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Releitura de conceitos relacionados à astronomia presentes nos dicionários de libras: implicações para interpretação/tradução

Rereading concepts related to astronomy in Brazilian sign language dictionaries: implications for translation/ interpretation

Resumos

Após 10 anos da promulgação da Lei nº 10.436/2002, constata-se que a presença de alunos surdos nas salas de aula comuns já é uma realidade. Com a regulamentação do Decreto Federal nº 5.626/2005, notam-se avanços no que concerne ao acesso e à inclusão dos alunos surdos nos ambientes educacionais, consolidando lutas históricas da comunidade surda. Nesse sentido, a busca por novas estratégias de ensino e de avaliação da aprendizagem faz-se necessária. No entanto, percebe-se que muitos tradutores/intérpretes de língua de sinais (TILS) possuem dificuldades para interpretar os conceitos científicos, muitas vezes distantes da sua formação. O objetivo deste trabalho é fornecer aos professores e TILS, das séries iniciais do Ensino Fundamental, subsídios para o ensino dos conceitos relacionados à astronomia. Para isso, foi realizada uma pesquisa de levantamento dos sinais relacionados à astronomia, indicados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), presentes em dois principais dicionários de Libras em circulação no país e em um dicionário especializado em Astronomia. Por meio desse levantamento, foram analisados 49 conceitos e suas definições, fazendo uma releitura e indicando uma definição mais adequada para os TILS e professores. Constatouse que as definições de alguns sinais presentes nos dicionários possuem distorções, redundâncias e conteúdos que demandam uma formação mais específica para sua abordagem. A releitura permitiu a construção de uma redação mais simples e ofereceu a possibilidade da sugestão de conceitos ainda não constituídos na Libras.

Educação Especial; Ensino; Astronomia; Surdos; Língua brasileira de Sinais


Ten years after the enactment of the 10.436/2002 law, it is clear that the presence of deaf students in regular classrooms has become a reality. After the regulation of the Federal decree nº 5.626/2005, advances can be noted regarding access and inclusion of deaf students in educational environments, consolidating historical efforts by the deaf community. As a result, there is a demand for pursuing new strategies for teaching and for learning assessment. However, we have noticed that many sign language translators/interpreters (TILS) have problems interpreting scientific concepts, with which they are often unfamiliar. The aim of this study is to provide teachers and TILS working in first year elementary level classes with assistance for teaching concepts related to astronomy. To this end, we conducted a survey of signs related to astronomy, according to vocabulary indicated in the Brazilian National Curriculum Parameters (PCN). The signs were available in the two main Libras dictionaries used in the country, as well as in a dictionary specialized in Astronomy. This survey enabled us to analyze 49 concepts and their definitions, by means of which we conducted a rereading of same and indicated more adequate definitions for TILS and teachers. We found that definitions of some signs presented in the dictionaries were distorted and redundant, requiring greater specificity in the explanations. This revision enabled us to produce simpler entries and allowed us to suggest concepts that have not as yet been coined in Libras.

Special Education; Teaching; Astronomy; Deafness; Brazilian Sign Language


RELATO DE PESQUISA

Releitura de conceitos relacionados à astronomia presentes nos dicionários de libras: implicações para interpretação/tradução

Rereading concepts related to astronomy in Brazilian sign language dictionaries: implications for translation/ interpretation

Fábio de Souza AlvesI; Denis Eduardo PeixotoII; Eliza Márcia Oliveira LippeIII

IDoutorando do Programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, São Paulo, Brasil. proffabiofisica@gmail.com

IIMestre em Ensino de Ciências e Matemática pelo Programa de Pós-Graduação em Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática, Universidade Estadual de Campinas, PECIM, UNICAMP, Campinas, São Paulo, Brasil. denis.peixoto@yahoo.com.br

IIIDoutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Programa de Pós Graduação em Educação, Campinas, São Paulo, Brasil. emolippe@unicamp.br

RESUMO

Após 10 anos da promulgação da Lei nº 10.436/2002, constata-se que a presença de alunos surdos nas salas de aula comuns já é uma realidade. Com a regulamentação do Decreto Federal nº 5.626/2005, notam-se avanços no que concerne ao acesso e à inclusão dos alunos surdos nos ambientes educacionais, consolidando lutas históricas da comunidade surda. Nesse sentido, a busca por novas estratégias de ensino e de avaliação da aprendizagem faz-se necessária. No entanto, percebe-se que muitos tradutores/intérpretes de língua de sinais (TILS) possuem dificuldades para interpretar os conceitos científicos, muitas vezes distantes da sua formação. O objetivo deste trabalho é fornecer aos professores e TILS, das séries iniciais do Ensino Fundamental, subsídios para o ensino dos conceitos relacionados à astronomia. Para isso, foi realizada uma pesquisa de levantamento dos sinais relacionados à astronomia, indicados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), presentes em dois principais dicionários de Libras em circulação no país e em um dicionário especializado em Astronomia. Por meio desse levantamento, foram analisados 49 conceitos e suas definições, fazendo uma releitura e indicando uma definição mais adequada para os TILS e professores. Constatouse que as definições de alguns sinais presentes nos dicionários possuem distorções, redundâncias e conteúdos que demandam uma formação mais específica para sua abordagem. A releitura permitiu a construção de uma redação mais simples e ofereceu a possibilidade da sugestão de conceitos ainda não constituídos na Libras.

Palavras-chaves: Educação Especial. Ensino. Astronomia. Surdos. Língua brasileira de Sinais.

ABSTRACT

Ten years after the enactment of the 10.436/2002 law, it is clear that the presence of deaf students in regular classrooms has become a reality. After the regulation of the Federal decree nº 5.626/2005, advances can be noted regarding access and inclusion of deaf students in educational environments, consolidating historical efforts by the deaf community. As a result, there is a demand for pursuing new strategies for teaching and for learning assessment. However, we have noticed that many sign language translators/interpreters (TILS) have problems interpreting scientific concepts, with which they are often unfamiliar. The aim of this study is to provide teachers and TILS working in first year elementary level classes with assistance for teaching concepts related to astronomy. To this end, we conducted a survey of signs related to astronomy, according to vocabulary indicated in the Brazilian National Curriculum Parameters (PCN). The signs were available in the two main Libras dictionaries used in the country, as well as in a dictionary specialized in Astronomy. This survey enabled us to analyze 49 concepts and their definitions, by means of which we conducted a rereading of same and indicated more adequate definitions for TILS and teachers. We found that definitions of some signs presented in the dictionaries were distorted and redundant, requiring greater specificity in the explanations. This revision enabled us to produce simpler entries and allowed us to suggest concepts that have not as yet been coined in Libras.

Keywords: Special Education. Teaching. Astronomy. Deafness. Brazilian Sign Language.

1-INTRODUÇÃO

A Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi reconhecida como língua de expressão e comunicação dos surdos por meio da Lei nº 10.436/2002, que dispõe sobre a Libras, e do Decreto nº 5.626/2005, que regulamenta esta Lei (BRASIL, 2002, 2005).

Souza (2007, p. 157) destacou que o Decreto nº 5.626:

[...] regulamenta a Lei 10.436 garantindo o direito de o estudante surdo ter um ensino bilíngue nas escolas públicas e privadas, através da oferta obrigatória, desde a educação infantil, o ensino da Libras e também da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos. [...] o currículo, em uma escola bilíngue inclusiva para surdos, deve ser oferecido em Libras e em português, em sua modalidade escrita" (SOUZA, 2007, p 157).

No entanto, as pesquisas apontam a dificuldade dos professores em atuar com alunos ouvintes e alunos surdos nas salas regulares. Fatores diversos, tais como a formação docente deficiente na temática, os erros conceituais em livros didáticos, a falta de material de apoio para os docentes e a falta de formação para atuar com o aluno surdo, fragilizam a implementação dos conteúdos na Educação Básica (MENDES, 2006; LANGHI, 2010; MENEZES et al, 2010; PEIXOTO; RAMOS, 2011).

Com relação aos tradutores e intérpretes de Libras (TILS), SOUZA (2007, p.159) fez uma consideração precisa acerca da formação do tradutor/intérprete na sala de aula comum:

[...] O artigo 21 deixa clara a necessidade de as escolas providenciarem a contratação do intérprete e determina, em seu § 1º, inciso II, que esse profissional atuará "nas salas de aula para viabilizar o acesso dos alunos aos conhecimentos e conteúdos curriculares, em todas as atividades didático-pedagógicas. Nesse ponto, creio ser importante um parágrafo antes de prosseguir. O modo como o artigo 21 caracteriza a atuação do intérprete merece reflexão - por ele, o intérprete é entendido como aquele que viabiliza acesso do surdo ao conhecimento na escola, ou seja, atribui-se a ele uma função instrumental. O pressuposto é uma concepção de ensino marcada pelo condutivismo, ou pelo pragmatismo pedagógico. Na perspectiva por mim assumida, a do Acontecimento Didático, a ação do intérprete não pode ser considerada similar a de um "transleter language", ele é, antes de tudo, também um educador (SOUZA, 2007, p.159).

Portanto, é fundamental entender a formação desse tradutor/intérprete que estará em sala de aula, tal como Lacerda (2010, p.136-137) apontou em relação à formação desses profissionais:

[...] Todavia, este profissional tem sido historicamente constituído na informalidade, nas relações sociais, pela demanda dos próprios surdos que inúmeras vezes precisam de intérpretes para mediar sua comunicação com ouvintes. A maioria dos intérpretes aprendeu ou desenvolveu sua fluência em Libras em espaços religiosos (que por sua necessidade de propiciar acesso à doutrina à comunidade surda, capacitam e acolhem fiéis usuários ou interessados na língua de sinais). Assim, os grupos religiosos têm-se apresentado no decorrer das últimas décadas como comunidades solidárias à condição bilíngue dos surdos, e nelas pessoas que se interessam pela língua de sinais (ou por terem parentes surdos, ou amigos, ou mesmo por afinidade) ampliam seus conhecimentos e são convidadas a mediar situações mais ou menos formais entre surdos e ouvintes. Então, o intérprete molda-se às demandas da prática e vai constituindo-se como TILS nas e pelas experiências que vai vivenciando (LACERDA, 2010, p.136-137).

Contudo, não pretendemos dar uma visão pessimista a respeito da escola e da atuação do TILS, uma vez que há também experiências de professores, alunos e gestores de escola bastante inovadoras, com projetos coerentes que representam a função social da escola (ALARCÃO, 2001).

Na presença de um aluno surdo, a escola deverá adotar um perfil de escola bilíngue, para o qual os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) sugerem que o ensino de Astronomia deveria aparecer durante todo o Ensino Fundamental e em parte do Ensino Médio.

Desse modo, professores, TILS, alunos ouvintes e alunos surdos compartilham o mesmo espaço, devendo interagir e discutir os conteúdos. Quando os conteúdos envolvem discussão sobre temas ou conceitos científicos, alguns autores, como, Brito (1993), Freitas (2001) e Quadros e Karnopp (2004) revelaram que existe uma carência de terminologias científicas em Libras, o que pode interferir na negociação de sentidos dos conceitos científicos por docentes, alunos e intérpretes, dificultando o ensino-aprendizagem em ciências (SOUZA; SILVEIRA, 2011).

Para Vygotsky (2001) e Bakhtin (2006), a aquisição da linguagem ocorre do externo para o interno e passa a orientar o pensamento. Consequentemente, ocorre, na criança, o desenvolvimento cognitivo, toda a cognição passando a sofrer influência da linguagem e, portanto, a ser moldada pelas características sócio-históricas de uma comunidade.

Na teoria de Vygotsky, a internalização pode ser interpretada como apropriação, uma vez que tal conceito implica algo que o indivíduo busca do externo para o interno (GOLDFELD, 1997). Posição semelhante é elaborada por Bakhtin (2006), cuja perspectiva sociolinguística postula que o ser humano atua na sociedade e modifica o meio social.

A apropriação do conhecimento científico ocorre por meio de rupturas com o senso comum, enquanto que a aprendizagem ocorre por meio de mudanças conceituais e não por acúmulo de informações (BACHELARD, 1996).

Ocorre que uma mudança dessa natureza não é uma tarefa fácil, já que ela envolve mediar essa ruptura sem conhecer os conteúdos, as diferenças, elaborar modelos a fim de estabelecer e de reconhecer diferenças em um determinado conteúdo (BIZZO; KAWASAKI, 1999).

Desse modo, na preparação e no planejamento da aula ou elaboração de material didático, os professores e TILS recorrem, para fins de consulta, aos dicionários de Libras. Porém, se não houver uma interpretação adequada dos conceitos ali encontrados, os alunos, ao longo do processo de ensino/aprendizagem, podem internalizar conceitos com sentidos completamente diferentes do real, acarretando, portanto, um sério dano à formação dessas pessoas.

A prática de tradutor/intérprete de Libras envolve muitas competências, de forma que traduzir e interpretar determinadas áreas do conhecimento pode ser mais difícil para os TILS, devido tanto à própria complexidade da área, quanto à formação mais distante do TILS em relação ao conteúdo proposto.

Assim, como forma de auxiliar o professor e o TILS, foi realizada uma releitura dos conceitos ligados ao tema Astronomia, presentes nos dois principais dicionários de Libras, buscando uma redação mais simples para o conceito.

Por meio de um processo investigativo, pretendemos responder às seguintes questões centrais: 1- Há sinais que contemplam estes conteúdos? e 2- Quais definições são descritas nos dicionários a respeito dos conceitos relacionados à Astronomia?.

Este trabalho pretende, em primeiro lugar, reunir os sinais relacionados à Astronomia, presentes nos dois principais dicionários de Libras, em seguida, discutir as definições dos sinais presentes nestes dicionários, fazendo uma releitura dos conceitos, de forma a que estes possuam uma redação mais próxima da realidade do professor e do TILS, e, por fim, sugerir as definições dos sinais ainda não constituídos na Libras para o ensino de Astronomia para surdos.

2 METODOLOGIA

Visando atender ao objetivo do nosso trabalho, foram selecionados 49 conceitos de Astronomia presentes nos conteúdos das séries iniciais e, posteriormente, realizou-se pesquisa dos termos da área de astronomia em dois principais dicionários de Libras: Capovilla e Raphael, (2001) e Capovilla et al (2009), de grande circulação no Brasil, tidos como referência em muitos cursos de formação curricular e complementar voltados para orientação e estudo de TILS e professores. Também foi consultado o dicionário de autoria de Mourão (2008), especializado em Astronomia e das informações da União Astronômica Internacional - IAU.

Para os sinais não constituídos, foram discutidos os conceitos que a eles serão associados, de forma a facilitar a construção desses sinais. Serão apresentados em forma de quadros, os conceitos e suas respectivas definições e uma nova redação foi sugerida. Acredita-se que a apresentação dos resultados e da discussão, estruturados em quadros, permitirá uma visão mais ampla da problemática e uma melhor comparação entre as definições, sendo, assim, de maior valia para os professores, TILS e estudiosos do tema. Os espaços em branco correspondem à ausência do sinal e da definição nos respectivos dicionários.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

O Quadro 1 apresenta a lista dos conceitos na astromonia presentes nos dicionários consultados.


O Quadro 2 apresenta a lista dos conceitos na astromonia ausentes nos dicionários consultados.


Na análise dos dados, foram observadas algumas distorções em todos os dicionários. No entanto, algumas definições são mais adequadas, sobretudo aquelas estabelecidas a partir da definição proposta pelo Dicionário de Astronomia.

Dos 49 conceitos estudados, 17 estavam disponíveis nos dicionários de Libras, outros 32 ainda não estavam constituídos nos referidos dicionários, o que não significa que tais sinais não existam, o que indica ser necessária uma pesquisa com a comunidade surda a fim de verificar se há o sinal correspondente a esses conceitos, que, por algum motivo, não estão disponíveis nos dicionários. No entanto, foram inseridas as definições desses sinais no Quadro 2 para ajudar os TILS e pesquisadores do tema no que se refere à elaboração do sinal, caso ele ainda não exista.

Para os 17 sinais encontrados, procurou-se uma definição mais simples como recurso para TILS e professores. No caso em questão, encontrou-se, de forma geral, uma redação muito difícil, com alguns dados equivocados nos dicionários de Libras 1 e 2. Apenas no conceito de Lua e suas fases manteve-se a redação, com pequenas correções nos dados numéricos, como por exemplo:

Para o conceito de Astronomia foi utilizada a definição do Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, porém retirou-se o termo Astro, por este se aproximar demasiadamente da Astrologia, que comumente é confundida com a Astronomia. Com relação ao dicionário de Libras 1, o conceito aparece confuso ao não fazer uma relação direta entre os corpos celestiais e as estrelas fixas, os planetas, os satélites e os cometas, que também são considerados como tal.

Já nos conceitos de eclipse, foi utilizada, parcialmente, a definição do dicionário de astronomia, enfatizando as principais características e situando o leitor no planeta Terra, pois, até o momento, sabe-se que não há fenômeno semelhante em outros locais no sistema solar. Para eclipse lunar e solar destacou-se que a "lua" pode ser visível por um observador na "terra" durante um eclipse, mesmo no eclipse total, a parcialidade ou totalidade se dá pela posição que o observador se encontra no planeta terra. Por esse motivo, decidiu-se reestruturar o conceito contido no Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica. Além disso, os dicionários de Libras 1 e 2 ignoram a diferença entre os fenômenos da eclipse solar e lunar, o que é um equivoco do ponto de vista conceitual, pois tratam-se de fenômenos completamente distintos.

No conceito de "Estações do Ano", foi adotada a definição do Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, complementando-o com a demonstração do real motivo da ocorrência do fenômeno que é a inclinação do planeta, por esse motivo há uma maior ou menor incidência de luz solar em nosso planeta à medida que ele faz sua periodicidade em torno do Sol. A definição no dicionário de Libras 1 está equivocada, pois desconsidera este fato, ou seja, em regiões próximas à linha do Equador, ou nas regiões mais frias do planeta, não é nítida a diferença do clima o que pode apresentar ao TILS e leitores uma concepção equivocada do conceito.

Para o conceito de Verão, Outono, Inverno e Primavera, especificamente, foi adotada, parcialmente, o conceito do Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, complementando-o com o posicionamento do observador no planeta Terra, de maneira a demonstrar o movimento aparente do Sol no céu. Caso contrário, o leitor pode ser levado a crer que o Sol se movimenta sobre a Terra. Não foi utilizado o conceito descrito nos dicionários de Libras 1 e 2 para os conceitos de Verão, Inverno e Outono, pois, dependendo da região que o observador se encontra no globo terrestre, praticamente não há variação na temperatura média da região, inviabilizando a adoção do Verão como a estação mais quente do ano, ou inverno como a mais fria do ano. Além disso, os dicionários apenas se referiram as Estações como intervalos de tempo resumindo de uma forma simplista a definição do conceito.

O dicionário de Libras 2 simplesmente ignorou a existência da estação do ano Primavera, o que pode representar um problema se um TILS estiver em uma região do país que não tenha mudança significativa de temperatura.

Para o conceito de Estrela, a definição reescrita, seguindo as determinações da União Astronômica Internacional. Os dicionários de Libras 1 e 2 erram conceitualmente ao afirmar que os astrônomos calculam 100 bilhões de estrelas. Esse número é o mínimo estimado para a nossa galáxia, a Via Láctea, e o dicionário de Astronomia e Astronáutica resume a definição a sua composição não permitindo a compreensão do conceito. Atualmente estão catalogadas mais de 100 bilhões de galáxias no Universo Observável e cada uma delas com um mínimo de 100 bilhões de estrelas. Além disso, os dicionários de Libras 1 e 2 referem-se o conceito de Estrela ao termo Astro esta palavra se aproxima demasiadamente da Astrologia, que comumente é confundida com a Astronomia.

Para a definição do satélite natural Lua e suas fases manteve-se parcialmente o conceito descrito nos dicionários de Libras 1 e 2, fazendo correções nos dados, tais como a distância média e seu volume, se comparado ao da Terra. Retirou-se a afirmação de não haver água na Lua, pois a água já foi detectada neste corpo celeste.

Na definição de planeta Terra mesclou-se os conceitos do dicionário de Libras 2 e do Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica suprimindo a informação sobre continente, visando tornar mais fácil para o leitor o entendimento do conceito.O dicionário de Libras 1 ignora a definição.

Para a definição de Sol, adotou-se o conceito do Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, complementando-o de forma a demonstrar que as órbitas planetárias são elípticas. O dicionário de Libras 2, descreve que o Sol é uma estrela central, o que não é verdade, segundo as Leis de Kepler o Sol está em uma órbita elíptica em relação a Terra e aos demais planetas e portanto o Sol não está no centro, mas sim em um dos dois focos desta elipse, tal visão como apresentada no dicionário de Libras 2 levará ao leitor a ter uma concepção de sistema solar semelhante ao do século XIV e desse modo completamente equivocada. Foi também suprimida a palavra astro que pode confundir o leitor relacionando esta palavra astrologia.

Para os conceitos dos pontos cardeais leste, oeste, norte e sul, foi adotado o conceito do Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica como sendo adequada, pois o dicionário de Libras 1 deixa a definição esvaziada.

Assim, não basta ter apenas esses materiais como referência, sendo necessário que os profissionais estejam preparados para mediar o ambiente bilíngue, conforme aponta o estudo de Bachelard (1996).

Com construções redacionais ou definições difíceis, como nos exemplos citados, espera-se haver potencializado as dificuldades para o trabalho do professor como mediador em sala de aula e do TILS que, sem condições adequadas para interpretar os conceitos, não conseguirá efetivar sua prática e levará ao insucesso no processo de ensino/aprendizagem dos alunos, conforme apontam Bizzo e Kawasaki (1999). Vygotski (2001) e Bakhtin (2006) defendem que o pensamento e a linguagem deverão ser compartilhados entre os pares para que conhecimento e o saber científico sejam construídos, rompendo-se o senso comum.

Para os sinais ainda indisponíveis nos referidos dicionários de Libras, cabe destacar que é necessário compreender a partir de uma nova investigação quais foram os critérios para escolha de um conceito em detrimento de outro, tendo em vista que são conceitos importantes para a formação do individuo e há uma indicação nos PCNs para o ensino destes conceitos. Há também que investigar se eles existem em língua de sinais - Libras, e se não existirem, proferirse então uma sugestão para redação para uma posterior criação, pois a ausência indica que o trabalho de TILS e professores poderá acarretar dificuldades. A ausência também permitirá a criação difusa de um sinal relacionado ao um conceito científico, ou seja, para um mesmo conceito cientifico haverá uma variedade de sinais, como já acontece com os sinais de verão, inverno, outono e primavera, entre outros, permitindo inclusive distorções e interpretações equivocadas sobre estes conceitos.

4 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que a disposição conceitual dos dicionários, tanto o de Libras como o de Astronomia e Astronáutica, deve sofrer investigações e alterações sempre que necessário. Da forma como se encontram atualmente, pode-se inferir que esses conceitos escritos de maneira muito elaborada, com informações adjacentes para explicar um mesmo conceito, podem atrapalhar a atuação do TILS em sala de aula e trarão mais problemas do que soluções para os TILS no ato de traduzir e ou interpretar.

Nesse sentido, cabe observar que em relação aos alunos surdos e ouvintes é muito importante o papel do professor na investigação, planejamento e revisão dos conteúdos e da sua prática, visto uma informação equivocada e reduzida sobre a natureza e o sentido do fenômeno poder trazer sérias consequências aos alunos surdos e ouvintes.

Em relação aos TILS é necessário que haja sua participação no planejamento das aulas, oportunizando o dialogo entre o professor e o TILS.

A ausência dos sinais também indica que esses alunos surdos deixam de ter a oportunidade de conhecer os conteúdos que devem ser ensinados durante o Ensino Fundamental e Médio.

Faz-se necessária, portanto, uma investigação para a criação dos sinais ainda possivelmente não constituídos na Libras, a fim de que possamos oferecer aos alunos surdos a oportunidade de conhecer esses fenômenos concernentes ao ensino da Astronomia.

Recebido em: 07/01/2013

Reformulado em: 01/06/2013

Aprovado em: 13/06/2013

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jan 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    07 Jan 2013
  • Aceito
    13 Jun 2013
  • Revisado
    01 Jun 2013
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