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Weber e Tolstói: aproximações

Weber e Tolstoy: approches

Resumos

Resumo

A produção literária de Goethe, Dostoiévski e Tolstói, para citar apenas alguns nomes, está presente na elaboração intelectual de vários pensadores da passagem do século XIX para o século XX, como Freud e Marx. Para Weber não é diferente. Neste trabalho, pretendemos explorar algumas obras de Tolstói para reunir pontos de notável convergência com o pensamento weberiano. Mais do que fornecedor de metáforas ou ilustrações, Tolstói nos permite uma ampliação do campo de visão em que Weber expõe alguns de seus importantes momentos conceituais, como o desencantamento do mundo, ou reflexões teóricas de fundo, como a irracionalidade ética do mundo e os conceitos de racionalidade e racionalização, bem como as relações entre a ação humana e a história. Buscamos aproximar esses momentos teóricos de Weber com a obra ficcional de Tolstói, indicando pontualmente uma triangulação com Goethe e Dostoiévski. Tal aproximação faz da literatura um local de grande importância para a consideração teórica ou, pelo menos, permite um aprofundamento da elaboração e da exposição desta em seus conceitos.

Palavras-chave:
Max Weber; Modernidade; Liev Tolstói; Johann Goethe; Fiódor Dostoiévski


Abstract

The literary production of Goethe, Dostoyevsky and Tolstoy, to quote just a few names, is present in the intellectual elaboration of several thinkers from the 19th to the 20th century, such as Freud and Marx. For Weber it is no different. In this work, we intend to explore some of Tolstoy's works to gather points of remarkable convergence with Weberian thought. More than a supplier of metaphors or illustrations, Tolstoy allows us to broaden the field of vision in which Weber exposes some of his important conceptual moments, such as the disenchantment of the world, or background theoretical reflections, such as the ethical irrationality of the world and the concepts of rationality and rationalization, as well as the relationships between human action and history. We seek to approximate these theoretical moments of Weber with Tolstoy's fictional work, punctually indicating a triangulation with Goethe and Dostoevsky. Such an approximation makes literature a place of great importance for theoretical consideration or, at least, allows a deepening of its elaboration and exposition in its concepts.

Keywords
: Max Weber; Modernity; Liev Tolstói; Johann Goethe; Fiódor Dostoiévski


Consideração inicial: Tolstói na Ciência como vocação

Weber sempre fez uso de referências tomadas da cultura mais ampla para expor conceitos e desenvolvê-los. Alguns destes empréstimos já foram objeto de debate. A referência mais conhecida a Tolstói está na Ciência como vocação (Wissenschaft als Beruf) (Weber, 1988bWEBER, Max. (1988b), “Wissenschaft als Beruf”, in M. Weber, Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre, Tübingen, Mohr.), quando Weber recoloca as perguntas - “como devemos viver? O que devemos fazer?” -, Tolstói se move num cenário de ruína dos grandes marcos de referência disponíveis para a orientação da vida de seus personagens: a Igreja Ortodoxa é convencional, até para os sacerdotes; os modos de tratamento palacianos são artificiais e banais; os personagens da nobreza almejam uma pose e estão distantes de uma vida que possua um significado interior; as ideias importadas da filosofia francesa não parecem se adequar à vida do povo sobre o qual se quer legislar; as indagações científicas que podem ocupar o lugar das antigas vestimentas religiosas não aquecem o suficiente e também são descartadas.

Weber o situa no contexto do desencantamento do mundo pela ciência: “pode-se desencantar o mundo ordenando-o sob um sentido que unifica, com fez a profecia ético-metafísica, e pode-se desencantá-lo estilhaçando este sentido unitário, como tem feito a ciência empírico-matemática” (Pierucci, 2003, pPIERUCCI, Antônio Flávio. (2003), O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo, Editora 34.. 185). De acordo com o eixo teórico histórico que aqui é mais recente e deve repousar no século XIX, estamos, o tempo todo, diante da segunda opção, a do estilhaçamento desta “relação bifronte que entretém com a ideia de uma metafísica de um sentido unitário do mundo, que aflora a complexidade do conceito weberiano de um mundo desencantado” (Pierucci, 2003PIERUCCI, Antônio Flávio. (2003), O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo, Editora 34., [p. 185]). O avanço da ciência e da intelectualização não fornece um cosmos de valores para a orientação da vida, nem a posse segura de um saber viver. Feita a tentativa de tomar a vida segundo um sentido último, para Weber resulta a incompatibilidade das atitudes últimas possíveis e a impossibilidade de dirimir seus conflitos.

Mas a ciência contribui para a clareza, que pressupõe um conhecimento sobre a própria individualidade: Weber (1988b, pWEBER, Max. (1988b), “Wissenschaft als Beruf”, in M. Weber, Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre, Tübingen, Mohr.. 609), referenciando a astúcia e mentira sempre maquinadas pelo diabólico que há em Mefisto, cita um verso do Fausto (Goethe, 2016GOETHE, Johann Wolfgang von. (2016), Fausto: uma tragédia - primeira parte. Tradução de Jenny Klabin Segall. 6a edição, São Paulo, Editora 34.): “lembre-se, o diabo é velho, então torne-se velho para compreendê-lo”, o que significa que é necessário “se examinar a fundo os caminhos que se trilha, para conhecer o seu poder e limitações” (Weber, 1988bWEBER, Max. (1988b), “Wissenschaft als Beruf”, in M. Weber, Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre, Tübingen, Mohr., [p. 609])1 1 Tradução de Lucas Cid Gigante. . Weber aponta que a entrega precoce às paixões, sem a experiência de vida para avaliá-las através de vozes interiores bem conduzidas, implica a perda de autonomia e a patética condição de se deixar levar por influências alheias.

Segundo Schluchter (2017, pSCHLUCHTER, Wolfgang. (2017), El desencantamiento del mundo. Seis estudios sobre Max Weber. Tradução de Juanita Tejeiro Concha, Francisco Gil Villegas e Anita Weiss. México, FCE.. 86), que, por sua vez, orienta-se por Jochen Schmidt, Weber também mobiliza a noção de Dämon, que é a mesma que Goethe cunhava com “o significado de individualidade e caráter”, numa etimologia que remete à Sócrates e ao Daimon como “voz interior”.2 2 Está presente no trabalho de Goethe Palavras primordiais. O Órfico. Neste ponto, ver Schluchter (2017). Aqui também se observa a pressão de viver a vida segundo decisões livres, tendo que justificá-las constantemente sobre seu sentido último. No entanto, quando adentramos na obra de Tolstói, essa pressão não necessariamente encontra uma saída. É o que veremos numa breve menção ao tema da morte em seus escritos.

Tolstói e o problema de dar sentido à morte

A ciência não tem muito o que dizer sobre a morte, como tentam fazer as religiões, fornecendo sentido à vida porque a insere num cosmos para além da vida. Tolstói fez alguns de seus personagens encontrarem a morte diante da ausência de qualquer vestígio seguro do que existe após ela, uma espécie de terror que aparece nos piores momentos, como o de Liévin (de Anna Kariênina):

[...] que a morte virá e tudo terminará, que não vale a pena começar nada e que é absolutamente impossível evitá-la. Sim, é horroroso, mas é assim. ‘Mas, afinal, ainda estou vivo. O que devo fazer neste momento, o que fazer?’, disse, com desespero. [...] O problema de como viver havia apenas começado a se esclarecer, para ele, quando se apresentara um novo problema insolúvel - a morte. ‘Pois bem, ele vai morrer, sim, vai morrer na primavera, mas como ajudá-lo? O que posso dizer a ele? O que sei sobre isso? Até esqueci que isso existe.’. (Tolstói, 2017a, pTOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2017a), Anna Kariênina. Tradução de Rubens Figueiredo. 1a edição, São Paulo, Companhia das Letras.. 353-354)

Em A morte de Ivan Ilitch (Tolstói, 2009TOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2009), A morte de Ivan Ilitch. Tradução de Boris Schnaiderman. 2a edição, São Paulo, Editora 34.), o tema da morte inevitável passa a gerar toda sorte de tentativas de apreensão dos sentidos inerentes à vida e aos atos, que conduz Ivan à ideia de ter vivido de maneira errada. Em Anna Kariênina (Tolstói, 2017aTOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2017a), Anna Kariênina. Tradução de Rubens Figueiredo. 1a edição, São Paulo, Companhia das Letras.), todo o desenvolvimento da tensão em torno de Anna é conduzido ao cume, representado em seu suicídio, como um ato ocorrido pela inexistência, dentro da sua esfera social, de matrizes de sentido que fornecessem à sua situação um lugar aceitável, o que lhe opera uma espécie de morte interior que antecede a morte física. Para Tolstói, a morte é um momento que projeta certa luz sobre a vida, na medida em que seus personagens vivem em reminiscência quando ela se aproxima: esse vislumbre, que é passageiro, pode indicar uma vida com sentido ou o horror de uma vida sem sentido. Para a maioria dos personagens, o resultado é que tanto a vida quanto a morte não fazem o menor sentido, pois não permitem àquele que morre vivenciar um estado seguro de vislumbre sobre si mesmo.

Abraão ou os camponeses de antigamente morreram “velhos e cheios de vida” (“alt und lebensgesättigt”), porque estavam situados no ciclo orgânico da vida (“organischen Kreislauf des Lebens”), porque sua vida trouxe o seu sentido no anoitecer de seus dias, porque não havia enigmas que desejavam resolver, portanto poderiam ter o “suficiente” deles. Um homem de cultura, no entanto, [...] pode tornar-se “cansado da vida”, mas não cheio de vida. Porque ele arrebata a menor parte daquilo que a vida do espírito sempre faz nascer de novo, e continuamente apenas uma parte provisória, não definitiva, e por isso a morte é para ele um acontecimento sem sentido (“sinnlose Begebenheit”). [...]. Encontra-se esse pensamento, por toda parte, nas últimas obras de Tolstói, que dá tom de fundo à sua arte. (Weber, 1988b, pWEBER, Max. (1988b), “Wissenschaft als Beruf”, in M. Weber, Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre, Tübingen, Mohr.. 594-595)3 3 Tradução de Lucas Cid Gigante. “Am Abend seiner Tage” foi traduzido para significar tanto o entardecer de um dia de trabalho, quanto o final da vida, a entrada na noite, ao final da existência.

Esta passagem é próxima ao pacto de Fausto - “e o que a toda humanidade é doado, quero gozar no próprio eu, a fundo” (Goethe, 2016, pGOETHE, Johann Wolfgang von. (2016), Fausto: uma tragédia - primeira parte. Tradução de Jenny Klabin Segall. 6a edição, São Paulo, Editora 34.. 175) -, que se parece com algumas afirmações do Abade, de Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister (Goethe, 2009GOETHE, Johann Wolfgang von. (2009), Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. Tradução de Nicolino Simone Neto. 2a edição, São Paulo, Editora 34.): “quem quiser fazer ou fruir tudo em sua plena humanidade, quem quiser associar tudo o que lhe é exterior a tal espécie de fruição, este haverá tão somente de passar sua vida numa aspiração eternamente insatisfatória” (Goethe, 2009, pGOETHE, Johann Wolfgang von. (2009), Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. Tradução de Nicolino Simone Neto. 2a edição, São Paulo, Editora 34.. 543).4 4 Para Lukács (2009b, p. 30), “inventamos a produtividade do espírito [...] e nosso pensamento trilha um caminho infinito de aproximação jamais inteiramente concluída”. Nas obras de Tolstói analisadas, os personagens que sustentam uma posse segura de ter vivido um ciclo completo, sem restos, mundos ou estados íntimos ainda não atingidos, são exemplos contrários a Fausto e sua busca diante do que lhe é apresentado pelo mundo, tipos que obtiveram essa sensação de completude se entregando às atividades do dia a dia no ciclo da natureza. O efeito que Tolstói quer construir é este: na medida em que se abandona a questão do sentido, a vida começa a fazer sentido, mesmo que não se saiba qual, implicando a aceitação de uma vida desprovida de uma finalidade. Porém, ele também constrói personagens que buscam na intelectualização uma vida mais consciente, como obtenção de uma resposta sobre como viver. Isso nos conduz ao problema da irracionalidade ética do mundo.

Irracionalidade ética do mundo

Na conferência Política como vocação, Weber atesta a imensa dificuldade de viver diante da irracionalidade ética do mundo, a respeito de que este é desprovido de sentido. Weber comenta que o partidário da ética de convicção não pode suportar essa condição, pois não é possível viver diante do fato de que a vida não tem um propósito em si mesma e nada no mundo permite localizar esse propósito. É o ato que tem na cultura a atribuição de sentido a pequenos segmentos da vida que lida com esta circunstância, daí a necessidade de uma ética de convicção. Weber situa a cena do livro Os irmãos Karamázov (Dostoiévski, 2012DOSTOIÉVSKI, Fiódor Mikhailovitch. (2012), Os irmãos Karamázov. Tradução de Paulo Bezerra. 3a edição, São Paulo, Editora 34.), de Dostoiévski, intitulada “O grande inquisidor”, que lida com esse problema de uma maneira adequada.

Também o faz de forma rápida e concentrada. Enquanto Tolstói nos faz acompanhar a vida inteira de um personagem até este constatar que sua vida não possui um propósito, Dostoiévski, nesta cena, concentra esse problema numa fabulação de peça teatral, elaborada por Ivan, que, entusiasmado, a apresenta a seu irmão, Aliócha. Salta aos olhos a circunstância de que este vazio de propósito a respeito da vida pode ser exatamente a liberdade, aquela que se define quando não há qualquer propósito e que devemos viver desta forma, um tanto quanto aleatória e sem direção. O que fazer com a vida se não existe nenhum propósito para ela? Eis a provocação do autor: os seres humanos têm medo da liberdade e desejam ardentemente repeli-la, de maneira que logo surgiria a necessidade de se sujeitar a um ideal ou a alguém: “não há preocupação mais constante e torturante para o homem do que, estando livre, encontrar depressa a quem sujeitar-se” (Dostoiévski, 2012, pDOSTOIÉVSKI, Fiódor Mikhailovitch. (2012), Os irmãos Karamázov. Tradução de Paulo Bezerra. 3a edição, São Paulo, Editora 34.. 352).

Neste ponto, desejaríamos sacrificar a liberdade, nascendo em nós uma necessidade de sujeição a uma ética de convicção: ela tranquiliza a consciência, diante de seu vazio, diante de uma vida sem propósito. Aqui nasce o elo diabólico sob uma forma específica, aquela que fomenta os propósitos que devem impulsionar a vida: “só domina a liberdade dos homens aquele que tranquiliza a sua consciência” (Dostoiévski, 2012, pDOSTOIÉVSKI, Fiódor Mikhailovitch. (2012), Os irmãos Karamázov. Tradução de Paulo Bezerra. 3a edição, São Paulo, Editora 34.. 353).

Comentando sobre a parábola das tentações de Cristo no deserto, diante de um Diabo fomentador, abandona-se a submissão pelo pão pela submissão pela sedução da consciência: aquele que conseguir fornecer um propósito para a vida humana, relacionando-o com as angústias individuais, domina a liberdade alheia. Com isso, Dostoiévski, de maneira semelhante a seu conterrâneo, ataca a Igreja como instituição formadora de rebanhos, como empresa de dominação. Weber tem muito a contribuir aqui: por exemplo, sua caracterização da dominação carismática como uma metanóia no modo de pensar dos seguidores, age com esse mesmo mecanismo: uma transformação “de dentro para fora” que emocionalmente é vinculada a um renascimento para a vida.

Porque o segredo da existência humana não consiste apenas em viver, mas na finalidade de viver. Sem uma sólida noção da finalidade de viver, o homem não aceitará viver e preferirá destruir-se a permanecer na Terra ainda que cercado só de pães [...] Não existe nada mais sedutor para o homem que sua liberdade de consciência, mas tampouco existe nada mais angustiante. (Dostoiévski, 2012, pDOSTOIÉVSKI, Fiódor Mikhailovitch. (2012), Os irmãos Karamázov. Tradução de Paulo Bezerra. 3a edição, São Paulo, Editora 34.. 353)

Não desejamos a liberdade porque é mais fácil que alguém ou algo nos entregue um ideal e que ele esteja fixado num cosmos objetivo fora de nós; se há um cosmos fora de nós, é mais fácil tomar um ideal para fazer de nosso. Sendo assim, o desejo de sujeição a um ideal (ética de convicção) é um desejo por descarregar esta vertigem da ausência de um sentido de nossas ações no mundo.

Existe uma espiral associativa com a empresa da dominação weberiana, para a qual a dominação nada mais é do que tornar uma máxima para si aquilo que é uma iniciativa alheia de condução da vida, coordenando sentidos subjetivos da ação, mesmo que seu conteúdo, atente-se bem, não coincida com os encadeamentos de significado. O que importa é direcionar a ação para um lado, fomentá-la. Lançar um ideal é lançar uma direção de significação (lançar um significante, diriam os lacanianos), que será representada em contato com o imprevisto e as circunstâncias específicas de quem capte e tome como orientação para si mesmo. Conduzindo à guerra é o que importa, vide o comentário que faremos de Guerra e paz (Tolstói, 2017bTOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2017b), Guerra e paz. Volume I. Tradução de Rubens Figueiredo. 1a edição, São Paulo, Companhia das Letras., 2017cTOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2017c), Guerra e paz. Volume II. Tradução de Rubens Figueiredo. 1a edição, São Paulo, Companhia das Letras.).

Esta é uma lógica irreconciliável com a ética de responsabilidade, que somente pode ser produto da “experiência” diante da precoce entrega aos movimentos mais caudalosos que se situam ao redor. Weber comenta a política como comprometimento ao lado de potências diabólicas, indicando-as como forças inexoráveis. Se o indivíduo não as perceber, é arrastado para uma série de consequências e fica cada vez mais entregue a elas, alheio aos vínculos e consequências externas e, principalmente, internas: uma modificação de seu interior (de sua “alma”) e de sua forma de atuar. A ética de responsabilidade, segundo ele, permite ver as realidades da vida, deslocando a força patética de se fazer conduzir pela natureza ígnea das convicções. Só consegue operar a ética de responsabilidade aquele que sabe reconhecer a irracionalidade ética do mundo e viver diante dela. Esse reconhecimento deveria ser formado aos poucos diante de uma ética de convicção, porém, as paixões são ígneas demais diante da irracionalidade de um mundo sem sentido.

Neste momento, Weber cita a mesma passagem de Goethe, a respeito da alta idade do Diabo. Aqui vemos que Fausto se tornará experiente não porque é centenário, mas experiente nas artimanhas internas de sua “personalidade” e nas maquinações de seu par diabólico. Mais experiente? Mais experiente por ter rodado o mundo e por ter lidado com a vertigem de um mundo intrinsecamente “sem sentido”, de forma a não aceitar as situações que o dotam de sentido assim que elas aparecem. Externamente ele se deixou levar e cometeu atrocidades, mas internamente sempre se refez, sempre recusando as situações por meio da “arma” da insatisfação consigo mesmo. Como ninguém pode ser como ele, a ética de convicção e a ética de responsabilidade são irreconciliáveis: persiste o desencantamento como “estilhaçamento” (termo de Pierucci, 2003PIERUCCI, Antônio Flávio. (2003), O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo, Editora 34.) de um sentido do mundo, que só tem a aumentar a necessidade de dotar a vida de sentido.

Tolstói e o problema de dar sentido à vida

Em Tolstói, para os personagens que necessitam de uma finalidade consciente para a vida, as respostas filosóficas para os problemas levantados são ridículas - tautologias de sistemas fechados, pensamentos que se elevam e se afastam da condição de satisfazerem as perguntas sobre “o que é a vida” ou se “se está a viver de forma correta” -, o que situa essas referências à cultura como convenções artificiais. Os sistemas de racionalização ali apresentados não possibilitam uma sabedoria prática para orientar os sentidos da ação nesse tipo de busca.

Seus protagonistas saem do habitual de suas vidas e transitam por uma série de referências sobre quem são e o que estão fazendo, sobre se devem ou não continuar a viver de determinada maneira. Já os personagens secundários, são apresentados como atores mecânicos. Com eles, Tolstói revela as forças sociais como forças da ordem: de obediência à lei, no mundo das autoridades; das formas de conduta interessada, oriunda das carreiras; da observação dos estereótipos de postura diante da sociedade; da atitude arraigada com que os trabalhadores se curvam diante da classe dominante e de sua postura desconfiada, sempre acostumados a serem enganados e explorados.

Como isso é feito do ponto de vista da narração? Para Bakhtin (2018, pBAKHTIN, Mikhail. (2018), Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. 2a edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária.. 63), o narrador de Tolstói apresenta “à vontade e diretamente por parte do autor” os pensamentos dos personagens, num mundo monológico em que “a palavra do herói repousa na base sólida das palavras do autor sobre ele”. Sendo assim, “o sentido total e conclusivo da vida e da morte de cada personagem revela-se somente no campo de visão do autor e apenas à custa do seu excedente sobre cada uma das personagens [...] daquilo que a própria personagem não pode ver nem entender” (p. 80). O narrador põe em cena seus protagonistas que, por circularem nos mundos e perscrutarem os outros, saem de si e buscam nos outros os significados de seus atos, não os encontrando; no seu lugar, deparam-se com uma entrega prosaica aos afazeres cotidianos, numa repetição mecânica.

Tendo estas condições em vista, como receber as obras de Tolstói? O escritor russo, segundo a leitura weberiana, faz as seguintes perguntas: o que devemos fazer? Como devemos viver? São variações delas: o que sou? Para que vivo? Tudo o que realizo se perderá com minha morte, então, qual a razão de continuar fazendo? Surge, aqui, uma notável complexidade dos pensamentos, sentimentos e ações dos personagens em busca de respostas.5 5 Principalmente de protagonistas como Pierre, de Guerra e paz; Liévin, de Anna Kariênina; Nekliúdov, de Ressurreição e Olénin, de Os Cossacos, diferentes de Khadji Murát, que assume uma posição segura diante de si e dos outros. A sociologia de Weber também aponta para uma crescente complexidade das referências de sentido para essas questões, principalmente devido à secularização, ao desencantamento do mundo e à racionalização. Persiste uma luta entre “deuses e demônios”, num ambiente de politeísmo dos valores, indicando um descentramento de um cosmos que dê conta de tamanha tarefa.

Perguntamo-nos com o olhar weberiano: qual o estado das referências de sentido da ação dos personagens para lidar com essa questão? Saindo do mundo camponês (e dos demais exemplos de uma entrega à vida, desprovida de perguntas) e rumando para a modernidade, elas se encontram deslocadas de seus pontos exteriores de sustentação e passam a voltar-se para dentro, a tornar-se internalizadas e sem um ponto fixo. A internalização é uma consequência da eticização e também um efeito do desencantamento do mundo, que despovoa a natureza de sentido imanente, ao desmagificá-la. Também é um efeito da secularização, que descentraliza e faz recuar um cosmos religioso doador de sentido, despojando a espontânea existência da religião como esfera subjetiva interior, e a fé como pacífica existência das imagens transcendentais. De maneira complementar, como afirma Pierucci (2003, pPIERUCCI, Antônio Flávio. (2003), O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo, Editora 34.. 73), “desencantamento = descentramento”.

A construção tolstoiana se move na fase do processo de desencantamento que se dá mediante o estágio avançado do racionalismo intelectualista, que transforma o mundo num mecanismo causal e instala “de uma vez por todas a tensão contra a pretensão do postulado ético: que o mundo seja um cosmos ordenado divinamente e, portanto, orientado eticamente de modo significativo, em caráter definitivo daí para frente” (Weber, 1989b, pWEBER, Max. (1989b), “Zwischenbetrachtung. Theorie der Stufen und Richtungen religiöser Weltablehnung”, in M. Weber, Max Weber Gesamtausgabe, Tübingen, Mohr.. 512).6 6 Tradução de Lucas Cid Gigante. Tolstói se move exatamente neste ponto do processo histórico, já vive num mundo dos efeitos da perda desta segurança na transcendência do sagrado e sua substituição por um campo de forças impessoal. Seus personagens, quando contemplam o céu azul, o fazem para ver uma imagem de infinito acima de suas cabeças, não como um céu como morada dos anjos e do paraíso (assim ocorre com Nikolai Rostóv, diante do sentimento de se perder na guerra, ou com Pierre diante do cometa de 1812, em Guerra e paz (Tolstói, 2017bTOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2017b), Guerra e paz. Volume I. Tradução de Rubens Figueiredo. 1a edição, São Paulo, Companhia das Letras., 2017cTOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2017c), Guerra e paz. Volume II. Tradução de Rubens Figueiredo. 1a edição, São Paulo, Companhia das Letras.). No mecanismo causal de um universo que deixou de englobar o indivíduo num cosmos, sempre persistirá uma tensão irreconciliável com a necessidade humana de dar sentido para a vida e para as ações.7 7 “Ao perder-se a fé, não se perdeu com ela o anseio de um fim último para a vida. Ao contrário; as necessidades se tornam mais firmes quando foram satisfeitas durante longo tempo.”. (Simmel, 2011, p. 15). Partindo desta condição, nos tópicos a seguir retomamos desenvolvimentos conceituais weberianos em aproximação com algumas obras ficcionais de Tolstói.8 8 Levamos em conta Guerra e paz, Anna Kariênina, Ressurreição e A morte de Ivan Ilitch; pontualmente, Os Cossacos, A sonata a Kreutzer e Khadji-Murát.

Intelectualização, racionalidade e racionalização9 9 Tomamos por racionalidade os contornos teóricos e formais das esferas e por racionalização a referência histórica e empírica, tal como estabelecido por Sell (2013).

Sob o ponto de vista weberiano, qual o estado das referências de sentido da ação? Elas se encontram sob a pressão da intelectualização, implicando relações mais conscientes e sublimadas em relação ao mundo exterior e interior. Na Consideração intermediária (Zwischenbetrachtung) (Weber, 1989bWEBER, Max. (1989b), “Zwischenbetrachtung. Theorie der Stufen und Richtungen religiöser Weltablehnung”, in M. Weber, Max Weber Gesamtausgabe, Tübingen, Mohr.), Weber apresenta um processo crescente de separação entre esferas individuais de valor, seguindo um princípio kantiano e uma terminologia rickertiana (esfera econômica, política, estética, erótica e intelectual). Organizadas em termos de sua coerência racional, avançam na direção de suas legalidades próprias, condição que contribui para a secularização, descentralizando um cosmos valorativo de teor universal, sob o comando da esfera religiosa.

Porém, em que medida as ações são sublimadas e conscientes para o sujeito agente que se orienta a partir daí? É o que um exame da questão da racionalização permite entender.

Segundo Cohn (1995)COHN, Gabriel. (1995), “Como um hobby ajuda a entender um grande tema”, in M. Weber, Os fundamentos racionais e sociológicos da música. Tradução de Leopoldo Waizbort. São Paulo, Edusp., Weber trata a racionalização como a explicitação da diferenciação dos encadeamentos significativos da ação, em que se opera a distinção entre o “racional” e o “irracional”: o que é irracional ou racional somente pode ser definido numa depuração de significados dentro das linhas de ação. O problema reside justamente na multiplicidade: para Weber, sempre existiram diversos cursos de racionalização possíveis, dependentes de encadeamentos específicos. O avanço que Cohn pretendeu extrair da obra de Weber age na direção de suplantar essa diversidade, citando uma passagem em que o pensador alemão situa a sistematização e racionalização da apropriação dos bens religiosos, na busca de uma plenitude interna como uma posse segura da certeza da graça.

A certeza da graça para Weber (1980, pWEBER, Max. (1980), Wirtschaft und Gesellschaft: Grundrisse der verstehenden Soziologie. Tübingen, Mohr.. 326) significa “a posse consciente de um fundamento homogêneo duradouro da condução da vida”.10 10 Tradução de Lucas Cid Gigante. O estado de graça pressupõe a posse de imagens de mundo coerentes e conscientes com uma Lebensführung, gerando uma posição perante o mundo que lhe confere um sentido.11 11 Exemplo disso são os conceitos típicos ideais de “condução da vida” que encontramos na sociologia da religião de Weber, que atestam sempre uma postura com relação ao mundo: sua rejeição, dominação, adaptação, fuga, aceitação ou indiferença. Na “Ética”, Weber (2004, pWEBER, Max. (2004), A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo, Companhia das Letras.. 108) demonstra que a ascese puritana trabalhava para fazer valer os motivos constantes frente aos afetos, criando uma educação com vistas à personalidade, ordenando a condução da vida e eliminando sua espontaneidade impulsiva, muito semelhante à passagem do instinto à pulsão em Freud (2019)FREUD, Sigmund. (2019), As pulsões e os seus destinos. Tradução de Pedro Heliodoro Tavares. 1a edição, Belo Horizonte, Autêntica..12 12 Weber conhecia os trabalhos de Freud e do círculo freudiano. Em cartas é possível rastrear sua relação a esse movimento, do qual ele imprimiu um afastamento. Porém, os vínculos com sua obra ainda precisam ser entendidos. Na Consideração intermediária (1989b), quando Weber concebe um processo de desenvolvimento que parte rumo a relações mais conscientes e sublimadas, está se movimentando semelhante ao conceito freudiano de sublimação.

Situar-se na vida mediante os próprios atos: as referências para essa construção significativa estão cada vez mais desenvolvidas em esferas separadas, em constante conflito entre si e, acima de tudo, seus significados se depuram em encadeamentos próprios, de acordo com a explicitação da lógica interna da esfera em que ocorrem. Isso se desdobra na cultura: a dificuldade do indivíduo em transitar entre as esferas e orientar-se para uma tomada de posição perante o mundo.

As esferas de racionalidade criam um arco de referência para os acontecimentos adquirirem sentido, encadeamento que pode ser acessível de forma consciente pelo sujeito agente. Esse é o problema: o de serem acessíveis, dentro da especificidade de ações para a qual estão voltadas. O que nos parece evidente na obra de Weber é que a persistência daquilo que é considerado irracional e sem sentido é a grande fonte de dinamismo das esferas de racionalidade, conferindo a energia depurativa e explicitamente de seus significados internos.

Atrás delas esteve sempre uma tomada de posição relacionada com alguma coisa do mundo real considerado como especificamente ‘sem sentido’ e, deste modo, ficou implícita a exigência de que a ordem do mundo, em sua totalidade, poderia e deveria ser de alguma maneira um ‘cosmos’ dotado de sentido. (Weber, 1989a, pWEBER, Max. (1989a), “Die Wirtschaftsethik der Weltreligionen. Einleitung”, in M. Weber, Max Weber Gesamtausgabe, Tübingen, Mohr.. 101-102)13 13 Tradução de Lucas Cid Gigante.

Qual o estado das referências de sentido da ação? Vácuo de significação e falta de nitidez ocorrem quando estes restos irracionais não são solucionados pela racionalidade, o que resulta na “perda de sentido”. Acrescente-se a isso o principal: os restos irracionais jamais podem ser superados, além de que “nunca uma coisa é ‘irracional’ em si, mas sempre de um determinado ponto de vista racional” (Weber, 2004, pWEBER, Max. (2004), A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo, Companhia das Letras.. 175).

Sell (2013)SELL, Carlos Eduardo. (2013), Max Weber e a racionalização da vida. Petrópolis, Vozes. salienta que Weber opera com dois pares de racionalidade: material/formal e teórica/prática. A racionalidade teórica tem menor relevância analítica porque pouco influencia o plano sociológico da ação, já que apenas as camadas intelectuais são suas portadoras. Por outro lado, a racionalidade prática é de maior disseminação, estando em jogo na diversidade de orientações da ação, segundo os seus móveis interesses.

Sendo assim, a depuração significativa da racionalidade teórica é disponível e acessível para o sujeito em sua ação? Depende do acesso a esses sistemas teóricos e aqui vale como uma das chaves de leitura de Tolstói: não é por outra razão que os sistemas ideativos da filosofia, ou da teologia do Catolicismo Ortodoxo, e os desenvolvimentos da ciência que pretendem ocupar o papel de dar sentido para a vida, sempre são considerados artificiais e insuficientes; quanto mais se avança em seu estudo, maior é a falha em sua aplicação e torna-se persistente a sensação de que não dão conta do problema da vida, tal como aparece aos personagens. Tolstói apresenta sistemas “estilhaçados” não porque são ruins, mas porque não são transpostos com clareza para uma racionalidade prática e material obtida por seus personagens intelectuais.

A racionalidade material envolve a orientação valorativa da ação, por se comportar de maneira substantiva na relação que estabelece com a matriz ética; a partir dela, se coloca o desenvolvimento da personalidade por via da eleição de valores, no conflito entre a ação e a realidade. Schluchter (2020)SCHLUCHTER, Wolfgang. (2020), “Ação, ordem e cultura: fundamentos de um programa de pesquisa weberiano”. Política & Sociedade 19, 45: 19-55. DOI: 10.5007/175-7984.2020v19n45p19.
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aponta que, para Weber, uma personalidade se constitui mediante uma relação constante e intrínseca com certos valores últimos e sentidos da vida, o que se perde no caso de Tolstói, em que a racionalização material dos sistemas de referência disponíveis está distante dos personagens.

O mesmo se dá com as racionalizações formais, distantes da casuística valorativa da normatividade ética como impulso para a ação. Aqui se encontra outra chave de leitura de Tolstói: quando ele descreve a vida das altas carreiras do funcionalismo, situa cenas em que os funcionários e intelectuais aplicam seus princípios como se fossem as mais perfeitas soluções para os problemas cotidianos. Por outro lado, quando se examina de perto os acontecimentos para os quais se destinam, salta à vista uma enorme incongruência e desencaixe: os problemas da vida prática, assim como as orientações das ações das pessoas comuns, são alheios tanto aos valores quanto ao ajuste burocrático pretendido.14 14 Ver a descrição do sistema judiciário realizada em Ressurreição ou em A morte de Ivan Ilitch; da mesma forma, as tensões entre Liévin e seu irmão, um intelectual, bem como a inútil aplicação de Stiepan Oblónski em sua repartição, em Anna Kariênina.

Orientação e coordenação da ação

Como ordenar esses tipos de racionalidade? Salientamos a passagem da orientação da ação para sua coordenação (Schluchter, 2017, pSCHLUCHTER, Wolfgang. (2017), El desencantamiento del mundo. Seis estudios sobre Max Weber. Tradução de Juanita Tejeiro Concha, Francisco Gil Villegas e Anita Weiss. México, FCE.. 107), como probabilidades de repetição e convergência. Tolstói, em Guerra e paz (Tolstói, 2017bTOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2017b), Guerra e paz. Volume I. Tradução de Rubens Figueiredo. 1a edição, São Paulo, Companhia das Letras., 2017cTOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2017c), Guerra e paz. Volume II. Tradução de Rubens Figueiredo. 1a edição, São Paulo, Companhia das Letras.), realiza uma série de questionamentos sobre as razões da eclosão das guerras contra a França: 1) justificativas de doutrinas nacionalistas, mas elas fogem à multiplicidade de motivos que levaram os soldados ao campo; 2) a estrutura de mando que opera a disposição para a guerra, mas a tomada de posição não segue as justificativas do comando e sim orientações peculiares. Há uma complexidade de motivos que foram combinados para a obtenção do resultado - a guerra -, o que nos aproxima da postura weberiana de fracionar interesses a princípio unitários. Tolstói desconstrói a possibilidade dos planos de batalha dos comandantes terem decidido o resultado dos acontecimentos, num desnível entre a racionalidade teórica e formal e a orientação da ação de ir à guerra e nela se comportar. Sob perspectiva weberiana, no campo de guerra essas orientações são operadas pelos sujeitos agentes ao agir, sem um plano de antemão e segundo uma orientação prática da conduta que mobiliza uma materialidade valorativa peculiar e motivos específicos de contexto particular, que também não estão prontos em lugar nenhum.15 15 Como afirma Cohn (2020, p. 401), “o dominante é o sentido, não o agente”, imprimindo trajetória vetorial coerente à ação; mecanismo de coordenação subterrâneo, semiconsciente, segundo Weber; atuando como uma “força invisível”, segundo Tolstói.

Quando Vrónski está destruído após o suicídio de Anna e se lança à guerra contra a Turquia (em Anna Kariêninna), ele o faz para se perder, para morrer. Ao encontrar um conhecido na estação, um intelectual, este vê na atitude de Vrónski um ato heroico, afinal era preciso tomar posição contra as injustiças que estavam em jogo e sua atitude valorizaria a qualidade das tropas. Eis a coordenação da ação que persiste, no caso, ir para a guerra e produzir um espírito de combate, o que acaba sendo feito quando cada qual encontra em si “uma máxima” para seguir essa linha de ação, mesmo que a coordenação tenha uma conexão de sentido diferente: ir ao campo para morrer; para se perder; para cavalgar; para deixar de ser criança (como Pétia Rostóv, imago de Ícaro); pouco importa, desde que se vá.

Existe uma espiral associativa com a empresa da dominação weberiana, como situamos em Dostoiévski. O que importa é direcionar a ação para um lado, fomentá-la, “porque se ele não tivesse querido servir, e um segundo, e um terceiro e também mil outros cabos e soldados [...], nem poderia ter ocorrido uma guerra” (Tolstói, 2017c, pTOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2017c), Guerra e paz. Volume II. Tradução de Rubens Figueiredo. 1a edição, São Paulo, Companhia das Letras.. 740).

Porém, Tolstói não construiu uma teoria articulada como é a de Weber, quando desenvolve as coordenações de sentido da ação. Em seu lugar, existe o que Berlin (2017)BERLIN, Isaiah. (2017), “Posfácio. O porco espinho e a raposa”, in L.N. Tolstói, Guerra e paz. Tradução de Rubens Figueiredo. São Paulo, Companhia das Letras, Volume II. definiu como a teoria das minúsculas partículas que requerem integração, os infinitésimos de uma enorme combinação de ações e eventos humanos e não humanos que se integrariam, quando associados aos detalhes únicos de cada vida individual, da “corrente da vida que os homens compreendem: os cuidados com os detalhes comuns da existência cotidiana” (Berlin, 2017, pBERLIN, Isaiah. (2017), “Posfácio. O porco espinho e a raposa”, in L.N. Tolstói, Guerra e paz. Tradução de Rubens Figueiredo. São Paulo, Companhia das Letras, Volume II.. 1489).16 16 Nunes (2016) recupera o emprego em Guerra e paz, das metáforas do relógio e da colméia, para indicar a eficácia e sucessividade das ordens militares disparadas, criando certa homogeneidade de ações, segundo um mecanismo posto em movimento. Isso permitiu a ele rejeitar noções metafísicas como heróis, “forças históricas”, “forças morais”, “nacionalismo”, “razão”, ou de inventar entidades inexistentes para explicar acontecimentos concretos, o que é muito próximo a Weber.

Outro tema de notável aproximação são as ações dos indivíduos e sua relação com a história. Weber usava a imagem do destino, como consequências não previstas da ação, para colocar esse juízo histórico. Tolstói, num comentário a respeito da motivação de alguns agentes ao se lançarem na guerra contra a França, acaba por submergir lideranças importantes nas forças invisíveis da história:

Alexandre recusou todas as negociações porque se sentia pessoalmente ofendido. Barclay de Tolly se empenhava em dirigir o exército da melhor forma possível, a fim de cumprir o seu dever e fazer juz à fama de grande comandante militar. Rostóv lançou-se a galope contra os franceses porque não conseguiu refrear o desejo de galopar pela campina plana. E da mesma forma, em função de seus traços pessoais, de seus costumes, de suas condições e de seus objetivos, assim agiam todas as inúmeras pessoas que tomavam parte na guerra. Tinham medo, enchiam-se de vaidade, alegravam-se, ficavam-se ressentidas, argumentavam, supondo que sabiam o que estavam fazendo e supondo que o faziam por si mesmas, porém todas eram instrumentos involuntários da história e produziram uma obra oculta para elas, mas compreensível para nós. (Tolstói, 2017c, pTOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2017c), Guerra e paz. Volume II. Tradução de Rubens Figueiredo. 1a edição, São Paulo, Companhia das Letras.. 830)

A racionalidade, em seus momentos teóricos e formais, envolve sempre operações de cálculo e controle das situações, incluindo uma ênfase de Weber, muito nítida, naquilo que escapa ao cálculo, ou seja, justamente as contingências que fogem às melhores casuísticas. Seu papel, neste exemplo que envolve o poder, é o de disparar determinadas decisões que afetam a composição de um número infindável de ações, que são em si mesmas muito diversas, mas que agem no mesmo resultado, como se os indivíduos fossem partículas que seguissem uma força invisível. Os resultados, como uma marcha de acontecimentos, são relativamente imprevisíveis e incontroláveis, assim como irreversíveis, e o indivíduo que deles participa dificilmente toma uma posição de forma consciente: ele não tem a menor ideia da extensão dos acontecimentos.17 17 Jameson (2007, p. 196) aponta essa condição a partir de Guerra e paz: “Bagratión acha-se à mercê de um fluxo de acontecimentos sobre os quais não tem nenhum controle e no qual se insere afirmando que cada evento se mostra exatamente como ele previra”.

O problema de assumir uma posição consciente perante o mundo

Weber (1988a, pWEBER, Max. (1988a), “Die “Objektivität” sozialwissenschaftlicher und sozialpolitischer Erkenntnis”, in M. Weber, Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre, Tübingen, Mohr.. 180-181) define que a cultura é um segmento finito que atribui sentido ao cosmos infinito e desprovido de sentido, naquela capacidade (Fähigkeit) e vontade de assumir uma posição consciente diante do mundo, conferindo a ela um sentido. Esses ideais se aproximam daquilo que Ringer (2000, pRINGER, Fritz. (2000), O declínio dos mandarins alemães: a comunidade acadêmica alemã, 1890-1933. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo, Edusp.. 33) demarcou para o século XVIII, expressos no “crescimento autônomo e integral de uma personalidade única”.18 18 Weber difere em boa parte desta referência do mundo da ciência que, não mais poderia responder sobre “o ser verdadeiro”, “a verdadeira arte”, “a verdadeira natureza”, “o verdadeiro Deus” e “a verdadeira felicidade”, em Wissenschaft als Beruf (Ciência como vocação) (Weber, 1988b). Dentro dessa referência, toda personalidade está envolvida no ato da cognição, sendo afetada profundamente. Uma individualidade somente é depurada numa personalidade através do lento processo com que se apropria dos elementos do Geist objetivo ao seu alcance como um Geist subjetivo para si. Isso retorna à dimensão do conceito de “formação”, tradução possível para o termo Bildung.

Em Weber, porém, essas premissas de afirmação de um indivíduo consciente que assume sua posição perante o mundo, por mais que possam existir nos tipos ideais, não são premissas empíricas. “A ação efetiva de agentes empíricos no mais das vezes decorre contra pano de fundo confuso e obscuro” (Cohn, 2020, pCOHN, Gabriel. (2020), “Weber, Adorno e o curso do mundo”. Sociologia & Antropologia, 10, 2: 395-422. DOI: https://doi.org/10.1590/2238-38752020v1023.
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. 399). Isso não impede, no entanto, que uma coordenação de sentido se faça presente, mesmo que de forma subconsciente.

Geralmente é deixado de lado pelos analistas o alerta de Weber quanto às limitações do conceito de ação social, mas ocupa um lugar da maior importância: “mas os conceitos construtivos da Sociologia são típicos ideais não apenas externa como também internamente. A ação real sucede, na imensa maioria dos casos, numa aborrecida semiconsciência ou inconsciência de seu ‘sentido visado’.” (Weber, 1980, pWEBER, Max. (1980), Wirtschaft und Gesellschaft: Grundrisse der verstehenden Soziologie. Tübingen, Mohr.. 10). Existe uma tensão entre a ação com o sentido visado, que é aquela que se aproxima da consciência, com os momentos semi conscientes ou inconscientes, que dela se afastam.

Essa chave de leitura é interessante para abordarmos Tolstói, recortando para a Rússia do século XIX: em momentos muito raros, seus personagens atingem um grau de elaboração nítida que sistematiza suas escolhas e atitudes; seguem vivendo atos rotineiros com uma orientação da ação não depurada, que persiste de forma subterrânea. Tolstói, como Dostoiévski, escreve mais próximo da irracionalidade ética do mundo, dando vida a personagens que encontram um repouso como “aceitação de suas realidades” (Ginzburg, 2020, pGINZBURG, Natalia. (2020), “Prefácio a Ressurreição”, in L.N. Tolstói, Ressurreição, São Paulo, Companhia das Letras.. 13). Essa produção cria um enorme contraste com Wilhelm Meister.

A perda de um sentido visado

Aqui movem-se os personagens de Tolstói, vivendo momentos de condensação de linhas de sentido que estão dispersas na vida social. Porém, na maioria das vezes, encontram-se desprovidos de nitidez sobre o que fazem, buscando uma maneira de viver que está sempre próxima de momentos de perda de sentido. Como lidar com isso, uma vez que a Sociologia de Weber requer a compreensão do sentido subjetivo da ação? Um contraste entre personagens e tipos ideais é interessante aqui. Os personagens possuem ambiguidades, enquanto o tipo ideal deve ser unívoco, exige nitidez; de outro ângulo, os personagens apresentam traços difusos e discretos, como a caracterização que Weber faz no nível empírico da ação. Como vidas únicas e individuais, há uma complexidade de sentidos no que fazem, enquanto os conceitos precisam fechar as leituras, estreitar a coerência e direção do sentido de grandes linhas de ação. Em muitas cenas, os personagens perfilam o indizível, aquilo que não pode ser completado de sentido, presença de certo vazio, enquanto o conceito típico ideal deve evitar essa condição, afastando-se da ambiguidade e objetivando o máximo de clareza. Acima de tudo, os tipos ideais de condução da vida que Weber forjou partem de uma tomada de posição perante o mundo, o que se encontra praticamente ausente nos personagens de Tolstói. Essa condição, que é a natureza do tipo ideal, é impossível em termos da obtenção de nitidez a que chegam os personagens, sempre mais próximos da vida real, muitas vezes a reboque de racionalidades práticas esporádicas.

Na medida em que situam-se em ordens de acontecimentos muito fortes, numa armação de contexto que cria forças condutoras invisíveis, os personagens estão mais distantes da elaboração de um sentido visado com clareza, mesmo que suas atitudes já estejam sob o efeito de coordenações da ação, sobretudo do poder. Guerra e paz é uma obra máxima na exploração desses efeitos. Dois exemplos: Nikolai Rostóv, numa região que evoca suas memórias; Andrei Bolkonsky, ao refletir sobre o motivo de estar se lançando à guerra:

[Rostóv] No açude estreito de Auguesd, onde por tantos anos um velho moleiro ficou sentado, tranquilo, com seu gorro e suas varas de pescar, enquanto seu neto [...] observava um peixe prateado [...] naquele açude onde por tantos anos moravianos passavam sossegados [...] naquele mesmo estreito, agora, entre canhões e carretas militares, sob os cavalos e entre as rodas, aglomeravam-se pessoas desfiguradas pelo medo da morte, pisando-se umas às outras, morrendo, caminhando moribundos e matando-se umas às outras, apenas para, depois de avançarem mais alguns passos, serem mortas exatamente da mesma forma. (Tolstói, 2017b, pTOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2017b), Guerra e paz. Volume I. Tradução de Rubens Figueiredo. 1a edição, São Paulo, Companhia das Letras.. 346). [Andrei] Eu estou indo para o exército, para quê? Nem eu sei, e quero encontrar o homem que desprezo, a fim de lhe dar a chance de me matar e ainda por cima rir de mim! Eram as mesmas condições de vida de antes, mas antes elas estavam unidas umas às outras, ao passo que agora todas se desagregaram. Só imagens absurdas, umas após a outra, e sem nenhum nexo, vieram ao pensamento do príncipe Andrei. (Tolstói, 2017c, pTOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2017c), Guerra e paz. Volume II. Tradução de Rubens Figueiredo. 1a edição, São Paulo, Companhia das Letras.. 771-772)

A vida e o sentido último dos atos

A tomada de posição perante a vida implica o problema último a respeito dos seus significados específicos. Khadji-Murát, como os demais heróis de Tolstói, vive num cosmos dotado de sentido: líder, montanhês e muçulmano, vive a coerência de uma série de atos, lutando como a bardana, que se ergue mesmo esmagada. Ele é diametralmente oposto aos protagonistas aqui apresentados, como Liévin, para quem o problema da vida se apresenta quando ele está diante da morte de seu irmão Nikolai; lembrando sua juventude como um período em que se horrorizava diante de uma existência destituída da mais ínfima “noção de para quê, por quê, de onde vinha e o que era a vida, passou a buscar [uma resposta] na ciência e em seus conceitos, como o organismo, a sua ruína, a indestrutibilidade da matéria” (Tolstói, 2017a, pTOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2017a), Anna Kariênina. Tradução de Rubens Figueiredo. 1a edição, São Paulo, Companhia das Letras.. 787).19 19 Para Nietzsche (2005, p. 80): “A filosofia pode lhes opor no máximo aparências metafísicas [...]. A tragédia é que não podemos acreditar nesses dogmas da religião e da metafísica quando trazemos no coração e na cabeça o rigoroso método da verdade”. Essa tensão se desenvolve até o momento em que ele percebe que o problema está contido no caráter incessante de suas perguntas: quanto mais ele pensava no que era e para que vivia, não encontrava respostas, mas quando parava de se perguntar a respeito, “parecia saber o que ele era e para que vivia, porque agia e vivia com rigor e determinação” (p. 790). Compreendeu que era preciso “[...] ou explicar a vida de um modo que ela não se afigurasse uma zombaria cruel de algum demônio, ou então matar-se com um tiro. Mas não fez nenhuma coisa nem outra e sentia-se feliz, quando não pensava no sentido da vida” (p. 797).

A saída de Liévin é a antítese do pacto fáustico da modernidade, para o qual a renúncia à eterna aspiração significa o próprio cessar do tempo ou a aposta perdida. Weber também reconhecia o conforto de se fazer parar a máquina de indagação a respeito do problema da vida como um problema de sentido que, como sacrifício do intelecto, se consistir numa atitude autêntica, pode conduzir ao conforto da posse do estado de graça. Mas Weber sempre se afasta desse problema ético, assim como Fausto se afastou, confrontando Mefisto e nunca pleno no repouso, nunca promovendo para si uma sensação de completude consciente e duradoura. Liévin atinge não propriamente um “leito de lazer”, mas uma condição de aceitação da vida.20 20 Pacto de Fausto: “Se eu me estirar jamais num leito de lazer, acabe comigo já” (Goethe, 2016, p. 169).

Tolstói repete a atitude de renúncia intelectual de seus personagens: como Mítiukh, que vive para a alma;21 21 Mujique zelador que aparece aos olhos de Liévin (Anna Kariênina) como alguém que já resolveu o sentido da própria vida há muito tempo, alguém portador de uma ataraxia duradoura, ou seja, possuidor de um estado de tranquilidade da alma. ou a vida de sábio de Platón Karatáiev;22 22 Personagem de Guerra e paz, que é uma “incompreensível, redonda e eterna personificação do espírito da simplicidade e da verdade” (Tolstói, 2017c, p. 1161). ou o desembaraço de Kitty e de Guerássim diante da morte.23 23 Respectivamente, personagens de Anna Kariênina e A morte de Ivan Ilitch. Kitty possui devotação religiosa. Guerássim é o único que aceita a morte de Ivan, tratando-a com naturalidade. Mítiukh faz Liévin encontrar sua saída, Platón reorienta a atitude de Pierre, que deixa de ter uma vida sem qualquer finalidade. São heróis invisíveis que promovem essa reviravolta nos protagonistas, ao viverem “a história da descoberta e da compreensão de uma realidade” (Ginzburg, 2020, pGINZBURG, Natalia. (2020), “Prefácio a Ressurreição”, in L.N. Tolstói, Ressurreição, São Paulo, Companhia das Letras.. 13).

Para Berlin (2017, pBERLIN, Isaiah. (2017), “Posfácio. O porco espinho e a raposa”, in L.N. Tolstói, Guerra e paz. Tradução de Rubens Figueiredo. São Paulo, Companhia das Letras, Volume II.. 1501), o que está em jogo é uma espécie de sabedoria, baseada na compreensão da necessidade de se submeter ao modo como as coisas caminham independentes da vontade humana de controle e de sentido: “insensatez presunçosa é pretender perceber uma ordem, unicamente pelo fato de acreditar desesperadamente que tal ordem deve existir, quando na verdade, tudo o que se pode detectar é um caos desprovido de sentido”.

Para Lukács (2009b), aLUKÁCS, Georg. (2009b), A teoria do romance: um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. 2a edição, São Paulo, Duas Cidades, Editora 34. contradição entre um sistema conceitual que deixa a vida escapar e um complexo vital que nunca alcança o repouso perfeito é um caractere fundamental da obra de Tolstói, impossibilitando, portanto, um fundamento homogêneo e duradouro de como conduzir-se. Sendo assim, continua Lukács, em Tolstói a cultura passa a ser uma convenção artificial geradora de insatisfação, enquanto a busca e a descoberta da realidade mais essencial da natureza implica uma vida essencial.24 24 Para Jameson (2007, p. 190) trata-se da persistência “da grande oposição rousseauniana entre a natureza e o social-artificial - repetida incessantemente até Heidegger”. A ligação com Rousseau também é apontada por Schnaiderman (2017, p. 238).

Considerações finais: a criação de uma saída antifáustica

Para Weber, as orientações que visam uma resposta para o sentido último da vida são inesgotáveis. Não podem ser captadas em sua infinita diversidade de possibilidades, mas apenas como específicas linhas de ação significativas, como formas de racionalismo e cursos historicamente observáveis de racionalização, que jamais podem ser esgotados, o que aumenta a necessidade de sustentar um ponto de vista absoluto diante do “politeísmo de valores” (Schluchter, 2017SCHLUCHTER, Wolfgang. (2017), El desencantamiento del mundo. Seis estudios sobre Max Weber. Tradução de Juanita Tejeiro Concha, Francisco Gil Villegas e Anita Weiss. México, FCE.).25 25 Kadarkay (1994, p. 88): “Para Weber, ao homem religioso é concedida [...] tanto uma "posse de Deus" quanto [ser] "possuído por Deus". Para Lukács, o eu, confinado a um mundo abandonado pela providência [...], assume um caráter demoníaco.”

Tolstói e Goethe fornecem uma ampliação do campo de visão em que Weber opera o entendimento da modernidade como um problema de formação de uma individualidade depurada e consciente, em contato com as esferas racionais, que podem proporcionar caminhos de significação da vida nas inumeráveis manifestações dos planos da ação. É sob este ângulo que Lukács (2009b)LUKÁCS, Georg. (2009b), A teoria do romance: um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. 2a edição, São Paulo, Duas Cidades, Editora 34. define a forma romance como a peregrinação do indivíduo rumo ao conhecimento de si mesmo.

Tensão que reaparece no Fausto, que morre acompanhado pela apreensão e pela necessidade (Not), o mesmo vocábulo que Weber utiliza para se referir à necessidade de sentido das camadas intelectuais.26 26 “O intelectual busca caminhos [...] para fornecer à sua condução da vida um ‘sentido’ contínuo, [...] ‘unidade’ consigo mesmo, com os homens, com o cosmos [e] implementa a concepção do mundo como um problema de sentido” (Weber, 1980, p. 308). Não há fim, por isso a morte de Fausto ocorre diante da apreensão e da escuta de uma miragem - ele escuta os sons do trabalho dos Lêmures, julgando que estão a abrir os canais de sua obra de domesticação da natureza, mas eles estão abrindo a sua cova. Personagens como Pierre e Liévin, quando conseguem atravessar a trama das suas relações, param exatamente antes desse ponto em que Fausto avança. Reconheceram que a busca intelectual por um sentido último, ativada pelos sistemas de pensamento secularizados, não mais existe, e a vida, sem qualquer segurança sobre o que existe após a morte, acaba sempre como uma brincadeira malévola. Eles cessam. Fausto segue, mesmo sem saber ou se importar com a segurança no mundo do além e de sua arquitetura, aquele em que a Mater Gloriosa o eleva aos céus, onde ocorre o eterno feminino como alegoria do repouso, após a inumação, consumando a “junção do fim ao início como apocatástase” (Mazzari, 2017, pMAZZARI, Marcus Vinicius. (2017), “Notas”, in J. Goethe, Fausto: uma tragédia - segunda parte. Tradução de Jenny Klabin Segall. 5a edição, São Paulo, Editora 34.. 1025).

Porém, nada disso existe em Tolstói: a maioria de seus personagens vive diante das ruínas de uma arquitetura de além, o que torna a morte terrificante; ainda assim, alguns conquistam uma vida pacífica, quando

aparecem assentados em suas vidas sólidas e sóbrias, com sua rotina cotidiana estabelecida. O que se pretende claramente é que vejamos que esses ‘heróis’ do romance - a gente ‘boa’ -, após as tempestades e angústias de dez anos ou mais, alcançaram uma espécie de paz, baseada em algum grau de compreensão [das] permanentes relações entre as coisas. (Berlin, 2017, pBERLIN, Isaiah. (2017), “Posfácio. O porco espinho e a raposa”, in L.N. Tolstói, Guerra e paz. Tradução de Rubens Figueiredo. São Paulo, Companhia das Letras, Volume II.. 1515-6)

Para o autor, esses personagens teriam atingido um grau de sabedoria, como um estado em que fazem concessões ao modo como as coisas caminham, em suas dimensões inacessíveis, contrário ao confronto da racionalidade que nunca aceita os restos desprovidos de sentido e irracionais. Semelhante (no resultado externo) daquela atitude de aceitação do mundo, que Weber foi observar no Confucionismo. Ela não chega a atingir uma união mística tal como um ascetismo extramundano, que é possível observar, por outro lado, entre os starets que Dostoiévski situou ao redor da orientação de vida de Aliócha, nos Irmãos Karamázov, tal como observado por Waizbort (2000)WAIZBORT, Leopoldo Garcia Pinto. (2000), “Max Weber e Dostoiévski: literatura russa e sociologia das religiões”, in J.J.F. Sousa (org.), A atualidade de Max Weber, Brasília, editora da Unb..

Aqui, Tolstói nos apresenta uma sensibilidade que aceita o inapreensível e o desloca para uma espécie de aceitação do mundo, do que está aí e sempre existe por si mesmo. Assim como o céu estrelado de fundo, que Liévin observa na cena final, em que se desloca para a varanda da casa, que continua após a luz dos raios passar (raios do pensamento, em metáfora), ou o cometa de 1812, que persiste acima de Pierre e Natascha, em que “murmureja a constância e a monotonia de um ritmo eterno” (Lukács, 2009b, pLUKÁCS, Georg. (2009b), A teoria do romance: um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. 2a edição, São Paulo, Duas Cidades, Editora 34.. 158).27 27 O que é inteiramente oposto a Fausto em seu último ato, insatisfeito com o oceano que vagueia eternamente, avançando e recuando sem nada produzir, suscitando nele o desejo de dominá-lo.

Por contraste, opera-se aqui um distanciamento da posse de um fundamento consciente e duradouro da condução da vida, que encontramos na busca da individualidade que se depura em um caráter (como Nos anos de aprendizado de Wilhelm Meister,Goethe, 2009GOETHE, Johann Wolfgang von. (2009), Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. Tradução de Nicolino Simone Neto. 2a edição, São Paulo, Editora 34.). O importante nesse romance de Goethe, praticamente central, é o movimento no qual a vida pode se desfazer, porque ela se transforma em uma dispersão sem valor, “desprovida de um centro consistente, de uma atividade que nasça do centro humano da personalidade e ponha sempre em movimento o homem inteiro” (Lukács, 2009a, pLUKÁCS, Georg. (2009a), “Posfácio”, in J.W. Goethe, Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. Tradução de Nicolino Simone Neto. 2a edição, São Paulo, Editora 34.. 587).

Em Tolstói, essa desintegração também ocorre com Anna e com Ivan Ilitch, de forma amarga, que se desintegram numa gradual decepção perante a ausência de objetivos e substância dessa vida, (Lukács, 2009bLUKÁCS, Georg. (2009b), A teoria do romance: um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. 2a edição, São Paulo, Duas Cidades, Editora 34.). No caso de Anna, sua desintegração também é criada por ela mesma, por momentos e decisões vividos como se fossem sonhos, o que resulta na perda de si, como defende Malcolm (2017)MALCOLM, Janet. (2017), “Posfácio - Sonhos e Anna Kariênina”, in L.N. Tolstói, Anna Kariênina. Tradução de Rubens Figueiredo. 1a edição, São Paulo, Companhia das Letras.:28 28 Para a autora essa característica é comum aos personagens de Tolstói, qual seja, viver as situações como se fossem sonhos ou pesadelos arquetípicos, o que debilita o senso de realidade. Ver a esse respeito, A sonata a Kreutzer, Tolstói (2010).

A transformação da maravilhosa Anna à qual somos apresentados na estação de trem - ‘uma vivacidade contida, que ardia em seu rosto [...] o excesso de alguma coisa que inundava o seu ser e, a despeito da vontade dela, se expressava, ora no brilho do olhar, ora no sorriso' - em personagem psicótica que se atira debaixo de um trem é a história que toma o livro todo, mas não faz sentido. (Malcolm, 2017, pMALCOLM, Janet. (2017), “Posfácio - Sonhos e Anna Kariênina”, in L.N. Tolstói, Anna Kariênina. Tradução de Rubens Figueiredo. 1a edição, São Paulo, Companhia das Letras.. 835)

Por outro lado, há um curso diferente: a possibilidade de a vida transcorrer de maneira ingênua quanto à depuração consciente do seu sentido último, sem se desintegrar. Não há uma personalidade, nem desintegração. Seguramente algo que interrompe a busca fáustica pelo sentido: de “gozar a fundo no próprio eu tudo aquilo que à humanidade é doado” (Goethe, 2016, pGOETHE, Johann Wolfgang von. (2016), Fausto: uma tragédia - primeira parte. Tradução de Jenny Klabin Segall. 6a edição, São Paulo, Editora 34.. 175); algo que também interrompe a atitude básica de dominar a vida através do cálculo, através da ciência, através da entrega infatigável à ação; que também interrompe o lema: “quem aspirar, lutando, ao alvo, à redenção traremos” (Goethe, 2017, pGOETHE, Johann Wolfgang von. (2017), Fausto: uma tragédia - segunda parte. Tradução de Jenny Klabin Segall. 5a edição, São Paulo, Editora 34.. 1041). O pacto de Fausto é um pacto pela ampliação dos espaços interiores disponíveis para a experiência do indivíduo, da mesma forma que a referência ao liberalismo tomada por Weber opera a abertura do espaço da autonomia e do autodesenvolvimento de uma vida sublimada e consciente, rejeitando a personalidade como um ídolo.

Na Rússia do fim do século XIX, os personagens de Tolstói vivem o tempo todo diante da busca de um sentido consciente de si mesmos, sobre quem são e como devem viver.29 29 Interessante a observação de Nietzsche (2012) a respeito do niilismo de São Petersburgo, como “crença na descrença, até chegar ao martírio por ela”, [...] mostrando a necessidade de fé, de apoio, amparo, espinha dorsal.” (p. 214). Aqueles que sobrevivem às suas travessias em confronto com a realidade, o fazem porque sabem viver diante da irracionalidade ética do mundo. Os demais destroçam-se a si mesmos; como Ivan Ilitch que, por mais que refletisse, não encontrava uma resposta: “para quê? Não pode ser. A vida não pode ser assim sem sentido, asquerosa. E se ela foi realmente tão asquerosa e sem sentido, neste caso, para quê morrer, e ainda morrer sofrendo?” (Tolstói, 2009, pTOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2009), A morte de Ivan Ilitch. Tradução de Boris Schnaiderman. 2a edição, São Paulo, Editora 34.. 67-68). E, aqui, Weber teria muito a dizer sobre a necessidade de encontrar sentido no sofrimento, alguma retribuição, o que faltou inteiramente a Ivan.

Agradecimentos

Em versão anterior, este texto foi apresentado nas atividades do Comitê de Pesquisa em Teoria Sociológica da SBS, no congresso de 2021. Agradeço à coordenação do comitê e aos participantes que o compuseram, pelos debates travados e, especialmente, à leitura e comentários de Frédéric Vandenberghe, importantes para o avanço da pesquisa. Agradeço à RBCS pelo apoio na publicação do artigo e aos/às pareceristas, o que permitiu redimensionar o trabalho.

  • 1
    Tradução de Lucas Cid Gigante.
  • 2
    Está presente no trabalho de Goethe Palavras primordiais. O Órfico. Neste ponto, ver Schluchter (2017)SCHLUCHTER, Wolfgang. (2017), El desencantamiento del mundo. Seis estudios sobre Max Weber. Tradução de Juanita Tejeiro Concha, Francisco Gil Villegas e Anita Weiss. México, FCE..
  • 3
    Tradução de Lucas Cid Gigante. “Am Abend seiner Tage” foi traduzido para significar tanto o entardecer de um dia de trabalho, quanto o final da vida, a entrada na noite, ao final da existência.
  • 4
    Para Lukács (2009b, pLUKÁCS, Georg. (2009b), A teoria do romance: um ensaio histórico-filosófico sobre as formas da grande épica. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. 2a edição, São Paulo, Duas Cidades, Editora 34.. 30), “inventamos a produtividade do espírito [...] e nosso pensamento trilha um caminho infinito de aproximação jamais inteiramente concluída”.
  • 5
    Principalmente de protagonistas como Pierre, de Guerra e paz; Liévin, de Anna Kariênina; Nekliúdov, de Ressurreição e Olénin, de Os Cossacos, diferentes de Khadji Murát, que assume uma posição segura diante de si e dos outros.
  • 6
    Tradução de Lucas Cid Gigante.
  • 7
    Ao perder-se a fé, não se perdeu com ela o anseio de um fim último para a vida. Ao contrário; as necessidades se tornam mais firmes quando foram satisfeitas durante longo tempo.”. (Simmel, 2011, pSIMMEL, Georg. (2011), Schopenhauer & Nietzsche. Tradução de César Benjamin. Rio de Janeiro, Contraponto.. 15).
  • 8
    Levamos em conta Guerra e paz, Anna Kariênina, Ressurreição e A morte de Ivan Ilitch; pontualmente, Os Cossacos, A sonata a Kreutzer e Khadji-Murát.
  • 9
    Tomamos por racionalidade os contornos teóricos e formais das esferas e por racionalização a referência histórica e empírica, tal como estabelecido por Sell (2013SELL, Carlos Eduardo. (2013), Max Weber e a racionalização da vida. Petrópolis, Vozes.).
  • 10
    Tradução de Lucas Cid Gigante.
  • 11
    Exemplo disso são os conceitos típicos ideais de “condução da vida” que encontramos na sociologia da religião de Weber, que atestam sempre uma postura com relação ao mundo: sua rejeição, dominação, adaptação, fuga, aceitação ou indiferença.
  • 12
    Weber conhecia os trabalhos de Freud e do círculo freudiano. Em cartas é possível rastrear sua relação a esse movimento, do qual ele imprimiu um afastamento. Porém, os vínculos com sua obra ainda precisam ser entendidos.
  • 13
    Tradução de Lucas Cid Gigante.
  • 14
    Ver a descrição do sistema judiciário realizada em Ressurreição ou em A morte de Ivan Ilitch; da mesma forma, as tensões entre Liévin e seu irmão, um intelectual, bem como a inútil aplicação de Stiepan Oblónski em sua repartição, em Anna Kariênina.
  • 15
    Como afirma Cohn (2020, pCOHN, Gabriel. (2020), “Weber, Adorno e o curso do mundo”. Sociologia & Antropologia, 10, 2: 395-422. DOI: https://doi.org/10.1590/2238-38752020v1023.
    https://doi.org/10.1590/2238-38752020v10...
    . 401), “o dominante é o sentido, não o agente”, imprimindo trajetória vetorial coerente à ação; mecanismo de coordenação subterrâneo, semiconsciente, segundo Weber; atuando como uma “força invisível”, segundo Tolstói.
  • 16
    Nunes (2016)NUNES, Jordão Horta. (2016), “Questões metodológicas em Guerra e paz: causação, agência e refiguração”. Tempo Social, 28, 1: 29-53. DOI: https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2016.105990.
    https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.20...
    recupera o emprego em Guerra e paz, das metáforas do relógio e da colméia, para indicar a eficácia e sucessividade das ordens militares disparadas, criando certa homogeneidade de ações, segundo um mecanismo posto em movimento.
  • 17
    Jameson (2007, pJAMESON, Fredric. (2007), “O romance histórico ainda é possível?”. Novos Estudos Cebrap, 77: 185-203. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-33002007000100009.
    https://doi.org/10.1590/S0101-3300200700...
    . 196) aponta essa condição a partir de Guerra e paz: “Bagratión acha-se à mercê de um fluxo de acontecimentos sobre os quais não tem nenhum controle e no qual se insere afirmando que cada evento se mostra exatamente como ele previra”.
  • 18
    Weber difere em boa parte desta referência do mundo da ciência que, não mais poderia responder sobre “o ser verdadeiro”, “a verdadeira arte”, “a verdadeira natureza”, “o verdadeiro Deus” e “a verdadeira felicidade”, em Wissenschaft als Beruf (Ciência como vocação) (Weber, 1988bWEBER, Max. (1988b), “Wissenschaft als Beruf”, in M. Weber, Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre, Tübingen, Mohr.).
  • 19
    Para Nietzsche (2005, pNIETZSCHE, Friedrich. (2005), Humano, demasiado humano. Um livro para espíritos livres. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo, Cia das Letras.. 80): “A filosofia pode lhes opor no máximo aparências metafísicas [...]. A tragédia é que não podemos acreditar nesses dogmas da religião e da metafísica quando trazemos no coração e na cabeça o rigoroso método da verdade”.
  • 20
    Pacto de Fausto: “Se eu me estirar jamais num leito de lazer, acabe comigo já” (Goethe, 2016, pGOETHE, Johann Wolfgang von. (2016), Fausto: uma tragédia - primeira parte. Tradução de Jenny Klabin Segall. 6a edição, São Paulo, Editora 34.. 169).
  • 21
    Mujique zelador que aparece aos olhos de Liévin (Anna Kariênina) como alguém que já resolveu o sentido da própria vida há muito tempo, alguém portador de uma ataraxia duradoura, ou seja, possuidor de um estado de tranquilidade da alma.
  • 22
    Personagem de Guerra e paz, que é uma “incompreensível, redonda e eterna personificação do espírito da simplicidade e da verdade” (Tolstói, 2017c, pTOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2017c), Guerra e paz. Volume II. Tradução de Rubens Figueiredo. 1a edição, São Paulo, Companhia das Letras.. 1161).
  • 23
    Respectivamente, personagens de Anna Kariênina e A morte de Ivan Ilitch. Kitty possui devotação religiosa. Guerássim é o único que aceita a morte de Ivan, tratando-a com naturalidade.
  • 24
    Para Jameson (2007, pJAMESON, Fredric. (2007), “O romance histórico ainda é possível?”. Novos Estudos Cebrap, 77: 185-203. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-33002007000100009.
    https://doi.org/10.1590/S0101-3300200700...
    . 190) trata-se da persistência “da grande oposição rousseauniana entre a natureza e o social-artificial - repetida incessantemente até Heidegger”. A ligação com Rousseau também é apontada por Schnaiderman (2017, pSCHNAIDERMAN, Boris Solomonovitch. (2017), “Tolstói: antiarte e rebeldia”, in L.N. Tolstói, Khadji-Murát. Tradução de Boris Schnaiderman. São Paulo, Editora 34.. 238).
  • 25
    Kadarkay (1994, pKADARKAY, Árpád. (1994), “The demonic self: Max Weber and Georg Lukács”. Hungarian Studies, 9, 1-2: 77-102.. 88): “Para Weber, ao homem religioso é concedida [...] tanto uma "posse de Deus" quanto [ser] "possuído por Deus". Para Lukács, o eu, confinado a um mundo abandonado pela providência [...], assume um caráter demoníaco.”
  • 26
    O intelectual busca caminhos [...] para fornecer à sua condução da vida um ‘sentido’ contínuo, [...] ‘unidade’ consigo mesmo, com os homens, com o cosmos [e] implementa a concepção do mundo como um problema de sentido” (Weber, 1980, pWEBER, Max. (1980), Wirtschaft und Gesellschaft: Grundrisse der verstehenden Soziologie. Tübingen, Mohr.. 308).
  • 27
    O que é inteiramente oposto a Fausto em seu último ato, insatisfeito com o oceano que vagueia eternamente, avançando e recuando sem nada produzir, suscitando nele o desejo de dominá-lo.
  • 28
    Para a autora essa característica é comum aos personagens de Tolstói, qual seja, viver as situações como se fossem sonhos ou pesadelos arquetípicos, o que debilita o senso de realidade. Ver a esse respeito, A sonata a Kreutzer, Tolstói (2010)TOLSTÓI, Liev Nikolaevitch. (2010), A sonata a Kreutzer. Tradução de Boris Schnaiderman. 2a edição, São Paulo, Editora 34..
  • 29
    Interessante a observação de Nietzsche (2012)NIETZSCHE, Friedrich. (2012), A gaia ciência. Tradução de Paulo César de Souza. 1a edição, São Paulo, Cia das Letras. a respeito do niilismo de São Petersburgo, como “crença na descrença, até chegar ao martírio por ela”, [...] mostrando a necessidade de fé, de apoio, amparo, espinha dorsal.” (p. 214).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2021
  • Aceito
    26 Mar 2023
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