 ela é maior que 30 vezes a massa de nosso Sol. Esse número é extraordinariamente grande e dá um indício de que as massas individuais dos buracos negros que colidem são igualmente enormes. Vamos investigar essas e outras características dos buracos negros nas próximas duas seções.

6. Raio de Schwarzschild e o Tamanho do Sistema Binário na Coalescência

A coalescência do par de buracos negros provoca o surgimento de um único buraco negro central e a subsequente atenuação na emissão de ondas gravitacionais (ring down) [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).].21 21 O buraco negro remanescente da coalescência do sistema binário deve ter continuado a emitir ondas gravitacionais—devido a uma dinâmica diferente da do par de buracos negros inicias (modos quasi-normais e rotação são exemplos desses efeitos)—com amplitudes e em frequências distintas daquelas de possível observação pelo LIGO. Uma característica definidora de todo buraco negro [52[52] S.W. Hawking, Buracos negros: palestra da BBC Reith Lectures (Intrínseca, Rio de Janeiro, 2017).] é seu horizonte de eventos: trata-se de uma região de dentro da qual nada pode emergir, sequer a luz.22 22 Para um artigo pedagógico sobre a física de buracos negros vide-se, e.g. [53]. O artigo [54] oferece uma perspectiva diferente. Indicamos também o trabalho [55]. Para nós, os livros de Kip Thorne, Refs. [44] e [45], são a fonte mais completa (e excitante) de informação sobre buracos negros e ondas gravitacionais para o público não especialista. Para uma referência não-técnica em português, consulte-se [56]. Nossa próxima tarefa é dar argumentos que conduzem à equação para o raio dessa região admitida esférica23 23 A região associada ao buraco negro é esférica pois acompanha a geometria da estrela, aproximadamente esférica, cujo colapso lhe deu origem. Essa é uma característica da métrica de Schwarzschild, abordada em [53] e também em [57]. Um grau a mais de sofisticação é levar em conta a rotação do buraco negro em torno do próprio eixo, o que conduz à solução de Kerr [58]. Apesar de oferecer uma descrição mais acurada para buracos negros astrofísicos, a métrica de Kerr é uma solução demasiadamente sofisticada para abordarmos neste trabalho. nas vizinhanças de um buraco negro, estabelecendo o ponto de não-retorno de matéria e energia. Esse raio é denominado raio de Schwarzschild, Rs [28[28] M. Cattani, arXiv:1005.4314 (2010).].

Em 2019, tivemos a primeira foto de um buraco negro (Fig. 6) publicada pela equipe do EHT (Event Horizon Telescope), cf. [59[59] The Event Horizon Telescope Collaboration, K. Akiyama, A. Alberdi, W. Alef, K. Asada, R. Azulay, A.K. Baczko, D. Ball, M. Baloković, J. Barrett, et al., ApJL 875, L1 (2019).]. A colaboração LIGO-Virgo ofereceu a primeira comprovação direta da existência de buracos negros através da detecção das suas ondas gravitacionais em sistemas binários [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).]. A colaboração EHT trouxe a comprovação visual direta da realidade física dos buracos negros.24 24 É preciso enfatizar que buracos negros isolados podem emitir ondas gravitacionais por processos como a excitação de seus modos quasi-normais. Esses mecanismos são diferentes da dinâmica de um sistema binário de buracos negros (que irradia principalmente devido à variação temporal do momento de quadrupolo de massa do par)[5, 8]. A distinção dos processos de emissão leva naturalmente à padrões diferentes de ondas, com escalas de amplitude diferentes. De fato, o buraco negro M87* está constantemente agregando matéria de sua vizinhança, o que leva a emissão de ondas gravitacionais. Porém, M87* não poderia ter sido detectado pelos interferômetros LIGO-Virgo, pois a amplitude de suas ondas gravitacionais jazem abaixo da curva de sensibilidade dos detectores. A foto aqui mostra um buraco negro, mas não uma fonte de ondas gravitacionais passível de detecção pela colaboração LIGO-Virgo.

Figura 6
Foto do buraco negro M87* em Virgem capturada pelo Event Horizon Telescope Collaboration e divulgada em 10 de abril de 2019. Este é um buraco negro supermassivo (com 6,5 bilhões de massas solares) solitário no centro da galáxia M87. Neste trabalho estudamos buracos negros de massas ordinárias (da ordem de dezenas de massas solares) em sistemas binários. Imagem disponível em <https://eventhorizontelescope.org>.

Um exercício tradicional de um curso introdutório de fenômenos mecânicos é calcular a velocidade de escape de uma partícula (por exemplo, um foguete) a partir da superfície de um corpo celeste (digamos, a Terra) [36[36] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 2: Gravitação, Ondas e Termodinâmica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed.]. Se aplicarmos esse raciocínio a uma partícula de luz que se move com velocidade c, encontraremos uma distância típica:

(84) R S = 2 G M c 2 .

Para isso, precisamos da energia potencial gravitacional (37):

U ( r ) = - G M m r

onde, no presente contexto, m é massa da partícula-teste, Mé a massa do corpo central produzindo o campo gravitacional e r é a distância da partícula m até o centro da massa M. Usando nossos conhecimentos em física de nível introdutório, sabemos que a energia mecânica total E é a soma da energia cinética K com a energia potencial U, E=K+U. Logo:

(85) E = 1 2 m v 2 - G M m r .

Queremos calcular a velocidade escape,

(86) v = v escape ,

que é aquela correspondente à

(87) E = 0 ( energia mínima ) .

Este é o valor mínimo de energia mecânica, o limiar que garante a partícula subir o poço de potencial estabelecido pela atração gravitacional esgotando toda sua energia no processo. Essa energia mecânica nula correspondente ao valor mínimo de velocidade que permite a energia cinética da partícula compensar exatamente a energia potencial gravitacional. Colocando E=0 na Eq. (85):

(88) 1 2 v escape 2 = G M r ,

onde a massa m foi convenientemente cancelada.25 25 Dizemos que o cancelamento de m é conveniente pois a partícula de luz—a ser estudada abaixo da Eq. (88) como partícula-teste—não possui massa de repouso associada, mas apenas momento linear.

A partícula de luz sempre viaja a uma velocidade constante igual a c. Então, para a luz:

(89) v escape = c ( partícula de luz ) .

Isso vai corresponder a distância

(90) r = R S ,

chamada de raio de Schwarzschild (que é, por definição, a distância associada à velocidade de escape da luz). Então, de (88), (89) e (90):

1 2 c 2 = G M R S ,

i.e.

(91) R S = 2 G M c 2 ( raio de Scharzschild ) ,

que é justamente a Eq. (84), como queríamos demonstrar. O valor de raio em (91) estabelece o horizonte de eventos em volta do corpo de massa M. Trata-se da superfície limite de dentro da qual nada, nem mesmo a luz, escapa porque seria necessário uma velocidade maior do que c para isso (o que não existe na Natureza).

Estamos interessados, agora, em estimar qual é o raio de Schwarzschild associado ao par de buracos negros do sistema binário. Assim, a massa M que aparece na Eq. (91) deve ser mapeada para a massa total do par, Mtot:

(92) M M tot = ( M + m ) ,

onde usamos a Eq. (5). Logo, para o sistema binário26 26 Aqui temos mais um exemplo das nossas aproximações, que não são rigorosamente corretas mas que facilitam o tratamento quantitativo via mecânica newtoniana. Na Relatividade Geral, o raio de Schwarzschild é definido a partir do estudo do horizonte previsto pelo elemento de linha de Schwarzschild. Esse elemento de linha descreve o campo gravitacional (tensor métrico) estático com simetria esférica no exterior da fonte. O valor de Rs calculado pela Eq. (91) leva a divergências no setor radial da métrica e produz uma indeterminação na sua componente temporal, produzindo o horizonte de eventos da solução. Para encontrar o equivalente do raio de Schwarzschild para o sistema binário no contexto rigoroso da RG, precisaríamos resolver as equações de Einstein para um sistema de massas em movimento espiral. Isso levaria a uma métrica não estática extremamente complicada (já que esse sistema não exibe uma simetria simples que permita cálculos analíticos), cujo(s) horizonte(s) precisaria(m) ser determinado(s). A tarefa é executada de forma numérica pela Colaboração LIGO-Virgo e foge completamente das possibilidades do nosso tratamento. :

(93) R S = 2 G ( M + m ) c 2 ( sistema binário ) .

Ademais, estimamos que os buracos negros do sistema binário devem estar separados de R s no momento em que começam a se juntar para formar um único buraco negro. Temos, então:

(94) R S r rel = ( R + r ) ( coalescência ) ,

cf. a Eq. (34), e—inserindo (94) em (93)—

(95) ( R + r ) = 2 G c 2 ( M + m ) ( coalescência ) .

Isso faz sentido: há dois corpos, portanto, duas distâncias R e r até o centro de massa compondo o raio Rs e duas massas distintas M e m formando a massa que aparece na Eq. (91). Assim, para obtermos o raio e a massa total do evento devemos considerar a soma das massas dos burracos negros e sua distância relativa.

A massa total Mtot em (92)—e em (95)—pode ser determinada com a ajuda da Terceira Lei de Kepler e da frequência de chirp. É isso que veremos na próxima seção.

7. Massa Total, Massas Individuais e Massa Irradiada

7.1. A massa total do sistema binário

A massa total Mtot é um dos parâmetros físicos de interesse para caracterização do par de buracos negros coalescentes. Vamos, então, estimá-la em termos de uma grandeza mensurável a partir das ondas gravitacionais emitidas pelo sistema binário.

Substituindo o resultado (95) na Eq. (35), obtemos:

ω 2 = G ( M + m ) [ 2 G c 2 ( M + m ) ] 3 ( M + m ) = c 3 8 1 / 2 G ω ,

ou, devido à Eq. (5), Mtot=(M+m), e à Eq. (74), ω=πf:

(96) M tot = 1 π 8 c 3 G f c .

onde usamos f=fc, a frequência de chirp. A identificação da frequência f com a frequência correspondente ao chirp é razoável, pois o raio de Schwarzschild, o horizonte de eventos do buraco negro resultante do processo de coalescência, deve corresponder ao instante de emissão da radiação de frequência máxima fmax: é na coalescência indicada pelo chirp que nasce o buraco negro central. Ademais, esse raciocínio indica que

(97) f max = f c ( frequência de chirp ) .

A Eq. (96) mostra que a massa total do sistema binário de buracos negros é uma quantidade calculável a partir da fc, uma grandeza que pode ser lida diretamente dos dados observacionais, como aqueles da Fig. 1.

O pico do arco luminoso no quadro inferior esquerdo da Fig. 1 acontece em t2=0,43s (valor no eixo x) e corresponde à fmax=fc=307Hz. Essa é a frequência de chirp que estimamos para o evento GW150914. A substituição desse valor em (96) dá Mtot=74M. Aqui temos a verificação de uma afirmação que fizemos ao final da Seção 5 5. O Balanço Energético Órbita-Ondas Gravitacionais e a Massa de Chirp Dissemos antes—no final da Seção 3—que a perda de energia orbital pelo sistema orbital durante a sua fase espiral é convertida em potência irradiada na forma de ondas gravitacionais. Isso se traduz na equação (67) P irrad = - d ⁢ E tot d ⁢ t . Então, podemos identificar as Eqs. (65) e (41), para concluir que: (68) ( m ⁢ M ) 3 / 5 ( m + M ) 1 / 5 = c 3 ⁢ 1 G ⁢ ( 1 3 ⁢ α ⁢ ω - 11 / 3 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t ) 3 / 5 . Aqui aparece pela primeira vez a massa de chirp: (69) ℳ = ( M ⁢ m ) 3 / 5 ( M + m ) 1 / 5 . De fato, a quantidade ℳ tem unidade de massa (quilograma no S.I.). Logo, (70) ℳ = c G 3 ⁢ ( 1 3 ⁢ α ⁢ ω - 11 / 3 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t ) 3 / 5 . A massa de chirp será uma das quantidades físicas calculadas a partir dos dados medidos das ondas gravitacionais. A palavra chirp significa chilreio e remete ao som emitido por pássaros, como um pequeno som agudo correspondente ao aumento da frequência na onda sonora [47]. Analogamente, o aumento da frequência angular na coalescência de buracos negros aparece como o aumento de frequência da onda gravitacional, indicado pelo arco luminoso nos painéis inferiores da Fig. 1 de detecção do evento de descoberta. Calcularemos o valor numérico da massa de chirp para o evento GW150914 em breve. Sabemos que a definição de frequência f em termos do período T é [35]: (71) f = 1 T ⇒ T = 1 f . A frequência mede o evento a se repetir no movimento harmônico, que é equivalente ao movimento circular uniforme [50]. Para um volta completa no sistema em órbita circular [35], temos: (72) T = 2 ⁢ π ω ( sistema de uma partícula ) . Em um sistema binário, as massas são diametralmente opostas e o sistema assume a mesma configuração inicial depois de meia volta de cada uma das massas. Por isso, a frequência é duas vezes aquela típica de um sistema de uma partícula, ou, o que é equivalente, o período da onda gravitacional é metade daquele de um sistema de uma partícula: (73) T = π ω ( sistema binário ) . Usando esta última equação na definição de f, Eq. (71), temos: (74) 1 f = π ω ⇒ ω = π ⁢ f ( sistema binário ) . Derivando (74) com respeito ao tempo t: (75) d ⁢ ω d ⁢ t = π ⁢ d ⁢ f d ⁢ t . Substituindo ω e d⁢ω/d⁢t, cf. as Eqs. (74) e (75), na Eq. (70), temos a massa de chirp em termos da frequência: (76) ℳ = c 3 G ⁢ ( 1 3 ⁢ α ⁢ π - 8 / 3 ⁢ f - 11 / 3 ⁢ d ⁢ f d ⁢ t ) 3 / 5 . Esta é justamente a equação que aparece na primeira coluna da página 3 do artigo de descoberta [9] da Colaboração LIGO.19 A Eq. (76) pode ser integrada desde o tempo inicial t1 do movimento espiral dos buracos negros em direção à coalescência, correspondente a uma frequência f1, até um tempo subsequente t2 correspondente a uma frequência f2: { t = t 1 → f = f 1 ( início da coalescência ) t = t 2 → f = f 2 ( tempo arbitrário na fase espiral ) . Essas serão as nossas condições iniciais (ou de contorno). Agora, manipulamos a Eq. (76) para isolar a frequência e sua derivada do lado esquerdo; (77) f - 11 / 3 ⁢ d ⁢ f d ⁢ t = 3 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ ( G c 3 ⁢ ℳ ) 5 / 3 , e integramos dos dois lados: (78) ∫ f 1 f 2 f - 11 / 3 ⁢ d f = 3 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ ( G c 3 ⁢ ℳ ) 5 / 3 ⁢ ∫ t 1 t 2 d t . A integral do lado esquerdo dá: ∫ f 1 f 2 f - 11 / 3 ⁢ d f = - 3 8 ⁢ ( 1 f 2 - 8 / 3 - 1 f 1 - 8 / 3 ) , enquanto a do lado direito de (78) vale: (79) ∫ t 1 t 2 d t = ( t 2 - t 1 ) ≡ τ . Basta substituir os dois últimos resultados na Eq. (78), para obter: (80) 1 f 1 8 / 3 - 1 f 2 8 / 3 = 8 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ ( G ⁢ ℳ ) 5 / 3 c 5 ⁢ τ . Enfatizamos a interpretação das quantidades nesta expressão: f1 é a frequência no início do processo de diminuição do raio orbital (começo da espiral para o centro de massa) e f2 é a frequência depois de um tempo τ. A frequência f2 é tratada como aquela relativa ao evento de coalescência das massas no sistema binário (frequência de chirp) e corresponde ao pico do arco luminoso no painel inferior esquerdo da Fig. 1. Como f2≫f1 é uma ótima aproximação considerar que f2 diverge: (81) f 2 → ∞ ( coalescência ) . Consideraremos isso abaixo. De fato, isolamos a quantidade ℳ na Eq. (80), (82) ℳ = 1 G ⁢ [ 1 8 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ c 5 τ ⁢ ( 1 f 1 8 / 3 - 1 f 2 8 / 3 ) ] 3 5 e passamos ao limite (81).20 Logo, (83) ℳ = 1 G [ 1 8 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 c 5 τ 1 f 1 8 / 3 ] 3 5 . Essa equação mostra que podemos encontrar a massa de chirp apenas determinando o tempo τ e a frequência f1. Acontece que essas quantidades podem ser lidas diretamente de gráficos como os da Fig. 1. É dessa forma que conseguimos começar a caracterizar o sistema de buracos negros a partir da detecção das ondas gravitacionais que eles emitem quando do processo de coalescência. O início do processo de coalescência no evento GW150914 correspondente ao começo do arco luminoso amarelo-esverdeado no quadro inferior esquerdo da Fig. 1. O valor do eixo x associado a esse começo dá o tempo inicial t1≃0,34⁢s; o valor no eixo y está relacionado à frequência inicial da coalescência f1≃43⁢Hz. O pico do arco luminoso acontece para t2=0,43⁢s, ele corresponde ao máximo de frequência, atribuída ao chirp. Logo, τ=t2-t1≃0,09⁢s, cf. a Eq. (79). Substituindo esses valores numéricos de τ e f1 na Eq. (83), obtemos ℳ≃32⁢M☉ onde M☉=1,9885×1030⁢kg é a massa do Sol. Nesta estimativa, usamos α=32/5, cf. a Eq. (66), bem como os valores das constantes fundamentais: G=6,6743×10-11⁢N⁢m2⁢kg-2; e, c=299 792 458⁢m/s. A massa de chirp é uma medida da massa do sistema binário associada à coalescência. Para o evento GW150914 ela é maior que 30 vezes a massa de nosso Sol. Esse número é extraordinariamente grande e dá um indício de que as massas individuais dos buracos negros que colidem são igualmente enormes. Vamos investigar essas e outras características dos buracos negros nas próximas duas seções. : as massas dos buracos negros coalescentes são enormes. A soma das massas dos dois buracos negros no evento GW150914 é 74 vezes maior que a do nosso Sol.27 27 De acordo com nossas estimativas Mtot=74⁢M☉. O valor depreendido do artigo de descoberta da colaboração LIGO é Mtot=(66±11)⁢M☉, cf. as grandezas apresentadas na Tabela I na Ref. [9] e suas incertezas. Nota-se a compatibilidade de ambos os valores para Mtot dentro do intervalo de incerteza da medida do LIGO.

7.2. As massas individuais dos buracos negros

O objetivo agora é isolar M e m em termos de Mtot e . Queremos isso para calcular as massas individuais de cada buraco negro usando os dados observacionais que fornecem os valores de e Mtot através das Eqs. (83) e (96). Escrevendo (5) e (69) juntas:

(98) { M tot = M + m = ( M m ) 3 / 5 ( M + m ) 1 / 5 .

Isolando m na primeira equação do sistema, temos:

(99) m = ( M tot - M ) .

Inserindo (99) na segunda equação do sistema (98), obtemos:

(100) M 6 - 3 M tot M 5 + 3 M tot 2 M 4 - M tot 3 M 3 + 5 M tot = 0 .

Se pudéssemos encontrar M como solução desta equação algébrica, então bastaria substituir o valor de M em (99), em conjunto com o valor observacional de Mtot, para determinar m. Todavia, a Eq. (100) é uma equação de sexta ordem em M e não tem solução analítica. Por isso, precisamos buscar um outro método de solução do sistema (98). Seguindo a Ref. [49[49] H. Mathur, K. Jones-Smith e A. Lowenstein, Am. J. Phys. 85, 676 (2017).], propomos que a massa m deve ser uma fração ξ da massa total Mtot:

(101) m = ξ M tot ,

onde 0<ξ<1 (por definição, i.e. m<Mtot). Substituindo (101) na primeira equação do sistema (98), tem-se:

(102) M = ( 1 - ξ ) M tot .

Se conseguirmos calcular ξ, então as Eqs. (101) e (102) permitem obter m e M, as massas de cada buraco negro no sistema binário. Para obter ξ, usamos (69)—a qual é a segunda equação do sistema (98)—em conjunto com as Eqs. (101) e (102). Veja:

= ( M m ) 3 / 5 ( M + m ) 1 / 5
= { [ ( 1 - ξ ) M tot ] [ ξ M tot ] } 3 / 5 { [ ( 1 - ξ ) M tot ] + [ ξ M tot ] } 1 / 5 = ( ξ - ξ 2 ) 3 / 5 M tot

i.e.,

ξ 2 - ξ + ( M tot ) 5 / 3 = 0 ,

que é uma equação do segundo grau na variável ξ, cuja solução é dada pela fórmula de Báskara:

(103) ξ = 1 2 ± 1 4 - ( M tot ) 5 / 3 .

Tomamos o sinal negativo em (103) sem perda de generalidade: o sinal positivo apenas forneceria o valor complementar à ξ no intervalo entre 0 e 1. Para que o argumento da raiz seja positivo (o que significa que ξ é real, para que M e m sejam reais!), devemos ter

( M tot ) 5 / 3 < 1 4 ,

o que implica no vínculo:

(104) M tot > ( 4 ) 3 / 5 ,

ou Mtot>2,297. Este vínculo é a mesma coisa que:

(105) < 0,44 M tot .

Essa relação é importante do ponto de vista prático: precisamos estimar os valores de f1, fc e τ a partir dos dados observacionais—como aqueles da Fig. 1—que levem, através das Eqs. (83) e (96), a valores de e Mtot satisfazendo (105). Do contrário, nossa estimativa de f1, fc e τ não foi boa o suficiente e precisamos retornar aos gráficos dos dados para refazer a estimativa desses observáveis. Se e Mtot já satisfazem o vínculo (104), então calcula-se ξ pela Eq. (103). O último passo é usar o valor de ξ (e de Mtot) para encontrar m e M através das Eqs. (101) e (102).

Exemplificamos, agora, esse procedimento para o evento GW150914. Conforme estimado no último parágrafo da Seção 5 5. O Balanço Energético Órbita-Ondas Gravitacionais e a Massa de Chirp Dissemos antes—no final da Seção 3—que a perda de energia orbital pelo sistema orbital durante a sua fase espiral é convertida em potência irradiada na forma de ondas gravitacionais. Isso se traduz na equação (67) P irrad = - d ⁢ E tot d ⁢ t . Então, podemos identificar as Eqs. (65) e (41), para concluir que: (68) ( m ⁢ M ) 3 / 5 ( m + M ) 1 / 5 = c 3 ⁢ 1 G ⁢ ( 1 3 ⁢ α ⁢ ω - 11 / 3 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t ) 3 / 5 . Aqui aparece pela primeira vez a massa de chirp: (69) ℳ = ( M ⁢ m ) 3 / 5 ( M + m ) 1 / 5 . De fato, a quantidade ℳ tem unidade de massa (quilograma no S.I.). Logo, (70) ℳ = c G 3 ⁢ ( 1 3 ⁢ α ⁢ ω - 11 / 3 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t ) 3 / 5 . A massa de chirp será uma das quantidades físicas calculadas a partir dos dados medidos das ondas gravitacionais. A palavra chirp significa chilreio e remete ao som emitido por pássaros, como um pequeno som agudo correspondente ao aumento da frequência na onda sonora [47]. Analogamente, o aumento da frequência angular na coalescência de buracos negros aparece como o aumento de frequência da onda gravitacional, indicado pelo arco luminoso nos painéis inferiores da Fig. 1 de detecção do evento de descoberta. Calcularemos o valor numérico da massa de chirp para o evento GW150914 em breve. Sabemos que a definição de frequência f em termos do período T é [35]: (71) f = 1 T ⇒ T = 1 f . A frequência mede o evento a se repetir no movimento harmônico, que é equivalente ao movimento circular uniforme [50]. Para um volta completa no sistema em órbita circular [35], temos: (72) T = 2 ⁢ π ω ( sistema de uma partícula ) . Em um sistema binário, as massas são diametralmente opostas e o sistema assume a mesma configuração inicial depois de meia volta de cada uma das massas. Por isso, a frequência é duas vezes aquela típica de um sistema de uma partícula, ou, o que é equivalente, o período da onda gravitacional é metade daquele de um sistema de uma partícula: (73) T = π ω ( sistema binário ) . Usando esta última equação na definição de f, Eq. (71), temos: (74) 1 f = π ω ⇒ ω = π ⁢ f ( sistema binário ) . Derivando (74) com respeito ao tempo t: (75) d ⁢ ω d ⁢ t = π ⁢ d ⁢ f d ⁢ t . Substituindo ω e d⁢ω/d⁢t, cf. as Eqs. (74) e (75), na Eq. (70), temos a massa de chirp em termos da frequência: (76) ℳ = c 3 G ⁢ ( 1 3 ⁢ α ⁢ π - 8 / 3 ⁢ f - 11 / 3 ⁢ d ⁢ f d ⁢ t ) 3 / 5 . Esta é justamente a equação que aparece na primeira coluna da página 3 do artigo de descoberta [9] da Colaboração LIGO.19 A Eq. (76) pode ser integrada desde o tempo inicial t1 do movimento espiral dos buracos negros em direção à coalescência, correspondente a uma frequência f1, até um tempo subsequente t2 correspondente a uma frequência f2: { t = t 1 → f = f 1 ( início da coalescência ) t = t 2 → f = f 2 ( tempo arbitrário na fase espiral ) . Essas serão as nossas condições iniciais (ou de contorno). Agora, manipulamos a Eq. (76) para isolar a frequência e sua derivada do lado esquerdo; (77) f - 11 / 3 ⁢ d ⁢ f d ⁢ t = 3 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ ( G c 3 ⁢ ℳ ) 5 / 3 , e integramos dos dois lados: (78) ∫ f 1 f 2 f - 11 / 3 ⁢ d f = 3 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ ( G c 3 ⁢ ℳ ) 5 / 3 ⁢ ∫ t 1 t 2 d t . A integral do lado esquerdo dá: ∫ f 1 f 2 f - 11 / 3 ⁢ d f = - 3 8 ⁢ ( 1 f 2 - 8 / 3 - 1 f 1 - 8 / 3 ) , enquanto a do lado direito de (78) vale: (79) ∫ t 1 t 2 d t = ( t 2 - t 1 ) ≡ τ . Basta substituir os dois últimos resultados na Eq. (78), para obter: (80) 1 f 1 8 / 3 - 1 f 2 8 / 3 = 8 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ ( G ⁢ ℳ ) 5 / 3 c 5 ⁢ τ . Enfatizamos a interpretação das quantidades nesta expressão: f1 é a frequência no início do processo de diminuição do raio orbital (começo da espiral para o centro de massa) e f2 é a frequência depois de um tempo τ. A frequência f2 é tratada como aquela relativa ao evento de coalescência das massas no sistema binário (frequência de chirp) e corresponde ao pico do arco luminoso no painel inferior esquerdo da Fig. 1. Como f2≫f1 é uma ótima aproximação considerar que f2 diverge: (81) f 2 → ∞ ( coalescência ) . Consideraremos isso abaixo. De fato, isolamos a quantidade ℳ na Eq. (80), (82) ℳ = 1 G ⁢ [ 1 8 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ c 5 τ ⁢ ( 1 f 1 8 / 3 - 1 f 2 8 / 3 ) ] 3 5 e passamos ao limite (81).20 Logo, (83) ℳ = 1 G [ 1 8 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 c 5 τ 1 f 1 8 / 3 ] 3 5 . Essa equação mostra que podemos encontrar a massa de chirp apenas determinando o tempo τ e a frequência f1. Acontece que essas quantidades podem ser lidas diretamente de gráficos como os da Fig. 1. É dessa forma que conseguimos começar a caracterizar o sistema de buracos negros a partir da detecção das ondas gravitacionais que eles emitem quando do processo de coalescência. O início do processo de coalescência no evento GW150914 correspondente ao começo do arco luminoso amarelo-esverdeado no quadro inferior esquerdo da Fig. 1. O valor do eixo x associado a esse começo dá o tempo inicial t1≃0,34⁢s; o valor no eixo y está relacionado à frequência inicial da coalescência f1≃43⁢Hz. O pico do arco luminoso acontece para t2=0,43⁢s, ele corresponde ao máximo de frequência, atribuída ao chirp. Logo, τ=t2-t1≃0,09⁢s, cf. a Eq. (79). Substituindo esses valores numéricos de τ e f1 na Eq. (83), obtemos ℳ≃32⁢M☉ onde M☉=1,9885×1030⁢kg é a massa do Sol. Nesta estimativa, usamos α=32/5, cf. a Eq. (66), bem como os valores das constantes fundamentais: G=6,6743×10-11⁢N⁢m2⁢kg-2; e, c=299 792 458⁢m/s. A massa de chirp é uma medida da massa do sistema binário associada à coalescência. Para o evento GW150914 ela é maior que 30 vezes a massa de nosso Sol. Esse número é extraordinariamente grande e dá um indício de que as massas individuais dos buracos negros que colidem são igualmente enormes. Vamos investigar essas e outras características dos buracos negros nas próximas duas seções. : f1=43Hz e τ=0,09s; isso resultou em =32M. Ademais, estimamos fc=307Hz ao final da Seção 7.1 7.1. A massa total do sistema binário A massa total Mtot é um dos parâmetros físicos de interesse para caracterização do par de buracos negros coalescentes. Vamos, então, estimá-la em termos de uma grandeza mensurável a partir das ondas gravitacionais emitidas pelo sistema binário. Substituindo o resultado (95) na Eq. (35), obtemos: ω 2 = G ⁢ ( M + m ) [ 2 ⁢ G c 2 ⁢ ( M + m ) ] 3 ⇒ ( M + m ) = c 3 8 1 / 2 ⁢ G ⁢ ω , ou, devido à Eq. (5), Mtot=(M+m), e à Eq. (74), ω=π⁢f: (96) M tot = 1 π ⁢ 8 c 3 G ⁢ f c . onde usamos f=fc, a frequência de chirp. A identificação da frequência f com a frequência correspondente ao chirp é razoável, pois o raio de Schwarzschild, o horizonte de eventos do buraco negro resultante do processo de coalescência, deve corresponder ao instante de emissão da radiação de frequência máxima fmax: é na coalescência indicada pelo chirp que nasce o buraco negro central. Ademais, esse raciocínio indica que (97) f max = f c ( frequência de chirp ) . A Eq. (96) mostra que a massa total do sistema binário de buracos negros é uma quantidade calculável a partir da fc, uma grandeza que pode ser lida diretamente dos dados observacionais, como aqueles da Fig. 1. O pico do arco luminoso no quadro inferior esquerdo da Fig. 1 acontece em t2=0,43⁢s (valor no eixo x) e corresponde à fmax=fc=307⁢Hz. Essa é a frequência de chirp que estimamos para o evento GW150914. A substituição desse valor em (96) dá Mtot=74⁢M☉. Aqui temos a verificação de uma afirmação que fizemos ao final da Seção 5: as massas dos buracos negros coalescentes são enormes. A soma das massas dos dois buracos negros no evento GW150914 é 74 vezes maior que a do nosso Sol.27 , o que leva à Mtot=74M. Com isso, podemos encontrar (0,44Mtot)=32,6M que é ligeiramente maior que , satisfazendo o vínculo (105). Então, podemos prosseguir e estimar o valor de ξ substituindo os valores =32M e Mtot=74M em (103). O resultado é ξ=0,4. Colocando esse valor e o resultado Mtot=74M nas Eqs. (102) e (101) encontramos a massa do buraco negro primário M=44M e a massa do buraco negro secundário m=30M. São colossos colidindo no espaço. Isso só poderia resultar em um evento extremamente energético, conforme abordaremos na próxima subseção.28 28 Estimamos M=44⁢M☉ e m=30⁢M☉. A Tabela I da Ref. [9] da colaboração LIGO apresenta os valores M=36-4+5⁢M☉ e m=29-4+4⁢M☉. O significado da notação M=36-4+5⁢M☉ é o seguinte: o valor de M pertence ao intervalo (36-4)⁢M☉⩽M⩽(36+5)⁢M☉, ou seja, 32⁢M☉⩽M⩽41⁢M☉. Isso torna a nossa estimativa de M compatível com a do LIGO no intervalo de “dois sigmas”, ou seja, se somarmos 2×(+5) ao valor nominal M=36⁢M☉ do LIGO. Por outro lado, a nossa estimativa para m é compatível com o valor correspondente do LIGO, 25⁢M☉⩽m⩽33⁢M☉, dentro de um sigma (i.e., dentro do intervalo de incerteza).

7.3. A massa irradiada na forma de ondasgravitacionais

Nosso próximo passo é encontrar a expressão para calcular a energia total irradiadaEirrad pelo sistema binário no momento da coalescência através da emissão das ondas gravitacionais. Para isso, substituímos o valor do raio de Schwarzschild (separação de buracos negros na coalescência) na equação para energia mecânica orbital do sistema. Então, inserindo a Eq. (95) na Eq. (39), temos:

(106) E irrad = - 1 4 M m ( M + m ) c 2 .

Note que o sinal negativo aparece porque a energia é perdida pelo sistema binário. Essa energia é carregada para longe da fonte pelas ondas gravitacionais.

Segundo a equação de Einstein para a equivalência massa-energia [40[40] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 4: Ótica, Relatividade, Física Quântica (Edgard Blücher, São Paulo, 1998), v. 4.], E=mc2, podemos escrever

(107) E irrad = M irrad c 2 .

Comparando as duas últimas equações, (106) e (107), concluímos que a massa irradiada por ocasião da coalescência é:

(108) M irrad = 1 4 M m ( M + m ) .

(Obviamente desprezamos o sinal negativo da Eq. (106) cujo o significado está ligado a dissipação). Lembre-se a definição (24) para a massa reduzida; então, a Eq. (108) mostra que a massa irradiada na forma de ondas gravitacionais é um quarto da massa reduzida do sistema binário: Mirrad=μ/4.

Na seção anterior estimamos os valores M=44M e m=30M para os buracos negros do evento GW150914. Colocando esses valores na Eq. (106) leva à Eirrad=4×1017J=2,5×1024TeV (onde usamos 1eV=1,602×10-19J). Para colocar esse resultado em perspectiva, o acelerador de partículas LHC foi projetado para operar com uma energia máxima de colisão igual a 14 TeV [60[60] CERN, Restarting the LHC: Why 13 Tev?, disponível em: https://home.cern/science/engineering/restarting-lhc-why-13-tev.
https://home.cern/science/engineering/re...
] (hoje o CERN opera esse equipamento, a maior máquina já construída pela humanidade de acordo com muitos parâmetros, à 13 TeV). A energia emitida na coalescência de buracos negros do evento GW150914 emitiu um trilhão de trilhão de vezes mais energia do máximo que a humanidade pode produzir em um experimento hoje.

Uma comparação mais justa talvez seja aquela com a energia que o nosso Sol pode emitir em todo seu ciclo de vida. Estima-se que o Sol emitirá 1% de sua massa total na forma de radiação, i.e. 0,01M. Por outro lado, a massa irradiada no evento GW150914 é encontrada pondo M=44M e m=30M em (108), o que dá Mirrad=4M!29 29 A Seção VI da Ref. [9] apresenta o valor de Mirrad=3,0-0,5+0,5⁢M☉ para o equivalente em massa da energia total irradiada no evento GW150914. Nosso valor de Mirrad=4⁢M☉ é compatível com o do LIGO no intervalo de incerteza de dois sigmas.

7.4. Estimativa do máximo de energia irradiada em função do balanço de massas

Imagine que fosse possível ajustar os valores das massas individuais M e m dos buracos negros no sistema binário à nossa própria vontade. Isso seria feito regulando o valor do parâmetro ξ, em termos do qual as massas dependem—cf. as Eqs. (101) e (102). Assim, para uma dada massa total fixa Mtot, poderíamos nos perguntar: Qual é o balanço de valor das massas que permite maximizar a energia total irradiada Etot na forma de ondas gravitacionais? É claro que nós não podemos ajustar o valor das massas, mas a Natureza o faz por amostragem estatística; afinal, há incontáveis sistemas de buracos negros binários nas bilhões de galáxias do Universo. Então, a pergunta faz sentido.

Para encontrar o valor de ξ que maximiza Etot procedemos em dois passos. Primeiro, escrevemos Etot em função de ξ ao substituirmos (101) e (102) em (106):

(109) E irrad ( ξ ) = - 1 4 ξ ( 1 - ξ ) ( M tot c 2 ) .

O segundo passo é derivar a função Eirrad(ξ) com respeito à ξ e igualar o resultado a zero [29[29] H.L. Guidorizzi, Um curso de cálculo (LTC, Rio de Janeiro, 2018), v. 1, 6 ed., 33[33] G.F. Simmons, Cálculo com geometria analítica (Pearson Universidades, São Paulo, 1996), v. 1.]:

d d ξ E irrad ( ξ ) = - 1 4 ( 1 - 2 ξ ) ( M tot c 2 ) = 0 ,

i.e.

ξ = 1 2 ( máximo de E irrad ) .

Inserindo esse valor de ξ de volta nas Eqs. (101) e (102), concluímos que a energia irradiada é máxima se M=m=(Mtot/2), ou seja, se a massa dos dois buracos negros do sistema binário forem iguais.

No evento de descoberta, de acordo com as estimativas da Colaboração LIGO-Virgo [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).], temos a massa do buraco negro primário M=36-4+5M e a massa do buraco negro secundário m=29-4+4M, de modo que Mm se levarmos em conta o intervalo de incertezas. Por isso, a energia irradiada foi tão grande quanto poderia ser. Essa é a razão dos líderes da Colaboração LIGO terem afirmado que tivemos muita sorte em detectar justamente o evento GW150914, quase que de imediato após a entrada do observatório em operação, depois dos melhoramentos de instrumentação em 2015 [43[43] https://www.ligo.caltech.edu/
https://www.ligo.caltech.edu/...
, 47[47] https://www.youtube.com/watch?v=aEPIwEJmZyE
https://www.youtube.com/watch?v=aEPIwEJm...
].

7.5. Estimativa da distância de separação inicial dos buracos negros e do raio de coalescência

Na Seção 7.1 7.1. A massa total do sistema binário A massa total Mtot é um dos parâmetros físicos de interesse para caracterização do par de buracos negros coalescentes. Vamos, então, estimá-la em termos de uma grandeza mensurável a partir das ondas gravitacionais emitidas pelo sistema binário. Substituindo o resultado (95) na Eq. (35), obtemos: ω 2 = G ⁢ ( M + m ) [ 2 ⁢ G c 2 ⁢ ( M + m ) ] 3 ⇒ ( M + m ) = c 3 8 1 / 2 ⁢ G ⁢ ω , ou, devido à Eq. (5), Mtot=(M+m), e à Eq. (74), ω=π⁢f: (96) M tot = 1 π ⁢ 8 c 3 G ⁢ f c . onde usamos f=fc, a frequência de chirp. A identificação da frequência f com a frequência correspondente ao chirp é razoável, pois o raio de Schwarzschild, o horizonte de eventos do buraco negro resultante do processo de coalescência, deve corresponder ao instante de emissão da radiação de frequência máxima fmax: é na coalescência indicada pelo chirp que nasce o buraco negro central. Ademais, esse raciocínio indica que (97) f max = f c ( frequência de chirp ) . A Eq. (96) mostra que a massa total do sistema binário de buracos negros é uma quantidade calculável a partir da fc, uma grandeza que pode ser lida diretamente dos dados observacionais, como aqueles da Fig. 1. O pico do arco luminoso no quadro inferior esquerdo da Fig. 1 acontece em t2=0,43⁢s (valor no eixo x) e corresponde à fmax=fc=307⁢Hz. Essa é a frequência de chirp que estimamos para o evento GW150914. A substituição desse valor em (96) dá Mtot=74⁢M☉. Aqui temos a verificação de uma afirmação que fizemos ao final da Seção 5: as massas dos buracos negros coalescentes são enormes. A soma das massas dos dois buracos negros no evento GW150914 é 74 vezes maior que a do nosso Sol.27 aprendemos a estimar a massa total Mtot do par de buracos negros no sistema binário. Esse resultado pode ser usado para encontrar a distância de separação dos buracos negros no início da coalescência. De fato, considere a Terceira Lei de Kepler na forma:

(110) ω 2 = G M tot r rel 3 .

Aqui, inserimos a Eq. (34) em (35) e usamos a definição (5). Sabemos pela Eq. (74), que a frequência angular do sistema binário é ω=πf, onde f é a frequência da onda gravitacional. Usando essa informação na equação acima, resulta:

(111) r 0 = ( G M tot ) 1 / 3 ( π f 1 ) 2 / 3 ( raio do sistema binário ) .

Na nossa notação, f1 é a estimativa para frequência da onda no início da coalescência. Por isso, usamos f=f1 na Eq. (111) para encontrar o tamanho r0 do sistema binário no início da fase espiral.

Para o evento GW150914, estimamos f1=43Hz, com base na Fig. 1, e Mtot=74M, na Seção 7.1 7.1. A massa total do sistema binário A massa total Mtot é um dos parâmetros físicos de interesse para caracterização do par de buracos negros coalescentes. Vamos, então, estimá-la em termos de uma grandeza mensurável a partir das ondas gravitacionais emitidas pelo sistema binário. Substituindo o resultado (95) na Eq. (35), obtemos: ω 2 = G ⁢ ( M + m ) [ 2 ⁢ G c 2 ⁢ ( M + m ) ] 3 ⇒ ( M + m ) = c 3 8 1 / 2 ⁢ G ⁢ ω , ou, devido à Eq. (5), Mtot=(M+m), e à Eq. (74), ω=π⁢f: (96) M tot = 1 π ⁢ 8 c 3 G ⁢ f c . onde usamos f=fc, a frequência de chirp. A identificação da frequência f com a frequência correspondente ao chirp é razoável, pois o raio de Schwarzschild, o horizonte de eventos do buraco negro resultante do processo de coalescência, deve corresponder ao instante de emissão da radiação de frequência máxima fmax: é na coalescência indicada pelo chirp que nasce o buraco negro central. Ademais, esse raciocínio indica que (97) f max = f c ( frequência de chirp ) . A Eq. (96) mostra que a massa total do sistema binário de buracos negros é uma quantidade calculável a partir da fc, uma grandeza que pode ser lida diretamente dos dados observacionais, como aqueles da Fig. 1. O pico do arco luminoso no quadro inferior esquerdo da Fig. 1 acontece em t2=0,43⁢s (valor no eixo x) e corresponde à fmax=fc=307⁢Hz. Essa é a frequência de chirp que estimamos para o evento GW150914. A substituição desse valor em (96) dá Mtot=74⁢M☉. Aqui temos a verificação de uma afirmação que fizemos ao final da Seção 5: as massas dos buracos negros coalescentes são enormes. A soma das massas dos dois buracos negros no evento GW150914 é 74 vezes maior que a do nosso Sol.27 . Colocando esses valores em (111), obtemos r0815km como o tamanho inicial do sistema binário.

Em contrapartida, o raio do horizonte de eventos do buraco negro resultante da coalescência é dado pelo raio de Schwarzschild, Eqs. (94) e (95):

(112) r c = 2 G M tot c 2 ( raio de coalescência ) .

Essa é a expressão de cálculo para o raio de coalescência rc.

O evento de descoberta, com Mtot=74M pelas nossas estimativas, leva à rc220km, que é cerca de quatro vezes menor do que o raio orbital inicial r0. Como esperado, o horizonte de eventos do buraco negro central é mais compacto do que a órbita inicial dos buracos negros isolados. Aliás o raio do horizonte de eventos de cada buraco negro no evento de descoberta é encontrado empregando a Eq. (91):

R S M = 2 G M c 2 131 km e
R S m = 2 G m c 2 89 km ( GW 150914 ) .

O diretor executivo do laboratório LIGO (Caltech), David Reitze, deu a estimativa grosseira de 150 km para o tamanho dos buracos negros coalescentes na conferência de imprensa para anunciar a descoberta do evento GW150914 [47[47] https://www.youtube.com/watch?v=aEPIwEJmZyE
https://www.youtube.com/watch?v=aEPIwEJm...
].

As distâncias r0 e rc caracterizam o sistema binário in situ. Uma outra distância que pode ser estimada com os dados da Colaboração LIGO-Virgo é aquela entre os buracos negros emissores das ondas e os detectores delas. É o que faremos a seguir.

8. Intensidade da Radiação, Strain e a Distância entre a Terra e os Buracos Negros

Nesta seção, estabeleceremos a distância do sistema binário emissor até os detectores na Terra usando o valor da amplitude da onda gravitacional, a expressão para a potência irradiada e um pouco de análise dimensional.

A frequência f da onda gravitacional está relacionada à velocidade angular orbital ω do par de buracos negros no sistema binário pela Eq. (74): ω=πf. Substituindo esse resultado em (65), obtemos a potência irradiada Pirrad em termos de f:

(113) P irrad = α G 7 / 3 c 5 ( π f ) 10 / 3 ( m M ) 2 ( m + M ) 2 / 3 .

A intensidade Iirrad da radiação gravitacional é definida como potência por unidade de área:

(114) I irrad = P irrad A ,

onde A é a área da casca esférica correspondente à frente de onda da radiação gravitacional. Seja ρ o raio dessa casca esférica. Então, a sua área é calculada pela fórmula conhecida da geometria tridimensional [33[33] G.F. Simmons, Cálculo com geometria analítica (Pearson Universidades, São Paulo, 1996), v. 1., 34[34] G.F. Simmons, Cálculo com geometria analítica (Pearson Universidades, São Paulo, 1996), v. 2.]:

(115) A = 4 π ρ 2 .

Imaginamos que os observatórios LIGO detectam a onda quando essa frente de onda esférica de raio ρ atinge a Terra. Então ρ é também a distância entre a Terra e o centro de massa do sistema binário de buracos negros coalescentes.

A intensidade irradiada pode ser escrita em termos do strainh, que é a amplitude da onda gravitacional. O strain é a quantidade que aparece no eixo y dos painéis superiores na Fig. 1 e dá conta da magnitude de oscilação (vertical) no padrão vibracional da onda gravitacional. Para formular Iirrad=Iirrad(h), perceba-se que, cf. a Eq. (114):

(116) I irrad P irrad .

No caso eletromagnético, vimos que a potência é proporcional à densidade de energia u, e a densidade de energia u é proporcional ao quadrado do campo elétrico—vide-se a Eq. (50):

(117) P elet ϵ 0 E 2 1 Δ t .

Na onda eletromagnética, o campo elétrico oscila e por isso tem um padrão cossenoidal. Em verdade, uma onda plana monocromática que se propaga na direção do eixo z de um sistema Cartesiano terá um campo elétrico dado por [39[39] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 3: Eletromagnetismo (Edgard Blücher, São Paulo, 1997), v. 3.]:

(118) E = cos ( k z - k c t ) x ^ ,

onde é a amplitude do campo elétrico e k é o número de onda. O produto kc forma a frequência angular da onda eletromagnética.30 30 A nossa Eq. (118) aparece no Capítulo 12 da Ref. [39], Eq. (12.4.9) com δ=0, pois aqui tomamos a fase da onda δ como nula, sem perda de generalidade. O vetor unitário x^ indica que o vetor campo elétrico E aponta na direção do eixo x. Com a Eq. (118) fica fácil aceitar que a potência elétrica (117) é proporcional ao quadrado da amplitude :

(119) P elet ϵ 0 2 1 Δ t ( elétrico ) .

No análogo gravitacional de (119), em vez da amplitude do campo elétrico , nós temos o strainh. De fato, veremos na Seção 10 10. A Forma Funcional da Onda Gravitacional e os Modos de Polarização Observe-se a Fig. 8. Ela é a reprodução da Fig. 2 no artigo [9] da colaboração LIGO. Na seção anterior, entendemos a razão para o formato das curvas no painel inferior desta figura. Nesta seção, queremos deduzir a equação que produz a forma oscilatória da curva vermelha no painel superior da mesma figura. Trata-se do gráfico para a forma da onda gravitacional h⁢(t) em função do tempo. 10.1. Os modos de polarização h+ e h× Conforme vimos na Seção 2, a onda gravitacional h⁢(t) tem dois modos de polarização, que chamamos de h+ e h×. O modo h+ descreve vibrações do espaço nas direções norte-sul e leste-oeste (Fig. 4); o modo de polarização h× dá conta das deformações do espaço nas direções noroeste-sudeste e nordeste-sudoeste. Como h+ e h× dizem respeito às oscilações, elas devem ter a forma de senos e cossenos. A diferença entre as direções de vibração de h+ e h× pode ser entendida como uma diferença de fase de noventa graus ou π/2 radianos. Essa fase é justamente o que diferencia senos e cossenos [29, 33]. Logo, faz sentido que: (138) h + ∼ cos ⁡ ( ω ⁢ t ) e (139) h × ∼ sin ⁡ ( ω ⁢ t ) . Dessa forma, (140) h × ⁢ ( ω ⁢ t ) = cos ⁡ ( ω ⁢ t - π 2 ) = h + ⁢ ( ω ⁢ t - π 2 ) . No que segue, vamos especificar cuidadosamente a forma funcional completa do modo de polarização h+⁢(t). Então, o leitor pode estender o raciocínio ao modo de polarização h×⁢(t) empregando a relação (140). 10.2. A forma funcional de h+: o padrão de onda até o chirp Vamos rescrever a Eq. (127) para a distância fonte-observador ρ em termos da frequência orbital ω=π⁢f, Eq. (74), e da massa de chirp ℳ=(M⁢m)3/5/(M+m)1/5, Eq. (5). Temos: ρ = 4 5 ⁢ G 5 / 3 c 4 ⁢ 1 h ⁢ ω 2 / 3 ⁢ [ ( m ⁢ M ) 3 / 5 ( m + M ) 1 / 5 ] 5 / 3 = 4 5 ⁢ 1 h ⁢ ( ω c ) 2 / 3 ⁢ [ G ⁢ ℳ c 2 ] 5 / 3 , ou seja, (141) h = 4 5 ⁢ 1 ρ ⁢ ( G ⁢ ℳ c 2 ) 5 / 3 ⁢ ( ω c ) 2 / 3 é a amplitude da onda gravitacional. Note-se que ela cai linearmente com a distância ρ. A radiação eletromagnética ensina que o (módulo do vetor) campo elétrico oscilante é da forma38: (142) | E | ∝ 1 ρ ⁢ cos ⁡ ( ω ⁢ t ) ( radiação eletromagnética ) . Veja que a amplitude da radiação eletromagnética (coeficiente da função cossenoidal) cai linearmente com ρ, assim como acontece com h na Eq. (141). Essa semelhança dos casos gravitacional e eletromagnético dá confiança ao nosso resultado (141) e também indica que a radiação gravitacional deve apresentar uma dependência temporal como a de |E| em (142). Dessa forma, esperamos que39: (143) h + ∝ 1 ρ ⁢ cos ⁡ ( ω ⁢ t ) ( radiação gravitacional ) . Esta relação é contemplada também na Eq. (138), h+∼cos⁡(ω⁢t). Tudo parece elegantemente consistente, ainda mais se observarmos que o fator de proporcionalidade remanescente em (143) já foi determinado em (141). De fato, escrevemos (144) h + ⁢ ( t ) = h ⁢ cos ⁡ ( ω ⁢ t ) , i.e.40 (145) h + = 4 5 1 ρ ( G ⁢ ℳ c 2 ) 5 / 3 ( ω c ) 2 / 3 cos ( ω t ) . O fator (G⁢ℳ/c2) indica porque é tão difícil detectar as ondas gravitacionais: G∼10-10, c2∼1016 em unidades do S.I.; por isso: (G⁢ℳ/c2)∼10-26⁢ℳ. Logo, precisamos de um sistema binário com uma massa de chirpℳ muitas vezes maior que 10+34⁢kg (uma massa solar vale M☉=1,99×1034⁢kg) para compensar as distâncias enormes da fonte, tipicamente da ordem ρ∼1 bilhão de anos-luz ∼109×(9,46×1015⁢m). Lembramos que a estimativa da distância Terra-fonte para o evento de descoberta em [9] foi de 410⁢Mpc≃1,3×109⁢anos-luz e da sua massa de chirp foi de ≃30⁢M☉. Figura 11 Gráfico do strain conforme nossa dedução a partir de física básica—vise-se a Eq. (145). Note-se a semelhança com a curva vermelha na Fig. 8, a qual é a modelagem numérico-relativística de LIGO-Virgo para o strain. A Fig. 11 mostra o gráfico da função h+ em função do tempo t conforme previsto pela Eq. (145). Dois fenômenos acontecem a medida que o tempo t aumenta: 1. a envoltória da curva h+⁢(t) aumenta. A amplitude da onda gravitacional cresce até atingir o valor máximo de strain no valor t=tc. O pico da amplitude dá-se na coalescência dos buracos negros; e, 2. a frequência f=ω/π da onda gravitacional aumenta. Isso significa que o comprimento de onda λ=c/f diminui [36]. É por isso que o padrão de picos e vales fica progressivamente mais compacto conforme observamos a curva da esquerda para a direita. Quando o valor de t aproxima-se do tempo de coalescência tc, a frequência tende à frequência de chirpfc, a qual essencialmente diverge, levando à λc→0. A partir daí ocorre o efeito chamado ring down: após a coalescência, forma-se um único buraco negro central e a detecção de ondas gravitacionais cessa após passar por um rápido amortecimento transiente. (O amortecimento não aparece na nossa Fig. 11, mas é visível na curva vermelha da Fig. 8 à partir de t=tc=0,43⁢s.) A curva na Fig. 11 apresenta precisamente as mesmas características do padrão de strain gerado pelo tratamento relativístico numérico da Colaboração LIGO-Virgo mostrado pela curva vermelha no painel superior da Fig. 8—Fig. 2 da Ref. [9]. Tão impressionante quanto esse fato, é a coincidência da curva de h+⁢(t) com o padrão de onda detectado pelos observatórios LIGO que pode ser visto no painel superior esquerdo da Fig. 1. Isso encerra a parte do artigo onde deduzimos as equações para os parâmetros relacionados à coalescência de sistemas binários e a consequente emissão de ondas gravitacionais usando física básica. Na próxima seção, usaremos essas equações extrair os números para os parâmetros que caracterizam os dez primeiros eventos detectados pela Colaboração LIGO-Virgo. que a equação da onda gravitacional é do tipo h+=hcos(ωt), a qual é similar à (118) e aponta que h é a amplitude da onda. Então, a relação (119) é mapeada para:

(120) P irrad G ψ c δ f ϵ h 2 ( gravitacional ) ,

onde aparece a constante gravitacional G (no lugar da constante elétrica ϵ0) e aparece também a velocidade da luz c (que leva em conta a velocidade com que a radiação gravitacional se propaga). Ademais, introduzimos a frequência f em (120) pois ela traz informação sobre a onda gravitacional ao mesmo tempo que inclui a unidade s-1, a qual é necessária para compor a unidade de potência. Na Eq. (120), escrevemos as constantes ψ, δ e ϵ que precisam ser determinadas por análise dimensional. De fato, por definição—vide-se Eq. (114):

[ I irrad ] = [ potência ] [ área ] = [ energia ] [ tempo ] [ área ] = J s × m 2 .

Por outro lado, pelas Eqs. (116) e (120), temos:

I irrad G ψ c δ f ϵ h 2 ,

ou, introduzindo a constante de proporcionalidade adimensional β:

(122) I irrad = β G ψ c δ f ϵ h 2 .

Desse modo:

[ I irrad ] = [ β ] [ G ] ψ [ c ] δ [ f ] ϵ [ h ] 2 ,

com [β]=1. Como o strain é definido como uma quantidade adimensional,31 31 A razão para isso vem da Relatividade Geral [8]. O strain h é formado como uma perturbação na métrica do espaço-tempo plano (métrica de Minkowski). A métrica é uma quantidade que determina a treliça de coordenadas sobre a superfície do espaço-tempo. A métrica é uma quantidade adimensional e, consequentemente, h também o é. Quem carrega as dimensões de comprimento na descrição da geometria do espaço-tempo são as coordenadas {x,y,z,t}. [h]=1 e ficamos com:

[ I rad ] = [ G ] ψ [ c ] δ [ f ] ϵ ,

onde [G]=Nm2/(kg)2, pela Eq. (60). Além disso, [c]=m/s. Então:

(123) [ I irrad ] = [ Nm 2 ( kg ) 2 ] ψ ( m s ) δ ( 1 s ) ϵ .

Determinamos ψ, δ e ϵ igualando (26) com (123):

J s × m 2 = J ( - ψ ) s ( 4 ψ + δ + ϵ ) × m - ( 5 ψ + δ ) .

A igualdade se estabelece para:

{ 1 = ( - ψ ) 1 = ( 4 ψ + δ + ϵ ) 2 = - ( 5 ψ + δ ) { ψ = - 1 δ = 3 ϵ = 2 .

Finalmente, inserindo os valores de ψ, δ e ϵ acima na expressão (122) de Irad, temos:

(124) I irrad = β c 3 f 2 G h 2 .

Essa é a intensidade da radiação gravitacional emitida pelo sistema binário em função do strainh e da frequência f da onda. Ela permite encontrar a distância ρ entre a Terra e o sistema binário.

Para isso, basta substituir as Eqs. (115), (113) e (124) na (114):

β c 3 f 2 G h 2 = 1 ( 4 π ρ 2 ) α G 7 / 3 c 5 ( π f ) 10 / 3 ( m M ) 2 ( m + M ) 2 / 3 .

Queremos calcular a distância ρ. Vamos isolar essa quantidade:

(125) ρ = 1 2 ( α β ) 1 / 2 G 5 / 3 c 4 π 7 / 6 f 2 / 3 1 h ( m M ) ( m + M ) 1 / 3 .

A frequência f na Eq. (125) é aquela que corresponde ao strain; dizendo de outra forma h é uma função da frequência.32 32 O painel superior esquerdo da Fig. 1 mostra que h é uma função do tempo t, i.e. h=h⁢(t). O painel inferior esquerdo da mesma figura mostra que f também é uma função do tempo: f=f⁢(t). A forma da curva f⁢(t) é um arco ascendente, ou seja, f⁢(t) é uma função monotônica crescente. Por isso, a função f⁢(t) pode ser invertida e escrita como t=t⁢(f). Quando isso é substituído na função de h⁢(t), temos h=h⁢(t⁢(f)), ou simplesmente h=h⁢(f). Isso informa que o strainh é uma função da frequência f da onda. Por isso, o valor de f relacionado ao máximo de amplitude h da onda gravitacional deve corresponder ao máximo de frequência da onda, que é justamente a frequência de chirpf=fc. Referimos o leitor à Fig. 1: o pico do padrão oscilatório no painel superior esquerdo (o valor de h para o evento GW150914) corresponde ao pico do arco luminoso no painel inferior esquerdo (que dá a frequência de chirp).

Até onde vai nosso conhecimento, não é possível determinar a constante de proporcionalidade adimensional β das Eqs. (124) e (125) sem o tratamento relativístico completo33 33 O mesmo tipo de limitação apareceu na dedução da Eq. (65) para Pirrad envolvendo a constante de proporcionalidade α, a qual é dada por (66). [5[5] M. Maggiore, Gravitational Waves. Volume 1: Theory and Experiments (Oxford University Press, Oxford, 2008)., 8[8] V. De Sabbata e M. Gasperini, Introduction to Gravitation (World Scientific, Singapore, 1985).]. Seguir a abordagem da Relatividade Geral para ondas gravitacionais, como feito na Ref. [27[27] M.P. Ramos e R.V. Maluf, Rev. Bras. Ensino Fís. 40, e2302 (2018).], foge do escopo deste trabalho. Ainda assim, para permitir a estimativa numérica de ρ, usaremos o valor de β conhecido da teoria relativística:

(126) β = π 2 .

Note-se que β1,571 é da ordem de 1 e não teria sido um erro muito grave (nem para a estimativa dos valores numéricos, nem para a forma funcional das quantidades Iirrad e ρ) ignorar β em (126), i.e. adotar β1.

Substituindo os valores de α e β, Eqs. (66) e (126), em (125), resulta:

(127) ρ = 4 5 G 5 / 3 c 4 1 h ( π f ) 2 / 3 m M ( m + M ) 1 / 3 .

Essa é distância entre o sistema binário e os observatórios LIGO-Virgo na Terra. Extraímos os valores de h e f=fc diretamente dos dados observacionais—figuras como a Fig. 1. As massas M e m são calculadas conforme a explicação entre as Eqs. (101) e (103). Com o conjunto de valores {h,fc,m,M} e a Eq. (127), calcula-se ρ.

Para o evento de descoberta GW150914, estimamos anteriormente que fc=300Hz, m=30M e M=44M. O painel superior esquerdo da Fig. 1 dá o valor do strain; cujo valor corresponde ao pico do padrão oscilatório em vermelho (valor no eixo y relativo à altura máxima): h1,2×10-21. Inserindo esses valores na Eq. (127) dá ρ2bilhões de ano-luz. O ano-luz é uma medida de comprimento igual à distância que a luz pode percorrer no vácuo durante um ano terrestre; 1 ano-luz vale 9,4607×1015m. A Colaboração LIGO-Virgo estima a distância entre a Terra e o evento GW150914 em 1,3 bilhões de anos luz [43[43] https://www.ligo.caltech.edu/
https://www.ligo.caltech.edu/...
, 47[47] https://www.youtube.com/watch?v=aEPIwEJmZyE
https://www.youtube.com/watch?v=aEPIwEJm...
], o que significa que a coalescência que emitiu as ondas gravitacionais detectadas pelos observatórios em 2015 aconteceu à mais de um bilhão de anos atrás, numa era em que a vida na forma de organismos multicelulares estava apenas começando a se espalhar pela Terra [47[47] https://www.youtube.com/watch?v=aEPIwEJmZyE
https://www.youtube.com/watch?v=aEPIwEJm...
].

9. A Diminuição da Distância Orbital na Fase Espiral e a Frequência de Chirp

Na Seção 3 3. Dinâmica Orbital do Sistema Binário de Buracos Negros Os buracos negros em sistemas binários são resultado do colapso gravitacional de estrelas da ordem de dezenas de massas solares. Mais adiante, caracterizaremos os buracos negros com mais cuidado. Agora, é suficiente ter em mente que buracos negros são objetos astrofísicos compactos. Isso permite que sejam modelados como um par de partículas pontuais em órbita mútua sob ação da interação gravitacional. Dessa forma, tomamos o sistema binário como um par de massas m e M em órbita circular em torno do centro de massa (CM), do qual distam r e R, respectivamente.12 Os vetores associados são denominados r→=r e R→=R (usamos o negrito para denotar vetores), conforme mostra a Fig. 5. Em acordo com a proposta do trabalho de usar física introdutória [49], modelamos o sistema com a lei de gravitação Newtoniana [35, 36]. Considere a Fig. 5(a). O método geométrico de soma de vetores (“coloca-se a origem do segundo vetor na extremidade do primeiro; o vetor soma parte da origem do primeiro para chegar na extremidade do segundo”) garante que: (1) r M = R CM + R ⇒ R = r M - R CM , sendo rM o vetor que localiza a massa M do sistema binário de massas pontuais (M,m), e (2) r m = R CM + r ⇒ r = r m - R CM , onde rm é o vetor da origem do sistema de coordenadas até a massa m. A distância relativa rrel entre M e m é a magnitude do vetor diferença: (3) r rel = - R + r . De fato, rrel é o vetor que parte da massa M e chega à massa m; como tal, ele é a soma do vetor (-R) com o vetor r. Figura 5 (a) Variáveis que participam da localização das massas do sistema binário. O vetor RCM parte da origem 𝒪 do sistema de coordenadas e chega na localização do centro de massa (CM). O vetor rM localiza a massa M a partir da origem 𝒪; o vetor rm localiza a massa m a partir da origem 𝒪. Por outro lado, o vetor R localiza M partindo do CM; o vetor r parte do CM e chega à massa m. (b) O vetor distância relativa rrel parte de M em direção à m. O vetor FM⁢(m) é a força em M devido à m; o vetor Fm⁢(M) é a força em m devido à M. O vetor FM⁢(m) tem a direção de rrel, que é indicada pelo vetor unitário r^rel. O vetor Fm⁢(M) aponta do sentido oposto pois a força gravitacional é atrativa. Pela definição de vetor centro de massa RCM como a distância ponderada pelas massas do sistema [35, 37], sabemos que: (4) R CM = M ⁢ r M + m ⁢ r m M + m . Sabemos também que a massa total(Mtot) é a soma das massas individuais das partículas no sistema: (5) M tot = M + m . Então, substituindo (4) em (1) obtemos: (6) R = - m M tot ⁢ ( r m - r M ) . Analogamente, inserindo (4) em (2) temos: (7) r = M M tot ⁢ ( r m - r M ) . Por outro lado, substituindo (1) e (2) em (3), temos: (8) r rel = - ( r M - R CM ) + ( r m - R CM ) = ( r m - r M ) . Substituindo (8) em (6) e (7): (9) R = - m M tot ⁢ r rel , (10) r = M M tot ⁢ r rel . Consideremos, agora, a Segunda Lei de Newton [35]: (11) F = μ ⁢ a rel = μ ⁢ d ⁢ v rel d ⁢ t = μ ⁢ d d ⁢ t ⁢ ( d ⁢ r rel d ⁢ t ) = μ ⁢ d d ⁢ t ⁢ ( r ˙ rel ) = μ ⁢ r ¨ rel , onde F é o vetor força atuando sobre a massa μ responsável pela sua aceleração arel. A velocidade vrel da partícula é a taxa de variação temporal de sua posição rrel. A equação acima estabelece a nossa notação: ponto acima de uma quantidade indica derivação com respeito ao tempo t. Para uma origem do sistema de coordenadas fixadas no CM, as partículas M e m são localizadas diretamente pelos vetores R e r, respectivamente (ou seja, não necessitamos mais empregar os vetores rM e rm). Então, para essas partículas, a segunda lei é: (12) F M ⁢ ( m ) = M ⁢ R ¨ , onde FM⁢(m) representa a força sobre a massa M devido à massa m. Dizemos isso pois sabemos que as massas M e m interagem gravitacionalmente de acordo com a lei da gravitação universal de Newton [36]. A força Fm⁢(M) sobre m devido à atração gravitacional da massa M é: (13) F m ⁢ ( M ) = m ⁢ r ¨ . A própria força gravitacional tem a forma funcional ditada por Newton [37]: (14) F M ⁢ ( m ) = G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( + r ^ rel ) e (15) F m ⁢ ( M ) = G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( - r ^ rel ) , com G=6,674×10-11⁢m3⁢kg-1⁢s-2. Ou seja, a força gravitacional é de atração mútua (o que explica o sinal negativo na última equação): (16) F m ⁢ ( M ) = - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel = - F M ⁢ ( m ) . Vide-se a Fig. 5(b) para a representação gráfica das forças FM⁢(m) e Fm⁢(M). Substituindo (16) em (12), temos: (17) G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( + r ^ rel ) = M ⁢ R ¨ ⇒ - G ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel = - R ¨ , e, inserindo (16) em (13), temos: (18) G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( - r ^ rel ) = m ⁢ r ¨ ⇒ - G ⁢ M r rel 2 ⁢ r ^ rel = r ¨ . Somando (17) e (18): - G ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel + ( - G ⁢ M r rel 2 ⁢ r ^ rel ) = - R ¨ + r ¨ , ou seja, (19) ( m + M ) ⁢ [ - G ⁢ 1 r rel 2 ⁢ r ^ rel ] = - R ¨ + r ¨ . Por inspiração vinda da força gravitacional, Eq. (16), temos: (20) F grav = [ - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel ] ≡ F , que é a força F em ação sobre as partículas sob consideração. Para reconhecer a presença de F na Eq. (19), introduzimos o produto das massas nesta relação, multiplicando-a e dividindo-a por (M⁢m): ( m + M ) M ⁢ m ⁢ [ - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel ] = - R ¨ + r ¨ . Então, percebemos F dentro dos colchetes. Isso resulta em: (21) ( m + M ) M ⁢ m ⁢ F = ( - R ¨ + r ¨ ) . Derivando (3) em relação ao tempo, temos: d ⁢ r rel d ⁢ t = - d ⁢ R d ⁢ t + d ⁢ r d ⁢ t ⇒ r ˙ rel = - R ˙ + r ˙ . Repetindo esse procedimento: (22) d d ⁢ t ⁢ r ˙ rel = - d d ⁢ t ⁢ R ˙ + d d ⁢ t ⁢ r ˙ ⇒ r ¨ rel = ( - R ¨ + r ¨ ) . Podemos notar que o lado direito de (21) é justamente a equação (22): (23) F = M ⁢ m ( m + M ) ⁢ r ¨ rel . Definindo a massa reduzida como: (24) μ ≡ M ⁢ m ( m + M ) , temos: (25) F = μ ⁢ r ¨ rel . A Eq. (25) é a Segunda Lei de Newton do sistema binário: compare (11) e (25). Dessa forma, justificamos a importância do conceito de massa reduzida e mostramos a forma natural como ela aparece no contexto do movimento de dois corpos sob ação mútua da força gravitacional. Ademais, esse raciocínio mostra que tudo se passa como se pudéssemos substituir o sistema binário de duas massas M e m por um sistema de uma única partícula pontual de massa igual à massa reduzida μ que executa um movimento circular. Essa interpretação é justificada pela forma (25) da Segunda Lei de Newton para o sistema de partículas: ela é idêntica a forma tradicional F=m⁢a aplicada à uma única massa pontual m perante o mapeamento μ→m e r¨rel=arel→a. Agora, encontraremos a Terceira Lei de Kepler para o movimento orbital do sistema binário. Substituindo Eq. (20) em (25): μ ⁢ r ¨ rel = - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel ou, usando a Eq. (24), (26) r ¨ rel = - G ⁢ ( m + M ) r rel 2 ⁢ r ^ rel . A aceleração arel=r¨rel é aquela que garante o movimento orbital do sistema binário. Por simplicidade, tomamos esse movimento como um Movimento Circular Uniforme (MCU). Sabemos que a aceleração característica do MCU é a aceleração centrípeta acp, cuja fórmula é [35]: (27) a cp = v rel 2 r rel ⁢ ( - r ^ rel ) , onde a velocidade tangencial no movimento circular tem seu módulo dado por: (28) v rel = ω ⁢ r rel . A quantidade ω é a velocidade angular do movimento circular—ou frequência angular do movimento harmônico simples (MHS) a ele equivalente13: (29) ω = 2 ⁢ π T . A quantidade T é o período orbital do sistema binário. Inserindo (28) em (27), temos: acp=-ω2⁢rrel⁢r^rel, a qual, devido à Eq. (29), fica: (30) a cp = - 4 ⁢ π 2 ⁢ r rel T 2 ⁢ r ^ rel . Faremos r¨rel=arel=acp igualando a Eq. (26) com a Eq. (30) e fatorando o termo (-r^rel) comum a ambos os membros da equação. Isso resulta em: (31) r rel 3 T 2 = G ⁢ m 4 ⁢ π 2 ⁢ ( 1 + M m ) . Esta é a Terceira Lei de Kepler [37]: Os quadrados dos períodos de revolução de dois planetas quaisquer estão entre si como os cubos de suas distâncias médias ao Sol. Em outras palavras, T2 é diretamente proporcional à rrel3, ou ainda, (32) T 2 ∝ r rel 3 ⇒ r rel 3 T 2 ∝ constante . A Terceira Lei de Kepler é, por isso também, chamada de Lei dos Períodos. Ela pode ser colocada em termos da velocidade angular ω do conjunto ao usarmos a Eq. (29) em conjunto com: (33) r rel 2 = r rel ⋅ r rel = ( - R + r ) ⋅ ( - R + r ) = R 2 + r 2 - 2 ⁢ R ⋅ r = R 2 + r 2 - 2 ⁢ R ⁢ r ⁢ cos ⁡ ( 180 o ) = R 2 + r 2 + 2 ⁢ R ⁢ r = ( R + r ) 2 , onde usamos a definição (3) e a Fig. 5 para identificar que o ângulo entre os vetores R e r é 180cpsdummyo.14 Logo, a magnitude do vetor de distância relativa entre as massas é (34) r rel = ( R + r ) e a Eq. (31) fica [49]: (35) ω 2 = G ⁢ ( M + m ) ( R + r ) 3 . A Eq. (35) é a Terceira Lei de Kepler para o movimento orbital em termos da frequência angular. Ela pode ser aliada ao princípio da conservação de energia para especificarmos a energia mecânica total Etot armazenada do movimento orbital do sistema binário. A energia mecânica total é [35]: (36) E tot = K + U = 1 2 ⁢ μ ⁢ v rel 2 + [ - G ⁢ M ⁢ m r rel ] , onde K=(1/2)⁢μ⁢vrel2 é a energia cinética da massa reduzida μ animada com velocidade vrel e (37) U = - G ⁢ M ⁢ m r rel é a expressão para a energia potencial gravitacionalU=Ugrav do sistema binário. Então, com (24) e (34): (38) E tot = 1 2 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) ⁢ v rel 2 - G ⁢ M ⁢ m ( R + r ) . Usando (28) nesta equação: E tot = 1 2 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) ⁢ ( ω ⁢ r rel ) 2 - G ⁢ M ⁢ m ( R + r ) . Podemos eliminar ω e rrel deste resultado ao empregarmos as Eqs. (34) e (35). Assim, obtemos: (39) E tot = - 1 2 ⁢ G ⁢ M ⁢ m ( R + r ) , que é a equação de energia orbital do sistema binário. A expressão (39) é uma manifestação do Teorema do Virial [51]. Podemos escrever a Eq. (39) em termos de frequência orbital. De fato, de (35), temos: ( R + r ) = [ G ⁢ ( M + m ) ω 2 ] 1 / 3 , a qual leva à: (40) E tot = - 1 2 ⁢ G 2 / 3 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) 1 / 3 ⁢ ω 2 / 3 . Essa será uma das grandezas físicas calculadas quando estudarmos o sistema de buracos negros binários, os quais coalescem para formar um único buraco negro e emitem ondas gravitacionais no processo. As ondas gravitacionais carregam energia para fora do sistema binário. Essa energia é drenada da energia mecânica orbital do sistema. Por isso, Etot deve variar no tempo, i.e. deve existir uma derivada não-nula deEtot. Vamos calcular d⁢Etot/d⁢t diferenciando a Eq. (40) com relação ao tempo. Temos: d ⁢ E tot d ⁢ t = - 1 2 ⁢ G 2 / 3 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) 1 / 3 ⁢ 2 3 ⁢ ω 2 / 3 - 1 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t . Veja que aqui admitimos que a frequência angular muda com o tempo: ω=ω⁢(t). Isso não é estritamente verdade no movimento circular uniforme, que supusemos válido para deduzir a Terceira Lei de Kepler—pois usamos a expressão da aceleração centrípeta (27). Entretanto, em um sistema coalescente, as massas M e m vão espiralando em direção ao centro de massa. Neste processo espiral, a distância mútua rrel=(R+r) diminui, a velocidade tangencial (da massa reduzida) aumenta e a velocidade (ou frequência) angular ω também aumenta.15 Ou seja, vale: (41) - d ⁢ E tot d ⁢ t = 1 3 ⁢ G 2 / 3 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) 1 / 3 ⁢ ω - 1 / 3 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t . A perda de energia orbital (-d⁢Etot/d⁢t) só pode acontecer pelo ganho de energia das ondas gravitacionais, o que leva à potência irradiada Pirrad. Na próxima seção encontraremos a equação para a energia por unidade de tempo carregada pela ondas gravitacionais. estudamos a dinâmica orbital do sistema binário. Começamos assumindo uma órbita circular em torno do centro de massa do par de buracos negros. Então, relaxamos essa característica argumentando que a energia orbital do sistema variava: parte da energia mecânica do sistema era perdida através da emissão de ondas gravitacionais. De fato a Eq. (40) mostrou que E tot depende da frequência orbital ω, a qual está associada à frequência f da onda gravitacional. O fato de que (dEtot/dω) pode ser diferente de zero—cf. a Eq. (41)—leva à potência irradiada Pirrad dada pela Eq. (67).

Mostraremos nesta seção que a energia orbital perdida resulta na diminuição da distância de separação entre os buracos negros. Por essa razão eles espiralam em direção ao centro de massa e coalescem. Verificaremos também que, ao espiralarem, os buracos negros aumentam a sua velocidade orbital, o que se reflete no aumento da frequência orbital e, portanto, no aumento da frequência da onda gravitacional até a derradeira emissão da frequência de chirpfc.

9.1. Separação dos buracos negros na fase espiral

Dado o contexto acima, consideremos novamente a Eq. (110):

(128) ( π f ) 2 = G M tot r rel 3 ,

onde f=f(t) e rrel=rrel(t): o raio de separação dos buracos negros diminui a medida que f aumenta, já que rrel31/f2. Derivando a equação com respeito ao tempo, dá:

π 2 ( 2 f f ˙ ) = ( G M tot ) ( - 3 r rel - 4 r ˙ rel ) ,

que é o mesmo que

( π f ) 2 ( 2 f ˙ f ) = ( G M tot r rel 3 ) ( - 3 r ˙ rel r rel ) .

Usando (128) do lado esquerdo da última equação para eliminar (πf)2, obtemos:

(129) r ˙ rel r rel = - 2 3 f ˙ f ,

a qual é uma relação obtida também no tratamento relativístico—cf. a Eq. (4.24) da Ref. [5[5] M. Maggiore, Gravitational Waves. Volume 1: Theory and Experiments (Oxford University Press, Oxford, 2008).].

O lado direito de (129) pode ser especificado com a ajuda da Eq. (77):

f - 11 / 3 f ˙ = 3 α π 8 / 3 ( G c 3 ) 5 / 3 ,

que é o mesmo que:

(130) f ˙ f = ( f 8 / 3 ) 3 α π 8 / 3 ( G c 3 ) 5 / 3 .

Ademais, é possível inverter a Eq. (83) para encontrar a frequência em termos da massa de chirp:

(131) f 8 / 3 = 1 8 α π 8 / 3 1 τ ( G c 3 ) - 5 / 3 .

Nesta expressão,

(132) τ = ( t 2 - t 1 ) = ( t c - t ) ,

i.e., tomamos t2=tc como o instante em que ocorre a coalescência. Em (131), também usamos f1=f, pois f1 é a frequência do início da observação da dinâmica órbital do sistema binário, a qual acontece no tempo t1=t que decidirmos (arbitrário, a nosso critério).

Inserindo (131) no lado direito de (130), encontramos:

(133) f ˙ f = 3 8 1 τ .

Substituindo (133) em (129) resulta

(134) r ˙ rel r rel = - 1 4 1 τ ,

que é uma equação diferencial de primeira ordem separável e facilmente integrável. Em verdade, escrevendo r˙rel=drreldt e empregando (132) em (134):

0 d r rel r rel = - 1 4 t 0 t d t ( t c - t ) ,

sendo 0 () o valor da distância de separação dos buracos negros no sistema binário no tempo inicial t0 (tempo posterior t).34 34 De acordo com a notação do final da Seção 7.5, podemos escrever ℛ0=r0. Por consistência, τ0=tc-t0. Resolvendo as integrais de cada lado na última equação:

ln r rel | 0 = - 1 4 [ - ln ( t c - t ) ] t 0 t ,

ou

ln 0 = ln ( t c - t t c - t 0 ) 1 / 4 ,

ou ainda,

(135) ( t ) = 0 ( t c - t t c - t 0 ) 1 / 4 ,

onde t0ttc. A medida que o sistema binário tende à coalescência, ttc e o numerador de (135) tende a zero, i.e. a distância de separação entre os buracos negros vai a zero, por isso eles se chocam e coalescem no único buraco negro central. Essa característica pode ser confirmada no gráfico da função (t), construído com a função na Eq. (135). O gráfico de (t) em unidades de 0 aparece na Fig. 7.35 35 Dizer que ℛ⁢(t) é dado em unidades de ℛ0 é o mesmo que afirmar que a curva da Fig. 7 é construída tomando os valores do eixo x como os valores do tempo t e os valores do eixo y como a razão y=ℛ/ℛ0.

Figura 7
Gráfico da separação dos buracos negros do sistema binário em função do tempo. O gráfico foi construído com a equação para (t) encontrada neste trabalho—Eq. (135). É notável a semelhança dessa curva com àquela apresentada na Fig. 2 da do paper de descoberta [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).] da Colaboração LIGO, curva em preto—vide-se a reprodução na nossa Fig. 8.

A colaboração LIGO mede 0=r0 (raio do sistema binário em t=t1) em unidades do raio de Schwarzschild do conjunto, i.e., em unidades do raio de coalescência rcS (em t=tc; vide-se a Seção 7.5 7.5. Estimativa da distância de separação inicial dos buracos negros e do raio de coalescência Na Seção 7.1 aprendemos a estimar a massa total Mtot do par de buracos negros no sistema binário. Esse resultado pode ser usado para encontrar a distância de separação dos buracos negros no início da coalescência. De fato, considere a Terceira Lei de Kepler na forma: (110) ω 2 = G ⁢ M tot r rel 3 . Aqui, inserimos a Eq. (34) em (35) e usamos a definição (5). Sabemos pela Eq. (74), que a frequência angular do sistema binário é ω=π⁢f, onde f é a frequência da onda gravitacional. Usando essa informação na equação acima, resulta: (111) r 0 = ( G ⁢ M tot ) 1 / 3 ( π ⁢ f 1 ) 2 / 3 ( raio do sistema binário ) . Na nossa notação, f1 é a estimativa para frequência da onda no início da coalescência. Por isso, usamos f=f1 na Eq. (111) para encontrar o tamanho r0 do sistema binário no início da fase espiral. Para o evento GW150914, estimamos f1=43⁢Hz, com base na Fig. 1, e Mtot=74⁢M☉, na Seção 7.1. Colocando esses valores em (111), obtemos r0≃815⁢km como o tamanho inicial do sistema binário. Em contrapartida, o raio do horizonte de eventos do buraco negro resultante da coalescência é dado pelo raio de Schwarzschild, Eqs. (94) e (95): (112) r c = 2 ⁢ G ⁢ M tot c 2 ( raio de coalescência ) . Essa é a expressão de cálculo para o raio de coalescência rc. O evento de descoberta, com Mtot=74⁢M☉ pelas nossas estimativas, leva à rc≃220⁢km, que é cerca de quatro vezes menor do que o raio orbital inicial r0. Como esperado, o horizonte de eventos do buraco negro central é mais compacto do que a órbita inicial dos buracos negros isolados. Aliás o raio do horizonte de eventos de cada buraco negro no evento de descoberta é encontrado empregando a Eq. (91): R S M = 2 ⁢ G ⁢ M c 2 ≃ 131 ⁢ km e R S m = 2 ⁢ G ⁢ m c 2 ≃ 89 ⁢ km ( GW ⁢ 150914 ) . O diretor executivo do laboratório LIGO (Caltech), David Reitze, deu a estimativa grosseira de 150 km para o tamanho dos buracos negros coalescentes na conferência de imprensa para anunciar a descoberta do evento GW150914 [47]. As distâncias r0 e rc caracterizam o sistema binário in situ. Uma outra distância que pode ser estimada com os dados da Colaboração LIGO-Virgo é aquela entre os buracos negros emissores das ondas e os detectores delas. É o que faremos a seguir. ). Então, o gráfico de (135) é a a medida de separação dos buracos em unidades do raio de Schwarzschild do sistema binário. Para o evento GW150914, vale t0=t1=0,34s e tc=0,43s; fazemos o tempo t variar partindo de 0,25s (para coerência com a escala da Fig. 2 de [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).]), passando por t1=0,34s, até atingir o valor tc=0,43s. A curva da Fig. 7 corresponde justamente à curva preta no painel inferior da Fig. 2 no paper de descoberta [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).], a qual foi reproduzida em nossa Fig. 8 para conveniência do leitor.

Figura 8
Fig. 2 do paper de descoberta [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).] da colaboração LIGO para o evento GW150814. O topo da figura representa quatro momentos sucessivos da dinâmica do sistema binário: a fase espiral (Inspiral) começa com uma separação maior entre os buracos negros (à esquerda), evolui para uma configuração de menor separação e maior velocidade orbital relativa, a qual culmina com a coalescência (Merger), onde a distância de separação despenca e a velocidade diverge; após a coalescência, resta o único buraco negro na fase transiente chamada Ring-down (à direita). Todas essas fases da dinâmica do sistema têm reflexos nas curvas de separação (em preto no painel inferior), de velocidade (em verde, painel inferior) e da amplitude da onda gravitacional ou strain (curva vermelha, painel intermediário). É evidente que o strain é máximo no momento da coalescência dos buracos negros e se atenua durante o ring-down. Fonte: Ref. [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).].

A coincidência de nosso tratamento não-relativístico com o resultado numérico relativístico rigoroso da equipe LIGO é notável.

9.2. Velocidade de coalescência e frequência de chirp

A velocidade de coalescência pode ser definida como 𝒱=˙. Assim, derivando (135) com respeito ao tempo t:

𝒱 ( t ) = - 1 4 0 ( t c - t 0 ) ( t c - t 0 t c - t ) 3 / 4 ,

cujo valor absoluto, em unidades de velocidade da luz c, é:

(136) | 𝒱 | c = 𝒱 0 c 1 4 ( t c - t 0 t c - t ) 3 / 4 ,

onde usamos 𝒱00/(tc-t0). Lembre-se que t0ttc, ou seja, a medida que t se aproxima de tc, o denominador de (136) tende a zero e a velocidade relativa dos buracos negros |𝒱|/c diverge. Isso significa que a colisão dos buracos negros do sistema binário acontece a velocidades relativísticas e, a rigor, o tratamento não-relativístico deste artigo falha próximo à coalescência. Ainda assim, textos rigorosos como a Ref. [5[5] M. Maggiore, Gravitational Waves. Volume 1: Theory and Experiments (Oxford University Press, Oxford, 2008).] reportam o mesmo resultado que o nosso e, talvez o mais importante, a coincidência da curva 𝒱(t) que encontramos com aquela da Colaboração LIGO-Virgo em [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).] é notável.36 36 É preciso pontuar que o gráfico da velocidade na Fig. 2 da Ref. [9] foi construído com uma função diferente daquela na nossa Eq. (136). Em verdade, a Colaboração LIGO-Virgo preferiu a equação v/c=(G⁢Mtot⁢π⁢f/c3)1/3, onde a frequência f para a onda gravitacional é calculada usando relatividade numérica. Essa equação é um parâmetro pós-Newtoniano que aparece em um processo de aproximação bem definido no contexto da relatividade geral [61]. De fato, compare-se a curva verde do painel inferior da Fig. 2 no artigo [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).]—reproduzida em nossa Fig. 8—com o gráfico da função |𝒱(t)/c| na Fig. 9.

Figura 9
Gráfico da velocidade orbital relativa dos buracos negros no sistema binário em função do tempo de acordo com a Eq. (136). A curva de |𝒱/c| tem o mesmo comportamento da curva verde na Fig. 8.

A Eq. (131) é o mesmo que:

(137) f ( t ) = 1 π ( G c 3 ) - 5 / 8 1 [ 8 α ( t c - t ) ] 3 / 8 .

Esta é a equação para frequência f da onda gravitacional emitida pelos buracos negros no movimento espiral em direção à coalescência. Ela é calculada em um tempo t, tal que t1ttc e tc é o instante em que ocorre a coalescência. Em t=tc, τ=(tc-t)0 e a frequência fc=f(tc)diverge.37 37 Note-se que (G⁢ℳ/c3) tem dimensão de tempo (segundo, no S.I.). Por isso, o lado direito da Eq. (137) realmente tem unidade de frequência (Hz, no S.I.). A curva da função f(t) conforme a Eq. (137) aparece na Fig. 10. Esse comportamento funcional corresponde ao arco luminoso ascendente na Fig. 1 do paper de descoberta do evento GW150914—reproduzida em nossa Fig. 1: vide-se os painéis inferiores correspondentes aos gráficos de frequência por tempo.

Figura 10
Gráfico da frequência da onda gravitacional emitida pelo sistema binário em função do tempo de acordo com a Eq. (137). Usamos os valores =32M e tc=0,43s que estimamos para o evento GW150914. Perceba-se como essa curva tem exatamente a forma medida pela colaboração LIGO: o arco luminoso no painel inferior esquerdo da Fig. 1.

A Fig. 10 permite entender, a partir de física básica, a natureza frequência de chirp, que foi um dos protagonistas nas conferências de imprensa divulgando a descoberta das ondas gravitacionais e a primeira detecção direta da existência material de buracos negros na Natureza [43[43] https://www.ligo.caltech.edu/
https://www.ligo.caltech.edu/...
, 47[47] https://www.youtube.com/watch?v=aEPIwEJmZyE
https://www.youtube.com/watch?v=aEPIwEJm...
].

10. A Forma Funcional da Onda Gravitacional e os Modos de Polarização

Observe-se a Fig. 8. Ela é a reprodução da Fig. 2 no artigo [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).] da colaboração LIGO. Na seção anterior, entendemos a razão para o formato das curvas no painel inferior desta figura. Nesta seção, queremos deduzir a equação que produz a forma oscilatória da curva vermelha no painel superior da mesma figura. Trata-se do gráfico para a forma da onda gravitacional h(t) em função do tempo.

10.1. Os modos de polarização h+ e h×

Conforme vimos na Seção 2, a onda gravitacional h(t) tem dois modos de polarização, que chamamos de h+ e h×. O modo h+ descreve vibrações do espaço nas direções norte-sul e leste-oeste (Fig. 4); o modo de polarização h× dá conta das deformações do espaço nas direções noroeste-sudeste e nordeste-sudoeste.

Como h+ e h× dizem respeito às oscilações, elas devem ter a forma de senos e cossenos. A diferença entre as direções de vibração de h+ e h× pode ser entendida como uma diferença de fase de noventa graus ou π/2 radianos. Essa fase é justamente o que diferencia senos e cossenos [29[29] H.L. Guidorizzi, Um curso de cálculo (LTC, Rio de Janeiro, 2018), v. 1, 6 ed., 33[33] G.F. Simmons, Cálculo com geometria analítica (Pearson Universidades, São Paulo, 1996), v. 1.]. Logo, faz sentido que:

(138) h + cos ( ω t )

e

(139) h × sin ( ω t ) .

Dessa forma,

(140) h × ( ω t ) = cos ( ω t - π 2 ) = h + ( ω t - π 2 ) .

No que segue, vamos especificar cuidadosamente a forma funcional completa do modo de polarização h+(t). Então, o leitor pode estender o raciocínio ao modo de polarização h×(t) empregando a relação (140).

10.2. A forma funcional de h+: o padrão de onda até o chirp

Vamos rescrever a Eq. (127) para a distância fonte-observador ρ em termos da frequência orbital ω=πf, Eq. (74), e da massa de chirp =(Mm)3/5/(M+m)1/5, Eq. (5 5. O Balanço Energético Órbita-Ondas Gravitacionais e a Massa de Chirp Dissemos antes—no final da Seção 3—que a perda de energia orbital pelo sistema orbital durante a sua fase espiral é convertida em potência irradiada na forma de ondas gravitacionais. Isso se traduz na equação (67) P irrad = - d ⁢ E tot d ⁢ t . Então, podemos identificar as Eqs. (65) e (41), para concluir que: (68) ( m ⁢ M ) 3 / 5 ( m + M ) 1 / 5 = c 3 ⁢ 1 G ⁢ ( 1 3 ⁢ α ⁢ ω - 11 / 3 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t ) 3 / 5 . Aqui aparece pela primeira vez a massa de chirp: (69) ℳ = ( M ⁢ m ) 3 / 5 ( M + m ) 1 / 5 . De fato, a quantidade ℳ tem unidade de massa (quilograma no S.I.). Logo, (70) ℳ = c G 3 ⁢ ( 1 3 ⁢ α ⁢ ω - 11 / 3 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t ) 3 / 5 . A massa de chirp será uma das quantidades físicas calculadas a partir dos dados medidos das ondas gravitacionais. A palavra chirp significa chilreio e remete ao som emitido por pássaros, como um pequeno som agudo correspondente ao aumento da frequência na onda sonora [47]. Analogamente, o aumento da frequência angular na coalescência de buracos negros aparece como o aumento de frequência da onda gravitacional, indicado pelo arco luminoso nos painéis inferiores da Fig. 1 de detecção do evento de descoberta. Calcularemos o valor numérico da massa de chirp para o evento GW150914 em breve. Sabemos que a definição de frequência f em termos do período T é [35]: (71) f = 1 T ⇒ T = 1 f . A frequência mede o evento a se repetir no movimento harmônico, que é equivalente ao movimento circular uniforme [50]. Para um volta completa no sistema em órbita circular [35], temos: (72) T = 2 ⁢ π ω ( sistema de uma partícula ) . Em um sistema binário, as massas são diametralmente opostas e o sistema assume a mesma configuração inicial depois de meia volta de cada uma das massas. Por isso, a frequência é duas vezes aquela típica de um sistema de uma partícula, ou, o que é equivalente, o período da onda gravitacional é metade daquele de um sistema de uma partícula: (73) T = π ω ( sistema binário ) . Usando esta última equação na definição de f, Eq. (71), temos: (74) 1 f = π ω ⇒ ω = π ⁢ f ( sistema binário ) . Derivando (74) com respeito ao tempo t: (75) d ⁢ ω d ⁢ t = π ⁢ d ⁢ f d ⁢ t . Substituindo ω e d⁢ω/d⁢t, cf. as Eqs. (74) e (75), na Eq. (70), temos a massa de chirp em termos da frequência: (76) ℳ = c 3 G ⁢ ( 1 3 ⁢ α ⁢ π - 8 / 3 ⁢ f - 11 / 3 ⁢ d ⁢ f d ⁢ t ) 3 / 5 . Esta é justamente a equação que aparece na primeira coluna da página 3 do artigo de descoberta [9] da Colaboração LIGO.19 A Eq. (76) pode ser integrada desde o tempo inicial t1 do movimento espiral dos buracos negros em direção à coalescência, correspondente a uma frequência f1, até um tempo subsequente t2 correspondente a uma frequência f2: { t = t 1 → f = f 1 ( início da coalescência ) t = t 2 → f = f 2 ( tempo arbitrário na fase espiral ) . Essas serão as nossas condições iniciais (ou de contorno). Agora, manipulamos a Eq. (76) para isolar a frequência e sua derivada do lado esquerdo; (77) f - 11 / 3 ⁢ d ⁢ f d ⁢ t = 3 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ ( G c 3 ⁢ ℳ ) 5 / 3 , e integramos dos dois lados: (78) ∫ f 1 f 2 f - 11 / 3 ⁢ d f = 3 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ ( G c 3 ⁢ ℳ ) 5 / 3 ⁢ ∫ t 1 t 2 d t . A integral do lado esquerdo dá: ∫ f 1 f 2 f - 11 / 3 ⁢ d f = - 3 8 ⁢ ( 1 f 2 - 8 / 3 - 1 f 1 - 8 / 3 ) , enquanto a do lado direito de (78) vale: (79) ∫ t 1 t 2 d t = ( t 2 - t 1 ) ≡ τ . Basta substituir os dois últimos resultados na Eq. (78), para obter: (80) 1 f 1 8 / 3 - 1 f 2 8 / 3 = 8 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ ( G ⁢ ℳ ) 5 / 3 c 5 ⁢ τ . Enfatizamos a interpretação das quantidades nesta expressão: f1 é a frequência no início do processo de diminuição do raio orbital (começo da espiral para o centro de massa) e f2 é a frequência depois de um tempo τ. A frequência f2 é tratada como aquela relativa ao evento de coalescência das massas no sistema binário (frequência de chirp) e corresponde ao pico do arco luminoso no painel inferior esquerdo da Fig. 1. Como f2≫f1 é uma ótima aproximação considerar que f2 diverge: (81) f 2 → ∞ ( coalescência ) . Consideraremos isso abaixo. De fato, isolamos a quantidade ℳ na Eq. (80), (82) ℳ = 1 G ⁢ [ 1 8 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 ⁢ c 5 τ ⁢ ( 1 f 1 8 / 3 - 1 f 2 8 / 3 ) ] 3 5 e passamos ao limite (81).20 Logo, (83) ℳ = 1 G [ 1 8 ⁢ α ⁢ π 8 / 3 c 5 τ 1 f 1 8 / 3 ] 3 5 . Essa equação mostra que podemos encontrar a massa de chirp apenas determinando o tempo τ e a frequência f1. Acontece que essas quantidades podem ser lidas diretamente de gráficos como os da Fig. 1. É dessa forma que conseguimos começar a caracterizar o sistema de buracos negros a partir da detecção das ondas gravitacionais que eles emitem quando do processo de coalescência. O início do processo de coalescência no evento GW150914 correspondente ao começo do arco luminoso amarelo-esverdeado no quadro inferior esquerdo da Fig. 1. O valor do eixo x associado a esse começo dá o tempo inicial t1≃0,34⁢s; o valor no eixo y está relacionado à frequência inicial da coalescência f1≃43⁢Hz. O pico do arco luminoso acontece para t2=0,43⁢s, ele corresponde ao máximo de frequência, atribuída ao chirp. Logo, τ=t2-t1≃0,09⁢s, cf. a Eq. (79). Substituindo esses valores numéricos de τ e f1 na Eq. (83), obtemos ℳ≃32⁢M☉ onde M☉=1,9885×1030⁢kg é a massa do Sol. Nesta estimativa, usamos α=32/5, cf. a Eq. (66), bem como os valores das constantes fundamentais: G=6,6743×10-11⁢N⁢m2⁢kg-2; e, c=299 792 458⁢m/s. A massa de chirp é uma medida da massa do sistema binário associada à coalescência. Para o evento GW150914 ela é maior que 30 vezes a massa de nosso Sol. Esse número é extraordinariamente grande e dá um indício de que as massas individuais dos buracos negros que colidem são igualmente enormes. Vamos investigar essas e outras características dos buracos negros nas próximas duas seções. ). Temos:

ρ = 4 5 G 5 / 3 c 4 1 h ω 2 / 3 [ ( m M ) 3 / 5 ( m + M ) 1 / 5 ] 5 / 3 = 4 5 1 h ( ω c ) 2 / 3 [ G c 2 ] 5 / 3 ,

ou seja,

(141) h = 4 5 1 ρ ( G c 2 ) 5 / 3 ( ω c ) 2 / 3

é a amplitude da onda gravitacional. Note-se que ela cai linearmente com a distância ρ.

A radiação eletromagnética ensina que o (módulo do vetor) campo elétrico oscilante é da forma38 38 A Eq. (142) aparece no Capítulo 12 da Ref. [39], Seção 12.8, Eq. (12.8.23). Por favor, note-se a necessidade de adequação de notação: o que nós chamamos de ρ, a Ref. [39] chama de r. Para nós, r=|r| é o módulo do vetor que parte do centro de massa do par de buracos negros e chega à massa m, cf. o desenvolvimento da Seção 3. :

(142) | E | 1 ρ cos ( ω t ) ( radiação eletromagnética ) .

Veja que a amplitude da radiação eletromagnética (coeficiente da função cossenoidal) cai linearmente com ρ, assim como acontece com h na Eq. (141). Essa semelhança dos casos gravitacional e eletromagnético dá confiança ao nosso resultado (141) e também indica que a radiação gravitacional deve apresentar uma dependência temporal como a de |E| em (142). Dessa forma, esperamos que39 39 A forma mais completa da dependência temporal nas relações (142) e (143) deveria ocorrer através do tempo retardado tr=(t-r/c). Essa é uma característica típica da radiação, seja na forma de ondas eletromagnéticas ou gravitacionais. O tempo retardado computa o fato de a radiação propagar-se à velocidade limite igual a velocidade da luz no vácuo c. O tempo retardado aparece de forma natural ao resolvermos a equação de ondas no contexto do eletromagnetismo [39] e no da relatividade geral [27]. Executar esses cálculos aqui exigiria uma sofisticação técnica que queremos evitar. Ademais, a introdução do tempo retardado não é necessária para a conclusão principal nesta seção, que é a derivação do padrão de onda de h+ representado na Eq. (145) e na Fig. 11. :

(143) h + 1 ρ cos ( ω t ) ( radiação gravitacional ) .

Esta relação é contemplada também na Eq. (138), h+cos(ωt). Tudo parece elegantemente consistente, ainda mais se observarmos que o fator de proporcionalidade remanescente em (143) já foi determinado em (141). De fato, escrevemos

(144) h + ( t ) = h cos ( ω t ) ,

i.e.40 40 No tratamento relativístico completo, o fator de (1/5) em (145) não aparece explicitamete. Em seu lugar, há um fator (1+cos2⁡θ)/2 que guarda informação sobre a inclinação θ do plano de órbita do sistema binário em relação ao plano dos detectores—vide-se a Eq. (4.3) da Ref. [5]. De qualquer forma, (1/5)≃1/(2,2) corresponde aproximadamente à modelagem de uma incidência da frente de onda para a qual θ=π/2.

(145) h + = 4 5 1 ρ ( G c 2 ) 5 / 3 ( ω c ) 2 / 3 cos ( ω t ) .

O fator (G/c2) indica porque é tão difícil detectar as ondas gravitacionais: G10-10, c21016 em unidades do S.I.; por isso: (G/c2)10-26. Logo, precisamos de um sistema binário com uma massa de chirp muitas vezes maior que 10+34kg (uma massa solar vale M=1,99×1034kg) para compensar as distâncias enormes da fonte, tipicamente da ordem ρ1 bilhão de anos-luz 109×(9,46×1015m). Lembramos que a estimativa da distância Terra-fonte para o evento de descoberta em [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).] foi de 410Mpc1,3×109anos-luz e da sua massa de chirp foi de 30M.

Figura 11
Gráfico do strain conforme nossa dedução a partir de física básica—vise-se a Eq. (145). Note-se a semelhança com a curva vermelha na Fig. 8, a qual é a modelagem numérico-relativística de LIGO-Virgo para o strain.

A Fig. 11 mostra o gráfico da função h+ em função do tempo t conforme previsto pela Eq. (145). Dois fenômenos acontecem a medida que o tempo t aumenta:

  1. 1.

    a envoltória da curva h+(t) aumenta. A amplitude da onda gravitacional cresce até atingir o valor máximo de strain no valor t=tc. O pico da amplitude dá-se na coalescência dos buracos negros; e,

  2. 2.

    a frequência f=ω/π da onda gravitacional aumenta. Isso significa que o comprimento de onda λ=c/f diminui [36[36] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 2: Gravitação, Ondas e Termodinâmica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed.]. É por isso que o padrão de picos e vales fica progressivamente mais compacto conforme observamos a curva da esquerda para a direita. Quando o valor de t aproxima-se do tempo de coalescência tc, a frequência tende à frequência de chirpfc, a qual essencialmente diverge, levando à λc0. A partir daí ocorre o efeito chamado ring down: após a coalescência, forma-se um único buraco negro central e a detecção de ondas gravitacionais cessa após passar por um rápido amortecimento transiente. (O amortecimento não aparece na nossa Fig. 11, mas é visível na curva vermelha da Fig. 8 à partir de t=tc=0,43s.)

A curva na Fig. 11 apresenta precisamente as mesmas características do padrão de strain gerado pelo tratamento relativístico numérico da Colaboração LIGO-Virgo mostrado pela curva vermelha no painel superior da Fig. 8—Fig. 2 da Ref. [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).]. Tão impressionante quanto esse fato, é a coincidência da curva de h+(t) com o padrão de onda detectado pelos observatórios LIGO que pode ser visto no painel superior esquerdo da Fig. 1.

Isso encerra a parte do artigo onde deduzimos as equações para os parâmetros relacionados à coalescência de sistemas binários e a consequente emissão de ondas gravitacionais usando física básica. Na próxima seção, usaremos essas equações extrair os números para os parâmetros que caracterizam os dez primeiros eventos detectados pela Colaboração LIGO-Virgo.

11. Estimativas dos Valores dos Parâmetros Físicos das Binárias Coalescentes

Nesta seção oferecemos estimativas dos parâmetros físicos associados aos sistemas binários coalescentes emissores de ondas gravitacionais confirmados pela colaboração LIGO desde o evento de descoberta, divulgado em 12 de fevereiro de 2016, até o evento confirmado em 20 de junho de 2020 [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016)., 11[11] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 241103 (2016)., 12[12] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 118, 221101 (2017)., 13[13] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 851, L35 (2017)., 14[14] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 141101 (2017)., 15[15] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 161101 (2017)., 16[16] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. D 102, 043015 (2020)., 17[17] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 892, L3 (2020)., 18[18] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 125, 101102 (2020)., 19[19] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 896, L44 (2020).].41 41 O número de eventos detectados pela Colaboração LIGO-Virgo cresce dia-a-dia, conforme pode ser checado no website da colaboração [62]. No momento em este artigo é finalizado, já foram disponibilizados eventos detectados das rodadas de observações O1, O2 e O3 cuja razão sinal-ruído era mais baixa do que aqueles aqui analisados. Esses eventos eram de tratamento estatístico mais delicado e foram rotulados como eventos-candidatos (não-confirmados) até muito recentemente. Por isso, eles não serão discutidos em detalhe na Seção 11. Nosso artigo não quer oferecer uma análise exaustiva, mas sim ilustrativa, do que é possível estimar a respeito dos eventos usando física básica. As estimativas são feitas empregando as equações derivadas a partir de física fundamental nas seções anteriores.

Vide-se a Fig. 12. Os eventos detectados pela colaboração LIGO-Virgo confirmados até meados de 2020 foram: GW150914 (primeira detecção), GW151226, GW170104, GW170814, GW170817 (primeira detecção de coalescência de estrelas de nêutron), GW170608, GW190412, GW190425, GW190521, GW190814—todos encontrados no sítio <https://www.ligo.org/detections.php> e artigos lá referenciados [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016)., 11[11] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 241103 (2016)., 12[12] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 118, 221101 (2017)., 13[13] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 851, L35 (2017)., 14[14] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 141101 (2017)., 15[15] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 161101 (2017)., 16[16] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. D 102, 043015 (2020)., 17[17] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 892, L3 (2020)., 18[18] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 125, 101102 (2020)., 19[19] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 896, L44 (2020).]. A Fig. 12 coleciona esses eventos em um infográfico do cemitério estelar. Os artigos relacionados a esses eventos continham figuras similares à Fig. 1, a partir das quais coletamos os dados que aparecem na Tabela 1.

Figura 12
Eventos de coalescências de sistemas binários detectados pela colaboração LIGO-Virgo entre 2015 e 2019 nas três primeiras rodadas operacionais dos observatórios. Nota-se a medida direta de vários eventos de coalescência de buracos negros de diferentes massas e um evento envolvendo estrelas de nêutrons. Este último permitiu validar o modelo de produção de elementos pesados no interior estelar e vincular modelos de gravidade modificada. Os números no lado esquerdo dão a estimativa das massas dos objetos estelares cuja coalescência foi a fonte das ondas gravitacionais. Fonte: [62[62] https://ligo.org/detections.php
https://ligo.org/detections.php...
].
Table 1
Dados observacionais para os dez primeiros eventos de coalescência de sistemas binários confirmados pela colaboração LIGO-Virgo. As quantidades são: t1 é o valor de tempo correspondente ao início da detecção do movimento espiral; t2 é o valor de tempo em que a coalescência ocorre; f1 é a frequência da onda gravitacional no início da detecção; fc é a frequência de chirp; h é a amplitude máxima do strain.

Ao longo do texto deste artigo, explicamos como estimar os dados {t1,t2,f1,fc,h} para o evento GW150914; fizemos isso no compasso em que desenvolvíamos as equações necessárias para os cálculos dos parâmetros físicos {,Mtot,M,m,Mirrad,r0,rc,RSM,RSm,ρ} associados a esse evento. O processo todo é longo, o raciocínio ficou diluído em várias etapas, o que pode ter obscurecido a visão global do método. Para remediar isso, vamos adotar a seguinte postura aqui: assumiremos as equações que já deduzimos sem explicações adicionais e dedicaremos atenção exclusiva à coleta dos dados e à estimativa dos parâmetros. Tomaremos arbitrariamente o evento GW170104 [12[12] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 118, 221101 (2017).] como exemplo diferente daquele já explorado. O tratamento para os demais eventos é inteiramente análogo e fica a cargo do leitor.

Figura 13
Dados observacionais do evento GW170104. Fonte: Ref. [12[12] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 118, 221101 (2017).].

A Fig. 13 refere-se ao evento GW170104 e aparece no artigo [12[12] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 118, 221101 (2017).]. Os valores do eixo x na parte inferior da figura dizem respeito ao tempo. O eixo y do segundo quadro (rotulado “Livingston”) fornece os valores de frequência da onda gravitacional. O início do arco luminoso neste quadro tem um valor no eixo y entre 32 Hz e 64 Hz, a aproximadamente meio caminho entre eles; isso leva a adotarmos f1=48Hz. O valor associado à f1 no eixo x é estimado em t1=0,53s (uma rápida olhada no quadro “Hanford” confirma o início do arco luminoso nesta posição do eixo x). O pico do arco luminoso no quadro “Livingston” corresponde ao valor de tempo t2=0,60s (no eixo horizontal) e de frequência de cerca de fc=256Hz. A frequência de pico é a frequência de chirp fc. O penúltimo quadro contém os padrões de vibração da onda gravitacional, cujo pico de amplitude ocorre para o valor h=0,6×10-21 do strain (no eixo y). Assim, obtemos os valores de {t1,t2,f1,fc,h} na linha da Tabela 1 para o evento GW170104. O valor de τ é calculado fazendo τ=t2-t1=0,60s-0,53s=0,07s.

O conjunto de valores {t1,t2,f1,fc,h} permite calcular a massa de chirp, a massa total Mtot do sistema binário, o parâmetro de massa ξ, a massa M do buraco negro primário, a massa m do buraco negro secundário e o equivalente em massa irradiado Mirrad referentes ao evento GW170104. De fato, inserindo τ=0,07s e f1=48Hz na Eq. (83), encontra-se =31M. O valor da frequência de chirp fc=256Hz, quando substituído na Eq. (96), leva à Mtot=89M. O par de valores {,Mtot} que acabamos de calcular é, então, colocado na Eq. (103) para fornecer ξ=0,22. Este parâmetro é fundamental porque, quando substituído nas equações (101) e (102), dá a massa individual dos buracos: m=19M e M=70M. Esses valores de {m,M} levam à massa irradiada no evento GW170104 após substituição na Eq. (108): Mirrad=4M . As equações que mencionamos acima foram colocadas em caixas para facilitar sua localização ao longo do texto e para destacar suas importâncias. A Tabela 2 mostra a coleção dos valores {,Mtot,ξ,m,M,Mirrad}, cuja obtenção descrevemos nesse parágrafo, para o evento GW170104 (terceira linha) bem como para os demais eventos abordados neste trabalho.

Table 2
Estimativa dos parâmetros físicos {,Mtot,m,M, Mirrad} para os dez primeiros eventos de coalescência de sistemas binários confirmados pela colaboração LIGO-Virgo. é a massa de chirp, Mtot indica a massa total do sistema binário, ξ é o parâmetro de massa, M representa a massa do buraco negro primário, m a massa do buraco negro secundário e Mirrad é a massa irradiada na forma de ondas gravitacionais.

Ao observar as colunas da Tabela 2 que contém os valores de m e M, concluímos que a maioria dos objetos apresentam massas dezenas de vezes maiores do que aquelas de nosso Sol. Isso é uma das maneiras de confirmarmos que estamos lidando com buracos negros, pois os buracos negros formam-se apenas a partir de estrelas com massas da ordem de oito massas solares ou maiores [44[44] K.S. Thorne, Black Holes and Time Warps: Einstein’s Outrageous Legacy (Norton, New York, 1994).]. Exceções notórias são os eventos GW170817, GW190425 e GW190814 que envolvem um par de estrelas de nêutrons [15[15] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 161101 (2017).], um provável sistema misto [17[17] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 892, L3 (2020).] e um par de buracos negros de massas bastante assimétricas [19[19] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 896, L44 (2020).].42 42 Nosso tratamento não foi desenvolvido para acomodar sistemas binários tão complexos como aqueles envolvendo estrelas de neutrons, as quais apresentam fortes campos magnéticos e estruturas internas complexas a afetar a dinâmica gravitacional. A coluna Mirred na Tabela 2 deixa claro que os eventos de coalescência envolvendo corpos tão massivos são altamente energéticos, emitindo energias equivalentes a várias vezes a quantidade de energia que o Sol poderia emitir durante toda em sua vida (ou melhor, durante toda a sua evolução estelar). Os valores de massa irradiada chegam a alcançar até cerca de 9 vezes o valor da massa solar (vide-se o evento GW190521).

O próximo conjunto de quantidades físicas a ser estimado é relacionado a comprimentos e distâncias. Queremos encontrar o tamanho do sistema binário r0 no início da fase espiral; o raio de coalescência rc, que dá uma medida do horizonte de eventos do buraco negro resultante; o raio de Schwarzschild RSM (RSm) do buraco negro primário M (secundário m); e, a distância ρ da Terra até o centro de massa do sistema binário, tanto em unidades de anos-luz quanto em parsec (pc). Vide-se a Tabela 3.

Table 3
Estimativa dos parâmetros físicos {r0,rc,RSm,RSM,ρ} para os dez primeiros eventos de coalescência de sistemas binários confirmados pela Colaboração LIGO-Virgo. r0 é o raio do sistema binário no início da fase espiral; rc é o raio de Schwarzschild do astro central na coalescência; RSm é o tamanho do horizonte de eventos do objeto de massa m; RSM é ao raio de Schwarzschild do astro de massa M; ρ é a distância entre a Terra e o sistema binário emissor de ondas gravitacionais. ρ é dado em bilhões de anos-luz (penúltima coluna) e também em mega parsec (1pc=3,26ano-luz). A coluna r0/rc dá o número de vezes que o tamanho inicial do sistema binário é maior do que o objeto pós-coalescência.

Para o evento GW170104, havíamos medido f1=48Hz (cf. a Tabela 1) e calculado Mtot=31M (Tabela 2); iserindo esses valores na Eq. (111), encontra-se r0=805km. A Eq. (112) em conjunto com o valor Mtot=31M (na Tabela 2) leva à rc=264km. Dividindo-se o valor de r0 pelo de rc encontramos aproximadamente 3, o que significa que o tamanho do sistema binário no início da fase espiral era cerca de três vezes maior do que o objeto central formado após a coalescência. O valor m=19M (Tabela 2) e a Eq. (91) dão o raio de Schwarzschild para o objeto de massa m do par, RSm=58km. Analogamente, substituindo o valor M=70M (Tabela 2) na Eq. (91), encontramos o valor RSM=206km para raio do horizonte the eventos do buraco negro primário. A distância ρ entre a Terra e o sistema binário é calculada mediante a substituição dos valores {fc=256Hz,h=0,6×10-21} (Tabela 1) e {m=19M,M=70M} (Tabela 2) na Eq. (127); o resultado é ρ=3,5bilhões de anos-luz (1bilhão=1G=109). Podemos converter esse valor para mega parsecs (que é a unidade usada pela colaboração LIGO-Virgo) usando o fator de conversão 1pc=3,26ano-luz; o resultado é ρ=1085Mpc. (Também sabemos que 1mega=1M=106.) Os valores cujos cálculos foram descritos neste parágrafo aparecem na linha correspondente ao evento GW170104 da Tabela 3.

A penúltima coluna da Tabela 3 evidencia que as distâncias entre os sistemas binários e a Terra são tipicamente da ordem de bilhão de anos-luz, o que significa que o evento de coalescência ocorreu há bilhões de anos no passado. Isso é bastante significativo, tendo em vista que a idade do universo é de cerca de 13,7 bilhões de anos [42[42] B.S. Ryden, Introduction to Cosmology (Cambridge University Press, Cambridge, 2016), 2 ed.]. A distância vertiginosa entre nós e os eventos de coalescência de buracos negros é bastante conveniente: como a intensidade da radiação gravitacional cai com o quadrado da distância ρ, cf. as Eqs. (114) e (115), a energia por unidade de tempo e de área que chega até nós é baixa. Isso explica porque não fomos incinerados pelas energias altíssimas emitidas pelos buracos negros coalescentes.

12. Discussão e Conclusão

Na seção anterior usamos as equações que derivamos ao longo do texto usando física básica para estimar os parâmetros físicos de sistemas binários emissores de radiação gravitacional. Nesta seção, confrontaremos a precisão de nossas estimativas com aquelas da Colaboração LIGO-Virgo [62[62] https://ligo.org/detections.php
https://ligo.org/detections.php...
]. Assim, compilamos alguns dos valores nas nossas Tabelas 2 e 3 colocando-os lado a lado com os valores correspondentes encontrados nas Refs. [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016)., 11[11] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 241103 (2016)., 12[12] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 118, 221101 (2017)., 13[13] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 851, L35 (2017)., 14[14] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 141101 (2017)., 15[15] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 161101 (2017)., 16[16] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. D 102, 043015 (2020)., 17[17] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 892, L3 (2020)., 18[18] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 125, 101102 (2020)., 19[19] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 896, L44 (2020).].

Table 4
Tabela comparativa entre as estimativas deste trabalho e aquelas da Colaboração LIGO-Virgo. A sigla “OGFB” significa “Ondas Gravitacionais a partir de Física Básica”, uma versão resumida do título de nosso artigo; por isso os valores nas colunas indicadas por “OGFB” são aqueles que estimamos. Os valores nas colunas rotuladas por “LIGO” dizem respeito àqueles divulgados pela colaboração LIGO-Virgo nas Refs. [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016)., 11[11] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 241103 (2016)., 12[12] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 118, 221101 (2017)., 13[13] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 851, L35 (2017)., 14[14] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 141101 (2017)., 15[15] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 161101 (2017)., 16[16] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. D 102, 043015 (2020)., 17[17] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 892, L3 (2020)., 18[18] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 125, 101102 (2020)., 19[19] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 896, L44 (2020).].

A grande maioria dos valores na Tabela 4 concordam pelo menos em ordem de grandeza, conforme concluímos ao comparar as quantidades nas colunas rotuladas por “OGFB” (nossas estimativas) com as quantidades correspondentes nas colunas rotuladas por “LIGO” (valores divulgados pela Colaboração LIGO-Virgo).

Nota-se, na Tabela 4, que os valores para os eventos GW170817 e GW190425 contém números de algarismos significativos [37[37] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 1: Mecânica (Edgard Blücher, São Paulo, 2002), v. 1, 4 ed.] diferentes dos demais eventos. Esses eventos são atípicos e precisamos fazer essa distinção nos algarismos para que as quantidades m, Mirrad e mesmo ρ aparecessem com valores diferentes de zero. O evento GW170817 é resultado da coalescência de duas estrelas de nêutrons [15[15] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 161101 (2017).]. O evento GW190415 envolveu um sistema binário de massa total de cerca de 3,4M, cuja natureza é incerta [17[17] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 892, L3 (2020).]. Nosso tratamento é dedicado à descrição de pares de buracos coalescentes, não de pares de estrelas de nêutrons ou de sistemas mistos. O evento GW190412 envolveu buracos negros de massas bastante assimétricas [16[16] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. D 102, 043015 (2020).], o que permite classificá-lo também como evento atípico, para o qual discrepâncias são esperadas.

Os valores de Mtot do nosso tratamento são consistentemente maiores do que aqueles da Colaboração LIGO-Virgo. Isso indica que talvez estejamos subestimando os valores da frequência de chirpfc—vide-se a Eq. (96). Outra possibilidade para explicar a diferença é, claro, o fato de nossa descrição usar física não-relativística analítica para modelar um sistema que requer um tratamento baseado em Relatividade Geral numérica. As diferenças nos valores de Mtot entre nossa abordagem e a de LIGO-Virgo propagam-se para as massas m e M; de fato, o cálculo dessas massas depende do parâmetro ξ e este, por sua vez, é calculado com os valores de e Mtot—cf. as Eqs. (101), (102) e (103).

Nossos valores para ρ diferem daqueles da Colaboração LIGO-Virgo em duas centenas de Mpc na maioria dos resultados. Embora seja verdade que essas diferenças são uma parcela significativa das próprias distâncias estimadas, também é verdade que as incertezas nas medidas LIGO-Virgo são, às vezes, cerca de ou maiores que 50% do valor da própria distância fonte-detector (como nos eventos das Refs. [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016)., 11[11] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 241103 (2016)., 12[12] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 118, 221101 (2017)., 17[17] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 892, L3 (2020)., 18[18] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 125, 101102 (2020).]). Uma outra explicação para as diferenças entre nossas estimativas para ρ e aquelas da Colaboração LIGO-Virgo é o fato de não levarmos em conta correções cosmológicas devido à expansão do universo. A Colaboração LIGO-Virgo faz um trabalho cuidadoso de considerar a correção devido ao redshift da fonte [42[42] B.S. Ryden, Introduction to Cosmology (Cambridge University Press, Cambridge, 2016), 2 ed.], enquanto que escapa de nossa proposta pedagógica usar cosmologia relativística [42[42] B.S. Ryden, Introduction to Cosmology (Cambridge University Press, Cambridge, 2016), 2 ed., 63[63] R.R. Cuzinatto e E.M. de Morais, Rev. Bras. Ensino Fís. 36, 1312 (2014).] na estimativa dos parâmetros dos sistemas binários emissores de ondas gravitacionais.

No nosso tratamento, simplicidade é um elemento guia. Sendo assim, não levamos em conta alguns efeitos físicos importantes em uma abordagem mais rigorosa. Por exemplo, desconsideramos a possibilidade de órbitas elípticas do par de objetos no sistema binário, o que está relacionado à descrição limitada a uma única frequência para radiação gravitacional [5[5] M. Maggiore, Gravitational Waves. Volume 1: Theory and Experiments (Oxford University Press, Oxford, 2008).]. Ademais, as velocidades dos buracos negros (ou estrelas de nêutrons) na fase de mergulho na trajetória espiral atinge velocidades comparáveis à velocidade da luz antes da coalescência; isso exigiria uma abordagem relativística para a modelagem rigorosa da etapa anterior ao chirp [5[5] M. Maggiore, Gravitational Waves. Volume 1: Theory and Experiments (Oxford University Press, Oxford, 2008).]. Nós assumimos um movimento não-relativístico ao longo de todo o nosso texto, o que compromete o rigor quantitativo dos valores estimados. Uma terceira simplificação é o fato de não levamos em conta a possibilidade de spin (rotação em torno do próprio eixo) em cada corpo do sistema binário; consequentemente, parte da energia cinética de rotação do sistema foi deliberadamente ignorada. Mais uma limitação de nosso tratamento: não conseguimos modelar o objeto resultante da coalescência (sua massa, raio de Schwarzschild, seu spin), o que é reflexo de termos ignorado a etapa de ring down. O ring down corresponde à fase de amortecimento do padrão da onda gravitacional após a coalescência (Figs. 1 e 8). Temos a ideia de explorar o ring down a partir do estudo de oscilações amortecidas em um trabalho futuro, o qual poderia incluir a análise dos demais efeitos descritos neste parágrafo.

A despeito das divergências apontadas na Tabela 4 entre nossas estimativas e as estimativas acuradas de LIGO-Virgo em [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016)., 11[11] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 241103 (2016)., 12[12] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 118, 221101 (2017)., 13[13] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 851, L35 (2017)., 14[14] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 141101 (2017)., 15[15] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 161101 (2017)., 16[16] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. D 102, 043015 (2020)., 17[17] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 892, L3 (2020)., 18[18] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 125, 101102 (2020)., 19[19] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 896, L44 (2020).] é possível destacar a coincidência dos valores em ordem de grandeza. Consideramos que esse fato é uma vitória da abordagem mais elementar adotada neste artigo. Ele demonstra que se pode entender quantitativamente as características principais das ondas gravitacionais emitidas por sistemas binários e de seus buracos negros progenitores já nos primeiros anos de uma graduação em ciências exatas. De fato, este trabalho explicou quantitativamente as características de cada uma das figuras presentes no artigo de descoberta da Colaboração LIGO-Virgo [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).], incluindo a forma do strain, da diminuição da separação dos buracos negros na fase espiral e da divergência do valor da frequência no chirp, com o emprego de física básica.

A descoberta da Colaboração LIGO-Virgo das ondas gravitacionais via a coalescência de buracos negros [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).] constituiu mais um teste de validade sólido da Relatividade Geral, foi uma verificação direta da existência material de buracos negros, foi o experimento mais acurado jamais realizado na histórica das ciências naturais, rendeu o prêmio Nobel aos representantes das equipes envolvidas e ganhou ampla atenção dos estudantes das ciências exatas e do público em geral. Assim, esse assunto constitui uma oportunidade pedagógica excelente: ondas gravitacionais são um estimulante laboratório para o estudo de física. O presente trabalho explorou essa oportunidade, usando os dados que aparecem nos artigos da Colaboração LIGO-Virgo [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016)., 11[11] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 241103 (2016)., 12[12] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 118, 221101 (2017)., 13[13] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 851, L35 (2017)., 14[14] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 141101 (2017)., 15[15] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 119, 161101 (2017)., 16[16] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. D 102, 043015 (2020)., 17[17] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 892, L3 (2020)., 18[18] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 125, 101102 (2020)., 19[19] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, ApJL 896, L44 (2020).] e equações deduzidas à partir de física básica [35[35] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 1: Mecânica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed., 36[36] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 2: Gravitação, Ondas e Termodinâmica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed., 37[37] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 1: Mecânica (Edgard Blücher, São Paulo, 2002), v. 1, 4 ed., 39[39] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 3: Eletromagnetismo (Edgard Blücher, São Paulo, 1997), v. 3.] para calcular parâmetros físicos dos sistemas binários emissores, descrever o processo de coalescência e modelar o padrão das ondas gravitacionais.

Agradecimentos

Os autores são gratos a Silas G. Vilhena, Léo G. Medeiros e Pedro J. Pompeia pelas inúmeras discussões frutíferas no assunto deste artigo. Os autores estão em débito para com Eduardo M. de Morais pela ajuda com a confecção das curvas nas Figs. 7, 9, 10 e 11. N.L.N.S. Nascimento agradece à UNIFAL-MG e ao CNPq pelo apoio financeiro. R.R. Cuzinatto dedica sua gratidão ao Prof. Rajendra P. Gupta da University of Ottawa (Canadá) pela hospitalidade e ao CNPq pelo apoio financeiro parcial (Processo No. 309984/2020-3). Os autores agradecem as observações construtivas de dois árbitros anônimos que ajudaram a melhorar o texto do artigo.

Apêndice A Aproximação WKB para Aperfeiçoamento da Fórmula do Strain

Este apêndice pode ser encarado como um complemento à Seção 10 10. A Forma Funcional da Onda Gravitacional e os Modos de Polarização Observe-se a Fig. 8. Ela é a reprodução da Fig. 2 no artigo [9] da colaboração LIGO. Na seção anterior, entendemos a razão para o formato das curvas no painel inferior desta figura. Nesta seção, queremos deduzir a equação que produz a forma oscilatória da curva vermelha no painel superior da mesma figura. Trata-se do gráfico para a forma da onda gravitacional h⁢(t) em função do tempo. 10.1. Os modos de polarização h+ e h× Conforme vimos na Seção 2, a onda gravitacional h⁢(t) tem dois modos de polarização, que chamamos de h+ e h×. O modo h+ descreve vibrações do espaço nas direções norte-sul e leste-oeste (Fig. 4); o modo de polarização h× dá conta das deformações do espaço nas direções noroeste-sudeste e nordeste-sudoeste. Como h+ e h× dizem respeito às oscilações, elas devem ter a forma de senos e cossenos. A diferença entre as direções de vibração de h+ e h× pode ser entendida como uma diferença de fase de noventa graus ou π/2 radianos. Essa fase é justamente o que diferencia senos e cossenos [29, 33]. Logo, faz sentido que: (138) h + ∼ cos ⁡ ( ω ⁢ t ) e (139) h × ∼ sin ⁡ ( ω ⁢ t ) . Dessa forma, (140) h × ⁢ ( ω ⁢ t ) = cos ⁡ ( ω ⁢ t - π 2 ) = h + ⁢ ( ω ⁢ t - π 2 ) . No que segue, vamos especificar cuidadosamente a forma funcional completa do modo de polarização h+⁢(t). Então, o leitor pode estender o raciocínio ao modo de polarização h×⁢(t) empregando a relação (140). 10.2. A forma funcional de h+: o padrão de onda até o chirp Vamos rescrever a Eq. (127) para a distância fonte-observador ρ em termos da frequência orbital ω=π⁢f, Eq. (74), e da massa de chirp ℳ=(M⁢m)3/5/(M+m)1/5, Eq. (5). Temos: ρ = 4 5 ⁢ G 5 / 3 c 4 ⁢ 1 h ⁢ ω 2 / 3 ⁢ [ ( m ⁢ M ) 3 / 5 ( m + M ) 1 / 5 ] 5 / 3 = 4 5 ⁢ 1 h ⁢ ( ω c ) 2 / 3 ⁢ [ G ⁢ ℳ c 2 ] 5 / 3 , ou seja, (141) h = 4 5 ⁢ 1 ρ ⁢ ( G ⁢ ℳ c 2 ) 5 / 3 ⁢ ( ω c ) 2 / 3 é a amplitude da onda gravitacional. Note-se que ela cai linearmente com a distância ρ. A radiação eletromagnética ensina que o (módulo do vetor) campo elétrico oscilante é da forma38: (142) | E | ∝ 1 ρ ⁢ cos ⁡ ( ω ⁢ t ) ( radiação eletromagnética ) . Veja que a amplitude da radiação eletromagnética (coeficiente da função cossenoidal) cai linearmente com ρ, assim como acontece com h na Eq. (141). Essa semelhança dos casos gravitacional e eletromagnético dá confiança ao nosso resultado (141) e também indica que a radiação gravitacional deve apresentar uma dependência temporal como a de |E| em (142). Dessa forma, esperamos que39: (143) h + ∝ 1 ρ ⁢ cos ⁡ ( ω ⁢ t ) ( radiação gravitacional ) . Esta relação é contemplada também na Eq. (138), h+∼cos⁡(ω⁢t). Tudo parece elegantemente consistente, ainda mais se observarmos que o fator de proporcionalidade remanescente em (143) já foi determinado em (141). De fato, escrevemos (144) h + ⁢ ( t ) = h ⁢ cos ⁡ ( ω ⁢ t ) , i.e.40 (145) h + = 4 5 1 ρ ( G ⁢ ℳ c 2 ) 5 / 3 ( ω c ) 2 / 3 cos ( ω t ) . O fator (G⁢ℳ/c2) indica porque é tão difícil detectar as ondas gravitacionais: G∼10-10, c2∼1016 em unidades do S.I.; por isso: (G⁢ℳ/c2)∼10-26⁢ℳ. Logo, precisamos de um sistema binário com uma massa de chirpℳ muitas vezes maior que 10+34⁢kg (uma massa solar vale M☉=1,99×1034⁢kg) para compensar as distâncias enormes da fonte, tipicamente da ordem ρ∼1 bilhão de anos-luz ∼109×(9,46×1015⁢m). Lembramos que a estimativa da distância Terra-fonte para o evento de descoberta em [9] foi de 410⁢Mpc≃1,3×109⁢anos-luz e da sua massa de chirp foi de ≃30⁢M☉. Figura 11 Gráfico do strain conforme nossa dedução a partir de física básica—vise-se a Eq. (145). Note-se a semelhança com a curva vermelha na Fig. 8, a qual é a modelagem numérico-relativística de LIGO-Virgo para o strain. A Fig. 11 mostra o gráfico da função h+ em função do tempo t conforme previsto pela Eq. (145). Dois fenômenos acontecem a medida que o tempo t aumenta: 1. a envoltória da curva h+⁢(t) aumenta. A amplitude da onda gravitacional cresce até atingir o valor máximo de strain no valor t=tc. O pico da amplitude dá-se na coalescência dos buracos negros; e, 2. a frequência f=ω/π da onda gravitacional aumenta. Isso significa que o comprimento de onda λ=c/f diminui [36]. É por isso que o padrão de picos e vales fica progressivamente mais compacto conforme observamos a curva da esquerda para a direita. Quando o valor de t aproxima-se do tempo de coalescência tc, a frequência tende à frequência de chirpfc, a qual essencialmente diverge, levando à λc→0. A partir daí ocorre o efeito chamado ring down: após a coalescência, forma-se um único buraco negro central e a detecção de ondas gravitacionais cessa após passar por um rápido amortecimento transiente. (O amortecimento não aparece na nossa Fig. 11, mas é visível na curva vermelha da Fig. 8 à partir de t=tc=0,43⁢s.) A curva na Fig. 11 apresenta precisamente as mesmas características do padrão de strain gerado pelo tratamento relativístico numérico da Colaboração LIGO-Virgo mostrado pela curva vermelha no painel superior da Fig. 8—Fig. 2 da Ref. [9]. Tão impressionante quanto esse fato, é a coincidência da curva de h+⁢(t) com o padrão de onda detectado pelos observatórios LIGO que pode ser visto no painel superior esquerdo da Fig. 1. Isso encerra a parte do artigo onde deduzimos as equações para os parâmetros relacionados à coalescência de sistemas binários e a consequente emissão de ondas gravitacionais usando física básica. Na próxima seção, usaremos essas equações extrair os números para os parâmetros que caracterizam os dez primeiros eventos detectados pela Colaboração LIGO-Virgo. , em que nos ocupamos da determinação da forma funcional da polarização h+(t) descrevendo o padrão oscilatório da onda gravitacional até o chirp. A aproximação WKB vai além do escopo principal do artigo, que é focado em física básica do início de uma graduação em ciências exatas, mas é usualmente abordado nos cursos de Mecânica Quântica do bacharelado em Física. Este apêndice é direcionado aos estudantes com esse perfil de formação.

Nos livros de ondas gravitacionais pela abordagem relativística, como a Ref. [5[5] M. Maggiore, Gravitational Waves. Volume 1: Theory and Experiments (Oxford University Press, Oxford, 2008).], aprendemos que a aproximação de órbita circular com subsequente movimento espiral dos buracos negros em direção ao centro de massa do sistema exige que passemos da Eq. (144),

(146) h + = h cos ( ω t ) ,

onde h é dado pela Eq. (141), para

(147) h + = h cos ( Φ ( t ) ) ,

sendo

(148) Φ ( t ) = ω ( t ) d t ,

i.e.

(149) h + = h cos ( ω ( t ) d t ) .

A justificativa do mapeamento acima tem sua raiz na aproximação WKB, comum na Mecânica Quântica [64[64] D.J. Griffiths, Introduction to Quantum Mechanics (Person Prentice Hall, Upper Saddle River, 2005), 2 ed.]. Naquele contexto, a função de onda é aproximada por

(150) ψ ( x ) A ( x ) e i ω ( x ) d x

na circunstância em que a equação de Schrödinger independente do tempo carrega um potencial V=V(x) dependente da posição, mas que varia pouco com a coordenada x. Vide-se o livro de Griffiths [64[64] D.J. Griffiths, Introduction to Quantum Mechanics (Person Prentice Hall, Upper Saddle River, 2005), 2 ed.], Eqs. (8.3) e (8.9) com o momento p dado por p=ω. (=h/2π é a constante de Planck reduzida.) A amplitude A(x) na Eq. (150) pertence ao conjunto dos números reais.

Ao lembrarmos da fórmula de Euler [33[33] G.F. Simmons, Cálculo com geometria analítica (Pearson Universidades, São Paulo, 1996), v. 1., 34[34] G.F. Simmons, Cálculo com geometria analítica (Pearson Universidades, São Paulo, 1996), v. 2.],

(151) e i θ = cos θ + i sin θ ,

escrevemos a Eq. (150) de ψ(x), como

ψ ( x ) A ( x ) cos ( ω ( x ) d x ) + i A ( x ) sin ( ω ( x ) d x ) ,

cuja parte real é:

(152) Re { ψ ( x ) } = A cos ( ω ( x ) d x ) .

Esta equação descreve a natureza ondulatória da matéria pela Mecânica Quântica. Analogamente, h+ descreve a natureza ondulatória das perturbações do espaço-tempo, que chamamos de ondas gravitacionais.

Comparando (149) e (152) entendemos porquê a fase Φ(t) da onda gravitacional é dada pela Eq. (148) na situação em que a frequência ω é uma função do tempo t que varia lentamente a medida que o sistema binário espirala para o seu centro. Em verdade, basta fazer o mapeamento

{ Re { ψ ( x ) } h + A h x t

em (152) para obter (147) e (148).

Substitua-se (141) em (147). O gráfico de

(153) h + = 4 5 1 ρ ( G c 2 ) 5 / 3 [ ω ( t ) c ] 2 / 3 cos ( Φ ( t ) )

em função do tempo t leva a um padrão de onda gravitacional ainda mais próximo ao da Fig. 2 do paper de descoberta do LIGO—nossa Fig. 8—do que fomos capazes de conseguir com nossas Eq. (145) e Fig. 11. Note-se que, em termos da frequência da onda gravitacional f—Eq. (74), a Eq. (148) é:

Φ ( t ) = π f ( t ) d t ,

onde f(t) é a função

f ( t ) = 1 π [ 1 8 α 1 ( t c - t ) ] 3 / 8 ( G c 3 ) - 5 / 8

da Eq. (137). Logo,

Φ ( t ) = ( G c 3 ) - 5 / 8 ( 1 8 α ) 3 / 8 ( t c - t ) - 3 / 8 d t ,

ou seja,

Φ ( t ) = - ( G c 3 ) - 5 / 8 ( 1 8 α ) 3 / 8 1 5 / 8 ( t c - t ) 5 / 8 + Φ 0 .

O fator de fase Φ0 é uma constante de integração. Substituindo o valor de α=32/5 [Eq. (66)], têm-se:

(154) Φ ( t ) = - ( 5 G c 3 ) - 5 / 8 ( t c - t ) 5 / 8 + Φ 0 ,

que é a expressão (4.30) do livro de Maggiore [5[5] M. Maggiore, Gravitational Waves. Volume 1: Theory and Experiments (Oxford University Press, Oxford, 2008).], a menos de um fator 2 relacionado ao uso da frequência orbital (em vez daquela relacionada à da onda gravitacional). Recuperamos, dessa forma, um resultado típico de um tratamento relativístico para a radiação gravitacional de um sistema binário.

No paper de descoberta [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).], temos a fase pós-coalescência chamada ring-down, que corresponde aos modos quasi-normais de oscilação do buraco negro resultante. Essa fase aparece como o vertiginoso decréscimo de amplitude após o pico do padrão oscilatório na curva vermelha da Fig. 8. A forma de onda do ring-down corresponde a uma oscilação amortecida (também abordada nos cursos de física básica [38[38] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 2: Fluidos, Oscilações e Ondas e Calor (Edgard Blücher, São Paulo, 2002), v. 2, 4 ed.]). A constante de amortecimento, em conjunto com o tratamento relativístico, leva a informações sobre o spin e a massa do buraco negro formado após a coalescência [49[49] H. Mathur, K. Jones-Smith e A. Lowenstein, Am. J. Phys. 85, 676 (2017).].

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    A Ref. [3[3] C.H. Lenzi, P.J. Pompeia e N. Studart, Rev. Bras. Ensino Fís. 41, e20190238 (2019).] enfatiza que a gravitação newtoniana também prevê um desvio da luz devido a presença de uma fonte gravitacional, como mostrou Jhohann Von Soldner e Henry Cavendish.
  • 2
    A atribuição do referido prêmio Nobel, precisamente no ano de 2017, coincide com o ano de detecção do evento GW170817, a primeira observação de coalescência de estrelas de nêutrons e o consequente nascimento da astronomia de multi-mensageiros.
  • 3
    Na alcunha GW150914: “GW” é a abreviação de “Gravitational Waves”, ou Ondas Gravitacionais, em português; os dois primeiros números (15) dizem respeio ao ano da descoberta (2015); os dois números intermediários (09) indicam o mês da medição (mês 09, i.e. setembro); e os números finais (14) denotam o dia da detecção (dia 14). Esse padrão é mantido para todos os eventos posteriores detectados pela Colaboração LIGO-Virgo.
  • 4
    Virgo é o nome do detector de ondas gravitacionais localizado na cidade de Pisa, na Itália. Estabeleceu-se uma cooperação entre os observatórios americanos LIGO e o interferômetro italiano para pesquisa e desenvolvimento dos detectores e também melhor caracterização e localização das fontes emissoras. Hoje, o observatório japonês KAGRA integra a colaboração. Assim, pode-se usar o recurso de triangulação para determinar precisamente a posição no céu da origem das ondas gravitacionais. Mais sobre os interferômetros será dito na Seção 2 2. Os Observatórios LIGO e a Verificação de c como Velocidade de Propagação das Ondas Gravitacionais A Fig. 2 mostra fotos dos observatórios LIGO nas cidades de Hanford (Washington) e Livingston (Louisiana). A posição relativa dos observatórios-irmãos no território dos Estados Unidos aparece na parte (a) da Fig. 3. Figura 2 Observatório LIGO em Hanford—imagem superior—e observatório LIGO em Livingston—foto inferior—responsáveis pela primeira detecção das ondas gravitacionais emitidas no processo de coalescência de buracos negros. Fonte: Ref. [43]. O termo “observatório” geralmente remete, no contexto da astrofísica, à imagem dos espelhos dos observatórios ópticos ou às antenas parabólicas típicas dos radiotelescópios. Revertendo essa expectativa, a geometria dos observatórios de ondas gravitacionais é na forma de braços perpendiculares. Essa geometria acompanha a engenharia dos interferômetros, que remonta aos experimentos de Michelson e Morley [40]. Feixes de laser circulam pelos braços perpendiculares em cada observatório, dentro dos tubos visíveis nas fotos da Fig. 2. A parte central da Fig. 3 ilustra o caminho do feixe de laser desde a fonte (Laser Source), passando pelo divisor de feixe (Beam Splitter), viajando entre as massas teste (Test Mass) em cada braço de 4 km de comprimento (múltiplas vezes), para finalmente chegar ao fotodetector (Photodetector). Figura 3 Observatórios LIGO como interferômetros (centro da figura). Parte (a): localização geográfica dos observatórios LIGO-Hanford (em vermelho) e LIGO-Livingston (em azul). Parte (b): curva de sensibilidade dos detectores. Fonte: Ref. [9]. O braços são projetados nesta geometria particular para se adequar à natureza da onda gravitacional prevista no contexto da Relatividade Geral. A RG propõe uma mudança do paradigma newtoniano na descrição da interação gravitacional. Newton entende a gravitação como uma força de ação à distância entre corpos massivos. Einstein interpreta a gravitação como uma deformação na geometria do espaço (e do tempo) produzida na presença de matéria (e energia). Para fixar as ideias, podemos imaginar o espaço como uma superfície bidimensional. A presença de uma massa sobre ela produziria uma depressão côncava, como uma bola de boliche forma uma bacia no entorno do seu ponto de contato com um lençol esticado.5 Uma segunda bola—digamos, uma bolha de bilhar—produziria uma outra depressão curva sobre o lençol. O movimento de cada bola seria ditado pelas depressões geradas pelo conjunto. É assim que se entende, de forma bastante simplista, a dinâmica orbital de sistemas de dois corpos no contexto da RG.6 Nesta analogia, uma onda gravitacional é uma ondulação produzida sobre a superfície do lençol pela dinâmica orbital dessas massas, que espiralam uma em direção à outra até o encontro no centro de massa. Ondas gravitacionais são ondulações na superfície do espaço-tempo. Para localizar um ponto em um plano, precisamos de duas coordenadas de um sistema de eixos (x,y). Analogamente, para localizar um ponto sobre a superfície do espaço-tempo que oscila, precisamos de duas coordenadas generalizadas ou, numa linguagem mais técnica, precisamos de dois graus de liberdade que fazem as vezes das coordenadas (x,y) no caso do espaço-curvo.7 Essas coordenadas generalizadas são chamadas de modos de polarização das ondas gravitacionais; eles são representados pelos símbolos h+ e h×. O modo de polarização h+ pode ser entendido como uma oscilação nas direções norte-sul e leste-oeste; daí a forma de cruz (+) do rótulo de h+. De forma complementar, h× dá conta de descrever as oscilações do espaço-tempo nas direções nordeste-sudoeste e noroeste-sudeste, motivando o uso do rótulo da cruz deitada (×) em h× [44, 45, 46].8 A Fig. 4 representa a passagem da onda gravitacional com modo de polarização h+ pelos braços do interferômetro LIGO. Os painéis dessa figura devem ser observados na sequência horária a partir do painel superior esquerdo. Os braços horizontal (chamado de x) e vertical (y) do interferômetro são projetados para que tenham o mesmo comprimento Lx=Ly=4⁢km na ausência da onda gravitacional. Essa situação é esboçada no canto superior esquerdo da Fig. 4. Ao atingir o plano do detector, o modo de polarização h+ distorce o espaço-tempo, estica-o na direção norte-sul e o encolhe na direção leste-oeste. O estiramento do espaço carrega o braço vertical fazendo-o aumentar de comprimento para (Ly+δ⁢Ly); ao mesmo tempo, o braço horizontal tem o comprimento comprimido para (Lx-δ⁢Lx). Essa situação é retratada no painel superior direito da Fig. 4. Figura 4 A deformação dos braços perpendiculares do observatório LIGO pela passagem da onda gravitacional. No destaque de cada painel aparece o estiramento de um anel de partículas-teste que, de inicialmente circular, passa a elíptico a medida que o modo de polarização h+ o atravessa; esse anel-teste ajuda a visualizar o efeito da onda gravitacional sobre o interferômetro. Fonte: Ref. [43]. O modo h+ varia no tempo a medida que atravessa o detector: isto é o que caracteriza o comportamento oscilatório da onda. O próximo acontecimento é a inversão do padrão anterior: o encurtamento acontece na direção norte-sul e o estiramento ocorre na direção leste-oeste. Nesta situação, o braço vertical passa para o comprimento menor (Ly-δ⁢Ly), enquanto o braço horizontal estica para (Lx+δ⁢Lx). Tal configuração aparece no painel inferior esquerdo da Fig. 4. Finalmente, o padrão de onda volta à situação original em que ambos os braços do detector recuperam o comprimento projetado Lx=Ly=4⁢km, o que completa um ciclo de oscilação da onda gravitacional, do espaço-tempo deformado e do estiramento e contração do interferômetro LIGO. A magnitude da deformação é da ordem de 10-21⁢m, i.e. δ⁢Lx∼δ⁢Ly∼10-21⁢m, porque a amplitude da onda gravitacional, chamada de strainh, é dessa mesma ordem de tamanho. De fato, observem-se os valores no eixo y do gráfico com o padrão oscilatório em vermelho no painel superior esquerdo da Fig. 1 mostrando a detecção do evento de descoberta GW150914. Para pôr esse resultado em perspectiva, lembre-se que o tamanho do núcleo atômico é da da ordem de 1⁢fm=10-15⁢m. Isso significa que o interferômetro LIGO foi capaz de detectar variações de tamanho de cerca de um milionésimo (10-6) do tamanho do núcleo atômico. Isso faz da detecção das ondas gravitacionais a medição de maior precisão na história das ciências naturais [9]. Aferir distâncias desse tamanho assombrosamente pequeno também diz muito a respeito da sofisticação técnica que envolveu a engenharia dos interferômetros LIGO. Mais dos impressionantes detalhes técnicos sobre a engenharia dos detectores podem ser encontradas nos artigos da Colaboração LIGO-Virgo, e.g. em [9, 43, 47]. A Fig. 3(a) indica que os observatórios LIGO-Hanford (sinalizado em vermelho sobre o mapa dos EUA) e LIGO-Livingston (indicado em azul) foram dispostos sobre o terreno de tal maneira que seus braços apontassem para direções diferentes, com uma angulação relativa. Essa estratégia foi proposital, para que se pudesse detectar também o modo de polarização h×, que produziria estiramentos e encurtamentos dos braços nas direções noroeste-sudeste e nordeste-sudoeste.9 A Fig. 3(a) também dá a diferença de tempo Δ⁢t entre as detecções das ondas gravitacionais do evento GW150914 pelos observatórios LIGO-Hanford e LIGO-Livingston. As ondas foram detectadas primeiro pelo observatório em Livingston (L1) e, então, 10⁢ms depois pelo observatório de Hanford (H1). Pela latitude e longitude de cada localidade, estima-se a distância Δ⁢x≃3000⁢km entre ambos os observatórios.10 Supondo um caminho retilíneo de propagação das ondas, estima-se a velocidade média de propagação v = Δ ⁢ x Δ ⁢ t ≃ 3000 ⁢ km 10 × 10 - 3 ⁢ s = 3 × 10 8 ⁢ m/s = c , que é justamente a velocidade de propagação da luz c. A conclusão é que as ondas gravitacionais propagam-se à velocidade da luz. Essa foi uma eloquente confirmação da Relatividade Geral, que prevê precisamente este fato. Para sermos completos, digamos que a parte (b) da Fig. 3 (canto superior direito) mostra a sensibilidade de detecção dos detectores LIGO na configuração que fez a descoberta do evento GW150914. É um gráfico do ruído na medida do strain como função da frequência da onda gravitacional. Note-se que o ruído é uma ordem de grandeza menor (10-22) do que a precisão necessária para detecção (10-21) para a imensa maioria dos valores de frequência. A região de maior sensibilidade do detector—o fundo da bacia no gráfico—corresponde à faixa de 100 Hz à 400 Hz. Essa região de frequência determina o tipo de fonte das ondas gravitacionais que podem ser medidas com os observatórios LIGO. Essas ondas são tipicamente provindas de sistemas binários de buracos negros, estrelas de nêutrons ou uma combinação de ambos11 São esses sistemas binários que passaremos a estudar a seguir. .
  • 5
    Essa imagem mental é representada nos diagramas das Figs. 3.3 e 3.4 da Ref. [44[44] K.S. Thorne, Black Holes and Time Warps: Einstein’s Outrageous Legacy (Norton, New York, 1994).], onde ela ganha bases mais rigorosas.
  • 6
    Na verdade, a RG estabelece que partículas-teste seguem trajetórias geodésicas no espaço-tempo curvado pela presença de matéria e energia.
  • 7
    Mais especificamente, considere-se a superfície de uma esfera de raio constante. Nesta superfície bidimensional curva, precisamos de apenas duas coordenadas para localizar qualquer ponto: tratam-se dos ângulos azimutal φ e polar θ. Por analogia e extensão a este exemplo, em uma superfície curva oscilante, precisamos de duas coordenadas generalizadas, ou dois graus de liberdade, ou ainda, dois modos de polarização.
  • 8
    As direções norte-sul e leste-oeste do modo de polarização h+ devem ser entendidas sobre o plano perpendicular à direção de propagação da onda gravitacional. Assim, na representação da Fig. 4, as direções de h+ estão no plano da página, enquanto que a onda gravitacional atravessa o plano da página formando um ângulo de 90o. Da mesma forma, as direções nordeste-sudoeste e noroeste-sudeste de h× repousam no plano perpendicular à direção de propagação da onda gravitacional.
  • 9
    Na prática, existe uma superposição desses modos e a análise dos dados deve ser capaz de fazer a decomposição da onda nas polarizações h+ e h×.
  • 10
    Pode-se estimar a distância Δx entre L1 e H1 usando, por exemplo, a ferramenta “medir distâncias” do Google Maps. O endereço de L1 é: LIGO Livingston, 19100 Ligo Rd, Livingston, LA 70754, United States. O endereço de H1 é: LIGO Hanford Observatory, 127124 N Route 10, Richland, WA 99354, United States. A distância dada pelo aplicativo entre esses pontos no mapa é Δx=3048,5km. A incerteza no valor de Δx estimada com o Google Maps não é fornecida e poderia muito bem ser da ordem de 1% para a ferramenta utilizada (31km). Daí a nossa escolha de Δx3000km.
  • 11
    Ondas gravitacionais emitidas por fontes envolvendo buracos negros supermassivos ou o próprio universo primordial possuem frequências fora da faixa de sensibilidade do LIGO. Daí vem a necessidade de planejar outros detectores de ondas gravitacionais como o LISA (Laser Interferometer Space Antenna), um eventual futuro observatório espacial de ondas gravitacionais—vide-se e.g. a Ref. [48[48] P. Amaro-Seoane, S. Aoudia, S. Babak, P. Binétruy, E. Berti, A. Bohé, C. Caprini, M. Colpi, N.J. Cornish, K. Danzmann, et al., Class. Quantum Grav. 29, 124016 (2012).] e o site da colaboração em <https://www.lisamission.org/>.
  • 12
    O movimento orbital geral de um sistema ligado de dois corpos é elíptico. Porém, mesmo no caso de sistemas binários elípticos, a forma da órbita é rapidamente circularizada pela perda de energia mecânica do sistema na forma de energia das ondas gravitacionais por ele emitidas [5[5] M. Maggiore, Gravitational Waves. Volume 1: Theory and Experiments (Oxford University Press, Oxford, 2008).]. Isso também dá suporte à simplificação que consideramos aqui. Mais tarde neste artigo, porém, relaxaremos a hipótese de órbita circular (com raio constante) para o par de buracos negros e passaremos a considerar a fase de movimento espiral até a coalescência.
  • 13
    A equivalência do MCU com o MHS foi discutida no artigo [50[50] R.R. Cuzinatto, E.M. de Morais e C.N. de Souza, Rev. Bras. Ensino Fís. 36, 3306 (2014).] em conexão ao trabalho pioneiro Siderius Nuncius de Galileu Galilei e a observação das quatro maiores luas de Júpiter.
  • 14
    Na segunda linha de (33) empregamos a definição de produto escalar (), qual seja [35[35] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 1: Mecânica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed.]: AB=ABcosϕ, onde A (B) é a magnitude do vetor A (B) e ϕ é o ângulo entre os vetores A e B.
  • 15
    De acordo com a mecânica newtoniana, a órbita circular com ω=constante deveria persistir para sempre. Por outro lado, a relatividade geral prevê que buracos negros em órbita mútua devem emitir ondas gravitacionais [5[5] M. Maggiore, Gravitational Waves. Volume 1: Theory and Experiments (Oxford University Press, Oxford, 2008)., 27[27] M.P. Ramos e R.V. Maluf, Rev. Bras. Ensino Fís. 40, e2302 (2018)., 8[8] V. De Sabbata e M. Gasperini, Introduction to Gravitation (World Scientific, Singapore, 1985)., 44[44] K.S. Thorne, Black Holes and Time Warps: Einstein’s Outrageous Legacy (Norton, New York, 1994)., 45[45] K.S. Thorne, The Science of Interstellar (Norton, New York, 2014).] e, como consequência, devem perder energia mecânica e espiralar em direção ao centro de massa com ω=ω(t). Para modelar esse processo de passagem da órbita circular para o movimento espiral no sistema físico, fazemos a passagem ω=constanteω=ω(t). Temos aqui um exemplo de anacronismo: usamos uma ideia da relatividade geral (o decaimento orbital por perda de energia gravitacional) para alterar uma configuração newtoniana (órbita circular estável) e sermos capazes de derivar equações que descrevem as ondas gravitacionais efetivamente detectadas pelos observatórios LIGO. Trata-se uma aproximação ou, de um ponto de vista mais purista, de uma violência ao rigor. Entretanto, para os leitores mais céticos, dizemos que essa prática é justificada pelos resultados consistentes que dela decorrem e é amplamente adotada, inclusive em textos consagrados de relatividade geral, como a Ref. [5[5] M. Maggiore, Gravitational Waves. Volume 1: Theory and Experiments (Oxford University Press, Oxford, 2008).], e em artigos de pesquisa científica atual, como por exemplo a Ref. [25[25] S.G. Vilhena, L.G. Medeiros e R.R. Cuzinatto, Phys. Rev. D 104, 084061 (2021).].
  • 16
    Uma forma alternativa de estabelecer a relação entre a potência irradiada na forma de ondas gravitacionais e o momento de inércia do sistema de massas compondo o sistema binário é o seguinte. Ondas gravitacionais são emitidas quando quantidades enormes de massa são deslocadas, assim como ondas eletromagnéticas são emitidas por cargas em movimento acelerado. A equação da potência total irradiada por um oscilador de cargas (oscilador Herz) vai com o quadrado (da segunda derivada temporal) do momento de dipolo elétrico associado—cf. a Eq. (12.8.28) da Ref. [39[39] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 3: Eletromagnetismo (Edgard Blücher, São Paulo, 1997), v. 3.], que é essencialmente a fórmula de Larmor. De forma similar, radiação gravitacional deve depender (da variação temporal) do momento de quadrupolo da distribuição de massa [8[8] V. De Sabbata e M. Gasperini, Introduction to Gravitation (World Scientific, Singapore, 1985).]. O momento de quadrupolo é essencialmente o mesmo que o momento de inércia—vide-se e.g. o apêndice A da Ref. [49[49] H. Mathur, K. Jones-Smith e A. Lowenstein, Am. J. Phys. 85, 676 (2017).]. Por analogia ao caso eletromagnético, que estabelece que Pelet vai com o quadrado do momento de dipolo, a potência total Pgraw da radiação gravitacional deve depender do quadrado do momento de inércia—exatamente como aparece na relação (52).
  • 17
    Usamos o colchetes ao redor de uma quantidade física quando queremos indicar que estamos interessados apenas em sua dimensão, e.g. [F]=N, a unidade do vetor força é o newton.
  • 18
    A rigor, a equação W=Fdcosθ vale apenas no caso em que F é força constante [35[35] J. Walker, D. Halliday e R. Resnick, Fundamentos de Física, Volume 1: Mecânica (Rio de Janeiro, LTC, 2009), 8 ed.]. Porém, ela é geral o suficiente para fins de análise dimensional.
  • 19
    Conforme a Eq. (66), α=32/5, tal que 1/(3α)=5/96.
  • 20
    Lembramos que limx(1/xn)=0 onde n é um número positivo. Isso explica o desaparecimento do segundo termo no parêntesis da Eq. (82).
  • 21
    O buraco negro remanescente da coalescência do sistema binário deve ter continuado a emitir ondas gravitacionais—devido a uma dinâmica diferente da do par de buracos negros inicias (modos quasi-normais e rotação são exemplos desses efeitos)—com amplitudes e em frequências distintas daquelas de possível observação pelo LIGO.
  • 22
    Para um artigo pedagógico sobre a física de buracos negros vide-se, e.g. [53[53] A. Saa, Rev. Bras. Ensino Fís. 38, e4201 (2016).]. O artigo [54[54] J. Neves, Rev. Bras. Ensino Fís. 39, e3303 (2017).] oferece uma perspectiva diferente. Indicamos também o trabalho [55[55] R.R. Machado e A.C. Tort, Rev. Bras. Ensino Fís. 38, e2314 (2016).]. Para nós, os livros de Kip Thorne, Refs. [44[44] K.S. Thorne, Black Holes and Time Warps: Einstein’s Outrageous Legacy (Norton, New York, 1994).] e [45[45] K.S. Thorne, The Science of Interstellar (Norton, New York, 2014).], são a fonte mais completa (e excitante) de informação sobre buracos negros e ondas gravitacionais para o público não especialista. Para uma referência não-técnica em português, consulte-se [56[56] G. Matsas e D. Vanzella, Buracos Negros. Rompendo os limites da Ficção (Vieira e Lentz, Rio de Janeiro, 2009).].
  • 23
    A região associada ao buraco negro é esférica pois acompanha a geometria da estrela, aproximadamente esférica, cujo colapso lhe deu origem. Essa é uma característica da métrica de Schwarzschild, abordada em [53[53] A. Saa, Rev. Bras. Ensino Fís. 38, e4201 (2016).] e também em [57[57] R.R. Cuzinatto, B.M. Pimentel e P.J. Pompeia, Am. J. Phys. 79, 662 (2011).]. Um grau a mais de sofisticação é levar em conta a rotação do buraco negro em torno do próprio eixo, o que conduz à solução de Kerr [58[58] R. Adler, M. Bazin e M. Schiffer, Introduction to General Relativity (McGraw-Hill, New York, 1975), 2 ed.]. Apesar de oferecer uma descrição mais acurada para buracos negros astrofísicos, a métrica de Kerr é uma solução demasiadamente sofisticada para abordarmos neste trabalho.
  • 24
    É preciso enfatizar que buracos negros isolados podem emitir ondas gravitacionais por processos como a excitação de seus modos quasi-normais. Esses mecanismos são diferentes da dinâmica de um sistema binário de buracos negros (que irradia principalmente devido à variação temporal do momento de quadrupolo de massa do par)[5[5] M. Maggiore, Gravitational Waves. Volume 1: Theory and Experiments (Oxford University Press, Oxford, 2008)., 8[8] V. De Sabbata e M. Gasperini, Introduction to Gravitation (World Scientific, Singapore, 1985).]. A distinção dos processos de emissão leva naturalmente à padrões diferentes de ondas, com escalas de amplitude diferentes. De fato, o buraco negro M87* está constantemente agregando matéria de sua vizinhança, o que leva a emissão de ondas gravitacionais. Porém, M87* não poderia ter sido detectado pelos interferômetros LIGO-Virgo, pois a amplitude de suas ondas gravitacionais jazem abaixo da curva de sensibilidade dos detectores. A foto aqui mostra um buraco negro, mas não uma fonte de ondas gravitacionais passível de detecção pela colaboração LIGO-Virgo.
  • 25
    Dizemos que o cancelamento de m é conveniente pois a partícula de luz—a ser estudada abaixo da Eq. (88) como partícula-teste—não possui massa de repouso associada, mas apenas momento linear.
  • 26
    Aqui temos mais um exemplo das nossas aproximações, que não são rigorosamente corretas mas que facilitam o tratamento quantitativo via mecânica newtoniana. Na Relatividade Geral, o raio de Schwarzschild é definido a partir do estudo do horizonte previsto pelo elemento de linha de Schwarzschild. Esse elemento de linha descreve o campo gravitacional (tensor métrico) estático com simetria esférica no exterior da fonte. O valor de Rs calculado pela Eq. (91) leva a divergências no setor radial da métrica e produz uma indeterminação na sua componente temporal, produzindo o horizonte de eventos da solução. Para encontrar o equivalente do raio de Schwarzschild para o sistema binário no contexto rigoroso da RG, precisaríamos resolver as equações de Einstein para um sistema de massas em movimento espiral. Isso levaria a uma métrica não estática extremamente complicada (já que esse sistema não exibe uma simetria simples que permita cálculos analíticos), cujo(s) horizonte(s) precisaria(m) ser determinado(s). A tarefa é executada de forma numérica pela Colaboração LIGO-Virgo e foge completamente das possibilidades do nosso tratamento.
  • 27
    De acordo com nossas estimativas Mtot=74M. O valor depreendido do artigo de descoberta da colaboração LIGO é Mtot=(66±11)M, cf. as grandezas apresentadas na Tabela I na Ref. [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).] e suas incertezas. Nota-se a compatibilidade de ambos os valores para Mtot dentro do intervalo de incerteza da medida do LIGO.
  • 28
    Estimamos M=44M e m=30M. A Tabela I da Ref. [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).] da colaboração LIGO apresenta os valores M=36-4+5M e m=29-4+4M. O significado da notação M=36-4+5M é o seguinte: o valor de M pertence ao intervalo (36-4)MM(36+5)M, ou seja, 32MM41M. Isso torna a nossa estimativa de M compatível com a do LIGO no intervalo de “dois sigmas”, ou seja, se somarmos 2×(+5) ao valor nominal M=36M do LIGO. Por outro lado, a nossa estimativa para m é compatível com o valor correspondente do LIGO, 25Mm33M, dentro de um sigma (i.e., dentro do intervalo de incerteza).
  • 29
    A Seção VI da Ref. [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).] apresenta o valor de Mirrad=3,0-0,5+0,5M para o equivalente em massa da energia total irradiada no evento GW150914. Nosso valor de Mirrad=4M é compatível com o do LIGO no intervalo de incerteza de dois sigmas.
  • 30
    A nossa Eq. (118) aparece no Capítulo 12 da Ref. [39[39] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 3: Eletromagnetismo (Edgard Blücher, São Paulo, 1997), v. 3.], Eq. (12.4.9) com δ=0, pois aqui tomamos a fase da onda δ como nula, sem perda de generalidade.
  • 31
    A razão para isso vem da Relatividade Geral [8[8] V. De Sabbata e M. Gasperini, Introduction to Gravitation (World Scientific, Singapore, 1985).]. O strain h é formado como uma perturbação na métrica do espaço-tempo plano (métrica de Minkowski). A métrica é uma quantidade que determina a treliça de coordenadas sobre a superfície do espaço-tempo. A métrica é uma quantidade adimensional e, consequentemente, h também o é. Quem carrega as dimensões de comprimento na descrição da geometria do espaço-tempo são as coordenadas {x,y,z,t}.
  • 32
    O painel superior esquerdo da Fig. 1 mostra que h é uma função do tempo t, i.e. h=h(t). O painel inferior esquerdo da mesma figura mostra que f também é uma função do tempo: f=f(t). A forma da curva f(t) é um arco ascendente, ou seja, f(t) é uma função monotônica crescente. Por isso, a função f(t) pode ser invertida e escrita como t=t(f). Quando isso é substituído na função de h(t), temos h=h(t(f)), ou simplesmente h=h(f). Isso informa que o strainh é uma função da frequência f da onda.
  • 33
    O mesmo tipo de limitação apareceu na dedução da Eq. (65) para Pirrad envolvendo a constante de proporcionalidade α, a qual é dada por (66).
  • 34
    De acordo com a notação do final da Seção 7.5 7.5. Estimativa da distância de separação inicial dos buracos negros e do raio de coalescência Na Seção 7.1 aprendemos a estimar a massa total Mtot do par de buracos negros no sistema binário. Esse resultado pode ser usado para encontrar a distância de separação dos buracos negros no início da coalescência. De fato, considere a Terceira Lei de Kepler na forma: (110) ω 2 = G ⁢ M tot r rel 3 . Aqui, inserimos a Eq. (34) em (35) e usamos a definição (5). Sabemos pela Eq. (74), que a frequência angular do sistema binário é ω=π⁢f, onde f é a frequência da onda gravitacional. Usando essa informação na equação acima, resulta: (111) r 0 = ( G ⁢ M tot ) 1 / 3 ( π ⁢ f 1 ) 2 / 3 ( raio do sistema binário ) . Na nossa notação, f1 é a estimativa para frequência da onda no início da coalescência. Por isso, usamos f=f1 na Eq. (111) para encontrar o tamanho r0 do sistema binário no início da fase espiral. Para o evento GW150914, estimamos f1=43⁢Hz, com base na Fig. 1, e Mtot=74⁢M☉, na Seção 7.1. Colocando esses valores em (111), obtemos r0≃815⁢km como o tamanho inicial do sistema binário. Em contrapartida, o raio do horizonte de eventos do buraco negro resultante da coalescência é dado pelo raio de Schwarzschild, Eqs. (94) e (95): (112) r c = 2 ⁢ G ⁢ M tot c 2 ( raio de coalescência ) . Essa é a expressão de cálculo para o raio de coalescência rc. O evento de descoberta, com Mtot=74⁢M☉ pelas nossas estimativas, leva à rc≃220⁢km, que é cerca de quatro vezes menor do que o raio orbital inicial r0. Como esperado, o horizonte de eventos do buraco negro central é mais compacto do que a órbita inicial dos buracos negros isolados. Aliás o raio do horizonte de eventos de cada buraco negro no evento de descoberta é encontrado empregando a Eq. (91): R S M = 2 ⁢ G ⁢ M c 2 ≃ 131 ⁢ km e R S m = 2 ⁢ G ⁢ m c 2 ≃ 89 ⁢ km ( GW ⁢ 150914 ) . O diretor executivo do laboratório LIGO (Caltech), David Reitze, deu a estimativa grosseira de 150 km para o tamanho dos buracos negros coalescentes na conferência de imprensa para anunciar a descoberta do evento GW150914 [47]. As distâncias r0 e rc caracterizam o sistema binário in situ. Uma outra distância que pode ser estimada com os dados da Colaboração LIGO-Virgo é aquela entre os buracos negros emissores das ondas e os detectores delas. É o que faremos a seguir. , podemos escrever 0=r0.
  • 35
    Dizer que (t) é dado em unidades de 0 é o mesmo que afirmar que a curva da Fig. 7 é construída tomando os valores do eixo x como os valores do tempo t e os valores do eixo y como a razão y=/0.
  • 36
    É preciso pontuar que o gráfico da velocidade na Fig. 2 da Ref. [9[9] The LIGO Scientific Collaboration and the Virgo Collaboration, Phys. Rev. Lett. 116, 061102 (2016).] foi construído com uma função diferente daquela na nossa Eq. (136). Em verdade, a Colaboração LIGO-Virgo preferiu a equação v/c=(GMtotπf/c3)1/3, onde a frequência f para a onda gravitacional é calculada usando relatividade numérica. Essa equação é um parâmetro pós-Newtoniano que aparece em um processo de aproximação bem definido no contexto da relatividade geral [61[61] C.M. Will, Theory and Experiment in Gravitational Physics (Cambridge University Press, Cambridge, 2018), 2 ed.].
  • 37
    Note-se que (G/c3) tem dimensão de tempo (segundo, no S.I.). Por isso, o lado direito da Eq. (137) realmente tem unidade de frequência (Hz, no S.I.).
  • 38
    A Eq. (142) aparece no Capítulo 12 da Ref. [39[39] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 3: Eletromagnetismo (Edgard Blücher, São Paulo, 1997), v. 3.], Seção 12.8, Eq. (12.8.23). Por favor, note-se a necessidade de adequação de notação: o que nós chamamos de ρ, a Ref. [39[39] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 3: Eletromagnetismo (Edgard Blücher, São Paulo, 1997), v. 3.] chama de r. Para nós, r=|r| é o módulo do vetor que parte do centro de massa do par de buracos negros e chega à massa m, cf. o desenvolvimento da Seção 3 3. Dinâmica Orbital do Sistema Binário de Buracos Negros Os buracos negros em sistemas binários são resultado do colapso gravitacional de estrelas da ordem de dezenas de massas solares. Mais adiante, caracterizaremos os buracos negros com mais cuidado. Agora, é suficiente ter em mente que buracos negros são objetos astrofísicos compactos. Isso permite que sejam modelados como um par de partículas pontuais em órbita mútua sob ação da interação gravitacional. Dessa forma, tomamos o sistema binário como um par de massas m e M em órbita circular em torno do centro de massa (CM), do qual distam r e R, respectivamente.12 Os vetores associados são denominados r→=r e R→=R (usamos o negrito para denotar vetores), conforme mostra a Fig. 5. Em acordo com a proposta do trabalho de usar física introdutória [49], modelamos o sistema com a lei de gravitação Newtoniana [35, 36]. Considere a Fig. 5(a). O método geométrico de soma de vetores (“coloca-se a origem do segundo vetor na extremidade do primeiro; o vetor soma parte da origem do primeiro para chegar na extremidade do segundo”) garante que: (1) r M = R CM + R ⇒ R = r M - R CM , sendo rM o vetor que localiza a massa M do sistema binário de massas pontuais (M,m), e (2) r m = R CM + r ⇒ r = r m - R CM , onde rm é o vetor da origem do sistema de coordenadas até a massa m. A distância relativa rrel entre M e m é a magnitude do vetor diferença: (3) r rel = - R + r . De fato, rrel é o vetor que parte da massa M e chega à massa m; como tal, ele é a soma do vetor (-R) com o vetor r. Figura 5 (a) Variáveis que participam da localização das massas do sistema binário. O vetor RCM parte da origem 𝒪 do sistema de coordenadas e chega na localização do centro de massa (CM). O vetor rM localiza a massa M a partir da origem 𝒪; o vetor rm localiza a massa m a partir da origem 𝒪. Por outro lado, o vetor R localiza M partindo do CM; o vetor r parte do CM e chega à massa m. (b) O vetor distância relativa rrel parte de M em direção à m. O vetor FM⁢(m) é a força em M devido à m; o vetor Fm⁢(M) é a força em m devido à M. O vetor FM⁢(m) tem a direção de rrel, que é indicada pelo vetor unitário r^rel. O vetor Fm⁢(M) aponta do sentido oposto pois a força gravitacional é atrativa. Pela definição de vetor centro de massa RCM como a distância ponderada pelas massas do sistema [35, 37], sabemos que: (4) R CM = M ⁢ r M + m ⁢ r m M + m . Sabemos também que a massa total(Mtot) é a soma das massas individuais das partículas no sistema: (5) M tot = M + m . Então, substituindo (4) em (1) obtemos: (6) R = - m M tot ⁢ ( r m - r M ) . Analogamente, inserindo (4) em (2) temos: (7) r = M M tot ⁢ ( r m - r M ) . Por outro lado, substituindo (1) e (2) em (3), temos: (8) r rel = - ( r M - R CM ) + ( r m - R CM ) = ( r m - r M ) . Substituindo (8) em (6) e (7): (9) R = - m M tot ⁢ r rel , (10) r = M M tot ⁢ r rel . Consideremos, agora, a Segunda Lei de Newton [35]: (11) F = μ ⁢ a rel = μ ⁢ d ⁢ v rel d ⁢ t = μ ⁢ d d ⁢ t ⁢ ( d ⁢ r rel d ⁢ t ) = μ ⁢ d d ⁢ t ⁢ ( r ˙ rel ) = μ ⁢ r ¨ rel , onde F é o vetor força atuando sobre a massa μ responsável pela sua aceleração arel. A velocidade vrel da partícula é a taxa de variação temporal de sua posição rrel. A equação acima estabelece a nossa notação: ponto acima de uma quantidade indica derivação com respeito ao tempo t. Para uma origem do sistema de coordenadas fixadas no CM, as partículas M e m são localizadas diretamente pelos vetores R e r, respectivamente (ou seja, não necessitamos mais empregar os vetores rM e rm). Então, para essas partículas, a segunda lei é: (12) F M ⁢ ( m ) = M ⁢ R ¨ , onde FM⁢(m) representa a força sobre a massa M devido à massa m. Dizemos isso pois sabemos que as massas M e m interagem gravitacionalmente de acordo com a lei da gravitação universal de Newton [36]. A força Fm⁢(M) sobre m devido à atração gravitacional da massa M é: (13) F m ⁢ ( M ) = m ⁢ r ¨ . A própria força gravitacional tem a forma funcional ditada por Newton [37]: (14) F M ⁢ ( m ) = G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( + r ^ rel ) e (15) F m ⁢ ( M ) = G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( - r ^ rel ) , com G=6,674×10-11⁢m3⁢kg-1⁢s-2. Ou seja, a força gravitacional é de atração mútua (o que explica o sinal negativo na última equação): (16) F m ⁢ ( M ) = - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel = - F M ⁢ ( m ) . Vide-se a Fig. 5(b) para a representação gráfica das forças FM⁢(m) e Fm⁢(M). Substituindo (16) em (12), temos: (17) G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( + r ^ rel ) = M ⁢ R ¨ ⇒ - G ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel = - R ¨ , e, inserindo (16) em (13), temos: (18) G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ ( - r ^ rel ) = m ⁢ r ¨ ⇒ - G ⁢ M r rel 2 ⁢ r ^ rel = r ¨ . Somando (17) e (18): - G ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel + ( - G ⁢ M r rel 2 ⁢ r ^ rel ) = - R ¨ + r ¨ , ou seja, (19) ( m + M ) ⁢ [ - G ⁢ 1 r rel 2 ⁢ r ^ rel ] = - R ¨ + r ¨ . Por inspiração vinda da força gravitacional, Eq. (16), temos: (20) F grav = [ - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel ] ≡ F , que é a força F em ação sobre as partículas sob consideração. Para reconhecer a presença de F na Eq. (19), introduzimos o produto das massas nesta relação, multiplicando-a e dividindo-a por (M⁢m): ( m + M ) M ⁢ m ⁢ [ - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel ] = - R ¨ + r ¨ . Então, percebemos F dentro dos colchetes. Isso resulta em: (21) ( m + M ) M ⁢ m ⁢ F = ( - R ¨ + r ¨ ) . Derivando (3) em relação ao tempo, temos: d ⁢ r rel d ⁢ t = - d ⁢ R d ⁢ t + d ⁢ r d ⁢ t ⇒ r ˙ rel = - R ˙ + r ˙ . Repetindo esse procedimento: (22) d d ⁢ t ⁢ r ˙ rel = - d d ⁢ t ⁢ R ˙ + d d ⁢ t ⁢ r ˙ ⇒ r ¨ rel = ( - R ¨ + r ¨ ) . Podemos notar que o lado direito de (21) é justamente a equação (22): (23) F = M ⁢ m ( m + M ) ⁢ r ¨ rel . Definindo a massa reduzida como: (24) μ ≡ M ⁢ m ( m + M ) , temos: (25) F = μ ⁢ r ¨ rel . A Eq. (25) é a Segunda Lei de Newton do sistema binário: compare (11) e (25). Dessa forma, justificamos a importância do conceito de massa reduzida e mostramos a forma natural como ela aparece no contexto do movimento de dois corpos sob ação mútua da força gravitacional. Ademais, esse raciocínio mostra que tudo se passa como se pudéssemos substituir o sistema binário de duas massas M e m por um sistema de uma única partícula pontual de massa igual à massa reduzida μ que executa um movimento circular. Essa interpretação é justificada pela forma (25) da Segunda Lei de Newton para o sistema de partículas: ela é idêntica a forma tradicional F=m⁢a aplicada à uma única massa pontual m perante o mapeamento μ→m e r¨rel=arel→a. Agora, encontraremos a Terceira Lei de Kepler para o movimento orbital do sistema binário. Substituindo Eq. (20) em (25): μ ⁢ r ¨ rel = - G ⁢ M ⁢ m r rel 2 ⁢ r ^ rel ou, usando a Eq. (24), (26) r ¨ rel = - G ⁢ ( m + M ) r rel 2 ⁢ r ^ rel . A aceleração arel=r¨rel é aquela que garante o movimento orbital do sistema binário. Por simplicidade, tomamos esse movimento como um Movimento Circular Uniforme (MCU). Sabemos que a aceleração característica do MCU é a aceleração centrípeta acp, cuja fórmula é [35]: (27) a cp = v rel 2 r rel ⁢ ( - r ^ rel ) , onde a velocidade tangencial no movimento circular tem seu módulo dado por: (28) v rel = ω ⁢ r rel . A quantidade ω é a velocidade angular do movimento circular—ou frequência angular do movimento harmônico simples (MHS) a ele equivalente13: (29) ω = 2 ⁢ π T . A quantidade T é o período orbital do sistema binário. Inserindo (28) em (27), temos: acp=-ω2⁢rrel⁢r^rel, a qual, devido à Eq. (29), fica: (30) a cp = - 4 ⁢ π 2 ⁢ r rel T 2 ⁢ r ^ rel . Faremos r¨rel=arel=acp igualando a Eq. (26) com a Eq. (30) e fatorando o termo (-r^rel) comum a ambos os membros da equação. Isso resulta em: (31) r rel 3 T 2 = G ⁢ m 4 ⁢ π 2 ⁢ ( 1 + M m ) . Esta é a Terceira Lei de Kepler [37]: Os quadrados dos períodos de revolução de dois planetas quaisquer estão entre si como os cubos de suas distâncias médias ao Sol. Em outras palavras, T2 é diretamente proporcional à rrel3, ou ainda, (32) T 2 ∝ r rel 3 ⇒ r rel 3 T 2 ∝ constante . A Terceira Lei de Kepler é, por isso também, chamada de Lei dos Períodos. Ela pode ser colocada em termos da velocidade angular ω do conjunto ao usarmos a Eq. (29) em conjunto com: (33) r rel 2 = r rel ⋅ r rel = ( - R + r ) ⋅ ( - R + r ) = R 2 + r 2 - 2 ⁢ R ⋅ r = R 2 + r 2 - 2 ⁢ R ⁢ r ⁢ cos ⁡ ( 180 o ) = R 2 + r 2 + 2 ⁢ R ⁢ r = ( R + r ) 2 , onde usamos a definição (3) e a Fig. 5 para identificar que o ângulo entre os vetores R e r é 180cpsdummyo.14 Logo, a magnitude do vetor de distância relativa entre as massas é (34) r rel = ( R + r ) e a Eq. (31) fica [49]: (35) ω 2 = G ⁢ ( M + m ) ( R + r ) 3 . A Eq. (35) é a Terceira Lei de Kepler para o movimento orbital em termos da frequência angular. Ela pode ser aliada ao princípio da conservação de energia para especificarmos a energia mecânica total Etot armazenada do movimento orbital do sistema binário. A energia mecânica total é [35]: (36) E tot = K + U = 1 2 ⁢ μ ⁢ v rel 2 + [ - G ⁢ M ⁢ m r rel ] , onde K=(1/2)⁢μ⁢vrel2 é a energia cinética da massa reduzida μ animada com velocidade vrel e (37) U = - G ⁢ M ⁢ m r rel é a expressão para a energia potencial gravitacionalU=Ugrav do sistema binário. Então, com (24) e (34): (38) E tot = 1 2 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) ⁢ v rel 2 - G ⁢ M ⁢ m ( R + r ) . Usando (28) nesta equação: E tot = 1 2 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) ⁢ ( ω ⁢ r rel ) 2 - G ⁢ M ⁢ m ( R + r ) . Podemos eliminar ω e rrel deste resultado ao empregarmos as Eqs. (34) e (35). Assim, obtemos: (39) E tot = - 1 2 ⁢ G ⁢ M ⁢ m ( R + r ) , que é a equação de energia orbital do sistema binário. A expressão (39) é uma manifestação do Teorema do Virial [51]. Podemos escrever a Eq. (39) em termos de frequência orbital. De fato, de (35), temos: ( R + r ) = [ G ⁢ ( M + m ) ω 2 ] 1 / 3 , a qual leva à: (40) E tot = - 1 2 ⁢ G 2 / 3 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) 1 / 3 ⁢ ω 2 / 3 . Essa será uma das grandezas físicas calculadas quando estudarmos o sistema de buracos negros binários, os quais coalescem para formar um único buraco negro e emitem ondas gravitacionais no processo. As ondas gravitacionais carregam energia para fora do sistema binário. Essa energia é drenada da energia mecânica orbital do sistema. Por isso, Etot deve variar no tempo, i.e. deve existir uma derivada não-nula deEtot. Vamos calcular d⁢Etot/d⁢t diferenciando a Eq. (40) com relação ao tempo. Temos: d ⁢ E tot d ⁢ t = - 1 2 ⁢ G 2 / 3 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) 1 / 3 ⁢ 2 3 ⁢ ω 2 / 3 - 1 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t . Veja que aqui admitimos que a frequência angular muda com o tempo: ω=ω⁢(t). Isso não é estritamente verdade no movimento circular uniforme, que supusemos válido para deduzir a Terceira Lei de Kepler—pois usamos a expressão da aceleração centrípeta (27). Entretanto, em um sistema coalescente, as massas M e m vão espiralando em direção ao centro de massa. Neste processo espiral, a distância mútua rrel=(R+r) diminui, a velocidade tangencial (da massa reduzida) aumenta e a velocidade (ou frequência) angular ω também aumenta.15 Ou seja, vale: (41) - d ⁢ E tot d ⁢ t = 1 3 ⁢ G 2 / 3 ⁢ M ⁢ m ( M + m ) 1 / 3 ⁢ ω - 1 / 3 ⁢ d ⁢ ω d ⁢ t . A perda de energia orbital (-d⁢Etot/d⁢t) só pode acontecer pelo ganho de energia das ondas gravitacionais, o que leva à potência irradiada Pirrad. Na próxima seção encontraremos a equação para a energia por unidade de tempo carregada pela ondas gravitacionais. .
  • 39
    A forma mais completa da dependência temporal nas relações (142) e (143) deveria ocorrer através do tempo retardado tr=(t-r/c). Essa é uma característica típica da radiação, seja na forma de ondas eletromagnéticas ou gravitacionais. O tempo retardado computa o fato de a radiação propagar-se à velocidade limite igual a velocidade da luz no vácuo c. O tempo retardado aparece de forma natural ao resolvermos a equação de ondas no contexto do eletromagnetismo [39[39] H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 3: Eletromagnetismo (Edgard Blücher, São Paulo, 1997), v. 3.] e no da relatividade geral [27[27] M.P. Ramos e R.V. Maluf, Rev. Bras. Ensino Fís. 40, e2302 (2018).]. Executar esses cálculos aqui exigiria uma sofisticação técnica que queremos evitar. Ademais, a introdução do tempo retardado não é necessária para a conclusão principal nesta seção, que é a derivação do padrão de onda de h+ representado na Eq. (145) e na Fig. 11.
  • 40
    No tratamento relativístico completo, o fator de (1/5) em (145) não aparece explicitamete. Em seu lugar, há um fator (1+cos2θ)/2 que guarda informação sobre a inclinação θ do plano de órbita do sistema binário em relação ao plano dos detectores—vide-se a Eq. (4.3) da Ref. [5[5] M. Maggiore, Gravitational Waves. Volume 1: Theory and Experiments (Oxford University Press, Oxford, 2008).]. De qualquer forma, (1/5)1/(2,2) corresponde aproximadamente à modelagem de uma incidência da frente de onda para a qual θ=π/2.
  • 41
    O número de eventos detectados pela Colaboração LIGO-Virgo cresce dia-a-dia, conforme pode ser checado no website da colaboração [62[62] https://ligo.org/detections.php
    https://ligo.org/detections.php...
    ]. No momento em este artigo é finalizado, já foram disponibilizados eventos detectados das rodadas de observações O1, O2 e O3 cuja razão sinal-ruído era mais baixa do que aqueles aqui analisados. Esses eventos eram de tratamento estatístico mais delicado e foram rotulados como eventos-candidatos (não-confirmados) até muito recentemente. Por isso, eles não serão discutidos em detalhe na Seção 11 11. Estimativas dos Valores dos Parâmetros Físicos das Binárias Coalescentes Nesta seção oferecemos estimativas dos parâmetros físicos associados aos sistemas binários coalescentes emissores de ondas gravitacionais confirmados pela colaboração LIGO desde o evento de descoberta, divulgado em 12 de fevereiro de 2016, até o evento confirmado em 20 de junho de 2020 [9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19].41 As estimativas são feitas empregando as equações derivadas a partir de física fundamental nas seções anteriores. Vide-se a Fig. 12. Os eventos detectados pela colaboração LIGO-Virgo confirmados até meados de 2020 foram: GW150914 (primeira detecção), GW151226, GW170104, GW170814, GW170817 (primeira detecção de coalescência de estrelas de nêutron), GW170608, GW190412, GW190425, GW190521, GW190814—todos encontrados no sítio <https://www.ligo.org/detections.php> e artigos lá referenciados [9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19]. A Fig. 12 coleciona esses eventos em um infográfico do cemitério estelar. Os artigos relacionados a esses eventos continham figuras similares à Fig. 1, a partir das quais coletamos os dados que aparecem na Tabela 1. Figura 12 Eventos de coalescências de sistemas binários detectados pela colaboração LIGO-Virgo entre 2015 e 2019 nas três primeiras rodadas operacionais dos observatórios. Nota-se a medida direta de vários eventos de coalescência de buracos negros de diferentes massas e um evento envolvendo estrelas de nêutrons. Este último permitiu validar o modelo de produção de elementos pesados no interior estelar e vincular modelos de gravidade modificada. Os números no lado esquerdo dão a estimativa das massas dos objetos estelares cuja coalescência foi a fonte das ondas gravitacionais. Fonte: [62]. Table 1 Dados observacionais para os dez primeiros eventos de coalescência de sistemas binários confirmados pela colaboração LIGO-Virgo. As quantidades são: t1 é o valor de tempo correspondente ao início da detecção do movimento espiral; t2 é o valor de tempo em que a coalescência ocorre; f1 é a frequência da onda gravitacional no início da detecção; fc é a frequência de chirp; h é a amplitude máxima do strain. t 1 ⁢ ( s ) t 2 ⁢ ( s ) τ ⁢ ( s ) f 1 ⁢ ( Hz ) f c ⁢ ( Hz ) h ⁢ ( 10 - 21 ) GW150914 0,34 0,43 0,09 43 307 1,2 GW151226 - 0,70 0,00 0,70 32 448 0,3 GW170104 0,53 0,60 0,07 48 256 0,6 GW170608 - 1,50 0,00 1,50 30 400 2,1 GW170814 0,44 0,53 0,09 52 240 0,7 GW170817 - 28,0 0,00 28,0 30 350 7,5 GW190412 - 0,38 0,13 0,50 40 200 2,0 GW190425 0,40 2,30 1,9 100 800 1,9 GW190521 0,40 0,45 0,05 35 150 2,5 GW190814 - 9,00 0,00 9,00 20 400 0,2 Ao longo do texto deste artigo, explicamos como estimar os dados {t1,t2,f1,fc,h} para o evento GW150914; fizemos isso no compasso em que desenvolvíamos as equações necessárias para os cálculos dos parâmetros físicos {ℳ,Mtot,M,m,Mirrad,r0,rc,RSM,RSm,ρ} associados a esse evento. O processo todo é longo, o raciocínio ficou diluído em várias etapas, o que pode ter obscurecido a visão global do método. Para remediar isso, vamos adotar a seguinte postura aqui: assumiremos as equações que já deduzimos sem explicações adicionais e dedicaremos atenção exclusiva à coleta dos dados e à estimativa dos parâmetros. Tomaremos arbitrariamente o evento GW170104 [12] como exemplo diferente daquele já explorado. O tratamento para os demais eventos é inteiramente análogo e fica a cargo do leitor. Figura 13 Dados observacionais do evento GW170104. Fonte: Ref. [12]. A Fig. 13 refere-se ao evento GW170104 e aparece no artigo [12]. Os valores do eixo x na parte inferior da figura dizem respeito ao tempo. O eixo y do segundo quadro (rotulado “Livingston”) fornece os valores de frequência da onda gravitacional. O início do arco luminoso neste quadro tem um valor no eixo y entre 32 Hz e 64 Hz, a aproximadamente meio caminho entre eles; isso leva a adotarmos f1=48⁢Hz. O valor associado à f1 no eixo x é estimado em t1=0,53⁢s (uma rápida olhada no quadro “Hanford” confirma o início do arco luminoso nesta posição do eixo x). O pico do arco luminoso no quadro “Livingston” corresponde ao valor de tempo t2=0,60⁢s (no eixo horizontal) e de frequência de cerca de fc=256⁢Hz. A frequência de pico é a frequência de chirp fc. O penúltimo quadro contém os padrões de vibração da onda gravitacional, cujo pico de amplitude ocorre para o valor h=0,6×10-21 do strain (no eixo y). Assim, obtemos os valores de {t1,t2,f1,fc,h} na linha da Tabela 1 para o evento GW170104. O valor de τ é calculado fazendo τ=t2-t1=0,60⁢s-0,53⁢s=0,07⁢s. O conjunto de valores {t1,t2,f1,fc,h} permite calcular a massa de chirpℳ, a massa total Mtot do sistema binário, o parâmetro de massa ξ, a massa M do buraco negro primário, a massa m do buraco negro secundário e o equivalente em massa irradiado Mirrad referentes ao evento GW170104. De fato, inserindo τ=0,07⁢s e f1=48⁢Hz na Eq. (83), encontra-se ℳ=31⁢M☉. O valor da frequência de chirp fc=256⁢Hz, quando substituído na Eq. (96), leva à Mtot=89⁢M☉. O par de valores {ℳ,Mtot} que acabamos de calcular é, então, colocado na Eq. (103) para fornecer ξ=0,22. Este parâmetro é fundamental porque, quando substituído nas equações (101) e (102), dá a massa individual dos buracos: m=19⁢M☉ e M=70⁢M☉. Esses valores de {m,M} levam à massa irradiada no evento GW170104 após substituição na Eq. (108): Mirrad=4⁢M☉ . As equações que mencionamos acima foram colocadas em caixas para facilitar sua localização ao longo do texto e para destacar suas importâncias. A Tabela 2 mostra a coleção dos valores {ℳ,Mtot,ξ,m,M,Mirrad}, cuja obtenção descrevemos nesse parágrafo, para o evento GW170104 (terceira linha) bem como para os demais eventos abordados neste trabalho. Table 2 Estimativa dos parâmetros físicos {ℳ,Mtot,m,M, Mirrad} para os dez primeiros eventos de coalescência de sistemas binários confirmados pela colaboração LIGO-Virgo. ℳ é a massa de chirp, Mtot indica a massa total do sistema binário, ξ é o parâmetro de massa, M representa a massa do buraco negro primário, m a massa do buraco negro secundário e Mirrad é a massa irradiada na forma de ondas gravitacionais. ℳ M tot ξ m M Mirrad ( M ☉ ) ( M ☉ ) ( M ☉ ) ( M ☉ ) ( M ☉ ) GW150914 32 74 0,40 30 44 4 GW151226 15 51 0,15 8 43 2 GW170104 31 89 0,22 19 70 4 GW170608 10 57 0,06 4 53 1 GW170814 23 95 0,11 10 85 2 GW170817 1,8 65,3 0,003 0,2 65,1 0,04 GW190412 13 114 0,03 3 111 1 GW190425 1,3 28,6 0,01 0,2 28,4 0,04 GW190521 63 152 0,35 53 99 9 GW190814 7 57 0,03 2 55 1 Ao observar as colunas da Tabela 2 que contém os valores de m e M, concluímos que a maioria dos objetos apresentam massas dezenas de vezes maiores do que aquelas de nosso Sol. Isso é uma das maneiras de confirmarmos que estamos lidando com buracos negros, pois os buracos negros formam-se apenas a partir de estrelas com massas da ordem de oito massas solares ou maiores [44]. Exceções notórias são os eventos GW170817, GW190425 e GW190814 que envolvem um par de estrelas de nêutrons [15], um provável sistema misto [17] e um par de buracos negros de massas bastante assimétricas [19].42 A coluna Mirred na Tabela 2 deixa claro que os eventos de coalescência envolvendo corpos tão massivos são altamente energéticos, emitindo energias equivalentes a várias vezes a quantidade de energia que o Sol poderia emitir durante toda em sua vida (ou melhor, durante toda a sua evolução estelar). Os valores de massa irradiada chegam a alcançar até cerca de 9 vezes o valor da massa solar (vide-se o evento GW190521). O próximo conjunto de quantidades físicas a ser estimado é relacionado a comprimentos e distâncias. Queremos encontrar o tamanho do sistema binário r0 no início da fase espiral; o raio de coalescência rc, que dá uma medida do horizonte de eventos do buraco negro resultante; o raio de Schwarzschild RSM (RSm) do buraco negro primário M (secundário m); e, a distância ρ da Terra até o centro de massa do sistema binário, tanto em unidades de anos-luz quanto em parsec (pc). Vide-se a Tabela 3. Table 3 Estimativa dos parâmetros físicos {r0,rc,RSm,RSM,ρ} para os dez primeiros eventos de coalescência de sistemas binários confirmados pela Colaboração LIGO-Virgo. r0 é o raio do sistema binário no início da fase espiral; rc é o raio de Schwarzschild do astro central na coalescência; RSm é o tamanho do horizonte de eventos do objeto de massa m; RSM é ao raio de Schwarzschild do astro de massa M; ρ é a distância entre a Terra e o sistema binário emissor de ondas gravitacionais. ρ é dado em bilhões de anos-luz (penúltima coluna) e também em mega parsec (1⁢pc=3,26⁢ano-luz). A coluna r0/rc dá o número de vezes que o tamanho inicial do sistema binário é maior do que o objeto pós-coalescência. r 0 r c r 0 r c R S m R S M ρ ( × 10 9 ρ ( km ) ( km ) ( km ) ( km ) ano-luz ) ( Mpc ) GW150914 815 220 4 89 131 2,1 639 GW151226 875 151 6 23 128 2,7 820 GW170104 805 264 3 58 206 3,5 1085 GW170608 949 169 6 11 158 0,2 68 GW170814 779 281 3 30 251 1,8 560 GW170817 992 193 5 1 192 0,003 0,9 GW190412 987 337 3 9 328 0,2 63 GW190425 337 84,3 4 0,5 83,8 0,01 4 GW190521 1187 450 3 157 293 1,9 593 GW190814 1243 169 7 5 164 1,2 352 Para o evento GW170104, havíamos medido f1=48⁢Hz (cf. a Tabela 1) e calculado Mtot=31⁢M☉ (Tabela 2); iserindo esses valores na Eq. (111), encontra-se r0=805⁢km. A Eq. (112) em conjunto com o valor Mtot=31⁢M☉ (na Tabela 2) leva à rc=264⁢km. Dividindo-se o valor de r0 pelo de rc encontramos aproximadamente 3, o que significa que o tamanho do sistema binário no início da fase espiral era cerca de três vezes maior do que o objeto central formado após a coalescência. O valor m=19⁢M☉ (Tabela 2) e a Eq. (91) dão o raio de Schwarzschild para o objeto de massa m do par, RSm=58⁢km. Analogamente, substituindo o valor M=70⁢M☉ (Tabela 2) na Eq. (91), encontramos o valor RSM=206⁢km para raio do horizonte the eventos do buraco negro primário. A distância ρ entre a Terra e o sistema binário é calculada mediante a substituição dos valores {fc=256⁢Hz,h=0,6×10-21} (Tabela 1) e {m=19⁢M☉,M=70⁢M☉} (Tabela 2) na Eq. (127); o resultado é ρ=3,5⁢bilhões de anos-luz (1⁢bilhão=1⁢G=109). Podemos converter esse valor para mega parsecs (que é a unidade usada pela colaboração LIGO-Virgo) usando o fator de conversão 1⁢pc=3,26⁢ano-luz; o resultado é ρ=1085⁢Mpc. (Também sabemos que 1⁢mega=1⁢M=106.) Os valores cujos cálculos foram descritos neste parágrafo aparecem na linha correspondente ao evento GW170104 da Tabela 3. A penúltima coluna da Tabela 3 evidencia que as distâncias entre os sistemas binários e a Terra são tipicamente da ordem de bilhão de anos-luz, o que significa que o evento de coalescência ocorreu há bilhões de anos no passado. Isso é bastante significativo, tendo em vista que a idade do universo é de cerca de 13,7 bilhões de anos [42]. A distância vertiginosa entre nós e os eventos de coalescência de buracos negros é bastante conveniente: como a intensidade da radiação gravitacional cai com o quadrado da distância ρ, cf. as Eqs. (114) e (115), a energia por unidade de tempo e de área que chega até nós é baixa. Isso explica porque não fomos incinerados pelas energias altíssimas emitidas pelos buracos negros coalescentes. 12. Discussão e Conclusão Na seção anterior usamos as equações que derivamos ao longo do texto usando física básica para estimar os parâmetros físicos de sistemas binários emissores de radiação gravitacional. Nesta seção, confrontaremos a precisão de nossas estimativas com aquelas da Colaboração LIGO-Virgo [62]. Assim, compilamos alguns dos valores nas nossas Tabelas 2 e 3 colocando-os lado a lado com os valores correspondentes encontrados nas Refs. [9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19]. Table 4 Tabela comparativa entre as estimativas deste trabalho e aquelas da Colaboração LIGO-Virgo. A sigla “OGFB” significa “Ondas Gravitacionais a partir de Física Básica”, uma versão resumida do título de nosso artigo; por isso os valores nas colunas indicadas por “OGFB” são aqueles que estimamos. Os valores nas colunas rotuladas por “LIGO” dizem respeito àqueles divulgados pela colaboração LIGO-Virgo nas Refs. [9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19]. ℳ ⁢ ( M ☉ ) M tot ⁢ ( M ☉ ) m ⁢ ( M ☉ ) M ⁢ ( M ☉ ) M irrad ⁢ ( M ☉ ) ρ ⁢ ( Mpc ) OGFB LIGO OGFB LIGO OGFB LIGO OGFB LIGO OGFB LIGO OGFB LIGO GW150914 32 29 74 66 30 29 44 36 4 3 639 410 GW151226 15 9 51 22 8 8 43 14 2 1 820 440 GW170104 31 21 89 51 19 19 70 31 4 2 1085 880 GW170608 10 8 57 19 4 7 53 12 1 1 68 340 GW170814 23 24 95 56 10 25 85 31 2 3 560 540 GW170817 1,8 1,2 65,3 2,7 0,2 1,4 65,1 1,2 0,04 0,03 0,9 40 GW190412 13 13 114 38 3 8 111 30 1 1 63 740 GW190425 1,3 1,4 28,6 3,4 0,2 1,1 28,4 2,5 0,04 0,11 4 159 GW190521 63 65 152 150 53 66 99 85 9 8 593 5300 GW190814 7 6 57 26 2 3 55 23 0,4 0,2 352 241 A grande maioria dos valores na Tabela 4 concordam pelo menos em ordem de grandeza, conforme concluímos ao comparar as quantidades nas colunas rotuladas por “OGFB” (nossas estimativas) com as quantidades correspondentes nas colunas rotuladas por “LIGO” (valores divulgados pela Colaboração LIGO-Virgo). Nota-se, na Tabela 4, que os valores para os eventos GW170817 e GW190425 contém números de algarismos significativos [37] diferentes dos demais eventos. Esses eventos são atípicos e precisamos fazer essa distinção nos algarismos para que as quantidades m, Mirrad e mesmo ρ aparecessem com valores diferentes de zero. O evento GW170817 é resultado da coalescência de duas estrelas de nêutrons [15]. O evento GW190415 envolveu um sistema binário de massa total de cerca de 3,4⁢M☉, cuja natureza é incerta [17]. Nosso tratamento é dedicado à descrição de pares de buracos coalescentes, não de pares de estrelas de nêutrons ou de sistemas mistos. O evento GW190412 envolveu buracos negros de massas bastante assimétricas [16], o que permite classificá-lo também como evento atípico, para o qual discrepâncias são esperadas. Os valores de Mtot do nosso tratamento são consistentemente maiores do que aqueles da Colaboração LIGO-Virgo. Isso indica que talvez estejamos subestimando os valores da frequência de chirpfc—vide-se a Eq. (96). Outra possibilidade para explicar a diferença é, claro, o fato de nossa descrição usar física não-relativística analítica para modelar um sistema que requer um tratamento baseado em Relatividade Geral numérica. As diferenças nos valores de Mtot entre nossa abordagem e a de LIGO-Virgo propagam-se para as massas m e M; de fato, o cálculo dessas massas depende do parâmetro ξ e este, por sua vez, é calculado com os valores de ℳ e Mtot—cf. as Eqs. (101), (102) e (103). Nossos valores para ρ diferem daqueles da Colaboração LIGO-Virgo em duas centenas de Mpc na maioria dos resultados. Embora seja verdade que essas diferenças são uma parcela significativa das próprias distâncias estimadas, também é verdade que as incertezas nas medidas LIGO-Virgo são, às vezes, cerca de ou maiores que 50% do valor da própria distância fonte-detector (como nos eventos das Refs. [9, 11, 12, 17, 18]). Uma outra explicação para as diferenças entre nossas estimativas para ρ e aquelas da Colaboração LIGO-Virgo é o fato de não levarmos em conta correções cosmológicas devido à expansão do universo. A Colaboração LIGO-Virgo faz um trabalho cuidadoso de considerar a correção devido ao redshift da fonte [42], enquanto que escapa de nossa proposta pedagógica usar cosmologia relativística [42, 63] na estimativa dos parâmetros dos sistemas binários emissores de ondas gravitacionais. No nosso tratamento, simplicidade é um elemento guia. Sendo assim, não levamos em conta alguns efeitos físicos importantes em uma abordagem mais rigorosa. Por exemplo, desconsideramos a possibilidade de órbitas elípticas do par de objetos no sistema binário, o que está relacionado à descrição limitada a uma única frequência para radiação gravitacional [5]. Ademais, as velocidades dos buracos negros (ou estrelas de nêutrons) na fase de mergulho na trajetória espiral atinge velocidades comparáveis à velocidade da luz antes da coalescência; isso exigiria uma abordagem relativística para a modelagem rigorosa da etapa anterior ao chirp [5]. Nós assumimos um movimento não-relativístico ao longo de todo o nosso texto, o que compromete o rigor quantitativo dos valores estimados. Uma terceira simplificação é o fato de não levamos em conta a possibilidade de spin (rotação em torno do próprio eixo) em cada corpo do sistema binário; consequentemente, parte da energia cinética de rotação do sistema foi deliberadamente ignorada. Mais uma limitação de nosso tratamento: não conseguimos modelar o objeto resultante da coalescência (sua massa, raio de Schwarzschild, seu spin), o que é reflexo de termos ignorado a etapa de ring down. O ring down corresponde à fase de amortecimento do padrão da onda gravitacional após a coalescência (Figs. 1 e 8). Temos a ideia de explorar o ring down a partir do estudo de oscilações amortecidas em um trabalho futuro, o qual poderia incluir a análise dos demais efeitos descritos neste parágrafo. A despeito das divergências apontadas na Tabela 4 entre nossas estimativas e as estimativas acuradas de LIGO-Virgo em [9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19] é possível destacar a coincidência dos valores em ordem de grandeza. Consideramos que esse fato é uma vitória da abordagem mais elementar adotada neste artigo. Ele demonstra que se pode entender quantitativamente as características principais das ondas gravitacionais emitidas por sistemas binários e de seus buracos negros progenitores já nos primeiros anos de uma graduação em ciências exatas. De fato, este trabalho explicou quantitativamente as características de cada uma das figuras presentes no artigo de descoberta da Colaboração LIGO-Virgo [9], incluindo a forma do strain, da diminuição da separação dos buracos negros na fase espiral e da divergência do valor da frequência no chirp, com o emprego de física básica. A descoberta da Colaboração LIGO-Virgo das ondas gravitacionais via a coalescência de buracos negros [9] constituiu mais um teste de validade sólido da Relatividade Geral, foi uma verificação direta da existência material de buracos negros, foi o experimento mais acurado jamais realizado na histórica das ciências naturais, rendeu o prêmio Nobel aos representantes das equipes envolvidas e ganhou ampla atenção dos estudantes das ciências exatas e do público em geral. Assim, esse assunto constitui uma oportunidade pedagógica excelente: ondas gravitacionais são um estimulante laboratório para o estudo de física. O presente trabalho explorou essa oportunidade, usando os dados que aparecem nos artigos da Colaboração LIGO-Virgo [9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19] e equações deduzidas à partir de física básica [35, 36, 37, 39] para calcular parâmetros físicos dos sistemas binários emissores, descrever o processo de coalescência e modelar o padrão das ondas gravitacionais. . Nosso artigo não quer oferecer uma análise exaustiva, mas sim ilustrativa, do que é possível estimar a respeito dos eventos usando física básica.
  • 42
    Nosso tratamento não foi desenvolvido para acomodar sistemas binários tão complexos como aqueles envolvendo estrelas de neutrons, as quais apresentam fortes campos magnéticos e estruturas internas complexas a afetar a dinâmica gravitacional.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Jan 2022
  • Revisado
    01 Abr 2022
  • Aceito
    06 Abr 2022
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