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Uma nota sobre a eficiência fiscal das debêntures incentivadas em infraestrutura no Brasil* * Thiago Rabelo Pereira e Marcelo Trindade Miterhof são economistas do BNDES. Este texto é de responsabilidade dos autores, não refletindo necessariamente a opinião do BNDES.

Resumo

O texto avalia o grau de eficiência fiscal dos subsídios concedidos pelo Governo Federal às chamadas debêntures incentivadas de infraestrutura, criadas pela Lei 12.431, estimando qual fração de cada R$ 1 de renúncia tributária esperada pela União é efetivamente transferida como redução do custo de captação dos projetos meritórios.

Palavras-chave
debêntures incentivadas; infraestrutura; eficiência fiscal; BNDES; mercado de capitais

1

Introdução

Esta nota1 1 Para uma versão ampliada deste texto, ver o texto para Discussão do BNDES nº 143 “Debêntures de infraestrutura: qual a fração do custo fiscal é transferida aos projetos?”, disponível em http://web.bndes.gov.br/bib/jspui/handle/1408/18601 avalia o grau de eficiência fiscal dos subsídios concedidos pelo governo federal por meio de tratamento tributário diferenciado às debêntures incentivadas de infraestrutura, criadas pela Lei 12.431, de 24 de junho de 2011 (Brasil, 2011Brasil. (2011). Lei 12.431, de 24 de junho de 2011. Brasília, DF: Presidência da República. Acessado em 24 de julho de 2019: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12431.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
).

A lei criou as debêntures incentivadas, oferecendo subsídios aos projetos considerados meritórios — aprovados pelos ministérios setoriais competentes ou que integrem o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) —, por meio da diferenciação do tratamento tributário aplicável aos rendimentos auferidos por investidores pessoas físicas, pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real e não residentes.

Os subsídios à infraestrutura justificam-se porque os projetos têm benefícios sociais e ambientais (externalidades) — como redução de acidentes e menor emissão de poluição — que não são capturáveis em suas receitas e implicam, frequentemente, custos adicionais para serem providos. Assim, os subsídios visam a reduzir o custo de financiamento dos projetos de infraestrutura, de forma a aproximar a rentabilidade privada do retorno social, alinhando mais eficientemente os incentivos.2 2 Ademais, sob ampla ociosidade dos fatores produtivos por insuficiência de demanda, a alocação de subsídios aos projetos de infraestrutura contribui para a reativação dos motores de crescimento, por sua natureza de gasto “autônomo” não gerador de capacidade produtiva nova, o que ajuda na retomada cíclica ao mesmo tempo que pavimenta o crescimento futuro da produtividade total dos fatores.

Há na concessão desses subsídios consequências alocativas que exigem uma avaliação da intensidade das externalidades de cada projeto, o que não é tarefa trivial de se fazer com precisão. Afinal, se fossem facilmente valoradas monetariamente, as externalidades poderiam ser em boa medida capturadas nas receitas do serviço prestado. Porém, isso não torna menos relevante o esforço de avaliar e hierarquizar os projetos pela intensidade das externalidades e de seu retorno social.3 3 Não é descabido afirmar que a concessão de um nível de subsídios corretivos menor do que o adequado pode ser mais ineficiente alocativamente do que o excesso, pois a falta de incentivos privados tende a resultar em uma provisão insuficiente de serviços de infraestrutura, gerando redução de bem-estar. Caso clássico no Brasil é o da insuficiência de investimentos e subsídios ao transporte coletivo, que faz o seu uso ser pouco competitivo em custo em relação ao das motocicletas e pouco atrativo em relação aos automóveis, que produzem níveis bem maiores de poluição, congestionamento e acidentes.

Há também a eficiência fiscal do instrumento: a capacidade de transferir o ônus fiscal gerado pelos benefícios concedidos como redução do custo de captação dos projetos.

Idealmente, a redução da alíquota de impostos de instrumentos incentivados, como o da Lei 12.431, deveria ser integralmente transferida aos preços dos ativos, gerando uma redução equivalente do custo de captação das empresas financiadas e dos projetos apoiados. Isso é o esperado em arranjos eficientes. Mas muitos fatores podem acarretar em ineficiência em tal forma indireta de alocação dos subsídios corretivos.

Assim, propõe-se uma metodologia para responder à pergunta: qual fração de cada real de renúncia tributária esperada para a União, em valor presente, decorrente da emissão de debêntures 12.431, tende a ser efetivamente transferida como redução do custo de captação dos projetos incentivados?

2

O benefício fiscal efetivamente transferido pelas debêntures de infraestrutura

Foram feitos dois exercícios. O primeiro apresenta uma estimativa do “valor justo” dos benefícios tributários concedidos pela Lei 12.431. Dada a remuneração de uma debênture sem incentivo, calcula-se qual seria a remuneração bruta de uma debênture incentivada que geraria para o investidor uma rentabilidade líquida esperada igual à da debênture tradicional. A diferença entre essas remunerações brutas que equaliza o retorno líquido representa o valor justo do benefício, expresso pela taxa de captação dos projetos (pontos básicos — p.b.). No cenário em que todo o valor do incentivo tributário é transferido, essa seria a redução do custo de emissão dos projetos, ficando o investidor que adquire as debêntures indiferente entre esses instrumentos.

A estimação do valor justo do benefício tributário partiu da identificação da remuneração líquida em juro real de papéis não incentivados — IPCA + juro fixo —, com base nos dados de mercado referentes às ofertas de 2018. Para distintas durações,4 4 Prazo médio ponderado de todos os pagamentos de juros e principal observados no papel. somou-se à taxa livre de risco aplicável, na data de emissão, o spread esperado, associado ao rating “AA+”, aderente ao perfil médio de crédito das ofertas distribuídas em 2018. Em seguida, estimou-se o valor presente do fluxo de caixa do papel não incentivado, considerando o pagamento de impostos por instituição financeira operando em regime de lucro real. Por fim, foram considerados os efeitos dos benefícios tributários da Lei 12.431, buscando estimar a remuneração de um papel incentivado de mesmo perfil que igualaria o valor presente do fluxo de caixa com impostos.

O segundo exercício contrapõe as curvas de remuneração bruta observada nos preços de mercado das debêntures não incentivadas com a dos papéis incentivados.

Foram usados os dados do mercado secundário para econometricamente modelar os spreads de crédito observados no mercado de debêntures. Esses exercícios estimam seus resultados associados à “duração” de cada tipo de papel. A diferença entre o valor justo dos benefícios concedidos — que traduz o custo esperado para o erário — e o efeito observado nos preços de mercado permitirá avaliar o grau de transferência do benefício tributário para o custo de captação esperado dos projetos.

2.1

Sobre os dados coletados

Os dados usados para modelar os spreads de crédito das debêntures no Brasil foram os preços indicativos coletados para o mercado secundário desses títulos da Anbima (ANBIMA, 2017ANBIMA – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. (2017). Taxas de debêntures. ANBIMA.). Tais dados referem-se às cotações de fechamento de mercado, cobrindo amostra de cerca de 270 papéis, 97 incentivados e 173 não incentivados.

Os preços indicativos da Anbima são providos diariamente pelo universo de instituições atuantes nesse mercado, com filtros aplicados para remover outliers. Para ser divulgado, um preço indicativo deve ser baseado em ao menos sete provedores diferentes. Os dados refletem as condições de mercado observadas nos dias 27 e 28 de novembro de 2018 (média dos spreads apurados no fechamento dos dias).

O retorno indicativo de cada papel indexado à Taxa DI-Over Cetip (DI) — DI mais spread ou percentual do DI — foi “swapado”, com base nas curvas de fechamento de mercado, respeitado o fluxo de cada ativo, para traduzir a equivalência exata do retorno observado sob a forma de juro real em IPCA. Assim o retorno indicativo das debêntures foi expresso na forma de juro real equivalente em IPCA. Em seguida, foi expresso na forma do spread equivalente sobre a curva livre de risco, apurada no mercado de derivativos indexados ao IPCA da Bolsa-B3 (“contrato de DAP”). Usou-se a média dos spreads apurados, com base nas cotações de fechamento nos dias referidos. Foram usados só os papéis com rating de risco, usando as últimas atualizações de Moody’s, Fitch ou S&P, em escala local. Agrupou-se as debêntures por duration. No caso dos fluxos indexados à taxa DI-Over, para fins da modelagem dos spreads de crédito, o conceito usado aproxima-se do prazo médio ponderado de amortização do principal.

Foram criadas variáveis binárias para diferenciar: (i) papéis incentivados dos não incentivados; (ii) debêntures de risco corporativo do emissor das de risco do projeto (sociedades de propósito específico); e (iii) papéis indexados e não indexados ao DI. Os instrumentos incentivados foram identificados e segregados — mediante uso de variável binária — entre o subgrupo oriundo de emissões corporativas com o benefício tributário da Lei 12.431 e os que representam exposição direta aos riscos dos projetos “carimbados”, com emissão por intermédio das SPEs responsáveis pela operação.5 5 A depender da maturação dos projetos emissores e das estruturas financeiras, os projetos financiados por meio da emissão de SPEs podem envolver exposição direta a riscos residuais de construção, de licenciamento e regulatórios, além de algum grau de complexidade relativa à análise da estrutura financeira da operação de project finance. O BNDES, usualmente, ancora o financiamento dos projetos nas fases mais críticas relativas ao risco de construção, prévias à entrada em operação — mas cada caso precisa ser avaliado em detalhes. Os investidores podem requerer prêmio em função do maior grau de complexidade e opacidade dos riscos derivados da estrutura financeira do project finance, relativamente às emissões corporativas mais básicas (plain vanilla). Ademais, em especial para investidores pessoas físicas, tende a haver um viés de percepção que favorece, entre ofertas de mesma classificação de risco, a precificação das emissões corporativas de empresas de reputação estabelecida e marcas consolidadas e reconhecidas. Tal prêmio cobrado pela emissão dos projetos relativamente às ofertas corporativas pode ser material, da ordem de 85 p.b., conforme mensuração a ser detalhada adiante.

A classificação de risco dos papéis foi traduzida em uma escala numérica, na qual cada degrau agrega a unidade ao índice (AAA é igual a 1, AA+ é 2, AA é etc.).

Todas as emissões de debêntures incentivadas distribuídas em mercado em 2018 e que tiveram classificação de risco por agência independente (Moody’s, S&P e Fitch) foram agregadas para análise do perfil de crédito típico da distribuição primária. Com base na escala ordinária de ratings, ponderou-se o valor emitido pelo número associado ao rating aplicável a cada emissão. Assim, gerou-se uma média ponderada igual a 2,1, que corresponde, na escala referida, à classificação risco média “AA+”.

Os gráficos da Figura 1 identificam a relação spread × duration para os papéis incentivados de emissões corporativas, relativas à exposição direta ao risco dos projetos e das emissões de debêntures não incentivadas.

Figura 1
Spread das debêntures em função da duration: operações não incentivadas, incentivadas corporativas e incentivadas com exposição direta ao risco dos projetos (p.b.)
2.2

O efeito do subsídio nos preços de mercado das debêntures

Com esses dados, foi rodado um exercício de modelagem econométrica. Utilizou-se uma regressão linear simples para estimar pelo método dos mínimos quadrados ordinários (OLS) tanto o intercepto quanto o coeficiente que vincula o spread implícito nas debêntures à duration de cada papel, à classificação de risco de crédito, bem como à existência ou não do benefício tributário da debênture 12.431, à vinculação ao risco de projeto ou corporativo e à existência ou não de indexação ao CDI (CDI ou IPCA).

Para os papéis não incentivados a expectativa é de que a regressão indique uma curva positivamente inclinada. Papéis de maior duração — controlando pelo risco de crédito e demais características relevantes — deveriam, tudo o mais constante, operar com spreads maiores, reflexo do crescimento da chance de default acumulada no tempo. Para os papéis incentivados, considerações de natureza tributária podem inverter tal expectativa, como pode ser observado pela inspeção visual dos gráficos anteriores.

As instituições financeiras são tributadas no Imposto de Renda (IR) e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) pelo regime de lucro real, aplicável ao retorno das debêntures não incentivadas, usando o critério de competência para apropriação de receitas e despesas para fins tributários.6 6 O cálculo do imposto devido é alinhado pro rata temporis à apropriação contábil do rendimento do papel, de acordo com o fato gerador, que independe da existência de eventos de caixa nas debêntures. Para instituições financeiras, a alíquota efetiva total é de 42,79%,7 7 Para uma operação adquirida por um banco são devidos 0,65% do PIS, 4% de Cofins, 25% de IR e 15% de CSLL, havendo dedução dos valores de PIS e Cofins das bases de IR e CSLL. A CSLL era de 20% até janeiro/2019, quando passou a vigorar alíquota de 15%, incorporada nos resultados apresentados. incidente sobre a margem bruta da intermediação apurada.8 8 A receita tributável é igual ao rendimento apropriado do ativo menos a despesa financeira dedutível, ambos em regime de competência, relativa ao custo do passivo que financia o ativo correspondente.

Os bancos costumam encarteirar parte relevante das ofertas não distribuídas aos investidores pessoa física.9 9 A título ilustrativo, segundo a ANBIMA (2019a) dos R$153,7 bilhões de debêntures emitidas em 2018, cerca de 44,8% foram encarteiradas pelos bancos ou demais participantes vinculados à oferta. No caso das ofertas incentivadas, tal percentual foi de 41,8% dos cerca de R$24,1 bilhões emitidos. 10 10 A vedação legal à indexação das debêntures 12.431 às taxas do overnight faz quase todas as emissões incentivadas travarem juro real prefixado, incidente sobre principal indexado ao IPCA. Ao adquirir o título incentivado, passa-se para o regime de tributação exclusiva: a alíquota migra de 25%, em regime de competência, para 15% sobre o rendimento do papel, em regime de caixa. Porém o custo de servir o passivo correspondente continua a ser lançado como despesa dedutível na apuração do lucro real, em regime de competência.

Dois fatores afetam o valor do benefício para pessoas jurídicas tributadas pelo regime de lucro real. Um é ligado à redução de alíquota, que faria a curva dos papéis incentivados ter uma redução esperada em seu intercepto em relação aos papéis não incentivados, mas sem mudança de inclinação. O outro é relacionado à mudança de regime de competência para caixa na apropriação das receitas das debêntures incentivadas, reforçado pela manutenção do regime de competência para o reconhecimento das despesas financeiras correspondentes. Nas debêntures corrigidas pelo IPCA10 10 A vedação legal à indexação das debêntures 12.431 às taxas do overnight faz quase todas as emissões incentivadas travarem juro real prefixado, incidente sobre principal indexado ao IPCA. o pagamento de principal no vencimento desloca a data de reconhecimento de boa parte dos rendimentos. No regime de competência, a parcela do rendimento decorrente da atualização pela inflação é reconhecida pela tributação gradualmente, ao longo da vida do contrato, antecipando o pagamento dos impostos relativamente ao observado no regime de caixa, que concentra o reconhecimento da receita tributável na data de efetivo pagamento de principal — tendo um forte desconto em valor presente, em função da postergação dos impostos devidos.

O subsídio é maior conforme aumenta a duração das debêntures incentivadas. Mas é fácil perceber que essa complexidade na concessão do benefício tributário torna seu valor opaco, dificultando que os mercados operem eficientemente no sentido de induzir os bancos a transferi-lo integralmente aos projetos. O benefício pouco transparente requer avaliação não trivial sobre efeito total para os bancos, gerando assimetria de informação em relação aos emissores acerca da remuneração implícita na aquisição e eventual encarteiramento dos papéis, o que dificulta a comparação da margem apropriada nas debêntures incentivadas relativamente às operações não incentivadas.

Os bancos enfrentam incertezas na precificação do instrumento, pois o valor futuro do benefício depende do prazo de carregamento, da manutenção das regras tributárias e de haver resultado positivo para gerar abatimento de outros impostos. Os cálculos do valor justo assumem carregamento até o vencimento, porém há motivações imprevistas para a desmobilização do ativo, em razão, por exemplo, da gestão de risco de crédito da carteira e dos limites de concentração por clientes/setores. Além disso, eventual mudança de regras tributárias pode afetar o valor do benefício, como o fim do incentivo ou mudança das alíquotas sobre impostos devidos no futuro.

Essas incertezas tendem a gerar um critério de imputação de valor, a ser transferido para os preços de reserva das instituições adquirentes, que embute aversão ao risco, fazendo o custo do Erário não ser integralmente transferido aos preços de mercado.11 11 É desejável desenhar formas de alocação de subsídios aos projetos intensivos em externalidades que removam os fatores de incerteza que contaminam a precificação privada desses subsídios. Uma vantagem do subsídio alocado diretamente como redução do custo de funding aplicável ao crédito ofertado pelos bancos oficiais — em especial, em modalidades de custo que envolvem juros reais fixos, como os ofertados por meio da taxa de longo prazo (TLP) — consiste na remoção desses fatores de incerteza que afetam negativamente o cálculo do valor presente dos subsídios. Para uma firma que trava um custo de captação a um projeto de infraestrutura com redução de 1pp na taxa com o BNDES, a apropriação desse valor no tempo está assegurada, sendo precificada como igual ao valor presente do valor nominal de 1% a.a. incidente sobre o principal descontado pela taxa livre de risco.

2.3

Custo e eficiência fiscal dos subsídios concedidos

2.3.1

Custo dos subsídios concedidos

A metodologia de apuração do valor justo do benefício tributário total é análoga à utilizada para a precificação de um contrato de swap de taxa de juros, baseado na igualação do valor presente de fluxos de caixa futuros referenciados a indexadores distintos. A diferença é que no exercício foi agregado aos fluxos de caixa efetivamente recebidos nas debêntures indexadas ao IPCA, incentivadas e não incentivadas, o valor dos impostos a serem efetivamente pagos (ou deduzidos) em cada ponto no tempo, para cada um dos regimes tributários. Ou seja, dada a taxa de retorno bruto da debênture não incentivada, é aplicado algoritmo de busca que identifica a taxa de retorno bruta no instrumento incentivado que é capaz de igualar o valor presente do rendimento, líquido de impostos, a ser efetivamente recebido em cada um dos regimes.

Tendo em conta o carregamento das debêntures até o vencimento, o valor estimado que traduz mais precisamente o custo esperado da concessão do benefício para o fisco, conforme os pressupostos enunciados, é o representado na Tabela 2.

Foi usado rating “AA+”, aderente ao perfil médio de crédito das ofertas distribuídas em 2018, para definir o spread esperado de emissão não incentivada em cada prazo, conforme metodologia de estimação descrita mais adiante. A esse spread, foi somada a taxa livre de risco — aplicável à duration de cada papel — para produzir estimativa do retorno esperado de emissão não incentivada. Tais estimativas foram o ponto de partida da estimação do valor justo do benefício tributário apresentada neste trabalho.

A parte azul da Tabela 1 simula o fluxo de uma debênture não incentivada, considerando o custo esperado de emissão dado pela soma da taxa livre de risco — extraído dos títulos do Tesouro Nacional (TN) em IPCA — com o spread médio estimado no exercício econométrico, adquirida por pessoas jurídicas, ambos para a duration correspondente e mesmo risco de crédito do emissor, AA+. No exemplo, o resultado foi um custo de emissão de IPCA + 6,63% a.a. para um fluxo bullet, com vencimento do principal corrigido em parcela única em dez anos e com duration de 8,09 anos. A inflação implícita de 5% a.a. foi apurada pela diferença de retorno das Notas do Tesouro Nacional série F (NTN-F) e das Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B), títulos que pagam um juro fixo total menos títulos que pagam uma parcela fixa mais IPCA, para a mesma duration de 8,09 anos. Assumiu-se como IPCA + 5% a.a. o custo do passivo associado ao financiamento da debênture.

Esse fluxo da debênture não incentivada tributado pelo lucro real está representado em verde da Tabela 1, gerando um valor presente do fluxo de caixa das debêntures, somado aos impostos devidos em tal regime, de R$95,02 — destacado em laranja. Tais fluxos foram descontados pela taxa nominal prefixada aplicável ao risco de crédito das debêntures — taxa de juro real livre de risco para a duration em questão, ajustada pela inflação implícita, e acrescida ao spread de crédito esperado para emissão com classificação de risco igual a AA+: (1 + 6,63%) × (1 + inflação implícita, de 5%).

Tabela 1
Exemplo do método de apuração do valor justo do benefício tributário: comparação do retorno bruto de instrumento não incentivado e incentivado que equaliza o valor presente dos rendimentos efetivamente pagos nas debêntures, líquido dos tributos, em ambos os regimesa
Tabela 2
Características das debêntures usadas no exemplo ilustrativo descrito na Tabela 1

Esse mesmo valor foi usado na parte cinza da Tabela 1 para obter (via função “atingir metas”) a taxa de 4,51% a.a., que iguala o valor presente do fluxo de caixa efetivo das debêntures incentivadas, acrescidos dos impostos residuais pagos, considerando os efeitos de redução de alíquota e de mudança do regime de tributação de competência para caixa, conforme discutido, para um título de duration equivalente de 8,09 anos.

A diferença entre as remunerações anuais (retorno bruto) de 6,63% e 4,51% (2,12pp) é o valor justo, expresso em p.b. de taxa de juros, do benefício fiscal concedido pela Lei 12.431, que deveria ser integralmente repassado aos emissores em arranjos institucionais eficientes. O mesmo exercício de aferição do valor justo foi feito para títulos de diferentes durations, gerando a curva em laranja na Figura 2.12 12 O exemplo da Tabela 2 é meramente ilustrativo, para permitir ao leitor acompanhar a lógica de precificação do benefício, mas envolve aproximação razoável em relação ao valor justo, por lidar com uso de taxas de desconto únicas aplicáveis aos fluxos das debêntures. O valor efetivo de cada ponto apresentado na curva de valor justo no Figura 4 foi efetuado em calculadora mais exata, que aplica o fator de desconto preciso associado a cada evento de caixa no contrato.

As pessoas físicas que adquirem as debêntures incentivadas têm isenção total do IR, cuja alíquota prevista para o caso de não incentivadas é de 15%, cobrada no regime de caixa (tributação exclusiva na fonte), isto é, somente quando o recebimento de fato ocorre. A diferença de retorno bruto entre debêntures incentivadas e não incentivadas que equalizaria a remuneração líquida para as pessoas físicas em mercados eficientes seria, assim, simplesmente equivalente a 15% do rendimento bruto nominal projetado dos instrumentos não incentivados de mesmo perfil de risco de crédito e prazo, usando-se a inflação implícita indicada pela diferença de retorno dos títulos públicos prefixados e indexados ao IPCA. A diferença entre títulos não incentivados e incentivados — para cada duration e para emissores de mesmo risco de crédito — adquiridos por pessoa física está expressa na curva em verde do Figura 2.

Figura 2
Valor justo dos benefícios tributários para pessoas físicas e pessoas jurídicas em função da duration das debêntures 12.431 (%)

Nota: Para emissões primárias, a Lei 12.431 exige prazo médio de principal mínimo de quatro anos, o que faz a duration mínima relevante para os fins deste trabalho ser de aproximadamente três anos.


Parte dos subsídios é apropriada para remunerar os agentes que controlam os canais de distribuição dos papéis e os investidores com capacidade de comprar títulos incentivados. O foco da distribuição são pessoas físicas de alta renda. É tal base de colocação limitada que é disputada pelos emissores das debêntures de infraestrutura.13 13 Ademais, no caso dos papéis indexados ao DI, a base direta de subscritores é muito mais profunda do que a dos títulos em IPCA. O DI é o indexador usado como benchmarkpela maior parte dos recursos geridos na indústria de fundos no país. Muitos fundos têm limitações estatutárias para carregar papéis em outros indexadores ou alocam custos de transação para operar derivativos e converter a remuneração ao DI. A segmentação induzida pelas regras tributárias faz as debêntures de infraestrutura agregarem um prêmio pela necessidade de emissão direta em IPCA, em função da vedação legal a emissões incentivadas referenciadas à taxa DI over ou à Selic. Ou seja, a norma requer a distribuição dos títulos em uma base relativamente restrita e segmentada de investidores, formada pela sobreposição dos que têm apetite por instrumentos com risco de mercado indexados ao IPCA, de elevada duração (a Lei 12.431 impõe prazo médio ponderado mínimo de quatro anos), mandato para assumir risco de crédito privado e que se enquadrem nas regras de elegibilidade do benefício tributário. A norma estimula a aquisição de ativos de maior duração por investidores locais. O objetivo é meritório, mas, como os benefícios direcionados a segmentos específicos do mercado de renda fixa, acaba gerando ineficiência residual na precificação das emissões, contaminando o custo dos projetos de altas externalidades.

A pressão de oferta em bolsões de liquidez restrita pode redundar na geração de operações precificadas de forma desarbitrada pela ótica do risco/retorno líquido ao investidor, oferecendo excesso de retorno ajustado ao risco aos insiders quando comparadoà remuneração de ativoidêntico,commesmo risco de crédito, precificado em bolsão de liquidez mais profundo, acessíveis aos instrumentos não incentivados. Esses benefícios que redundam em excesso de retorno ajustado ao risco são, em geral, acessíveis a investidores mais ricos e de “maior poder de mercado” perante as instituições bancárias que controlam os canais de distribuição de tais papéis — inclusive nas gestoras de recursos de terceiros associados a tais conglomerados financeiros. Evidência indireta disso é que, segundo dados de (ANBIMA, 2019cANBIMA – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. (2019c, maio). Private [Estatísticas de Private Banking]. ANBIMA. Acessado em 29 de julho de 2019: https://www.anbima.com.br/pt_br/informar/estatisticas/varejo-private-e-gestores-de-patrimonio/private-consolidado-mensal.htm
https://www.anbima.com.br/pt_br/informar...
), cerca de 68,7% dos ativos de renda fixa sob gestão da indústria de private banking no Brasil (rubrica TVM, excluindo fundos), que abarca os clientes de alta renda, estavam alocados em instrumentos incentivados em dezembro de 2018.14 14 A título comparativo, para evidenciar o grau de sobrealocação dos investidores de alta renda em tais ativos, cabe informar que o peso do conjunto dos instrumentos incentivados (LCI, LCA, CRI, CRA e debêntures de infraestrutura) no estoque total do mercado de renda fixa (soma de títulos públicos e privados, bancários e de emissão corporativa) foi de 7,6% em dezembro de 2018, conforme apurado pelo cruzamento de dados dos seguintes relatórios: ANBIMA (2019b, 2019c); Ministério da Fazenda (2019). O peso de debêntures incentivadas nessa carteira correspondeu a mais de seis vezes o valor das debêntures não incentivadas (ANBIMA, 2019cANBIMA – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. (2019c, maio). Private [Estatísticas de Private Banking]. ANBIMA. Acessado em 29 de julho de 2019: https://www.anbima.com.br/pt_br/informar/estatisticas/varejo-private-e-gestores-de-patrimonio/private-consolidado-mensal.htm
https://www.anbima.com.br/pt_br/informar...
). Tal proporção tende a cair no segmento de varejo de alta renda e ainda mais na base dos investidores ditos de varejo — com frequente diferença de rendimento líquido apropriado em cada estrato de investidor.

A diferença entre as curvas em laranja (PJ) e verde (PF) aumenta em razão da duração dos títulos, o que ocorre pelo fato de o benefício tributário para pessoas jurídicas tributadas por lucro real ser tanto maior quanto maior for o prazo médio ponderado do título, dado o impacto da mudança do regime de tributação de competência para caixa. Em azul, está a curva que representa a média ponderada das curvas em laranja (PJ) e verde (PF), de acordo com as participações efetivas nas emissões de mercado.15 15 A ponderação se deu pelo peso que os investidores tributados no regime de lucro real tiveram nas distribuições primárias feitas de 2012 a outubro/2018 pela consolidação de dados sobre o perfil das instituições adquirentes divulgada pelo Boletim Informativo de Debêntures Incentivadas (Ministério da Fazenda, 2019).

O formato das curvas sugere que há não linearidade na relação entre o valor justo do benefício, expresso em p.b. de taxa de juros equivalente, e a duração dos títulos.

2.3.2

Eficiência fiscal dos benefícios concedidos

A observação desse formato das curvas fundamentou a incorporação de especificação alternativa, capaz de capturar tal não linearidade, nos exercícios de modelagem econométrica. As equações (1) e (2) mostram as especificações econométricas aplicadas:

Especificação linear

(1) Spread  deb  IPCA equiv  = ß 1 + ß 2 * Dummy  incentivada  + ß 3 * Dummy  risco  projeto  + ß 4 * Dummy  DI  + ß 5 * Duration  + ß 6 * ( Duration  * DummyIncentivada  ) + ß 7 * Rating  escala numerica 

Especificação não linear

(2) Spread  deb  IPCA equiv  = β 1 + β 2 * Dummy  incentivada  + β 3 * Dummy  risco  projeto  + β 4 * Dummy  DI  + β 5 * Duration  + β 6 * ( Duration  * DummyIncentivada  ) + β 7 * ( 1 Duration  * DummyIncentivada  ) + β 8 * Rating  escala numerica 

Os resultados das estimativas lineares (Tabela 3) sugerem que, conforme sinal esperado, os spreads cobrados em operações não incentivadas crescem em média cerca de 10/11 p.b. para cada ano acrescido na duração das debêntures.

Nas debêntures incentivadas — modeladas por variáveis dummies relativas ao nível do intercepto e ao coeficiente de inclinação —, o efeito total é de redução do spread em cerca de 9 p.b., em média, para cada ano adicional na duration do papel emitido.16 16 Valem duas observações. Primeira, as ofertas indexadas ao CDI tendem a ter custo de 16 p.b. inferior aos papéis em IPCA. As ofertas incentivadas estão vedadas de serem referenciadas à taxa do overnight, visando forçar a demanda de instrumentos com maior duração e risco de mercado. Tal vedação, porém, tem um custo, em razão da menor profundidade da base de distribuição potencial dos ativos em IPCA relativamente aos ativos em CDI, que é o benchmark de remuneração da indústria de gestão de recursos de terceiros. Segunda, as emissões de SPEs concentram o risco e a complexidade dos projetos associados, agregando um prêmio estimado de 85 p.b. na taxa de juros em relação às operações de mesmo rating e duração efetuadas por grandes empresas. O intercepto do resultado econométrico pode ser interpretado como carregando a informação do prêmio médio de liquidez e de crédito residual que papéis sem incentivo, em DI, teriam, em média, em relação ao derivativo em IPCA–DAP.

Tabela 3
Resultados das estimativas econométricas – especificação linear

Em relação à modelagem dos spreads de crédito, usada para medir a transferência do benefício tributário aos preços de mercado, foram testadas duas especificações alternativas — uma linear e outra envolvendo uma não linearidade, sugerida pelo formato observado da curva de valor justo descrita no gráfico da Figura 2. Tal não linearidade na relação entre a duração do título e o valor do benefício tributário parece mais adequada e foi capturada pela incorporação de uma variável nova igual a 1/(Duration * Dummyincentivada), com resultados descritos na Tabela 4.

Na especificação linear, cada nível, em média, haveria cerca de 10 p.b. de acréscimo no valor esperado dos spreads de crédito. O resultado de ambas as especificações é apresentado para indicar que os efeitos sobre os demais parâmetros de interesse tendem a ser marginais. Nenhuma conclusão substantiva desta nota é alterada com uso dos parâmetros estimados com base na especificação alternativa apresentada.17 17 Depois da realização dos testes estatísticos usuais, foi detectada evidência da presença de heterocedasticidade dos resíduos em ambos os modelos (linear e não linear). Para resolver esse problema, foi utilizado o método de estimação com correção do erro-padrão para a presença de heterocedasticiade, white heterocedasticity-consistent standard errors (ver Apêndice Estatístico).

Tabela 4
Resultados das estimativas econométricas – especificação não linear

As tabelas 5 to 6 e os gráficos das figuras 4 to 5 mostram os resultados em p.b. de taxa de juros, do custo fiscal da União (E) e da diferença (F) entre os spreads cobrados nas debêntures emitidas por empresas (títulos corporativos e por projetos/SPEs) em instrumentos não incentivados (B) e incentivados (C). A razão F/E é o grau de eficiência fiscal (G) associado a cada nível de duration, isto é, o percentual do custo fiscal do benefício concedido pela União efetivamente transmitido aos preços das debêntures.

Considerando uma operação hipotética, com duração de 5,8 anos — igual à média das emissões primárias de debêntures pela Lei 12.431 observadas de 2012 até outubro de 2018 —, as estimativas apresentadas mostram que cerca de 60% (especificação não linear) dos custos fiscais absorvidos pela União seriam transferidos ao custo de captação dos projetos, como mostram os gráficos da Figura 3.18 18 Na especificação linear, o grau de eficiência fiscal é um pouco maior, da ordem de 63%.

Nas condições de mercado observadas no fim de novembro de 2018, o valor justo do custo fiscal permitiria a equalização direta de taxas de juros de 177 p.b. aos projetos apoiados. Destes, 108 p.b. seriam, em média, efetivamente transmitidos ao custo de captação dos projetos, considerando que a alocação dos subsídios corretivos seja feita por meio da emissão das debêntures de infraestrutura no mercado de capitais local.19 19 Foi desconsiderada para o caso de uma nova emissão a existência de um new issue premium, normalmente incidente sobre as ofertas primárias relativamente aos preços negociados em mercado secundário, que alimentaram a econometria deste trabalho, o que reduziria ligeiramente os 108 p.b. estimados de efetiva transferência e, assim, o grau de eficiência fiscal. Não foram considerados também os custos relativos à estruturação e à distribuição de uma oferta no mercado de capitais — comissões de estruturação e distribuição, custos de registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e nas clearings e honorários advocatícios —, que podem ser materiais e pressionar o custo total da emissão de um instrumento incentivado.

Figura 3
Grau de eficiência fiscal das debêntures de infraestrutura – fração do custo fiscal transferida para a taxa de captação dos projetos em função da duration das emissões (%)
Tabela 5
Estimativas econométricas do valor esperado dos spreads das debêntures – rating AA+ – especificação linear
Figura 4
Valor esperado dos spreads das debêntures: AA+ – resultado das estimativas econométricas, especificação linear (p.b.)
Tabela 6
Estimativa econométrica do valor esperado dos spreads das debêntures – rating AA+ – especificação não linear
Figura 5
Valor esperado dos spreads das debêntures: AA+ – resultado das estimativas econométricas, especificação não linear (p.b.)
  • 1
    Para uma versão ampliada deste texto, ver o texto para Discussão do BNDES nº 143 “Debêntures de infraestrutura: qual a fração do custo fiscal é transferida aos projetos?”, disponível em http://web.bndes.gov.br/bib/jspui/handle/1408/18601
  • 2
    Ademais, sob ampla ociosidade dos fatores produtivos por insuficiência de demanda, a alocação de subsídios aos projetos de infraestrutura contribui para a reativação dos motores de crescimento, por sua natureza de gasto “autônomo” não gerador de capacidade produtiva nova, o que ajuda na retomada cíclica ao mesmo tempo que pavimenta o crescimento futuro da produtividade total dos fatores.
  • 3
    Não é descabido afirmar que a concessão de um nível de subsídios corretivos menor do que o adequado pode ser mais ineficiente alocativamente do que o excesso, pois a falta de incentivos privados tende a resultar em uma provisão insuficiente de serviços de infraestrutura, gerando redução de bem-estar. Caso clássico no Brasil é o da insuficiência de investimentos e subsídios ao transporte coletivo, que faz o seu uso ser pouco competitivo em custo em relação ao das motocicletas e pouco atrativo em relação aos automóveis, que produzem níveis bem maiores de poluição, congestionamento e acidentes.
  • 4
    Prazo médio ponderado de todos os pagamentos de juros e principal observados no papel.
  • 5
    A depender da maturação dos projetos emissores e das estruturas financeiras, os projetos financiados por meio da emissão de SPEs podem envolver exposição direta a riscos residuais de construção, de licenciamento e regulatórios, além de algum grau de complexidade relativa à análise da estrutura financeira da operação de project finance. O BNDES, usualmente, ancora o financiamento dos projetos nas fases mais críticas relativas ao risco de construção, prévias à entrada em operação — mas cada caso precisa ser avaliado em detalhes. Os investidores podem requerer prêmio em função do maior grau de complexidade e opacidade dos riscos derivados da estrutura financeira do project finance, relativamente às emissões corporativas mais básicas (plain vanilla). Ademais, em especial para investidores pessoas físicas, tende a haver um viés de percepção que favorece, entre ofertas de mesma classificação de risco, a precificação das emissões corporativas de empresas de reputação estabelecida e marcas consolidadas e reconhecidas. Tal prêmio cobrado pela emissão dos projetos relativamente às ofertas corporativas pode ser material, da ordem de 85 p.b., conforme mensuração a ser detalhada adiante.
  • 6
    O cálculo do imposto devido é alinhado pro rata temporis à apropriação contábil do rendimento do papel, de acordo com o fato gerador, que independe da existência de eventos de caixa nas debêntures.
  • 7
    Para uma operação adquirida por um banco são devidos 0,65% do PIS, 4% de Cofins, 25% de IR e 15% de CSLL, havendo dedução dos valores de PIS e Cofins das bases de IR e CSLL. A CSLL era de 20% até janeiro/2019, quando passou a vigorar alíquota de 15%, incorporada nos resultados apresentados.
  • 8
    A receita tributável é igual ao rendimento apropriado do ativo menos a despesa financeira dedutível, ambos em regime de competência, relativa ao custo do passivo que financia o ativo correspondente.
  • 9
    A título ilustrativo, segundo a ANBIMA (2019a)ANBIMA – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. (2019a, 11 de julho). Captações em ações registram o maior volume semestral da série histórica. ANBIMA: Boletim do Mercado de Capitais. Acessado em 29 de julho de 2019: https://www.anbima.com.br/pt_br/informar/relatorios/mercado-de-capitais/boletim-de-mercado-de-capitais/captacoes-em-acoes-registram-o-maior-volume-semestral-da-serie-historica.htm
    https://www.anbima.com.br/pt_br/informar...
    dos R$153,7 bilhões de debêntures emitidas em 2018, cerca de 44,8% foram encarteiradas pelos bancos ou demais participantes vinculados à oferta. No caso das ofertas incentivadas, tal percentual foi de 41,8% dos cerca de R$24,1 bilhões emitidos.
  • 10
    A vedação legal à indexação das debêntures 12.431 às taxas do overnight faz quase todas as emissões incentivadas travarem juro real prefixado, incidente sobre principal indexado ao IPCA.
  • 11
    É desejável desenhar formas de alocação de subsídios aos projetos intensivos em externalidades que removam os fatores de incerteza que contaminam a precificação privada desses subsídios. Uma vantagem do subsídio alocado diretamente como redução do custo de funding aplicável ao crédito ofertado pelos bancos oficiais — em especial, em modalidades de custo que envolvem juros reais fixos, como os ofertados por meio da taxa de longo prazo (TLP) — consiste na remoção desses fatores de incerteza que afetam negativamente o cálculo do valor presente dos subsídios. Para uma firma que trava um custo de captação a um projeto de infraestrutura com redução de 1pp na taxa com o BNDES, a apropriação desse valor no tempo está assegurada, sendo precificada como igual ao valor presente do valor nominal de 1% a.a. incidente sobre o principal descontado pela taxa livre de risco.
  • 12
    O exemplo da Tabela 2 é meramente ilustrativo, para permitir ao leitor acompanhar a lógica de precificação do benefício, mas envolve aproximação razoável em relação ao valor justo, por lidar com uso de taxas de desconto únicas aplicáveis aos fluxos das debêntures. O valor efetivo de cada ponto apresentado na curva de valor justo no Figura 4 foi efetuado em calculadora mais exata, que aplica o fator de desconto preciso associado a cada evento de caixa no contrato.
  • 13
    Ademais, no caso dos papéis indexados ao DI, a base direta de subscritores é muito mais profunda do que a dos títulos em IPCA. O DI é o indexador usado como benchmarkpela maior parte dos recursos geridos na indústria de fundos no país. Muitos fundos têm limitações estatutárias para carregar papéis em outros indexadores ou alocam custos de transação para operar derivativos e converter a remuneração ao DI. A segmentação induzida pelas regras tributárias faz as debêntures de infraestrutura agregarem um prêmio pela necessidade de emissão direta em IPCA, em função da vedação legal a emissões incentivadas referenciadas à taxa DI over ou à Selic. Ou seja, a norma requer a distribuição dos títulos em uma base relativamente restrita e segmentada de investidores, formada pela sobreposição dos que têm apetite por instrumentos com risco de mercado indexados ao IPCA, de elevada duração (a Lei 12.431 impõe prazo médio ponderado mínimo de quatro anos), mandato para assumir risco de crédito privado e que se enquadrem nas regras de elegibilidade do benefício tributário. A norma estimula a aquisição de ativos de maior duração por investidores locais. O objetivo é meritório, mas, como os benefícios direcionados a segmentos específicos do mercado de renda fixa, acaba gerando ineficiência residual na precificação das emissões, contaminando o custo dos projetos de altas externalidades.
  • 14
    A título comparativo, para evidenciar o grau de sobrealocação dos investidores de alta renda em tais ativos, cabe informar que o peso do conjunto dos instrumentos incentivados (LCI, LCA, CRI, CRA e debêntures de infraestrutura) no estoque total do mercado de renda fixa (soma de títulos públicos e privados, bancários e de emissão corporativa) foi de 7,6% em dezembro de 2018, conforme apurado pelo cruzamento de dados dos seguintes relatórios: ANBIMA (2019bANBIMA – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. (2019b, 7 de junho). IMA-Geral encerra o primeiro semestre com ganho de 7,9%. ANBIMA: Boletim de Renda Fixa. Acessado em 29 de julho de 2019: https://www.anbima.com.br/pt_br/informar/relatorios/renda-fixa-tesouraria/boletim-renda-fixa/ima-geral-encerra-o-primeiro-semestre-com-ganho-de-7-9.htm
    https://www.anbima.com.br/pt_br/informar...
    , 2019cANBIMA – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. (2019c, maio). Private [Estatísticas de Private Banking]. ANBIMA. Acessado em 29 de julho de 2019: https://www.anbima.com.br/pt_br/informar/estatisticas/varejo-private-e-gestores-de-patrimonio/private-consolidado-mensal.htm
    https://www.anbima.com.br/pt_br/informar...
    ); Ministério da Fazenda (2019).
  • 15
    A ponderação se deu pelo peso que os investidores tributados no regime de lucro real tiveram nas distribuições primárias feitas de 2012 a outubro/2018 pela consolidação de dados sobre o perfil das instituições adquirentes divulgada pelo Boletim Informativo de Debêntures Incentivadas (Ministério da Fazenda, 2019Ministério da Fazenda. (2019, junho). Boletim informativo de debêntures incentivadas (e demais instrumentos da Lei 12.431/2011), 67ª edição. Acessado em 29 de julho de 2019: https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-de-debentures-incentivadas/2019/boletim-debentures-junho-2019
    https://www.gov.br/economia/pt-br/centra...
    ).
  • 16
    Valem duas observações. Primeira, as ofertas indexadas ao CDI tendem a ter custo de 16 p.b. inferior aos papéis em IPCA. As ofertas incentivadas estão vedadas de serem referenciadas à taxa do overnight, visando forçar a demanda de instrumentos com maior duração e risco de mercado. Tal vedação, porém, tem um custo, em razão da menor profundidade da base de distribuição potencial dos ativos em IPCA relativamente aos ativos em CDI, que é o benchmark de remuneração da indústria de gestão de recursos de terceiros. Segunda, as emissões de SPEs concentram o risco e a complexidade dos projetos associados, agregando um prêmio estimado de 85 p.b. na taxa de juros em relação às operações de mesmo rating e duração efetuadas por grandes empresas. O intercepto do resultado econométrico pode ser interpretado como carregando a informação do prêmio médio de liquidez e de crédito residual que papéis sem incentivo, em DI, teriam, em média, em relação ao derivativo em IPCA–DAP.
  • 17
    Depois da realização dos testes estatísticos usuais, foi detectada evidência da presença de heterocedasticidade dos resíduos em ambos os modelos (linear e não linear). Para resolver esse problema, foi utilizado o método de estimação com correção do erro-padrão para a presença de heterocedasticiade, white heterocedasticity-consistent standard errors (ver Apêndice Estatístico).
  • 18
    Na especificação linear, o grau de eficiência fiscal é um pouco maior, da ordem de 63%.
  • 19
    Foi desconsiderada para o caso de uma nova emissão a existência de um new issue premium, normalmente incidente sobre as ofertas primárias relativamente aos preços negociados em mercado secundário, que alimentaram a econometria deste trabalho, o que reduziria ligeiramente os 108 p.b. estimados de efetiva transferência e, assim, o grau de eficiência fiscal. Não foram considerados também os custos relativos à estruturação e à distribuição de uma oferta no mercado de capitais — comissões de estruturação e distribuição, custos de registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e nas clearings e honorários advocatícios —, que podem ser materiais e pressionar o custo total da emissão de um instrumento incentivado.

Apêndice Estatístico.

Depois da realização dos testes estatísticos usuais, foi detectada evidência da presença de heterocedasticidade dos resíduos em ambos os modelos (linear e não linear). Para contornar o problema, foi utilizado o método de estimação com correção do erro-padrão para a presença de heterocedasticiade, white heterocedasticity-consistent standard errors.

O teste dos resíduos sugere, ademais, a rejeição da hipótese de normalidade, o que impõe cautela na interpretação das estatísticas de testes usuais rotineiramente apresentadas nos exercícios de inferência estatística (testes “t” para significância estatística dos parâmetros isoladamente e teste “f” para significância do ajuste global do modelo). Ou seja, como existe evidência robusta de que os resíduos do modelo não são normais, as estatísticas de teste usuais não podem ser utilizadas para ancorar avaliação sobre a significância estatística dos parâmetros do modelo estimado.

Para resolver tal problema, foi aplicada técnica conhecida como bootstrap (Davidson & Mackinnon, 2004Davidson, R., & Mackinnon, J.G. (2004). Econometric theory and methods. New York: Oxford University Press.). Segundo tal metodologia, a “distribuição empírica” dos resíduos — observada no resultado da estimação do modelo por OLS — serviu para fundamentar a simulação de dois mil experimentos aleatórios, que subsidiaram a construção de uma função de distribuição de probabilidade aplicável a cada um dos parâmetros de interesse do modelo — ancorando o exercício de inferência estatística em bases mais sólidas, mesmo na ausência da normalidade dos resíduos. Tais testes foram efetuados seguindo o seguinte procedimento:
  1. Rodou-se o modelo OLS descrito anteriormente, na especificação linear.

  2. Concluiu-se que a distribuição empírica dos resíduos estimados, depois dos testes usuais (Jarque–Bera), viola hipótese de normalidade do processo gerador dos dados. Resíduos são armazenados. O resíduo associado a cada observação da amostra é associado a um número inteiro de 1 a 273.

  3. Com base no modelo estimado, o valor esperado do spread de crédito de cada debênture é estimado, com uso dos coeficientes estimados obtidos no passo 1, com base na hipótese nula de que no processo gerador dos dados o valor do parâmetro de interesse é igual a zero.

  4. Para cada observação da amostra, é rodado processo aleatório — com base em distribuição uniforme com igual probabilidade de ocorrência de números inteiros de 1 a 273. O valor obtido aleatoriamente é associado ao valor do resíduo correspondente, tal como observado na distribuição empírica dos resíduos no passo 1. Tal procedimento corresponde ao “embaralhamento” aleatório dos resíduos originais para simular o processo gerador dos dados e obter nova amostra aleatória derivada da distribuição empírica dos resíduos obtida no passo 1.

  5. Tais resíduos são “embaralhados” e alocados aleatoriamente entre as 273 observações de cada nova amostra. Esses resíduos são, então, somados ao valor esperado do spread estimado com base no modelo estimado no passo 1, para cada debênture da amostra, considerando as variáveis exógenas aplicáveis a cada debênture: duration, indexação ao DI ou ao IPCA, incentivo tributário, risco de projeto ou corporativo, rating. O cálculo do valor esperado é efetuado sob a hipótese nula de que o valor do parâmetro de interesse, cuja significância estatística se busca testar, é igual a zero.

  6. Com base nos novos dados simulados aleatoriamente, é rodada nova estimativa OLS dos valores dos parâmetros do modelo, com base na especificação usada em 1. O valor do parâmetro de interesse obtido na estimação é armazenado — aquele que se deseja testar contra a hipótese nula de que beta é igual a zero.

  7. O processo é repetido duas mil vezes para cada parâmetro de interesse. São geradas 2 mil amostrasaleatóriasdos 273 dados, quegeramduasmil estimativas diferentes do parâmetro beta de interesse, geradas sob a hipótese nula de que o valor efetivo do beta no processo gerador dos dados é igual a zero, agregando aleatoriedade que reproduz a estrutura da distribuição empírica dos resíduos — não normais — obtida com base no resultado do modelo estimado no passo 1.

  8. Com base nas duas mil estimativas do parâmetro beta, obtidas como resultado das simulações dos dados amostrais, foi construída uma distribuição de probabilidade dos valores do parâmetro estimado (distribuição de probabilidade de beta chapéu), com base nas simulações de Monte Carlo descritas acima. Tal distribuição dos betas define a probabilidade de que um processo gerador dos dados em que a hipótese nula seja verdadeira — beta seja efetivamente igual a zero —, gerada com resíduos que respeitam a estrutura da distribuição empírica extraída do modelo 1, tenha valor menor ou igual (ou maior ou igual, a depender do sinal) ao valor de referência para o teste da significância estatística, ou seja, da estimativa obtida em 1, ancorando exercício de inferência estatística relativo à significância do parâmetro, mesmo diante da não normalidade dos resíduos. Quando se coteja o valor do beta estimado no modelo 1, com base nas observações reais, com a distribuição gerada com base nas simulações de Monte Carlo, são definidos os Pi values aplicáveis aos parâmetros de interesse estimados no modelo 1 — que podem ser usados como bases firmes, diante de resíduos não normais, para ancorar o exercício de inferência estatística dos parâmetros estimados no modelo rodado no passo 1.

Tais valores indicam a probabilidade de que processo gerador dos dados com beta de interesse igual a zero, que siga a distribuição empírica dos resíduos, gere estimativa do valor do beta maior ou igual ao valor da estimativa observada na estimação do passo 1.

Os resultados apresentados nas tabelas 3 to 4 descrevem os resultados das estimativas econométricas — mediante inserção de coluna de título “Pi valuesbootstrap”.

Todas as variáveis de interesse no exercício com especificação não linear foram tidas como significativas estatisticamente a 10%, com exceção do termo para capturar a não linearidade, cujo Pi value foi marginalmente superior, igual a 10,7%.

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2019
  • Aceito
    05 Jun 2020
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