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V Plano Nacional de Pós-Graduação: subsídios apresentados pela ANPEd

DOCUMENTO

V Plano Nacional de Pós-Graduação: subsídios apresentados pela ANPEd

Introdução

A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)1 1 Associação civil, sem fins lucrativos, fundada em 1978. Constitui-se de sócios institucionais (Programas de Pós-Graduação em Educação, atualmente em número de 66) e de sócios individuais (professores, pesquisadores, mestrandos e doutorandos, atualmente cerca de 1.200). Abriga, em sua estrutura, vinte e um grupos de trabalho e dois grupos de estudo, estrutura que lhe dá sustentação e suporte acadêmico e científico. tem se voltado para o desenvolvimento e a consolidação do ensino de pós-graduação e da pesquisa na área de educação no Brasil. Em sua condição de representante da área de pós-graduação em educação, lhe foram solicitadas, pela fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), sugestões com vista à elaboração do V Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG). Considerando a exigüidade do prazo estabelecido pela CAPES para o encaminhamento dos subsídios, a ANPEd optou tão-somente por reafirmar alguns dos pressupostos que, a seu ver, são indispensáveis a uma política de pós-graduação em educação no país.

A ANPEd compreende que a educação, de modo geral e especificamente o ensino superior e os estudos pós-graduados, deve ser objeto de atenção privilegiada do governo, da comunidade científica e da sociedade como um todo. Por certo, não é exclusividade da área de educação reconhecer a importância de políticas eficientes e duradouras, capazes de impulsionar o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Nessas circunstâncias, a ANPEd partilha do consenso de que o debate no campo da educação pós-graduada não se contém nos limites restritos de prazos estabelecidos, mas, ao contrário, se obriga ao diálogo amplo e permanente com as comunidades científica e política do país. Só assim serão contempladas as relações da CAPES com as demais instâncias da sociedade. É precisamente nesse sentido que a ANPEd reafirma seu interesse em assegurar sua participação e intervenção em todas as fases de discussão e de elaboração do PNPG.

Pressupostos, no âmbito da área de educação

A ANPEd entende que são de natureza vária e diversa os pressupostos das questões pertinentes ao campo da pós-graduação em educação, de presença indispensável em uma política nacional de pós-graduação.

1. Considera que a definição dos rumos do sistema de estudos pós-graduados supõe sua estreita vinculação com a reforma da educação superior do país, em franco processo de elaboração, da qual, por sua vez, se espera íntima articulação com o sistema nacional de educação, do qual a educação superior é parte constitutiva.

2. Nesse contexto, compreende que a elaboração e implementação de um PNPG sejam fruto de uma política de Estado para o ensino e a pesquisa no país, com vista a evitar a ocorrência de decisões vulneráveis ao jogo das circunstâncias. O PNPG, junto com o Plano Nacional de Educação (PNE), deve exercer um papel decisivo nos rumos da pós-graduação, integrando-a ao sistema universitário nacional e às políticas de desenvolvimento socioeconômico e científico-tecnológico do país.

A pós-graduação não se coloca absolutamente à parte no sistema educacional. Pelas novas Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei nº 9.294/96), integra-se na educação superior e articula-se com os demais níveis, sendo seu papel delineado nas inter-relações e exigências propostas pela atual legislação da educação brasileira, mas, acima de tudo, pelo movimento histórico-social em que se insere. (ANPEd, A avaliação da pós-graduação em debate. São Paulo, set. 1999, p. 35)

3. Afirma a institucionalização da pesquisa em educação como essencialmente humanitária e social. Seu objeto central de estudo é o fenômeno educativo, nas mais distintas formas e dimensões em que socialmente se manifesta. Os estudos pós-graduados em educação formam especialmente docentes e pesquisadores para as instituições de ensino superior do país. São eles, os docentes/pesquisadores com formação específica na área, que sustentam a produção científica, promovem e fazem avançar este campo de conhecimento. Tal é a natureza do perfil epistemológico da área. Como se sabe, possuir especificidade e perfil epistemológico próprios é requisito indispensável à constituição de uma área de conhecimento científico, entendimento este presente nas instituições que tratam de ciência e de tecnologia – em seu planejamento, avaliação e fomento –, como é o caso da CAPES.

4. Se é especificidade da área de educação a formação científica de mestres e doutores, seu impacto social supõe, necessariamente, múltiplas mediações sociopolíticas. Nessa perspectiva, o modelo privilegiado da pós-graduação em educação é o acadêmico. Em particular,

[...] não há como nem por que diminuir o peso e o lugar ocupado pelo mestrado. O mestrado continua tendo papel fundamental de preparo de profissionais-pesquisadores para a área de educação. Para a grande maioria do corpo discente dos nossos programas, a passagem pelo mestrado é condição sine qua non para enfrentar a carga acadêmica e científica que representa a elaboração de uma tese de doutorado, além do que o mestrado não tem representado necessariamente etapa preliminar de estudos que culminem no doutorado; e isto não nos parece nada problemático. (CAPES, Documento da área de educação; período de referência 1996/1997/1998)

É nesse projeto de formação que a área enraíza suas bases, e é assim que tal formação deve ser compreendida, como "processo de educação", pressuposto considerado estratégico para alcançar e manter um nível elevado de produção de conhecimento, cujo critério de excelência abrange prioritariamente o valor científico da produção, mas também seu impacto e contribuição no contexto social. Na mesma perspectiva, um ponto a ser revisto é o tempo médio de titulação do mestrado e do doutorado, com base no que as diferentes áreas vêm apontando como tempo ideal para a formação de mestres e doutores, formação essa a ser sustentada por uma política de bolsas mais abrangente.

5. O impacto social das inúmeras atividades advindas do amplo "raio de ação" no qual tanto os programas como os docentes-pesquisadores em educação atuam e contribuem merece registro particular. A ANPEd destaca a importância de que se qualifique o impacto da pós-graduação em educação na criação de novos grupos de pesquisa, não apenas na elaboração e implementação de convênios com instituições nacionais e internacionais, na criação e consolidação de novos cursos de mestrado e doutorado, mas também na formação de quadros para a gestão de instituições educacionais e movimentos sociais, sua vinculação com as redes de ensino fundamental e médio, além de outras significativas atuações na extensão universitária. A maneira de atuar da pós-graduação em educação – inserindo-se fortemente na dinâmica acadêmico-social, gerando atividades solidárias, trabalhando cooperativamente em equipes e com missões sociais de amplo alcance nos sistemas de ensino como um todo – constitui-se em uma dinâmica também específica da área e de sua produção. Esta dinâmica, respeitando as exigências e a singularidade do âmbito estritamente acadêmico, enriquece e potencializa a pós-graduação, fazendo-a responder aos desafios de outras instâncias e níveis educacionais.

6. Por sua vez, a ANPEd apóia a recomendação apresentada no relatório do Grupo de Trabalho da Área de Ciências Humanas, Letras, Lingüística e Artes quanto ao necessário investimento – ou indução – de áreas temáticas para atender às novas demandas da sociedade. Dentre elas destacam-se: avaliação institucional e de sistemas, educação ambiental, educação especial, educação a distância, informática e educação, e métodos quantitativos em educação (Infocapes, v. 9, p. 44).

7. É nesse contexto que se deve compreender o fomento como política de sustentação aos programas já consolidados, e de apoio e incentivo aos que iniciam o percurso. A este respeito, a ANPEd chama a atenção para os seguintes aspectos:

7.1 A valorização do mérito científico como critério para o fomento é reconhecido pela área como altamente significativa. No entanto, este não pode ser considerado critério excludente ou gerador de exclusão em relação aos programas mais recentes e localizados em regiões menos desenvolvidas do país. As numerosas análises produzidas e publicadas pela CAPES (Infocapes; anais de reuniões e seminários) sobre a situação da pós-graduação nacional constatam, desde muito, um visível desequilíbrio no que se refere ao fomento de diferentes programas, nas diferentes regiões. Isto caracteriza um quadro que contraria o critério de democratização do fomento, princípio defendido pela ANPEd para a área. Assim, se a política de valorização da excelência é estratégia para o apoio à criação e consolidação de centros de competência e excelência, deve também apoiar o desenvolvimento de programas de pesquisa e pós-graduação recém-criados e distantes das chamadas "ilhas de excelência", para que possam vir a ocupar esses espaços com crescente e equivalente qualidade acadêmica.

7.2 Só a democratização do fomento possibilitará condições acadêmicas e de infra-estrutura para o alcance da democratização da qualidade da pós-graduação e da pesquisa. Nenhum PNPG terá viabilidade se não forem revertidos o reconhecido déficit de docentes e pesquisadores e a degradação da infra-estrutura da pesquisa das instituições de ensino superior públicas no país. Para tanto, são necessários investimentos efetivos, abrangendo equipamentos, instalações, redes e terminais de informática, bibliotecas, dentre outros, além da contratação de serviços para instalação, manutenção, operação, modificação e adaptação dessa infra-estrutura. De acordo com o Infocapes (v. 9, p. 16), é necessário

[...] reformular a matriz orçamentária das universidades, com base na qualidade e dimensão de seus projetos de pesquisa e pós-graduação, de modo a dotá-las de recursos institucionais que possibilitem o custeio da infra-estrutura necessária para os mesmos.

7.3 O anteriormente exposto nos leva a considerar a relação entre a área da educação e as demais. Neste sentido, a natureza dos estudos, da aplicação e dos resultados dessas diferentes áreas evocam diferentes necessidades e critérios que precisam ser considerados nos processos de implementação e de avaliação dos programas a elas vinculados. É nessa direção que José Luiz Fiorin, ex-representante da área de Letras e Lingüística (no texto intitulado Considerações em torno do novo processo de avaliação, publicado em Infocapes, v. 6, nº 2, 1998), se pronuncia:

A questão é se é possível e desejável a avaliação de todas as áreas pelos mesmos critérios. A resposta é não e a razão é que elas são diferentes. Se são diversas, não é desejável desconhecer essa dissimilitude. Antes, porém, de começar a desenvolver essa questão, gostaria de repudiar energicamente duas posições muito freqüentes. A primeira é o discurso da diferença, que serve para ocultar deficiências: todas as áreas podem ser avaliadas por parâmetros de qualidade, não se pode pedir condescendência na avaliação de determinados ramos do conhecimento, por se considerá-los mais frágeis; a segunda é aquela que diz que nem todas as áreas têm o mesmo nível de desenvolvimento e que, portanto, umas são melhores que as outras.

As áreas são diferentes, porque é diversa a natureza dos conhecimentos que o homem construiu ao longo da história. Há áreas em que o conhecimento é universal em sentido estrito, já que não operam com fenômenos históricos, não dizem respeito a determinadas formações sociais, a certo período histórico, a uma língua ou uma literatura específicas. Há outras áreas que trabalham com algo que é mais particular, mais contingente. Não se está dizendo que o conhecimento dessas áreas não constitua fortes arcabouços teóricos. O estilo desses ramos do conhecimento não é a interpretação descompromissada, leve, livre e solta. Eles, como qualquer ciência, têm preocupação com a generalização e com a verificação dos resultados (afinal, já diziam os medievais: Nominantur singularia, sed significantur universalia). O que se está mostrando é que, nesses domínios, o conceito de universal não tem um valor forte. Há áreas em que a obsolescência do conhecimento é um fato, enquanto há outras em que não existe esse envelhecimento.

8. O modelo da avaliação é reconhecidamente homogeneizador e tende a uma padronização dos programas de pós-graduação, caminhando, portanto, na direção oposta das discussões e análises que buscam contemplar sua rica diversidade. Nas várias áreas, são diferentes a natureza da formação de doutores, as modalidades de produção de conhecimento, as formas de publicação da produção intelectual, os mecanismos de intercâmbio e cooperação acadêmicos. Várias alternativas ajudariam a flexibilizar a sistemática de avaliação, enfatizando seu caráter diagnóstico, com vista a respeitar as especificidades das áreas e programas: contemplar a história do programa numa escala temporal (de no mínimo quatro anos); levar em conta seu impacto local, regional, nacional e internacional, via atuação dos egressos e produção científica do conjunto daqueles que o compõem; incorporar efetivamente os dados de auto-avaliação que por sua vez devem ser reconhecidos no âmbito da CAPES (ANPEd, A avaliação da pós-graduação em debate. São Paulo: ANPEd, set. 1998, p. 52).

9. A flexibilidade também pode ocorrer no momento de elaboração dos pareceres finais da avaliação: cursos consolidados devem ser analisados num bloco e cursos novos em outro; programas só com mestrado num bloco, programas com mestrado e doutorado em outro. Este olhar aos subconjuntos, sem perder a visão do todo, permitiria relativizar eventuais discrepâncias nas análises individuais dos programas e corrigir possíveis distorções (idem, p. 53) que acabam prejudicando, excluindo cursos e programas. Urge, portanto, reverter a lógica classificatória e instituir uma lógica que contemple principalmente: o diagnóstico, acompanhamento e incremento dos programas, segundo a sua relevância regional e as condições em que atuam; os mecanismos de auto-avaliação e não apenas avaliação externa; a relativização do tempo médio de titulação, dentre outros. A este respeito, a área de educação tem produção significativa que pode ser disponibilizada para o refinamento e a adequação do modelo de avaliação.

10. Vale registrar, também, que a manutenção ou mesmo a diminuição do montante de recursos disponibilizados para financiar a pós-graduação tem contribuído para uma grave distorção do conceito de avaliação entendida como processo: ao instrumentalizar as decisões sobre o fomento, a avaliação acaba tornando-se mecanismo balizador e justificador de exclusão. A reversão desse quadro implica decisões no sentido de garantir que o montante de recursos esteja atrelado a necessidades sociais cada vez mais amplas e a retornos/compensações aos programas que, qualificadamente, responderem às demandas já colocadas e estiverem abertos a inserir no espectro da sua atuação outras que venham a ser identificadas. Acrescenta-se que, além de garantir recursos na mesma proporção da ampliação das demandas identificadas e atendidas, seria importante uma política conjunta dos órgãos de fomento. E desejável também que se encontrem formas de pressionar a constituição e o funcionamento das fundações estaduais de pesquisa, a fim de que venham a cumprir suas funções.

Rio de Janeiro, julho de 2004

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    Associação civil, sem fins lucrativos, fundada em 1978. Constitui-se de sócios institucionais (Programas de Pós-Graduação em Educação, atualmente em número de 66) e de sócios individuais (professores, pesquisadores, mestrandos e doutorandos, atualmente cerca de 1.200). Abriga, em sua estrutura, vinte e um grupos de trabalho e dois grupos de estudo, estrutura que lhe dá sustentação e suporte acadêmico e científico.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2004
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