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O efeito da internet sobre o comércio internacional brasileiro: Uma análise à luz do modelo gravitacional

Resumo

O objetivo do presente trabalho é analisar os efeitos do acesso à internet no comércio internacional brasileiro. Para isso, utilizou-se um modelo gravitacional de comércio com a porcentagem de usuários da internet como proxy para o acesso à internet. Os principais resultados mostraram que positivos e significativos sobre o comércio internacional brasileiro. Ademais, verificou-se que o acesso à internet tem um efeito maior sobre as exportações para os países de alta renda.

JEL Codes F10

Palavras-chave
internet; comércio internacional; equação gravitacional

1. Introdução

A internet surgiu nos Estados Unidos no final anos sessenta durante o período da Guerra Fria partindo de uma proposta bem simples, em que pesquisadores americanos queriam formar uma rede de comunicação que fosse autônoma e descentralizada, e assim, continuasse em funcionamento mesmo se os Estados Unidos sofressem um ataque nuclear. Daí, surgia a ARPANET (sigla para Advanced Research Projects Agency Network) em 1969, o embrião da internet.

A estrutura da internet como se conhece atualmente só começou a surgir no final dos anos oitenta, com o desenvolvimento da world wide web (www), pelo cientista Tim Berners-Lee, na Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire (CERN). Em 1990, toda a estrutura necessária para a internet funcionar já estava em operação, como o navegador (chamado de worldwideweb), um software que transformava o computador em um servidor, e os primeiros sites. Em 1993, a CERN decidiu que a world wide web seria aberta ao público, liberando todas as ferramentas necessárias para navegar na rede (Souza, 2018Souza, R.d. (2018, 30 de abril). Há 25 anos, a WWW se tornava pública; relembre a trajetória da tecnologia. Canaltech. Acessado em 10 de dezembro de 2019: https://canaltech.com.br/internet/25-anos-de-www-relembre-o-nascimento-e-a-trajetoria-da-world-wide-web-112484
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). Em 1994, com o apoio de algumas instituições, Tim Berners-Lee lança a World Wide Web Consortium (W3C), principal órgão responsável pela padronização da World Wide Web (Souza, 2018Souza, R.d. (2018, 30 de abril). Há 25 anos, a WWW se tornava pública; relembre a trajetória da tecnologia. Canaltech. Acessado em 10 de dezembro de 2019: https://canaltech.com.br/internet/25-anos-de-www-relembre-o-nascimento-e-a-trajetoria-da-world-wide-web-112484
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).

No Brasil, a internet chega em 1981, ligando a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) ao Fermilab, laboratório de física localizado em Illinois (EUA). Até 1994 a internet ficou restrita ao meio acadêmico, ano em que a Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL) decidiu lançar o serviço em caráter experimental para cinco mil usuários. O serviço passa a ser definitivo e comercializado um ano depois, em 1995.

Desde 1995 o número de usuários da internet cresceu exponencialmente. Estima-se que em 2018 havia 46,5 milhões de domicílios conectados à internet no Brasil, correspondendo a 70% da população. Dessas, 34% (ou 44 milhões de pessoas) fizeram compras de produtos ou serviços pela rede no período de 12 meses anteriores à pesquisa (CGI, 2019CGI - Comitê Gestor da Internet no Brasil. (2019). TIC Domicílios: Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros - 2018. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil (cgi.br). https://cetic.br/pt/publicacao/pesquisa-sobre-o-uso-das-tecnologias-de-informacao-e-comunicacao-nos-domicilios-brasileiros-tic-domicilios-2018/
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). No âmbito empresarial, 98% das empresas brasileiras tem acesso à internet, sendo que 55% delas possuem web sites próprios e 70% possuem perfis nas redes sociais (CGI, 2018CGI - Comitê Gestor da Internet no Brasil. (2018). TIC Empresas: Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nas empresas brasileiras - 2017. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil (cgi.br). https://cetic.br/pt/publicacao/pesquisa-sobre-o-uso-das-tecnologias-de-informacao-e-comunicacao-nas-empresas-brasileiras-tic-empresas-2017 (edição revisada)
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).

Devido a importância da internet no cotidiano das pessoas e empresas, diversos pesquisadores vêm buscando investigar quais são os efeitos da internet na economia. Evidências empíricas mostraram que a internet tem efeitos positivos e significativos sobre o crescimento econômico (Choi & Hoon, 2009Choi, C., & Hoon, Y. (2009). The effect the internet on economic growth: Evidence from cross-country panel data. Economics Letters, 105(1), 39-41. http://dx.doi.org/10.1016/j.econlet.2009.03.028
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), investimento direto externo (Choi, 2003Choi, C. (2003). Does internet stimulate foreign direct investment? Journal of Policy Modeling, 25, 319-326. http://dx.doi.org/10.1016/S0161-8938(02)00202-8
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), sobre o comércio internacional de produtos (Freund, Weinhold, & D., 2002Freund, C.L., Weinhold, & D. (2002). The internet and international trade in services. The Economics of Technology and Innovation, 92(2). http://dx.doi.org/10.1257/000282802320189320
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; Timmis, 2012Timmis, J. (2012, agosto). The internet and international trade in goods (Discussion Paper Nº 12/03). The University of Nottingham. http://dx.doi.org/https://www.nottingham.ac.uk/economics/research/discussionpapers/1203.aspx
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; Osnago & Tan, 2016Osnago, A., & Tan, S.W. (2016). Disaggregating the impact of the internet on international trade (Policy Research Working Paper Nº 7785). Washington, DC: World Bank. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/24866
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) e de serviços (Freund et al., 2002Freund, C.L., Weinhold, & D. (2002). The internet and international trade in services. The Economics of Technology and Innovation, 92(2). http://dx.doi.org/10.1257/000282802320189320
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; Choi, 2010Choi, C. (2010). The effect of the internet on service trade. Economics Letters, 109, 102-104. http://dx.doi.org/10.1016/j.econlet.2010.08.005
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). Em estudos para o Brasil Macedo e Carvalho (2010)Macedo, H.R., & Carvalho, A.X.Y. (2010). Aumento do acesso à internet em banda larga no Brasil e sua possível relação com o crescimento econômico: Uma análise de dados em painel (Texto para Discussão Nº 1494). IPEA. https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/1856
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e Carvalho, Mendonça, e Silva (2017Carvalho, A.X.Y.d., Mendonça, M.J.C.d., & Silva, J.J.d. (2017). Avaliando o efeito dos investimentos em telecomunicações sobre o PIB (Texto para Discussão No 2336). IPEA. https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/8082
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) encontraram evidências que a expansão da internet banda larga teve efeitos positivos sobre o crescimento do PIB. No entanto, inexistem na literatura nacional trabalhos que avaliam os efeitos do acesso à internet sobre o comércio internacional brasileiro.

Considerando a importância da internet e objetivando preencher uma lacuna na literatura nacional, o presente trabalho tem como objetivo analisar os efeitos do acesso à internet sobre o comércio internacional brasileiro. Conforme o modelo de Freund e Weinhold (2004)Freund, C.L., & Weinhold, D. (2004). The effect of the internet on international trade. Journal of International Economics, 62, 171-189. http://dx.doi.org/10.1016/S0022-1996(03)00059-X
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a internet reduz o custo fixo de comunicação entre os países, tendo um efeito positivo sobre as trocas comerciais. Assim, parte-se da hipótese de que a internet tem um efeito positivo e significativo sobre o comércio internacional brasileiro.

No que tange a metodologia, o modelo empírico será baseado na equação gravitacional do comércio, conforme o modelo de Anderson e Van Wincoop (2003)Anderson, J.E., & Van Wincoop, E. (2003). Gravity with gravitas: A solution to the border puzzle. American Economic Review, 93(1), 170-192. http://dx.doi.org/10.1257/000282803321455214
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. Dentre as variáveis explicativas, utilizar-se-á a porcentagem de usuários da internet do Brasil e do parceiro comercial como proxy para o acesso à internet, estimando os parâmetros do modelo pelo estimador de Poisson Pseudo Maximum Likelihood (PPML), desenvolvido por J. M. C. S. Silva e Tenreyro (2006)Silva, J.M.C.S., & Tenreyro, S. (2006). The log of gravity. The Review of Economics and Statistics, 88(4), 641-658. http://dx.doi.org/10.1162/rest.88.4.641
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.

Os principais resultados observados mostraram que o acesso à internet tem um efeito positivo e significativo sobre o comércio internacional brasileiro (exportações, importações e comércio bilateral total). Na versão mais robusta do modelo, com dummies de efeitos fixos para os parceiros comerciais, estimou-se que uma elevação de 10% no acesso à internet nos países implica em um aumento de 0,76% nas exportações, em 0,13% as importações e em 0,97% o comércio bilateral total. Posteriormente, a amostra de países foi dividida em duas, em países de renda alta (Norte) e países de renda baixa (Sul), estimando-se novamente o modelo. Os resultados evidenciaram que o efeito do acesso à internet é maior sobre as exportações brasileiras para os países do Norte.

Além desta introdução, o trabalho possui outras quatro seções. Na seção 2, apresenta-se o modelo teórico de Freund e Weinhold (2004)Freund, C.L., & Weinhold, D. (2004). The effect of the internet on international trade. Journal of International Economics, 62, 171-189. http://dx.doi.org/10.1016/S0022-1996(03)00059-X
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, que fundamenta a relação existente entre a internet e o comércio internacional, assim como, alguns trabalhos empíricos que testaram esse efeito. Em seguida, a seção 3 aborda a estratégia empírica que será adotada para atingir o objetivo proposto, especificandose o modelo empírico. Na seção 4, analisa-se os resultados das estimações. Por fim, a última seção traz as considerações finais do trabalho.

2. Revisão da literatura

2.1 Referencial teórico

O objetivo da presente seção é apresentar, brevemente, o modelo teórico de Freund e Weinhold (2004)Freund, C.L., & Weinhold, D. (2004). The effect of the internet on international trade. Journal of International Economics, 62, 171-189. http://dx.doi.org/10.1016/S0022-1996(03)00059-X
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, que fundamenta a relação existente entre a internet e o comércio internacional.

No desenvolvimento do modelo os autores consideram um número p de países, que possuem um número fixo de firmas domésticas mi, as quais produzem bens homogêneos. A competição nesse mercado é do tipo Cournot, e os ganhos de bem-estar ocorrem devido a competição gerada pelo comércio internacional. A demanda para um bem competitivo imperfeito no país j é

P j = K j Q j ,

em que Pj é o preço e Kj é uma constante; os mercados são assumidos como segmentados. Cada firma produz com um custo marginal constante c e um custo de transporte t, que aumenta com a distância geográfica, tij = wdij, sendo w uma constante.

Ademais, considera-se que cada firma se defronta com um custo de entrada no mercado do país j. O custo para a firma do país i entrar no país j é definido por meio de uma distribuição uniforme, compreendida no intervalo entre 0 e Fmax. Em equilíbrio, a firma do país i deverá maximizar a seguinte função:

(1) max q i j q i j ( K j q j q i j c w d i j ) F i j ,

em que qij é a quantidade exportada pela firma do país i para o país j e qj é a quantidade comercializada no mercado j por outras firmas. Assim, a exportação da firma do país i no mercado j dependerá da quantidade comercializada por outras firmas no mercado j:

(2) q i j = K j c n j w d i j + w k i d k j n j + 1 = K j c w d ¯ j n j + 1 + n j w ( d ¯ j d i j ) n j + 1 .

Na equação (2), nj é o total de firmas competindo no mercado j e d¯ij é a distância média dos exportadores para o país j. Essa equação implica que firmas com baixo custo de transporte (pequena distância geográfica) exportarão relativamente mais para o mercado j. Ademais, a função lucro mostra que a quantidade que a firma do país i exportará para j aumentará com o tamanho do mercado e decrescerá com o custo e com o número de firmas atuantes no mercado j. Inserindo a equação (2) na equação (1), o lucro bruto será:

(3) π i j = q i j 2 .

A exportação será rentável se a quantidade exportada exceder o custo fixo. Assumindo Fij como o nível de custo que a firma deseja entrar nesse mercado, a entrada ocorrerá até o ponto em que o lucro líquido seja zero, πij - Fij = 0. Assim, a exportação total de i para j dependerá da participação das firmas exportadoras, da quantidade que cada firma exporta e do número total de firmas, como segue:

(4) X i j = π i j F i j m a x q i j m i = q i j 3 F i j m a x m i .

Dada essa relação, quatro hipótese do comércio internacional podem ser feitas: I) Países mais próximos exportarão relativamente mais, devido ao custo de transporte ser menor; II) Firmas de países que enfrentam um custo fixo de entrada baixo, exportarão relativamente mais; III) As firmas exportarão relativamente mais para maiores mercados; IV) Países com maiores mercados exportarão mais, porque o número de firmas nesses países é maior.

Em seguida, os autores verificam como o comércio internacional é alterado com a inclusão da internet no modelo. A hipótese dos autores é que o custo fixo de entrada nos mercados com elevada penetração da internet é menor, pois a internet possibilita as firmas prospectarem mercados e montar cadeias de fornecedores a um custo relativamente baixo.

Os autores consideram um indicador de conectividade entre os países i e j, definido por xij(0 < xij < 1), em que xij tenderá a 0 quando a conectividade entre i e j for alta, e a 1 quando a conectividade entre os países for baixa. Dessa forma, o custo fixo de uma firma em i entrar em j será determinado por xijFij; isto é, o custo de entrada será baixo quando xij for pequeno e a conectividade entre os países i e j for elevada.

Com a internet, a participação da firma do país i no mercado j será dada por

(5) X i j = q i j 3 x i j F i j m a x m i .

A exportação de i para j será maior quando o custo fixo for baixo (e o acesso à internet for alto) porque mais firmas entrarão no mercado do país j. No entanto, maior entrada implica que a quantidade de cada firma irá declinar, assim como o lucro, devido ao aumento da competição.

Após algumas deduções matemáticas, o modelo desenvolvido pelos autores possibilita gerar três previsões sobre os efeitos da internet sobre o comércio internacional: I) O crescimento da conectividade entre os países i e j aumentará o comércio bilateral, devido a redução do custo fixo de entrada; II) A internet fortalece o comércio bilateral entre países geograficamente mais próximos, pois os países mais distantes enfrentam maiores custos de transporte; III) O desenvolvimento da internet aumentará o comércio agregado.

2.2 Estudos empíricos

Na literatura, encontra-se alguns trabalhos que analisaram os efeitos da internet no comércio internacional. Após a derivação do modelo teórico (descrito na subseção anterior), Freund e Weinhold (2004)Freund, C.L., & Weinhold, D. (2004). The effect of the internet on international trade. Journal of International Economics, 62, 171-189. http://dx.doi.org/10.1016/S0022-1996(03)00059-X
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estimaram empiricamente os efeitos da internet no comércio internacional. A proxy utilizada para a internet foi o número de web hosts de 56 países, no período de 1995 a 1999. Além dessa variável, foram utilizadas como controle no modelo: PIB, distância geográfica, população, taxa de câmbio e dummies para controlar o efeito do tempo. Os resultados observados mostraram que o crescimento da internet no país exportador teve um efeito positivo e significativo sobre as exportações, já o crescimento da internet no país importador não teve resultado significativo. Em trabalho anterior, Freund et al. (2002)Freund, C.L., Weinhold, & D. (2002). The internet and international trade in services. The Economics of Technology and Innovation, 92(2). http://dx.doi.org/10.1257/000282802320189320
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já haviam verificado que a internet (a proxy número de web sites de cada país) teve efeitos significativos nas exportações e importações de serviços dos Estados Unidos. Neste estudo, os autores estimaram que uma elevação de 10% na penetração da internet, aumentou em 1,7% e 1,1% pontos percentuais as importações e exportações dos Estados Unidos de serviços, respectivamente.

Em estudo mais abrangente, Clark e Wallsten (2006)Clark, G.R.G., & Wallsten, S.J. (2006). Has the internet increased trade? Developed and developing country evidence. Economy Inquiry, 44(3), 465-484. http://dx.doi.org/10.1093/ei/cbj026
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avaliaram os efeitos da internet no comércio internacional para um grande grupo de países, os quais foram divididos em países em desenvolvimento e desenvolvidos. A proxy para a internet foi a porcentagem de usuários da internet do país. Os principais resultados observados mostraram que a internet não teve efeito sobre as exportações dos países desenvolvidos, mas teve efeitos positivos e significativos nas exportações dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos. Os resultados mostraram que 1% de aumento na proporção de usuários da internet elevou as exportações dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos em 1,3%. Chamou a atenção o fato da internet não ter efeitos significativos nas exportações de países em desenvolvimento para os países em desenvolvimento.

Vemuri e Siddiqi (2009)Vemuri, V.K., & Siddiqi, S. (2009). Impact of commercialization of the internet on international trade: A panel study using the extended gravity model. The International Trade Journal, 23(4), 458-484. http://dx.doi.org/10.1080/08853900903223792
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expandiram a proxy utilizada para a internet, pois ao invés de utilizarem uma única medida, os autores criaram um índice de tecnologias da informação, composto por número de telefones (por 100 mil habitantes), número de computadores pessoais (por 100 mil habitantes) e número de usuários da internet (por 100 mil habitantes). Ademais, os autores também utilizaram dummies com valor zero para o período anterior a 1995 e valor um para o ano de 1995 em diante para controlar o desenvolvimento da internet. O estudo abrangeu 63 países no período de 1985-2005 e o modelo foi estimado pelo estimador de Hausman-Taylor, com variáveis defasadas para controlar a endogeneidade entre a internet e o comércio internacional. Os resultados mostraram que o desenvolvimento das tecnologias de informação teve um resultado positivo e significativo sobre o comércio internacional. Numa das estimações, os autores verificaram que após 1995, com a popularização da internet, o fluxo comercial cresceu 22,14%.

Seguindo a mesma linha de Vemuri e Siddiqi (2009)Vemuri, V.K., & Siddiqi, S. (2009). Impact of commercialization of the internet on international trade: A panel study using the extended gravity model. The International Trade Journal, 23(4), 458-484. http://dx.doi.org/10.1080/08853900903223792
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, Mattes, Meinen, e Pavel (2012Mattes, A., Meinen, P., & Pavel, F. (2012). Goods follow bytes: The impact of ICT on EU trade (Discussion Paper Nº 1182). Berlin: Deutsches Institut für Wirtschaftsforschung. https://diw-econ.de/en/publikationen/goods-follow-bytes-the-impact-of-ict-on-eu-trade/
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) analisaram como a infraestrutura de comunicação afetou os fluxos comerciais dentro da União Europeia e entre a União Europeia e os seus principais parceiros comerciais. A infraestrutura de comunicação foi captada em forma de índice (denominado ICT), sendo incluído no modelo na forma de variável dicotômica de interação, com valor 1 se o país exportador e o importador possuem ICT acima da média e zero em caso contrário. O modelo empírico se baseou numa versão da equação gravitacional de comércio, com a inclusão de dummies para o país exportador, importador que variam no tempo para mitigar os efeitos da resistência multilateral. O principal resultado mostrou que quando dois países possuem ICT acima da média, comercializam 38% a mais.

Timmis (2012)Timmis, J. (2012, agosto). The internet and international trade in goods (Discussion Paper Nº 12/03). The University of Nottingham. http://dx.doi.org/https://www.nottingham.ac.uk/economics/research/discussionpapers/1203.aspx
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, por sua vez, critica os trabalhos anteriores por não darem a devida a atenção ao controle das resistências multilaterais de comércio, à láAnderson e Van Wincoop (2003)Anderson, J.E., & Van Wincoop, E. (2003). Gravity with gravitas: A solution to the border puzzle. American Economic Review, 93(1), 170-192. http://dx.doi.org/10.1257/000282803321455214
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. O autor utilizou uma versão modificada da equação gravitacional de comércio com efeito fixo do país importador/exportador; efeito fixo do país importador/exportador e tempo; efeito fixo para pares de países; e efeito fixos para o país importador/exportador que variam no tempo. Ademais, o autor utilizou várias proxies para a internet: porcentagem de usuários da internet; usuários de banda larga fixa (por 100 mil habitantes); número de assinantes da internet (por 100 mil habitantes) e a porcentagem de assinantes de banda larga. O autor obteve resultados positivos da internet (proxy usuários da internet) sobre os fluxos comerciais. No entanto, quando o autor utilizou especificações mais rigorosas para o controle das resistências multilaterais, o coeficiente não foi significativo. Posteriormente, o autor dividiu a amostra em países de renda média (Sul) e países de renda alta (Norte) e reestimou o modelo. Nessas estimações, identificou-se um efeito positivo da internet sobre o comércio Sul-Norte, mas não se encontrou efeitos significativos no comércio Sul-Sul, nem sobre o comércio Norte-Sul; resultado muito semelhante ao observado por Clark e Wallsten (2006)Clark, G.R.G., & Wallsten, S.J. (2006). Has the internet increased trade? Developed and developing country evidence. Economy Inquiry, 44(3), 465-484. http://dx.doi.org/10.1093/ei/cbj026
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.

Osnago e Tan (2016)Osnago, A., & Tan, S.W. (2016). Disaggregating the impact of the internet on international trade (Policy Research Working Paper Nº 7785). Washington, DC: World Bank. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/24866
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inovam na pesquisa ao avaliar os efeitos da internet sobre a margem intensiva e extensiva do comércio internacional. O autor considerou a margem extensiva o número de categorias exportadas (da classificação SITC 4 dígitos) pelos países e a margem intensiva o valor monetário médio exportado por produto. A proxy para a internet foi o número de usuários da internet por 100 mil habitantes. O modelo empírico foi baseado numa versão da equação gravitacional de comércio com efeito fixo para o país importador, exportador e efeito de tempo. Os principais resultados mostraram que o aumento da internet no país exportador tem um efeito maior sobre a margem extensiva do comércio, ou seja, incentiva a exportação de novos produtos. E o contrário ocorre com a margem intensiva, isto é, maior adoção da internet no país importador tem maior impacto sobre a margem intensiva. Além disso, os autores também avaliaram os efeitos da internet sobre produtos homogêneos e diferenciados, seguindo a classificação de Rauch (1999)Rauch, J.E. (1999). Networks versus markets in international trade. Journal of International Economics, 48(1), 7-35. http://dx.doi.org/10.1016/S0022-1996(98)00009-9
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. Nessa estimação, a internet no país importador tem efeitos similares sobre os produtos homogêneos e diferenciados, por outro lado, a adoção da internet no país exportador afetou apenas o comércio de produtos diferenciados.

3. Estratégia empírica

3.1 proxy para o acesso à internet

Seguindo Clark e Wallsten (2006)Clark, G.R.G., & Wallsten, S.J. (2006). Has the internet increased trade? Developed and developing country evidence. Economy Inquiry, 44(3), 465-484. http://dx.doi.org/10.1093/ei/cbj026
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, Timmis (2012)Timmis, J. (2012, agosto). The internet and international trade in goods (Discussion Paper Nº 12/03). The University of Nottingham. http://dx.doi.org/https://www.nottingham.ac.uk/economics/research/discussionpapers/1203.aspx
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e Osnago e Tan (2016)Osnago, A., & Tan, S.W. (2016). Disaggregating the impact of the internet on international trade (Policy Research Working Paper Nº 7785). Washington, DC: World Bank. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/24866
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1 1 Outras proxies utilizadas na literatura são: número de páginas da internet (Freund et al., 2002); número de hosts (Freund & Weinhold, 2004). a proxy para a internet será a porcentagem de usuários da internet, obtido no site do Banco Mundial. Entende-se como usuários da internet pessoas que utilizaram a internet em um período de três meses anteriores à pesquisa, sendo que o uso da internet poderia ocorrer de qualquer aparelho eletrônico, como computador, tablet, smartphone, TV digital, entre outros. A evolução do número de usuários da internet no Brasil está reportada na Figura 1.

Figura 1
Evolução dos usuários da internet no Brasil - período de 1990 a 2016

A internet chegou no Brasil em 1981, numa ligação entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) ao Fermilab, laboratório de física localizado em Illinois (EUA). Até 1994, a internet era restrita ao meio acadêmico, daí o baixo número de usuários. A exploração comercial da internet ocorreu apenas em 1994, quando a Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL) lançou o serviço em caráter experimental para cinco mil usuários. O serviço passou a ser definitivo e comercializado um ano depois, em 1995.

Em 1998, ocorre a privatização do serviço de telecomunicação no Brasil, e novos players entram no mercado. O número de usuário sai de 0,1% em 1995 para 2,0% em 1999. Conforme o MCT (2000)MCT - Ministério da Ciência e Tecnologia. (2000). Evolução da Internet no Brasil e no Mundo. Brasília, DF. os principais fatores responsáveis pelo crescimento do número de usuários nesse período são os investimentos em infraestrutura (como a expansão da telefonia fixa); a popularização do serviço, a chegada de provedores gratuitos, bem como o expressivo aumento de páginas na rede.

Em 2001, para atingir o plano de universalização da internet houve uma elevação significativa dos investimentos no setor de telecomunicações, aumentando a infraestrutura da internet no país (Macedo & Carvalho, 2010Macedo, H.R., & Carvalho, A.X.Y. (2010). Aumento do acesso à internet em banda larga no Brasil e sua possível relação com o crescimento econômico: Uma análise de dados em painel (Texto para Discussão Nº 1494). IPEA. https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/1856
https://repositorio.ipea.gov.br/handle/1...
). Em 2007, com lançamento da internet 3G e de novos aparelhos celulares (os smartphones) o número de usuários da internet continuou a se expandir. Entre 2007 e 2016 o número de usuários salta de 30,9% para 60,9% da população.

Em estudo mais recente, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI, 2019CGI - Comitê Gestor da Internet no Brasil. (2019). TIC Domicílios: Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros - 2018. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil (cgi.br). https://cetic.br/pt/publicacao/pesquisa-sobre-o-uso-das-tecnologias-de-informacao-e-comunicacao-nos-domicilios-brasileiros-tic-domicilios-2018/
https://cetic.br/pt/publicacao/pesquisa-...
) estimou que, em 2018, havia 46,5 milhões de domicílios conectados à internet no Brasil, correspondendo a 70% da população.

3.2 Modelo empírico

O modelo teórico de Freund e Weinhold (2004)Freund, C.L., & Weinhold, D. (2004). The effect of the internet on international trade. Journal of International Economics, 62, 171-189. http://dx.doi.org/10.1016/S0022-1996(03)00059-X
http://dx.doi.org/10.1016/S0022-1996(03)...
, descrito na seção 2.1, sugere que o efeito da internet no comércio internacional pode ser estimado por meio de uma equação gravitacional de comércio (doravante modelo gravitacional). O modelo gravitacional estabelece que o fluxo comercial entre dois países i e j é diretamente proporcional ao tamanho do Produto Interno Bruto (PIB) dos países e inversamente proporcional à distância geográfica entre eles.2 2 Vemuri e Siddiqi (2009), Mattes et al. (2012), Timmis (2012) e Osnago e Tan (2016) também utilizaram versões da equação gravitacional para avaliar os efeitos da internet sobre o comércio internacional. Particularmente, o modelo gravitacional utilizado no presente trabalho será baseado na versão proposta por Anderson e Van Wincoop (2003)Anderson, J.E., & Van Wincoop, E. (2003). Gravity with gravitas: A solution to the border puzzle. American Economic Review, 93(1), 170-192. http://dx.doi.org/10.1257/000282803321455214
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. Nesta estrutura, a equação gravitacional é derivada a partir de uma função de utilidade com elasticidade de substituição constante (CES), sendo especificada da seguinte forma:

(6) X i j k = E j k Y i k Y k ( τ i j k Π i k P j k ) ( 1 σ k ) u i j k ,

onde Xij são as exportações do país i para o país j, referentes ao setor k; Yik é a produção do país i do setor k; Yk é a produção mundial do setor k; Ejk é o dispêndio do país j no setor k; σk é a elasticidade de substituição entre grupos de produtos; τijk são os custos de comércio das exportações de i para j no setor k; Πki e Pjk denotam os índices de preços dos países i e j, e representam as resistências multilaterais ao comércio;3 3 O primeiro termo (Πki ) é chamado de Outward Multilateral Resistence e captura o fato de que as exportações de i para j dependem dos custos comerciais de todos os possíveis mercados de exportação. Já o segundo termo (Pjk) é denominado de Inward Multilateral Resistence e captura o fato de que as importações de i oriundas de j dependem dos custos comerciais de todos os possíveis ofertantes. é o termo de erro aleatório. Logaritmizando o modelo descrito em (6), tem-se

(7) ln X i j k = ln Y j k + ln E j k ln Y k + ( 1 σ k ) [ ln τ i j k ln Π i k ln P j k ] + ln u i j k .

Dado que o modelo de Anderson e Van Wincoop (2003)Anderson, J.E., & Van Wincoop, E. (2003). Gravity with gravitas: A solution to the border puzzle. American Economic Review, 93(1), 170-192. http://dx.doi.org/10.1257/000282803321455214
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é derivado para as exportações setoriais, ao passo que os dados utilizados no presente trabalho são agregados, a proxy para Xijk será a exportação agregada do país i (Brasil) para o país j (EXPij,t). Além dessa, serão testadas outras duas proxies: a importação de i (Brasil) procedente do país j (IMPij,t), e o comércio total (exportação + importação) entre os países i (Brasil) e j (TOTij,t).

A proxy para Yik e Ejk serão, respectivamente, os Produtos Internos Brutos do país i (PIBi,t) e do país j (PIBj,t); Yk será substituído pelo termo constante (β0), e o custo de comércio (τijk) será um modelo log-linear das seguintes variáveis: distância geográfica entre i e j (DISTij); número absoluto de usuários da internet dos países i (NETi,t) e j (NETj,t); presença de fronteiras comuns entre i e j (ADJij); idioma comum entre i e j (LANGij); e presença de Acordos Regionais de Comércio4 4 Nesse caso, considerou-se 1 para os países membros do MERCOSUL (Argentina, Paraguai e Uruguai) e zero em caso contrário. entre i e j (RTAij,t).

Os índices de preços Πki e Pik serão controladas por meio do logaritmo natural do índice da taxa de câmbio efetiva real bilateral, ln(TCERBij,t). Nesse caso, a taxa de câmbio efetiva real bilateral foi obtida por meio da razão entre a taxa de câmbio efetiva real do país i (Brasil) e a taxa de câmbio efetiva real do país j.5 5 A taxa de câmbio nominal é expressa como a quantidade de moeda estrangeira para uma unidade da moeda doméstica. uma elevação do índice bilateral indica que houve uma apreciação da moeda brasileira (Real) frente a moeda do parceiro comercial j.

Além das variáveis supracitadas, também serão incluídas variáveis dicotômicas para cada parceiro comercial da amostra, na tentativa de controlar as características não observáveis que são constantes no tempo (Dj)6 6 Na verdade, como o banco de dados possui 134 parceiros comerciais, foram incluídas 133 dummies para evitar a multicolinearidade perfeita. e dummies temporais, para captar o efeito fixo do tempo sobre os fluxos comerciais (Dt). A equação gravitacional assumirá a seguinte especificação:7 7 Para uma descrição mais detalhada das variáveis e as suas fontes, ver Tabela 6 no Apêndice.

(8) ln ( Z i j , t ) = β 0 + β 1 ln ( PIB i , t PIB j , t ) + β 2 ln ( DIST i j ) + β 3 ln ( NET i , t NET j , t ) + β 4 ADJ i j + β 5 IDIOMA i j + β 6 LOCK j + β 7 RTA i j , t + ln ( TCERB i j , t ) + j = 1 J δ j D j + j = 1 T γ t D t + ln u i j ,

em que a variável dependente Zij,t pode ser EXPij,t, IMPij,t ou TOTij,t, como anteriormente especificado.

A diferença entre o modelo teórico e empírico da equação gravitacional diz respeito ao uso do produto dos PIB’s (PIBi,tPIBj,t) e da internet (NETi,tNETj,t) ao invés de se utilizar os seus valores individuais. Procedeu-se dessa forma porque o Brasil é o único país i da base de dados e a baixa variabilidade das variáveis PIBi,t e NETi,t comprometeria a eficiência do modelo empírico.8 8 Timmis (2012) também utilizaram o produto das variáveis no modelo empírico.

A base de dados utilizada no presente trabalho compreende a relação bilateral de comércio (exportações, importações e comércio total) entre o Brasil e 134 parceiros comerciais,9 9 Os parceiros comerciais considerados na pesquisa estão reportados na Tabela 5, no Apêndice. no período de 1997 a 2016, totalizando 2.680 observações (20 anos × 134 relações bilaterais). Vale destacar que o período de tempo e os países considerados na pesquisa foram selecionados se levando em conta a disponibilidade dos dados.10 10 As estatísticas descritivas das variáveis do modelo estão reportadas na Tabela 7, no Apêndice.

O modelo descrito em (8) será estimado pelo estimador Poisson Pseudo MaximumLikelihood (doravante PPML) desenvolvido por J. M. C. S. Silva e Tenreyro (2006)Silva, J.M.C.S., & Tenreyro, S. (2006). The log of gravity. The Review of Economics and Statistics, 88(4), 641-658. http://dx.doi.org/10.1162/rest.88.4.641
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. A escolha deste estimador foi devido às vantagens em relação ao estimador de Mínimos Quadrados Ordinários. Por exemplo, estimador PPML permite a estimação do modelo com a variável dependente em nível, permitindo a inclusão dos fluxos comerciais nulos nas estimações. Ademais, o PPML retorna estimações robustas mesmo na presença de heterocedasticidade no termo de erro.

4. Análise dos resultados

Os resultados das estimações das equações gravitacionais estão reportados na Tabela 1. Antes de passar para a análise dos coeficientes, é oportuno mencionar que os resultados descritos nas colunas (1)-(3) denotam os modelos gravitacionais com todas as variáveis de controle, mas sem as dummies de efeito fixo, já os modelos descritos nas colunas (4)-(6) reportam as estimações dos modelos gravitacionais com as dummies de efeitos fixos, utilizadas para controlar as características não observáveis constantes no tempo. Nas colunas (4)-(6), a remoção das variáveis constantes no tempo (ln DIST, ADJ, IDIOMA, LOCK e RTA) foi feita devido ao elevado grau de colinearidade entre elas e as variáveis dummies. Destaca-se que isso não se configura em um prejuízo à análise dos resultados, tendo em vista que a variável principal do estudo (internet) está mantida nos modelos e os efeitos das variáveis constantes no tempo são absorvidos pelas variáveis dummies.

Tabela 1
Estimação da equação gravitacional por Poisson Pseudo Maximum Likelihood

Como já mencionado na seção anterior, todas as observações foram preservadas nas estimações dos parâmetros, inclusive os fluxos nulos, pois as estimações se deram com o estimador PPML com as variáveis dependentes em nível. Outro ponto a salientar é que os modelos tiveram um excelente ajuste aos dados, tendo em vista que o Pseudo-R2 oscilou entre 0,87 a 0,98, destacando-se que essa estatística foi sempre mais elevada nos modelos que tiveram as dummies de efeitos fixos, mas isso já era esperado, visto que o número de variáveis nesses modelos é muito maior.

Conforme os resultados da Tabela 1, nota-se que as variáveis de controle incluídas no modelo tiveram os sinais esperados pela literatura e a maioria apresentou significância estatística. Em todos os modelos, o logaritmo do produto dos países, ln(PIBitPIBjt), teve sinal positivo e significativo, informando que as exportações, as importações e o comércio total respondem positivamente ao acréscimo na renda dos países. Assim, entende-se que o crescimento da renda dos países é acompanhado pelo crescimento da demanda por produtos, estimulando as trocas bilaterais entre os parceiros comerciais.

A distância geográfica é inserida no modelo como uma proxy do custo de transporte e, dessa forma, espera-se que os fluxos bilaterais sejam menos intensos com os parceiros comerciais mais longínquos. Essa hipótese foi confirmada para o comércio internacional brasileiro, independentemente do fluxo comercial considerado. Os resultados observados oscilaram muito pouco entre as estimações, onde uma elevação de 10% na distância geográfica reduz em 2,37% as exportações, em 2,96% as importações e em 2,76% o comércio bilateral total.

Ainda conforme a Tabela 1, analisando as variáveis dummies (ADJ, IDIOMA e RTA), espera-se que a presença de fronteiras comuns (ADJ) reduza os custos de transporte (Vemuri & Siddiqi, 2009Vemuri, V.K., & Siddiqi, S. (2009). Impact of commercialization of the internet on international trade: A panel study using the extended gravity model. The International Trade Journal, 23(4), 458-484. http://dx.doi.org/10.1080/08853900903223792
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), o idioma (IDIOMA) diminua os custos de comunicação (Andersson, 2007Andersson, M. (2007). Entry costs and adjustments on the extensive margin: An analysis of how familiarity breeds exports (Working Paper No 81). CESIS. https://static.sys.kth.se/itm/wp/cesis/cesiswp81.pdf
https://static.sys.kth.se/itm/wp/cesis/c...
; Vemuri & Siddiqi, 2009Vemuri, V.K., & Siddiqi, S. (2009). Impact of commercialization of the internet on international trade: A panel study using the extended gravity model. The International Trade Journal, 23(4), 458-484. http://dx.doi.org/10.1080/08853900903223792
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) e os acordos regionais de comércio (RTA) reduzam as tarifas comerciais (Piani & Kume, 2000Piani, G., & Kume, H. (2000). Fluxos bilaterais de comércio e blocos regionais: Uma aplicação do modelo gravitacional. Pesquisa e Planejamento Econômico, 30(1), 1-22. http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/3413
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), por isso, entende-se que essas três variáveis têm efeitos positivos sobre o comércio internacional. De forma geral, essas hipóteses foram corroboradas nos resultados estimados, a única exceção foi a variável (IDIOMA) no modelo de importações, que não apresentou significância estatística.

A taxa de câmbio efetiva real bilateral, ln(TCERBij,t), foi incluída nos modelos na tentativa de controlar os índices de preços dos países, conforme o modelo de Anderson e Van Wincoop (2003)Anderson, J.E., & Van Wincoop, E. (2003). Gravity with gravitas: A solution to the border puzzle. American Economic Review, 93(1), 170-192. http://dx.doi.org/10.1257/000282803321455214
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. Da forma com que a variável está mensurada, uma elevação dessa variável é entendida como uma apreciação da moeda brasileira (Real) frente a moeda do parceiro comercial j. Assim, espera-se que essa variável tenha um efeito negativo sobre as exportações, positivo sobre as importações e ambíguo sobre o comércio bilateral total. Nos resultados reportados nas colunas (1)-(3), notase que a referida variável tem sinal negativo e significativo, informando que uma apreciação do Real frente à moeda do parceiro comercial tem impacto negativo sobre as exportações, importações e comércio total brasileiro. Nos resultados descritos nas colunas (4)-(6) os resultados seguiram essa mesma linha, sendo a única exceção o modelo de exportação, onde essa variável não teve significância estatística. Entendese que as oscilações na taxa de câmbio geram incertezas, fazendo com que as firmas diminuam as suas atividades externas, devido a maior exposição ao risco (Bittencourt, Larson, & Thompson, 2007Bittencourt, M.V.L., Larson, D.W., & Thompson, S.R. (2007). Impactos da volatilidade da taxa de câmbio no comércio setorial do Mercosul. Revista Estudos Econômicos, 37(4), 791-816. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-41612007000400004
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; F. A. Silva, Freitas, & Mattos, 2016Silva, F.A., Freitas, C.O.d., & Mattos, L.B.d. (2016). Volatilidade da taxa de câmbio e seus efeitos sofre o fluxo de comércio dos países da América do Sul. Revista de Economia Contemporânea, 20(2), 229-249. http://dx.doi.org/10.1590/198055272022
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).

Ainda conforme os dados da Tabela 1, passando à análise da variável que é o objetivo da presente pesquisa, observou-se que os resultados descritos nas colunas (1)-(3) foram contrários ao esperado, tendo em vista que o coeficiente associado à variável internet teve sinal negativo e significância estatística nos três modelos. Contudo, vale destacar que os resultados dessas estimações não são robustos, tendo em vista a não inclusão dos efeitos fixos dos parceiros comerciais. Já as estimações reportadas nas colunas (4)-(6), as dummies de efeitos fixos foram inclusas no modelo, e os resultados observados mostraram que o acesso à internet tem resultado positivo e significativo nos três modelos estimados. Verificou-se que uma elevação de 10% no acesso à internet implica em um aumento de 0,76% nas exportações, em 0,13% nas importações e em 0,97% no comércio bilateral total.

À luz do modelo teórico descrito na seção 2.1, compreende-se que o acesso à internet tem a capacidade de reduzir os custos fixos de entrada nos mercados dos parceiros comerciais, possibilitando a maior transação entre os parceiros comerciais. É oportuno mencionar que os resultados aqui observados se somam com os outros resultados encontrados na literatura, como Freund et al. (2002)Freund, C.L., Weinhold, & D. (2002). The internet and international trade in services. The Economics of Technology and Innovation, 92(2). http://dx.doi.org/10.1257/000282802320189320
http://dx.doi.org/10.1257/00028280232018...
; Freund e Weinhold (2004)Freund, C.L., & Weinhold, D. (2004). The effect of the internet on international trade. Journal of International Economics, 62, 171-189. http://dx.doi.org/10.1016/S0022-1996(03)00059-X
http://dx.doi.org/10.1016/S0022-1996(03)...
, Clark e Wallsten (2006)Clark, G.R.G., & Wallsten, S.J. (2006). Has the internet increased trade? Developed and developing country evidence. Economy Inquiry, 44(3), 465-484. http://dx.doi.org/10.1093/ei/cbj026
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, Vemuri e Siddiqi (2009)Vemuri, V.K., & Siddiqi, S. (2009). Impact of commercialization of the internet on international trade: A panel study using the extended gravity model. The International Trade Journal, 23(4), 458-484. http://dx.doi.org/10.1080/08853900903223792
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, Timmis (2012)Timmis, J. (2012, agosto). The internet and international trade in goods (Discussion Paper Nº 12/03). The University of Nottingham. http://dx.doi.org/https://www.nottingham.ac.uk/economics/research/discussionpapers/1203.aspx
http://dx.doi.org/https://www.nottingham...
, Osnago e Tan (2016)Osnago, A., & Tan, S.W. (2016). Disaggregating the impact of the internet on international trade (Policy Research Working Paper Nº 7785). Washington, DC: World Bank. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/24866
https://openknowledge.worldbank.org/hand...
. Contudo, os resultados das pesquisas não podem ser diretamente comparados, tendo em vista que os estudos acima citados avaliaram os efeitos da internet em amostras de países e períodos de tempo distintos aos do presente trabalho. O estudo mais próximo ao aqui realizado foi desenvolvido por Freund et al. (2002)Freund, C.L., Weinhold, & D. (2002). The internet and international trade in services. The Economics of Technology and Innovation, 92(2). http://dx.doi.org/10.1257/000282802320189320
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, que analisaram os efeitos da internet sobre as exportações e importações de serviços dos Estados Unidos. Neste estudo, os autores estimaram que uma elevação de 10% na penetração da internet, aumentou em 1,7% e 1,1% as importações e as exportações dos Estados Unidos de serviços, respectivamente.

Um ponto importante a salientar nos resultados acima reportados, diz respeito a possível simultaneidade existente entre o comércio internacional e a variável internet. Clark e Wallsten (2006)Clark, G.R.G., & Wallsten, S.J. (2006). Has the internet increased trade? Developed and developing country evidence. Economy Inquiry, 44(3), 465-484. http://dx.doi.org/10.1093/ei/cbj026
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, Vemuri e Siddiqi (2009)Vemuri, V.K., & Siddiqi, S. (2009). Impact of commercialization of the internet on international trade: A panel study using the extended gravity model. The International Trade Journal, 23(4), 458-484. http://dx.doi.org/10.1080/08853900903223792
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e Timmis (2012)Timmis, J. (2012, agosto). The internet and international trade in goods (Discussion Paper Nº 12/03). The University of Nottingham. http://dx.doi.org/https://www.nottingham.ac.uk/economics/research/discussionpapers/1203.aspx
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destacam que as firmas inseridas no comércio internacional tendem a investir mais em tecnologias da informação (como o acesso à internet) para se aproximarem dos seus fornecedores, clientes ou prospectarem novos mercados. Assim, maior internet leva a um aumento do comércio e um aumento do comércio leva a um aumento no uso da internet.

Para lidar com essa situação, seguindo a estratégia de Vemuri e Siddiqi (2009)Vemuri, V.K., & Siddiqi, S. (2009). Impact of commercialization of the internet on international trade: A panel study using the extended gravity model. The International Trade Journal, 23(4), 458-484. http://dx.doi.org/10.1080/08853900903223792
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e Freund e Weinhold (2004)Freund, C.L., & Weinhold, D. (2004). The effect of the internet on international trade. Journal of International Economics, 62, 171-189. http://dx.doi.org/10.1016/S0022-1996(03)00059-X
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, a variável internet foi defasada em um período [ln(NETi,t-1NETj,t-1)] e utilizada como instrumento para a variável ln(NETitNETjt). Além da internet, também pode ocorrer uma simultaneidade entre o comércio internacional e a taxa de câmbio efetiva real bilateral (Bittencourt et al., 2007Bittencourt, M.V.L., Larson, D.W., & Thompson, S.R. (2007). Impactos da volatilidade da taxa de câmbio no comércio setorial do Mercosul. Revista Estudos Econômicos, 37(4), 791-816. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-41612007000400004
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). Dessa forma, com base na mesma estratégia, utilizou-se a variável ln(TCERBij,t-1) como instrumento da variável ln(TCERBij,t). As novas estimações estão reportadas na Tabela 2.

Tabela 2
Estimação da equação gravitacional por Poisson Pseudo Maximum Likelihood com controle da endogeneidade (instrumento = variável internet defasada)

Destaca-se que ao defasar as variáveis ln(NETitNETjt) e ln(TCERBij,t) a base de dados perdeu 134 observações, passando de 2.680 para 2.546. Seguindo o mesmo padrão da Tabela 1, nas colunas (1)-(3) estão descritos os resultados dos modelos sem as dummies de efeitos fixos e nas colunas (4)-(6) os modelos com as dummies de efeitos fixos. Nota-se que os resultados obtidos na Tabela 2, em termos de sinais e significância dos parâmetros, são idênticos aos descritos na Tabela 1.

Ou seja, nas colunas (1)-(3) se observa um sinal negativo da internet sobre os fluxos comerciais, mas com a inclusão das dummies de efeitos fixos, nos modelos (4)-(6), os parâmetros invertem os sinais, passando a se tornarem positivos. Nestas estimações, uma elevação de 10% na internet implica em uma elevação de 0,82% nas exportações, em 1,01% nas importações e em 0,86% o comércio bilateral total.

Para findar essa subseção, a título de comparação, a equação gravitacional de comércio descritas em (8) também foi estimada pelo estimador de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), mas nessa situação, as variáveis dependentes do modelo foram logaritmizadas, ao invés de serem utilizadas em nível como no estimador PPML. Assim, com o processo de logaritmização das variáveis dependentes, ocorreu uma redução no número de observações, sendo 24 para as exportações, 185 para as importações e 19 para o comércio bilateral total. Conforme a significância do teste de Hausman, as estimações foram realizadas com Efeito Fixo, com a transformação within transformation. Assim, no processo de transformação das variáveis, aquelas constantes no tempo foram excluídas das estimações. Além da estimação padrão, também se estimou o modelo com as variáveis e defasadas, para o controle da simultaneidade; os resultados dessas estimações estão na Tabela 3.

Tabela 3
Estimação da equação gravitacional - MQO com Efeito Fixo (within transformation)

Com relação à variável internet, os resultados descritos na Tabela 3 corroboram, em parte, os resultados obtidos nas tabelas 1 e 2, colunas (4)-(6), a única exceção é o sinal negativo e não significância do parâmetro no modelo de importações. É oportuno aqui ressaltar que foi justamente o modelo de importações que perdeu o maior número de observações (185, que representam 6,90% das observações totais) no processo de logaritmização da variável dependente. Assim, entende-se que o processo de logaritmização causou um viés de seleção da amostra, deixando as estimações dos parâmetros tendenciosas e inconsistentes, como salienta Westerlund e Wilhelmsson (2011)Westerlund, J., & Wilhelmsson, F. (2011). Estimating the gravity model without gravity using panel data. Applied Economics, 43(6), 641-649. http://dx.doi.org/10.1080/00036840802599784
http://dx.doi.org/10.1080/00036840802599...
.

4.1 Análise por grupos de países

Será que os resultados estimados na subseção anterior se mantêm mesmo se os parceiros comerciais possuírem níveis distintos de renda?

Clark e Wallsten (2006)Clark, G.R.G., & Wallsten, S.J. (2006). Has the internet increased trade? Developed and developing country evidence. Economy Inquiry, 44(3), 465-484. http://dx.doi.org/10.1093/ei/cbj026
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verificaram que os efeitos da internet nos fluxos de comércio são distintos, dependendo do nível de renda dos países. Os resultados obtidos nesse estudo mostraram que 1% de aumento na proporção de usuários da internet elevou as exportações dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos em 1,3%, mas não teve significância estatística nas exportações dos países em desenvolvimento para os países em desenvolvimento. Resultado semelhante também foi encontrado no trabalho de Timmis (2012)Timmis, J. (2012, agosto). The internet and international trade in goods (Discussion Paper Nº 12/03). The University of Nottingham. http://dx.doi.org/https://www.nottingham.ac.uk/economics/research/discussionpapers/1203.aspx
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. Essas evidências motivaram o desenvolvimento de análises adicionais, em que se objetivou avaliar se os efeitos da internet são distintos dependendo do nível de renda dos parceiros comerciais.

Para tanto, agrupou-se os parceiros comerciais por nível de renda considerando a classificação do Banco Mundial de julho de 2016.11 11 Os parceiros comerciais considerados na pesquisa estão reportados na Tabela 5 do Apêndice. Destaca-se que essa classificação agrupa os países em quatro níveis de renda (renda alta, renda média alta, renda média baixa e renda baixa), mas para os propósitos da pesquisa os países foram divididos em apenas dois grupos: Norte e Sul. Os países do Norte são aqueles de renda alta e renda média alta, enquanto os países do Sul são aqueles de renda média baixa ou renda baixa. O único país excluído do banco de dados foi a Argentina, que não havia sido classificado pelo Banco Mundial.

Seguindo Clark e Wallsten (2006)Clark, G.R.G., & Wallsten, S.J. (2006). Has the internet increased trade? Developed and developing country evidence. Economy Inquiry, 44(3), 465-484. http://dx.doi.org/10.1093/ei/cbj026
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e Timmis (2012)Timmis, J. (2012, agosto). The internet and international trade in goods (Discussion Paper Nº 12/03). The University of Nottingham. http://dx.doi.org/https://www.nottingham.ac.uk/economics/research/discussionpapers/1203.aspx
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, espera-se que o efeito da internet sobre os fluxos comerciais do Brasil seja distinto entre os dois grupos, tendo em vista que o nível de penetração da internet é distinto entre eles (Figura 2). Os dados reportados na Figura 2 mostram a evolução média do número de usuários da internet (em termos percentuais) por grupos de países. Em 1997, em média, apenas 4% e 0,1% da população dos países do Norte e do Sul havia sido usuária da internet. Já em 2016, esse número saltou para 71% nos países do Norte e para apenas 26% nos países do Sul, evidenciando o desenvolvimento desigual da internet nesses grupos de países. A par disso, testa-se a hipótese de que o acesso à internet tem maior impacto no comércio com os países do Norte do que com os países do Sul.

Figura 2
Porcentagem da população usuária da internet por grupos de países (Norte e Sul)

Para captar se o acesso à internet tem efeito distinto entre os grupos de países, primeiramente, criou-se uma variável dicotômica (D) com valor 1 se o país possui renda alta ou renda média alta e 0 em caso contrário. Posteriormente, multiplicou-se D pela variável ln(NETi,tNETj,t) para se obter um diferencial de inclinação. Dessa forma, se o coeficiente associado a variável D ∗ ln(NETi,tNETj,t) for positivo e estatisticamente significativo, interpreta-se que o efeito da internet é maior para o grupo de países do Norte, e o contrário ocorrerá se o coeficiente for negativo.

Os dados reportados na Tabela 4 descrevem os resultados das estimações por grupos de países. Nas colunas (1)-(3) estão as estimações da interação D ∗ ln(NETi,tNETj,t) e nas colunas (4)-(6) estão as estimações com a interação D ∗ ln(NETi,t-1NETj,t-1), em todas as estimações foram incluídas as dummies temporais e de efeitos fixos.

Tabela 4
Estimação da equação gravitacional por nível de renda do parceiro comercial

Os resultados mostraram que o coeficiente associado à variável de interação apresentou sinal positivo e significância estatística para as exportações (colunas 1 e 4), e para o comércio bilateral total apenas na coluna (6). Sendo assim, é possível afirmar que a internet impacta de forma distinta as exportações brasileiras, tendo maior efeito nas exportações para os países de renda alta (Norte). Conforme o modelos das colunas (1)-(4), em média, uma elevação de 10% no acesso à internet eleva em 0,99% e 1,11% as exportações para os países do Norte e em 0,76% e 0,83% as exportações para os países do Sul. Em suma, os resultados aqui observados coadunam com os achados de Clark e Wallsten (2006)Clark, G.R.G., & Wallsten, S.J. (2006). Has the internet increased trade? Developed and developing country evidence. Economy Inquiry, 44(3), 465-484. http://dx.doi.org/10.1093/ei/cbj026
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e Timmis (2012)Timmis, J. (2012, agosto). The internet and international trade in goods (Discussion Paper Nº 12/03). The University of Nottingham. http://dx.doi.org/https://www.nottingham.ac.uk/economics/research/discussionpapers/1203.aspx
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.

5. Considerações finais

O objetivo do presente trabalho foi avaliar o efeito do acesso à internet sobre o comércio internacional brasileiro. Para tanto, construiu-se uma base de dados com 134 parceiros comerciais, no período entre 1997 e 2016, e se estimou uma versão modificada do modelo gravitacional de comércio, inserindo dentre as variáveis explicativas uma proxy para o acesso à internet (porcentagem de usuários da internet).

Na versão mais robusta do modelo, com a inclusão de variáveis dummies para os parceiros comerciais, as estimativas mostraram que o acesso à internet tem efeitos positivos sobre as exportações, importações e comércio total bilateral, corroborando a hipótese central do modelo de Freund e Weinhold (2004)Freund, C.L., & Weinhold, D. (2004). The effect of the internet on international trade. Journal of International Economics, 62, 171-189. http://dx.doi.org/10.1016/S0022-1996(03)00059-X
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de que a internet reduz o custo fixo de entrada nos mercados, aumentando os fluxos comerciais entre os países. Posteriormente, dividiu-se a amostra de países em países de renda alta (Norte) e países da renda baixa (Sul), estimando-se novamente o modelo. Os novos resultados evidenciaram um diferencial de inclinação na variável internet, mostrando que o efeito dessa variável é mais forte sobre as exportações brasileiras para os países de renda alta, corroborando os resultados de Clark e Wallsten (2006)Clark, G.R.G., & Wallsten, S.J. (2006). Has the internet increased trade? Developed and developing country evidence. Economy Inquiry, 44(3), 465-484. http://dx.doi.org/10.1093/ei/cbj026
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.

Não obstante todo o esforço metodológico despendido no desenvolvimento do presente trabalho, acredita-se que a pesquisa pode evoluir em alguns pontos. Por exemplo, utilizou-se apenas uma proxy da internet (porcentagem de usuário da internet) e não se levou em conta a qualidade do acesso à internet, embora tenha sido realizado uma divisão da amostra de países nos resultados adicionais. Ademais, testou-se o efeito da internet apenas sobre os fluxos comerciais agregados, não fazendo qualquer separação dos produtos comercializados, como homogêneos e diferenciados. Espera-se que tais limitações sirvam de inspiração para estudos futuros.

Apêndice

Tabela 5
Parceiros comerciais inseridos na amostra
Tabela 6
Variáveis e suas fontes
Tabela 7
Estatística descritiva das variáveis da equação gravitacional
  • 1
    Outras proxies utilizadas na literatura são: número de páginas da internet (Freund et al., 2002Freund, C.L., Weinhold, & D. (2002). The internet and international trade in services. The Economics of Technology and Innovation, 92(2). http://dx.doi.org/10.1257/000282802320189320
    http://dx.doi.org/10.1257/00028280232018...
    ); número de hosts (Freund & Weinhold, 2004Freund, C.L., & Weinhold, D. (2004). The effect of the internet on international trade. Journal of International Economics, 62, 171-189. http://dx.doi.org/10.1016/S0022-1996(03)00059-X
    http://dx.doi.org/10.1016/S0022-1996(03)...
    ).
  • 2
    Vemuri e Siddiqi (2009)Vemuri, V.K., & Siddiqi, S. (2009). Impact of commercialization of the internet on international trade: A panel study using the extended gravity model. The International Trade Journal, 23(4), 458-484. http://dx.doi.org/10.1080/08853900903223792
    http://dx.doi.org/10.1080/08853900903223...
    , Mattes et al. (2012)Mattes, A., Meinen, P., & Pavel, F. (2012). Goods follow bytes: The impact of ICT on EU trade (Discussion Paper Nº 1182). Berlin: Deutsches Institut für Wirtschaftsforschung. https://diw-econ.de/en/publikationen/goods-follow-bytes-the-impact-of-ict-on-eu-trade/
    https://diw-econ.de/en/publikationen/goo...
    , Timmis (2012)Timmis, J. (2012, agosto). The internet and international trade in goods (Discussion Paper Nº 12/03). The University of Nottingham. http://dx.doi.org/https://www.nottingham.ac.uk/economics/research/discussionpapers/1203.aspx
    http://dx.doi.org/https://www.nottingham...
    e Osnago e Tan (2016)Osnago, A., & Tan, S.W. (2016). Disaggregating the impact of the internet on international trade (Policy Research Working Paper Nº 7785). Washington, DC: World Bank. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/24866
    https://openknowledge.worldbank.org/hand...
    também utilizaram versões da equação gravitacional para avaliar os efeitos da internet sobre o comércio internacional.
  • 3
    O primeiro termo (Πki ) é chamado de Outward Multilateral Resistence e captura o fato de que as exportações de i para j dependem dos custos comerciais de todos os possíveis mercados de exportação. Já o segundo termo (Pjk) é denominado de Inward Multilateral Resistence e captura o fato de que as importações de i oriundas de j dependem dos custos comerciais de todos os possíveis ofertantes.
  • 4
    Nesse caso, considerou-se 1 para os países membros do MERCOSUL (Argentina, Paraguai e Uruguai) e zero em caso contrário.
  • 5
    A taxa de câmbio nominal é expressa como a quantidade de moeda estrangeira para uma unidade da moeda doméstica. uma elevação do índice bilateral indica que houve uma apreciação da moeda brasileira (Real) frente a moeda do parceiro comercial j.
  • 6
    Na verdade, como o banco de dados possui 134 parceiros comerciais, foram incluídas 133 dummies para evitar a multicolinearidade perfeita.
  • 7
    Para uma descrição mais detalhada das variáveis e as suas fontes, ver Tabela 6 no Apêndice.
  • 8
    Timmis (2012)Timmis, J. (2012, agosto). The internet and international trade in goods (Discussion Paper Nº 12/03). The University of Nottingham. http://dx.doi.org/https://www.nottingham.ac.uk/economics/research/discussionpapers/1203.aspx
    http://dx.doi.org/https://www.nottingham...
    também utilizaram o produto das variáveis no modelo empírico.
  • 9
    Os parceiros comerciais considerados na pesquisa estão reportados na Tabela 5, no Apêndice.
  • 10
    As estatísticas descritivas das variáveis do modelo estão reportadas na Tabela 7, no Apêndice.
  • 11
    Os parceiros comerciais considerados na pesquisa estão reportados na Tabela 5 do Apêndice.

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2020
  • Aceito
    30 Nov 2021
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