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Os mercados erótico-sexuais em plataformas digitais: o caso brasileiro

Sex markets on digital platforms: the Brazilian case

Resumo

Este artigo discute o avanço de plataformas digitais nos mercados de sexo e erotismo brasileiros, analisando a configuração dos modelos de negócio implementados e seus impactos no trabalho sexual. O estudo se concentra na indústria erótica de webcams, o primeiro serviço erótico-sexual gerenciado por plataformas no Brasil. A análise resulta de etnografia digital, desenvolvida entre 2016 e 2020 nas duas plataformas de webcamming brasileiras, Câmera Hot e Câmera Privê, e de 15 entrevistas em profundidade com trabalhadoras sexuais. Os resultados demonstram que as plataformas descentralizam a gestão, elaboração e venda de serviços e conteúdo erótico-sexual, visto que as trabalhadoras coordenam individualmente esses processos, sendo responsáveis por suas dinâmicas laborais. Em contrapartida, as plataformas centralizam a infraestrutura técnica e financeira, tornando as trabalhadoras mais dependentes de seus espaços. Entretanto, visando promover a centralização e progredir, as plataformas precisam garantir segurança pessoal e financeira às trabalhadoras. Destarte, vetores de pressão ao trabalho sexual são acompanhados de vetores de autonomia e segurança. Este texto traz uma contribuição ao tratar de uma atividade precária e pouco discutida nas abordagens da economia de plataformas digitais. Adicionalmente, contribui para questionar a dominância do vetor de precarização, evidenciando as ambiguidades das plataformas em trabalhos historicamente informalizados.

Palavras-chave:
plataformas digitais; mercados de sexo; trabalho sexual; segurança laboral; precariedade

Abstract

This paper addresses the strengthening of digital platforms in the Brazilian sex trade, analysing the configuration of the business model implemented and its impact on sex work. The study focuses on the erotic webcam industry, the first sex service managed by platforms in Brazil. The analysis results from a digital ethnography conducted between 2016 and 2020 on the two Brazilian webcamming platforms – Camera Hot and Camera Prive – and 15 in-depth interviews with sex workers. The results show that platforms decentralise the management, elaboration and sale of sexual and erotic services and content, as workers individually coordinate these processes and are responsible for their labour dynamics. Conversely, platforms centralise the technical and financial infrastructure, making workers more dependent on them. However, in order to promote centralisation and succeed, platforms must guarantee personal and financial safety to workers. Hence, pressure vectors in sex work go hand in hand with autonomy and safety vectors. This paper offers a contribution by looking into a precarious activity that is narrowly discussed in the current approaches to the platform economy. Further, it contributes to inquiries about the dominance of labour instability, highlighting the ambivalence of platforms to historically informal labour.

Keywords:
digital platforms; sex markets; sex work; work safety; precarity

Introdução

Este artigo investiga a configuração de mercados erótico-sexuais em plataformas digitais no Brasil, buscando compreender como eles fundamentam um modelo de negócio e uma dinâmica laboral específicos. A partir desta análise, questiono as consequências das plataformas para a precariedade do trabalho sexual. O texto se concentra na indústria erótica brasileira de webcams, o primeiro serviço erótico a ser ofertado por meio de plataformas digitais no país, em franca expansão desde 2016 (Caminhas, 2023CAMINHAS, Lorena. (2023), “The politics of algorithmic rank systems in the Brazilian erotic webcam industry”. Porn Studies, 10, 2:174-190. DOI: https://doi.org/10.1080/23268743.2022.2083661.
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).

O avanço das plataformas digitais nas esferas econômica e laboral tem sido um tema crescente na literatura acadêmica (Gillespie, 2010GILLESPIE, Tarleton. (2010), “The politics of ‘platforms’”. New Media & Society, 12, 3:347-364. DOI: https://doi.org/10.1177%2F1461444809342738.
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; Schwarz, 2017SCHWARZ, Jonas. (2017), “Platform logic: an interdisciplinary approach to the platform-based economy”. Policy and Internet, 9, 4:374-394. DOI: https://doi.org/10.1002/poi3.159.
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), pois evidencia o desenvolvimento de um capitalismo de plataformas (Srnicek, 2016SRNICEK, Nick. (2016), Platform capitalism. Cambridge e Malden, Polity Press.; Langley e Leyshon, 2016LANGLEY, Paul; LEYSHON, Andrew. (2016), “Platform capitalism: the intermediation and capitalisation of digital economic circulation”. Finance and Society, 3, 1:1-21. DOI: https://doi.org/10.2218/finsoc.v3i1.1936.
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; Rahman e Thelen, 2019RAHMAN, Sabeel; THELEN, Kathleen. (2019), “The rise of the platform business model and the transformation of twenty-first-century capitalism”. Politics & Society, 47, 2:117-204. DOI: https://doi.org/10.1177%2F0032329219838932.
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) responsável por redirecionar os modos de exploração do trabalho e a acumulação de capital. As plataformas remodelam a ordem capitalista, estabelecendo um modelo de negócios no qual elas se posicionam como intermediárias entre oferta e demanda, fornecendo somente as infraestruturas técnicas e comerciais para a circulação econômica no digital (Schwarz, 2017SCHWARZ, Jonas. (2017), “Platform logic: an interdisciplinary approach to the platform-based economy”. Policy and Internet, 9, 4:374-394. DOI: https://doi.org/10.1002/poi3.159.
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; Rahman e Thelen, 2019RAHMAN, Sabeel; THELEN, Kathleen. (2019), “The rise of the platform business model and the transformation of twenty-first-century capitalism”. Politics & Society, 47, 2:117-204. DOI: https://doi.org/10.1177%2F0032329219838932.
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). Ao combinar tendências de desregulamentação e flexibilização laboral com sistemas centralizados de administração e regulação comercial (Schor e Attwood-Charles, 2017SCHOR, Juliet; ATTWOOD-CHARLES, William. (2017), “The ‘sharing’ economy: labor, inequality, and social connection on for-profit platforms”. Sociology Compass, 11, 8:1-16. DOI: https://doi.org/10.1111/soc4.12493.
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; Woodcock e Graham, 2020WOODCOCK, Jamie; GRAHAM, Mark. (2020), The gig economy. A critical introduction. Cambridge, Polity Press.), a economia de plataformas estabelece um mercado multilateral e sob demanda que promete transações comerciais e condições de trabalho flexíveis e autogeridas. Neste formato econômico, a mão de obra é autônoma e intermitente, atua sem garantias e direitos e acumula funções de gerenciamento do trabalho, dos riscos e dos rendimentos financeiros (Schmidt, 2017SCHMIDT, Florian. (2017), Digital labour markets in the platform economy. Mapping the political challenges of crowd work and gig work. Germany, Friedrich-Ebert-Stiftung. Disponível em https://library.fes.de/pdf-files/wiso/13164.pdf, consultado em 04/09/2023.
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; Grohmann, 2021GROHMANN, Rafael. (2021), “Trabalho digital: o papel organizador da comunicação”. Comunicação, Mídia e Consumo, 18, 51:166-185. DOI: ttps://doi.org/10.18568/cmc.v18i51.2279.
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). A discussão aponta para uma crescente precariedade das relações laborais (Campbell, 2022CAMPBELL, Iain. (2022), “Platform work and precariousness: low earnings and limited control over work”, in: V. Stefano; I. Durri; C. Stylogiannis; M. Wouters. (org.), A Research Agenda for the Gig Economy and Society, United Kingdom, Edward Elgar Publishing.), estabelecida mediante avaliações sobre as mudanças na qualidade do trabalho. Huws et al. (2018)HUWS, Ursula; SPENCER, Neil; SYRDAL, Dag. (2018), “Online, one call: the spread of digitally organised just-in-time working and its implications for standard employment models”. New Technology, Work and Employment, 33, 2:113-129. DOI: https://doi.org/10.1111/ntwe.12111.
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explicam que o grau de precarização é comumente medido em comparação a ocupações consideradas decentes por serem mais reguladas e menos informais, ocupações essas que assumem o status de normativas. A literatura nacional também tem seguido essa perspectiva, ainda que o Brasil seja historicamente marcado por dinâmicas de trabalho e emprego que se aproximam muito daquelas das plataformas (Krein, 2022KREIN, José. (2022), “Trabalho, emprego e renda: as condições de vida de trabalhadoras e trabalhadores no capitalismo contemporâneo”. Argumentum, 14, 3:9-23. https://doi.org/10.47456/argumentum.v14i3.39633.
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). Ainda que haja acurácia em determinar o avanço da precarização do trabalho, a forma como essa precariedade é processada é, no mínimo, mais ambígua e nuançada do que descreve a literatura dominante, sobretudo considerando atividades econômicas sempre informais e precárias em processo de plataformização.

As transformações trazidas pelas plataformas atingem diversos setores econômicos, incluindo aqueles historicamente informais e precários, como os mercados de sexo. Entretanto, parte dos estudos tem se concentrado em mercados formais que foram paulatinamente ampliando sua informalidade com a chegada das plataformas e, consequentemente, se tornando mais precarizados. A exemplo, há uma profusão de investigações sobre serviços de entrega e transporte urbano privado (Calo e Rosenblat, 2017CALO, Ryan; ROSENBLAT, Alex. (2017), “The taking economy: Uber, information, and power”. Columbia Law Review, 117, 1623-1690. DOI: https://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2929643.
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; Ravenelle, 2019RAVENELLE, Alexandrea. (2019), Hustle and gig. Struggling and surviving in the sharing economy. California, University of California Press.; Guerra e D’Andrea, 2021GUERRA, Ana; D’ANDRÉA, Carlos. (2021), “Dimensões algorítmicas do trabalho plataformizado: cartografando o preço dinâmico da Uber”. E-Compós, 24, 1-21. DOI: https://doi.org/10.30962/ec.2046.
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). Por outro lado, pesquisas recentes sobre os impactos das plataformas em trabalhos de cuidado e doméstico (Ticona e Mateescu, 2018TICONA, Julia; MATEESCU, Alexandra. (2018), “Trusted strangers: carework platforms’ cultural entrepreneurship in the on-demand economy”. New Media & Society, 20, 11:4384-4404. DOI: https://doi.org/10.1177%2F1461444818773727.
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; Mateescu e Ticona, 2020MATEESCU, Alexandra; TICONA, Julia. (2020), “Invisible work, visible workers: visibility regimes in online platforms for domestic work”, in: D. Acevedo (org.), Beyond the algorithm: qualitative insights for gig work regulation, Cambridge, University of Cambridge Press.) são exceções que tensionam as discussões sobre precariedade e informalidade.

Essa literatura demonstra que o modus operandi das plataformas ressoa o funcionamento de trabalhos tradicionalmente informalizados, que, em muitos casos, são feminizados, trazendo para esses setores elementos de formalização e regulação. Ela desenvolve o importante debate acerca das ambivalências das plataformas no trabalho e na economia (Ticona e Mateescu, 2018TICONA, Julia; MATEESCU, Alexandra. (2018), “Trusted strangers: carework platforms’ cultural entrepreneurship in the on-demand economy”. New Media & Society, 20, 11:4384-4404. DOI: https://doi.org/10.1177%2F1461444818773727.
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), argumentando que esses atores socioeconômicos se modelam de modo a combinar fragilização e instabilidade com consistência e regularidade. Tal crítica evidencia o campo intricado e contraditório que as plataformas inauguram no capitalismo contemporâneo. Ademais, disputa a ideia de uma precarização crescente e unidirecional, evidenciando as muitas camadas de estabilidade e de garantias que se interseccionam no trabalho de plataformas. Aqui, há uma tentativa de revisar os próprios parâmetros para avaliar a precarização, considerando as experiências e posições de trabalhadores em relação à precariedade de seu trabalho – e não apenas referências normativas. Tal revisão considera a complexidade das ocupações informais e precarizadas que estão sendo exercidas em plataformas e seus contextos prévios, sendo central para complexificar a compreensão sobre o impacto das plataformas nas relações de trabalho (Soriano e Cabañes, 2020SORIANO, Cheryll; CABAÑES, Vincent. (2020), “Entrepreneurial solidarities: social media collectives and Filipino digital platform workers”. Social Media + Society, 6, 2:1-11. DOI: https://doi.org/10.1177/2056305120926484.
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).

Os estudos sobre as plataformas no comércio de sexo e erotismo (Rand, 2019bRAND, Helen. (2019b), “Challenging the invisibility of sex work in digital labour politics”. Feminist Review, 123, 1:40-55. DOI: https://doi.org/10.1177/0141778919879749.
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; Sanders et al., 2018SANDERS, Teela; SCOULAR, Jane; CAMPBELL, Rosie; PITCHER, Jane; CUNNINGHAM, Stewart. (2018), Internet Sex Work: Beyond the Gaze. United Kingdom, Palgrave McMillian. ), somados às iniciativas de tensionamento, demonstram uma reestruturação das trocas comerciais e dinâmicas do trabalho sexual. Isto fundamenta um mercado ambíguo, no qual a precariedade se manifesta em meio à expansão de oportunidades de trabalho, da flexibilização laboral e das possibilidades de gerenciamento de rotinas e ganhos financeiros. Os mercados erótico-sexuais têm canalizado e adaptado rapidamente essas tendências a fim de oferecer novos modos de produzir e comercializar conteúdos e serviços (Rand, 2019aRAND, Helen. (2019a), Digital sex markets: entrepreneurialism and consumption within an uncertain regulatory framework. Tese de doutorado, University of Essex, Essex. ). As plataformas têm sido centrais para alavancar a indústria erótica de webcams ou webcamming (Van Doorn e Velthuis, 2018Van DOORN, Niels; VELTHUIS, Olav. (2018), “A good hustle: the moral economy of market competition in adult webcam modeling”. Journal of Cultural Economy, 11, 3:177-192. DOI: https://doi.org/10.1080/17530350.2018.1446183.
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), a venda de conteúdo erótico por assinatura (Cardoso e Scarcelli, 2021CARDOSO, Daniel; SCARCELLI, Cosimo. (2021), “The bodies of the (digitalised) body. Experiences of sexual(ised) work on OnlyFans”. MedieKultur, 37, 71:98-121. DOI: https://doi.org/10.7146/mediekultur.v37i71.122642.
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) e os serviços de acompanhantes e prostitutas (Rand, 2019bRAND, Helen. (2019b), “Challenging the invisibility of sex work in digital labour politics”. Feminist Review, 123, 1:40-55. DOI: https://doi.org/10.1177/0141778919879749.
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; Sanders et al., 2018SANDERS, Teela; SCOULAR, Jane; CAMPBELL, Rosie; PITCHER, Jane; CUNNINGHAM, Stewart. (2018), Internet Sex Work: Beyond the Gaze. United Kingdom, Palgrave McMillian. ).

No Brasil, há um gradativo desenvolvimento de plataformas eróticas nacionais. Atualmente, são três empresas centrais: Câmera Hot (CH) e Câmera Prive (CP) no ramo de webcamming; e Privacy no setor de conteúdo por assinatura. Não obstante, ainda são esparsos os estudos sistemáticos sobre as consequências das plataformas nos modelos econômicos e laborais dos mercados de sexo digitais, sobretudo em cenário nacional. Ademais, são ainda mais raras investigações que diagnosticam os impactos das plataformas para a informalidade e para a precariedade do trabalho sexual.

Este estudo visa contribuir para alargar a compreensão sobre tais temas no contexto brasileiro. Os resultados demonstram que o modelo das plataformas de webcamming se baseia na concentração e monopolização das infraestruturas técnicas e comerciais do sexo e erotismo, assim como na descentralização dos processos produtivos, que recaem sobre profissionais do sexo. Novos vetores de precarização laboral surgem com o aumento da dependência das plataformas como intermediários para comercializar sexo e erotismo, mas também vetores de proteção, formalização e emancipação centrais para trabalhadores sexuais.1 1 Neste artigo, as pessoas que atuam em plataformas de webcamming serão designadas como trabalhadoras sexuais e performers, seguindo sua autodenominação.

Métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em fevereiro de 2017. A investigação está embasada em uma etnografia digital, conduzida entre 2016 e 2020 no universo brasileiro do webcamming. Foram observadas as duas principais plataformas nacionais para o serviço, CH e CP. Os dados obtidos se dividem em a) print screens das infraestruturas das plataformas, da formatação e organização das homepages, dos perfis de performers e dos sistemas de métricas e avaliação – a fim de compreender os detalhes do funcionamento das plataformas, suas páginas no Twitter/X foram acompanhadas e foram tirados print screens de postagens a respeito de mudanças estruturais e/ou contratuais; b) anotações em caderno de campo sobre o funcionamento das plataformas e seus principais affordances, incluindo o exame de seus modelos de negócio e transações financeiras. Os termos de uso e privacidade foram coletados e as sessões sobre as práticas de mercado foram anotadas junto ao caderno de campo. Adicionalmente, postagens nos blogs das plataformas que descrevem e/ou explicam seus negócios foram incluídas nas observações de campo. Todas as informações relativas aos performers que apareceram nos print screens foram apagadas e todos os dados da investigação foram mantidos em pastas criptografadas.

Entre os anos de 2017 e 2018, foram realizadas 15 entrevistas em profundidade. As entrevistadas são mulheres cisgênero, em sua maioria brancas (somente duas são negras) e jovens (predominantemente entre os 20 e 30 anos). O perfil das interlocutoras reflete a composição majoritária da mão de obra do camming no Brasil, que ainda conta com poucos performers transgênero e homens cisgênero e performers negros e pardos, sendo uma indústria altamente estratificada por gênero e raça. A seleção das interlocutoras foi realizada por meio de amostra de bola de neve (Atkinson e Flint, 2001ATKINSON, Rowland; FLINT, John. (2001), “Accessing hidden and hard-to-reach populations: snowball research strategies”. Social Research Update, 33:1-5.). Todas as entrevistadas assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e seus nomes foram substituídos por pseudônimos escolhidos aleatoriamente pela pesquisadora.

O Twitter/X foi uma ferramenta central para a condução das entrevistas, uma vez que as plataformas só permitem trocas de mensagens para compra dos shows. Usuários que encaminham mensagens pessoais ou com convites são prontamente banidos. Utilizei as mensagens diretas do Twitter para encaminhar o convite das entrevistas e para obter outros canais de contato, tais como Whatsapp, email e Skype. As conversas foram realizadas via Skype, respeitando a preferência das trabalhadoras, e tiveram apenas o áudio gravado. Cada entrevista teve cerca de uma hora e meia de duração e foram transcritas literalmente. Informações pessoais ou consideradas sensíveis foram omitidas das transcrições. Todo o material está armazenado em pastas criptografadas e foram acessados somente pela pesquisadora responsável.

As perguntas foram subdivididas em três eixos: a) trajetória das performers no camming, incluindo os processos que envolvem a entrada e a permanência no ramo; b) condições de trabalho e estratégias laborais, discutindo as especificidades do trabalho sexual digital e as formas de obtenção de renda; e c) o estigma e a estratificação no trabalho sexual digital, abrangendo os preconceitos com as performers e a segmentação da mão de obra do camming. O presente artigo analisa majoritariamente as respostas contidas no segundo eixo. As respostas foram analisadas por meio de codificação textual aberta (Deterding e Waters, 2021DETERDING, Nicole; WATERS, Mary. (2021), “Flexible coding of in-depth interviews: a twenty-first-century approach”. Sociological Methos & Research, 50, 2:708-739. DOI: https://doi.org/10.1177%2F0049124118799377.
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), a partir de leitura sistemática e identificação de questões recorrentes.

A indústria erótica de webcam

O webcamming é um serviço erótico baseado na transmissão de performances sexuais via webcam e streaming, que irrompe mundialmente no início dos anos 2000, sendo proporcionado e condicionado pelo avanço da internet. Ele é um desdobramento do homecamming, uma prática que predominou na década de 1990 na qual pessoas comuns, centralmente mulheres cisgênero na faixa dos 13 aos 25 anos, transmitiam seus cotidianos via webcam (Senft, 2008SENFT, Theresa. (2008), Camgirls: Celebrity & Community in the Age of Social Network. New York, Peter Lang Publishing.). Essa prática assume caráter erótico a partir das transmissões de Jennifer Ringley, em 1996, que filmava suas relações sexuais com o namorado e disponibilizava as imagens na seção premium de um site de homecamming (Senft, 2008SENFT, Theresa. (2008), Camgirls: Celebrity & Community in the Age of Social Network. New York, Peter Lang Publishing.). Ademais, o webcamming é fruto do abalo que a internet causou na indústria do sexo tradicional, sobretudo após o advento dos tube sites, como o PornHub, que passaram a distribuir pornografia gratuitamente (Velthuis e Van Doorn, 2020VELTHUIS, Olav; VAN DOORN, Niels. (2020), “Weathering the winner-take-all. How rankings constitute competition on webcam sex platforms, and what performers can do about it”, in: D. Stark. (org.), The Performance Complex: Competitions and Valuations in Social Life, Oxford, Oxford University Press.), e o desenvolvimento do altporn (Attwood, 2007ATTWOOD, Feona. (2007), “No money shot? Commerce, pornography and new sex taste cultures”. Sexualities, 10, 4:441-456. DOI: https://doi.org/10.1177%2F1363460707080982.
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), um pornô amador que preconizava uma produção autônoma e descentralizada. Sanders et al. (2018)SANDERS, Teela; SCOULAR, Jane; CAMPBELL, Rosie; PITCHER, Jane; CUNNINGHAM, Stewart. (2018), Internet Sex Work: Beyond the Gaze. United Kingdom, Palgrave McMillian. pontuam ainda a intensa migração de trabalhadores sexuais para a web a partir dos anos 2000, com o objetivo de anunciar seus serviços ou realizar serviços sexuais online.

O negócio do webcamming se estruturou inicialmente em sites que ofereciam espaços para o streaming dos shows, que eram tarifados por minuto ou remunerados por meio de gorjetas oferecidas por usuários (Velthuis e Van Doorn, 2020VELTHUIS, Olav; VAN DOORN, Niels. (2020), “Weathering the winner-take-all. How rankings constitute competition on webcam sex platforms, and what performers can do about it”, in: D. Stark. (org.), The Performance Complex: Competitions and Valuations in Social Life, Oxford, Oxford University Press.). De acordo com Silva (2014)SILVA, Weslei. (2014), O Sexo Incorporado na Web: Cenas e Práticas de Mulheres Strippers. Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Minas Gerais. , os performers pagavam uma taxa de manutenção que variava entre 20% e 30% de seus ganhos. No Brasil, o camming se estabeleceu em sites nacionais, centralmente no LoveCam, BelasdaWeb, WebcamSexy, DreamCam e Atrevidas (Silva, 2014SILVA, Weslei. (2014), O Sexo Incorporado na Web: Cenas e Práticas de Mulheres Strippers. Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Minas Gerais. ). A partir de 2010, o webcamming nacional sofre uma profunda reestruturação, seguindo a tendência do mercado internacional em ofertar o serviço via plataformas. A CH, primeira plataforma nacional, é fundada ainda em 2010, enquanto a CP desponta no setor em 2013. A Câmera Hot (CH) e a Câmera Prive (CP) foram responsáveis pela derrocada dos sites por serem capazes de facilitar as transações financeiras, resguardando as informações pessoais de compradores e vendedores, além de estabelecer dinâmicas simples e flexíveis para o comércio de exibições ao vivo. Rapidamente elas passaram a concentrar usuários e performers em suas infraestruturas.

Contemporaneamente, a CP é a plataforma dominante e agrega cerca de 32 milhões de visitantes por mês, oito milhões de usuários registrados e quatro mil performers ativos. A plataforma foi a primeira a cadastrar mulheres transgênero e a única a aceitar homens cisgênero e transgênero. Ela ocupa hoje a 43ª posição no ranking das páginas mais acessadas no Brasil e o 6° lugar na categoria de entretenimento adulto (Similar Web Analítica, 2023aSIMILAR WEB ANALÍTICA. (2023a), Cameraprive.com analítica. Disponível em https://www.similarweb.com/pt/website/cameraprive.com/#overview, consultado em 09/05/2023.
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). CH é uma plataforma menor, que conta com aproximadamente 436 mil visitantes por mês, três milhões de usuários cadastrados e 800 performers ativos. Dentre os performers, só há mulheres cisgênero e transgênero. A plataforma ocupa a 5184ª posição no ranking de tráfego da web no Brasil e o 492º lugar na categoria de entretenimento adulto (Similar Web Analítica, 2023bSIMILAR WEB ANALÍTICA. (2023b), Camerahot.com analítica. Disponível em https://www.similarweb.com/pt/website/camerahot.com/#overview, consultado em 09/05/2023.
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). A indústria brasileira de camming gera, por meio das duas plataformas, em torno de 3 a 4 milhões de reais em receita anualmente.

O negócio das plataformas eróticas

Em trabalho seminal, Gillespie (2010)GILLESPIE, Tarleton. (2010), “The politics of ‘platforms’”. New Media & Society, 12, 3:347-364. DOI: https://doi.org/10.1177%2F1461444809342738.
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demonstra como empresas de tecnologia responsáveis pela infraestrutura de navegação na web passaram a se assumir como plataformas, definindo-se como intermediárias das trocas e do conteúdo no digital. A ideia de intermediária está diretamente atrelada aos sentidos de facilitar, apoiar e hospedar as interlocuções e informações que circulam online. No entanto, como salienta o autor, por trás da suposta neutralidade desses atores está sua posição de mediadores de processos sociais e detentores do modelo econômico e laboral do digital. É exatamente a centralidade e a ingerência das plataformas na circulação digital que as permite estabelecer modelos de negócios centrados nas dinâmicas de sua infraestrutura técnica e comercial, atendendo seus interesses por redução de gastos de gestão e aumento de lucros (Rahman e Thelen, 2019RAHMAN, Sabeel; THELEN, Kathleen. (2019), “The rise of the platform business model and the transformation of twenty-first-century capitalism”. Politics & Society, 47, 2:117-204. DOI: https://doi.org/10.1177%2F0032329219838932.
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). Como demonstra Rand (2019ª), as plataformas eróticas são parte deste ecossistema, lançando mão de sua imprescindibilidade nas transações socioeconômicas dos mercados de sexo digitais para coordenarem os polos da compra e venda de erotismo. Assim, elas se constituem como novos intermediários do comércio erótico, sendo diferente dos agenciadores clássicos (Díaz-Benítez, 2009DÍAZ-BENÍTEZ, Maria. (2009), Nas redes do sexo: bastidores e cenários do pornô brasileiro. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. ) por assentarem o modus operandi laboral e econômico do setor conforme demonstrado nesta seção.

As plataformas de camming intermediam e controlam um serviço sexual baseado na produção individual e independente de performances erótico-sexuais, produzidas a partir da demanda da audiência (Bleackley, 2014BLEACKLEY, Paul. (2014), “‘500 Tokens to Go Private’: Camgirls, Cybersex and Feminist Entrepreneurship”. Sexuality & Culture, 8, 4:892-910. DOI: https://doi.org/10.1007/s12119-014-9228-3.
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). As transações comerciais são realizadas direto ao consumidor, por intermédio das plataformas que coordenam toda a infraestrutura técnica, comercial e laboral (Van Doorn e Velthuis, 2018Van DOORN, Niels; VELTHUIS, Olav. (2018), “A good hustle: the moral economy of market competition in adult webcam modeling”. Journal of Cultural Economy, 11, 3:177-192. DOI: https://doi.org/10.1080/17530350.2018.1446183.
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). Ademais, as plataformas estabelecem termos de uso e serviço que coordenam as interações no mercado multilateral do camming, instituindo a norma de conduta do mercado. Assim, elas estabelecem um padrão regulatório para o mercado, que visa favorecer o seu próprio modelo de negócios.

Em termos de infraestrutura, as plataformas fornecem às trabalhadoras sexuais espaços online para criação de perfis individuais, nos quais elas podem apresentar uma descrição pessoal, detalhar os serviços oferecidos, comercializar fotos e vídeos e interagir com usuários através de mensagens diretas ou do feed central. Além disso, os perfis exibem as métricas das performers, tais como tempo atuando no camming; número de avaliações, seguidores e curtidas; e quantidade de fotos e vídeos vendidos. Conforme os termos de uso e privacidade de ambas as plataformas, as métricas são baseadas em dados coletados durante a conexão e navegação. Os perfis são, portanto, ambientes personalizados, em que as profissionais constroem seu empreendimento pessoal e monetizam sobre os produtos e serviços oferecidos. Ademais, os perfis redirecionam os usuários para salas privadas nas quais ocorrem os shows ao vivo, onde cada performer estabelece suas dinâmicas laborais.

CH e CP são plataformas premium (Velthuis e Van Doorn, 2020VELTHUIS, Olav; VAN DOORN, Niels. (2020), “Weathering the winner-take-all. How rankings constitute competition on webcam sex platforms, and what performers can do about it”, in: D. Stark. (org.), The Performance Complex: Competitions and Valuations in Social Life, Oxford, Oxford University Press.), nas quais os usuários pagam por minuto para se conectar a três diferentes modalidades de chat: i) o simples, no qual não é permitido a nudez total da performer e as interações ocorrem majoritariamente por mensagens de texto. A modalidade funciona como uma propaganda dos chats mais caros, onde ocorre o show de camming; ii) o privado, no qual ocorre a exibição por webcam, permitindo a participação de um usuário contratante e outros voyeurs; e o iii) exclusivo, em que somente uma performer e um usuário permanecem conectados. As tarifas variam por plataforma, mas em média o chat simples custa R$1,80 por minuto; o privado R$2,40 o minuto para o contratante ou R$2,10 para o voyeur; e o exclusivo R$3,10 o minuto. Apesar de o sistema de chat ser fixo, as trabalhadoras são livres para decidir quais práticas eróticas vão realizar. Conforme Angélica, “cada uma tem uma dinâmica, a minha, por exemplo, é livre, eu mesma prefiro só tirar a roupa em chat privado e exclusivo e no simples eu converso, tudo depende da contabilidade também” (Angélica, 2017Angélica. Entrevista qualitativa com Angélica. Angélica. 07/06/2017, Campinas.). Nos chats, as performers desenvolvem estratégias de uso e têm a liberdade de manejar o sistema a partir de suas necessidades pessoais e econômicas.

Na CP, há adicionalmente um espaço para venda de conteúdo por assinatura, pago mensalmente. Tal sistema visa ampliar as vias de faturamento das trabalhadoras e da plataforma, buscando formas de rendimentos mais estáveis do que os shows individuais. As assinaturas garantem um financiamento às performers para continuarem a produzir novos conteúdos. Vale salientar que a própria CP define o valor da assinatura em R$29,90 por mês. Diferente do que ocorre em plataformas internacionais (Rand, 2019bRAND, Helen. (2019b), “Challenging the invisibility of sex work in digital labour politics”. Feminist Review, 123, 1:40-55. DOI: https://doi.org/10.1177/0141778919879749.
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), as plataformas nacionais interferem diretamente nos valores praticados, estabelecendo uma margem para os ganhos das trabalhadoras. Esta prática se relaciona a dois fatores: primeiro, ela regula o potencial de arrecadação das próprias plataformas, que retêm 50%2 2 Conforme Jones (2020), plataformas internacionais de camming também retêm 50% como taxa de manutenção. O valor se explica pelo monopólio de poucas plataformas sobre o setor. Com isso, percebe-se um maior controle desses novos intermediários sobre o mercado em comparação com os mediadores clássicos (Tedesco, 2008), em que os critérios relativos às retribuições eram mais móveis e sujeitos à negociação. dos ganhos das performers; segundo, ela estipula valores que são praticáveis no mercado nacional, mantendo um abundante número de usuários consumindo os shows ao vivo.

Tanto em plataformas internacionais, quanto nas nacionais (Bleackley, 2014BLEACKLEY, Paul. (2014), “‘500 Tokens to Go Private’: Camgirls, Cybersex and Feminist Entrepreneurship”. Sexuality & Culture, 8, 4:892-910. DOI: https://doi.org/10.1007/s12119-014-9228-3.
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; Nayar, 2017NAYAR, Kavita. (2017), “Working it: the professionalization of amateurism in digital adult entertainment”. Feminist Media Studies, 17, 3:473-488. DOI: https://doi.org/10.1080/14680777.2017.1303622.
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), as profissionais determinam quando, onde e como irão trabalhar. Essa é a dinâmica característica dos trabalhos em plataformas (Rahman e Thelen, 2019RAHMAN, Sabeel; THELEN, Kathleen. (2019), “The rise of the platform business model and the transformation of twenty-first-century capitalism”. Politics & Society, 47, 2:117-204. DOI: https://doi.org/10.1177%2F0032329219838932.
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), que consiste em ceder o comando dos processos laborais para enfocar no controle do mercado. No Brasil, as trabalhadoras podem escolher quem irão atender a depender da demanda em suas salas, controlando os chats e selecionando os usuários para irem para as modalidades mais caras. Além disso, elas podem bloquear cidades e estados, limitando as pessoas que têm acesso a seus perfis. Conforme explica Fernanda, “você pode pedir para a plataforma bloquear cidades, eu pedi para bloquear a cidade onde eu moro e a cidade vizinha, é só falar com o suporte” (Fernanda, 2017Fernanda. Entrevista qualitativa com Fernanda. Fernanda. 06/06/2017, Campinas.). Anelise complementa, “eu posso só tirar da minha sala ou bloquear, aí a pessoa nunca mais vai ver sua sala” (Anelise, 2017Anelise. Entrevista qualitativa com Anelise. Anelise. 07/06/2017, Campinas.). Assim, há um grau de controle das trabalhadoras sobre suas salas e suas relações comerciais, que faz com que as plataformas sejam encaradas como infraestruturas que sustentam e permitem a fundamentação de negócios individuais autogeridos, consoante à visada neoliberal que sustenta a economia de plataformas (Vallas e Schor, 2020VALLAS, Steven; SCHOR, Juliet. (2020), “What do platforms do? Understanding the gig economy”. Annual Reviews of Sociology, 46, 273-294. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev-soc-121919-054857.
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).

No mercado de camming, plataformas e trabalhadoras compartilham a responsabilidade pela divulgação dos serviços de exibição ao vivo e venda de conteúdo. Ao passo que as plataformas publicizam a si mesmas como espaços privilegiados para ter acesso aos shows de webcam, as performers se engajam no self-branding em mídias sociais a fim de se tornarem mais visíveis e mais procuradas por usuários. Os anúncios personalizados fazem parte integral do trabalho no camming, responsáveis por direcionar a clientela para a performer individualmente e não somente para a plataforma. Nessa configuração, a iniciativa individual e o autogerenciamento são centrais para as profissionais, de modo que elas precisam desenvolver e avançar suas marcas pessoais.

As plataformas brasileiras fornecem muito mais do que a infraestrutura técnica, estabelecendo e regulando o modelo de negócio. Elas instituem e regulam o modelo de negócios por meio de termos de uso e privacidade que determinam os códigos de conduta, os critérios comerciais, os limites das práticas erótico-sexuais e as prescrições de uso. Como pontua Stegeman (2021)STEGEMAN, Hanne. (2021), “Regulating and representing camming: strict limits on acceptable content on webcam sex platforms”. New Media & Society, 00, 0: 1-17. DOI: https://doi.org/10.1177%2F14614448211059117.
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, os termos são elementos centrais da governança que as plataformas exercem sobre o mercado e o trabalho sexual, situando-as como detentoras do poder de modelar e administrar todo o desenvolvimento dos negócios erótico-sexuais digitais. Esses termos requerem a anuência daqueles que acessam as plataformas, permitindo que tanto performers quanto usuários possam ser banidos sem aviso prévio caso violem alguma normativa. Adicionalmente, as plataformas controlam também toda a gestão do sistema financeiro, processando todas as transações, repassando os valores e retendo sua parte, e limitando transferências e retiradas das contas das trabalhadoras. Destarte, elas comandam o movimento de dinheiro dentro do comércio sexual digital e estipulam as regras para a circulação monetária conforme seus interesses. Por fim, as plataformas brasileiras coordenam o fluxo de trabalhadores e o fazem promovendo mecanismos para manter as profissionais trabalhando apenas em uma plataforma.

CH e CP estabeleceram, cada uma à sua maneira, mecanismos para manter as trabalhadoras atuando em somente uma das plataformas. Salienta-se que não há registro de mecanismos similares em plataformas internacionais, sendo que essa é uma adaptação das empresas nacionais ao mercado local. CH apostou em uma modalidade especial de exibição denominada gold show, um chat em grupo agendado. A performer estabelece um valor total que deve ser arrecadado até o dia marcado para o show e só realiza a performance se o valor for coletado. Em geral, os shows são temáticos e revelam a especialidade da trabalhadora em um certo tipo de serviço. Os gold shows costumam ser a marca registrada de algumas performers, tornando-as conhecidas e procuradas. Eliane explica que ganhou muito destaque com seus gold shows, angariando um público cativo e estável para suas performances individuais. Em suas palavras, “é difícil sair da plataforma ou trabalhar em duas simultaneamente, porque já tenho um público expressivo na plataforma em que trabalho e eles não perdem meus shows” (Eliane, 2017Eliane. Entrevista qualitativa com Eliane. Eliane. 16/06/2017, Campinas.). Ela explicou que os shows temáticos ficam associados à CH, tornando-a dependente dessa plataforma para ter movimento em sua sala. O gold show trouxe para ela uma audiência estável, sendo que é na CH que ela tem maior potencial de venda e renda. É importante assinalar que a CH sofreu uma reestruturação recentemente e o gold show foi retirado da plataforma.

CP implementou um mecanismo mais sofisticado para concentrar as performers em sua infraestrutura: a exclusividade. Trata-se de um acordo em que a trabalhadora assume o compromisso de atuar apenas na CP em troca de três principais benefícios: destaque na homepage, retiradas de dinheiro ilimitadas e participação em campanhas e sorteios da plataforma. A maior parte das performers se engajam na exclusividade pois veem no sistema uma estabilidade de trabalho no camming. Conforme explica Fernanda (2017), aFernanda. Entrevista qualitativa com Fernanda. Fernanda. 06/06/2017, Campinas. exclusividade não tem prazo e dura enquanto a profissional mantiver seu compromisso com a CP. Apesar de a exclusividade ser tratada como um benefício, as performers reconhecem sua ambiguidade. Novamente, Fernanda (2017)Fernanda. Entrevista qualitativa com Fernanda. Fernanda. 06/06/2017, Campinas. esclarece que a exclusividade é responsável tanto por ampliar a visibilidade das trabalhadoras, direcionando mais usuários para as suas salas, quanto por torná-las mais dependentes das plataformas, tendo que aceitar automaticamente todas as mudanças nos termos de uso e nas políticas do negócio. Para a performer, as profissionais ficam dependentes da exclusividade para conseguirem melhores condições de trabalho.

Gisele diz que a exclusividade “é interessante porque ela é uma vitrine e acaba fornecendo uma condição de trabalho estável para a modelo” (Gisele, 2017Gisele. Entrevista qualitativa com Gisele. Gisele. 15/06/2017, Campinas.). Ela considera que a exclusividade tem um papel central na promoção das performers e em suas possibilidades de conquistar usuários pagantes. Angélica concorda que “a exclusividade me torna proeminente e ganho muito mais dinheiro por causa disso”. A exclusividade “me trouxe um público expressivo e isso é viciante. Alguns usuários vão todos os dias na minha sala, compram meus vídeos, pagam pelos meus shows” (Angélica, 2017Angélica. Entrevista qualitativa com Angélica. Angélica. 07/06/2017, Campinas.). Entretanto, as performers reconhecem que elas dependem do sistema para ter mais tráfego e, portanto, uma renda satisfatória. Gisele (2017)Gisele. Entrevista qualitativa com Gisele. Gisele. 15/06/2017, Campinas. explica: “ela faz com que a gente fique mais dependente da plataforma, e dependemos mais dela para ter renda e ter sucesso”. A exclusividade regula o funcionamento do mercado, mantendo as performers concentradas na plataforma e dependentes dela para lucrar. Ela visa à monopolização, apostando que manter as trabalhadoras em uma infraestrutura irá acarretar uma centralização dos usuários nesse mesmo espaço.

O modelo de negócios das plataformas brasileiras replica tendências comuns da economia de plataforma global. Em primeiro lugar, elas jogam com componentes de descentralização e concentração para afirmarem uma posição dominante no mercado em que atuam (Vallas e Schor, 2020VALLAS, Steven; SCHOR, Juliet. (2020), “What do platforms do? Understanding the gig economy”. Annual Reviews of Sociology, 46, 273-294. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev-soc-121919-054857.
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). A descentralização se fundamenta no avanço de mercados multilaterais, em que oferta e demanda por serviços negociam e estabelecem as trocas comerciais (Schmidt, 2017SCHMIDT, Florian. (2017), Digital labour markets in the platform economy. Mapping the political challenges of crowd work and gig work. Germany, Friedrich-Ebert-Stiftung. Disponível em https://library.fes.de/pdf-files/wiso/13164.pdf, consultado em 04/09/2023.
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). Adicionalmente, o trabalho é autônomo e intermitente, dependente de trabalhadoras para gerenciarem partes importantes das operações comerciais (Schwarz, 2017SCHWARZ, Jonas. (2017), “Platform logic: an interdisciplinary approach to the platform-based economy”. Policy and Internet, 9, 4:374-394. DOI: https://doi.org/10.1002/poi3.159.
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). No camming, as profissionais gerenciam a produção, publicidade, distribuição e venda de seus serviços. Ao promover descentralização, as plataformas se liberam de parte onerosa da condução do mercado e se direcionam ao seu principal objetivo, o monopólio. Segundo Langley e Leyshon (2016)LANGLEY, Paul; LEYSHON, Andrew. (2016), “Platform capitalism: the intermediation and capitalisation of digital economic circulation”. Finance and Society, 3, 1:1-21. DOI: https://doi.org/10.2218/finsoc.v3i1.1936.
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, para que as plataformas sejam dominantes, elas precisam conduzir a circulação monetária e de bens e pessoas, bem como controlar a infraestrutura técnica em que a movimentação ocorre. Em segundo lugar, as plataformas estabelecem um modelo de negócios e de trabalho que depende de sua infraestrutura e de seus recursos para serem desenvolvidos (Ravenelle, 2019RAVENELLE, Alexandrea. (2019), Hustle and gig. Struggling and surviving in the sharing economy. California, University of California Press.; Woodcock e Graham, 2020WOODCOCK, Jamie; GRAHAM, Mark. (2020), The gig economy. A critical introduction. Cambridge, Polity Press.). Isso permite que as empresas operadoras das plataformas monopolizem os mercados, tornando as trabalhadoras dependentes e impactando diretamente nas condições de trabalho (Schwarz, 2017SCHWARZ, Jonas. (2017), “Platform logic: an interdisciplinary approach to the platform-based economy”. Policy and Internet, 9, 4:374-394. DOI: https://doi.org/10.1002/poi3.159.
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). Como resultado, as promessas de abertura dos mercados e flexibilidade coexistem com processos de concentração e monopolização que têm impactos para as profissionais.

No camming brasileiro, as plataformas se assentam na ideia de mercados desintermediados e autodeterminados, que podem ser moldados pelas trabalhadoras nos processos de produção, distribuição, publicidade e venda. Assim, elas se apresentam como uma superfície na qual as performers podem inscrever seus próprios empreendimentos. Como será discutido na seção seguinte, as profissionais veem esses aspectos como vantagens do trabalho em plataformas, elaborando seus próprios mecanismos para conseguirem autonomia no camming. É verdade que os mercados de sexo e erotismo sempre foram descentralizados, no sentido de dependerem de uma mão de obra individual e autônoma (Bernstein, 2007BERNSTEIN, Elisabeth. (2007), Temporarily Yours: Intimacy, Authenticity and the Commerce of Sex. London, University of Chicago Press.; Piscitelli, 2016PISCITELLI, Adriana. (2016), “Economias sexuais, amor e tráfico de pessoas: novas questões conceituais”. Cadernos Pagu, 47, e16475:1-31. DOI: https://doi.org/10.1590/18094449201600470005.
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). Igualmente, eles sempre foram compostos por intermediários diversos que modelam as trocas econômicas e eróticas (Tedesco, 2008TEDESCO, Leticia. (2008), Explorando o negócio do sexo: uma etnografia sobre as relações afetivas e comerciais entre prostitutas e agenciadores em Porto Alegre/RS. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. ). As plataformas, portanto, atualizam essa lógica, ampliando-a e complexificando-a. O componente da descentralização pressiona as trabalhadoras a formularem, avançarem e gerenciarem uma carreira no sexo comercial, definindo seu tempo conectadas, suas metas financeiras, os produtos e performances a serem vendidos, baseando-se em ideais de flexibilidade e livre-escolha. Como as plataformas brasileiras conseguem refletir a descentralização das operações comerciais em suas infraestruturas, elas são capazes de atrair e concentrar as trabalhadoras e os usuários, monopolizando o mercado de camming. Ademais, CH e CP regulam as transações comerciais e os preços praticados, as regras de interação e trocas e o formato dos serviços e conteúdo erótico-sexuais. Dessa forma, pode-se considerar, conforme Vallas e Schor (2020)VALLAS, Steven; SCHOR, Juliet. (2020), “What do platforms do? Understanding the gig economy”. Annual Reviews of Sociology, 46, 273-294. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev-soc-121919-054857.
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, que o controle das operações é distribuído, mas o poder sobre o mercado é centralizado.

O trabalho sexual em plataformas

A entrada das plataformas nos mercados de sexo e erotismo digitais provocou profundas transformações na composição da mão de obra e nas dinâmicas do trabalho sexual. O modelo de negócios das plataformas é responsável por condicionar o desenvolvimento de atividades laborais em suas infraestruturas, que se tornam flexíveis e independentes, mas também mais precárias (Ravenelle, 2019RAVENELLE, Alexandrea. (2019), Hustle and gig. Struggling and surviving in the sharing economy. California, University of California Press.). Tanto Vallas e Schor (2020)VALLAS, Steven; SCHOR, Juliet. (2020), “What do platforms do? Understanding the gig economy”. Annual Reviews of Sociology, 46, 273-294. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev-soc-121919-054857.
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quanto Rahman e Thelen (2019)RAHMAN, Sabeel; THELEN, Kathleen. (2019), “The rise of the platform business model and the transformation of twenty-first-century capitalism”. Politics & Society, 47, 2:117-204. DOI: https://doi.org/10.1177%2F0032329219838932.
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concordam que as plataformas acirram tendências à desregulamentação e terceirização do trabalho, ampliando a precariedade de realização do trabalho e privando trabalhadores de seguridade. O principal fator de pressão e precarização é o conjunto de responsabilidades atribuído aos trabalhadores, pois estes passam a gerir as operações do mercado e a assumir os riscos financeiros, psicológicos e físicos do trabalho em plataformas. Ainda que o aprofundamento de desigualdades e inseguranças seja a tônica, Ticona e Mateescu (2018)TICONA, Julia; MATEESCU, Alexandra. (2018), “Trusted strangers: carework platforms’ cultural entrepreneurship in the on-demand economy”. New Media & Society, 20, 11:4384-4404. DOI: https://doi.org/10.1177%2F1461444818773727.
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e Mateescu e Ticona (2020)MATEESCU, Alexandra; TICONA, Julia. (2020), “Invisible work, visible workers: visibility regimes in online platforms for domestic work”, in: D. Acevedo (org.), Beyond the algorithm: qualitative insights for gig work regulation, Cambridge, University of Cambridge Press. assinalam que em labores historicamente informais e precários é essencial distinguir novos vetores de precarização de possíveis vetores de ampliação da segurança laboral, que podem aparecer em conjunto nas plataformas. As autoras acentuam as ambivalências que circundam esses vetores, principalmente quando as práticas de trabalhadores e suas percepções sobre o labor dentro das plataformas são consideradas. Assim, elas convocam uma visão nuançada sobre qual o papel das plataformas em trabalhos marginalizados e sem garantias, papel esse que não pode ser reduzido por suposição à precarização. Tal perspectiva é essencial à discussão sobre trabalho sexual, uma vez que ele tem sido percebido como uma alternativa laboral viável, flexível e rentável, ainda que marcado por precariedades (Silva e Blanchette, 2017SILVA, Ana Paula; BLANCHETTE, Thaddeus. (2017), “Por amor, por dinheiro? Trabalho (re)produtivo, trabalho sexual e a transformação da mão de obra feminina”. Cadernos Pagu, 50, e175019:1-58. DOI: https://doi.org/10.1590/18094449201700500019.
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).

Nas plataformas de camming, a principal mão de obra são mulheres cisgênero brancas e jovens, em sua maior parte novatas nos mercados de sexo e erotismo. Machado e Alvim (2019)MACHADO, Leandro; ALVIM, Mariana. (2019), “A Vida Secreta dos Brasileiros que Trabalham no Uber do Pornô”. BBC News Brasil, 14 Out. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49886712, consultado em 13/12/2021.
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e Silva (2014)SILVA, Weslei. (2014), O Sexo Incorporado na Web: Cenas e Práticas de Mulheres Strippers. Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Minas Gerais. corroboram esse dado, acrescentando que a maioria são das regiões sul e sudeste, as mais ricas do país. Ademais, há uma profunda estratificação e hierarquização racial das trabalhadoras nesse mercado, que não se localizam nos mecanismos de acesso e ingresso, mas estão pulverizadas nos processos de ordenação das infraestruturas das plataformas (Caminhas, 2023CAMINHAS, Lorena. (2023), “The politics of algorithmic rank systems in the Brazilian erotic webcam industry”. Porn Studies, 10, 2:174-190. DOI: https://doi.org/10.1080/23268743.2022.2083661.
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; Jones, 2020JONES, Angela. (2020), Camming: Money, Power and Pleasure in the Sex Work Industry. New York, New York University Press.).

A composição da mão de obra se relaciona ao modelo das plataformas de camming, que apostam em um perfil prioritário de trabalhadoras coordenado, principalmente, por gênero para basear suas operações e gerar lucros. CH e CP iniciaram suas operações dando espaço apenas a mulheres cisgênero em suas infraestruturas. Mais recentemente, CH passou a aceitar cadastro de mulheres transgênero, que ainda são a menor parte das performers. CP abriu cadastro para mulheres transgênero e homens cisgênero em seus primeiros anos de funcionamento e somente após 2018 passou a fornecer espaço para homens transgênero. Apesar da diversidade de performers que CP abriga, as mulheres cisgênero são centrais. Isto fica evidente nas interfaces de ambas as plataformas. As homepages de CH e CP são organizadas por abas, que ranqueiam os performers por ordem de importância. A primeira aba de ambas as plataformas é voltada para as mulheres cisgênero, denominada “garotas”. A segunda aba é voltada às mulheres transexuais, nomeada “transex”. Na CP, a penúltima aba é para homens cisgênero (“garotos”) e a última é para homens transgênero (“transboys”). Essa organização revela as performers com mais destaque e em maior número. Como são as próprias plataformas que controlam o fluxo de pessoas atuando no camming, elas também têm a prerrogativa de centralizar a mão de obra que elas consideram mais rentável.

A idade também é central para trabalhar em plataformas de camming. As entrevistadas pontuaram que há um limite de idade para atuar no setor, sendo que as mulheres jovens são preferenciais. Carolina explica que “quando comecei, costumava me apresentar como uma mulher de 28 anos. No meu segundo ano, achei complicado continuar tendo 28 anos porque não é uma idade que atrai usuários, eles gostam de meninas mais jovens” (Carolina, 2017Carolina. Entrevista qualitativa com Carolina. Carolina. 19/06/2017, Campinas.). Carolina explica que precisou moldar sua presença online de acordo com a preferência de usuários e plataforma: “às vezes minha persona tem 25, às vezes 20, 20 é muito melhor” (Carolina, 2017Carolina. Entrevista qualitativa com Carolina. Carolina. 19/06/2017, Campinas.). Eliane concorda que as performers precisam pelo menos parecer jovens para manter o fluxo de usuários em suas salas. As performers mais jovens também enfatizam a importância da idade. Anelise destaca que “sei que vai chegar um momento em que eu não vou continuar atuando. Quando eu tiver 40 ou 35 anos, vou ter que encontrar outra coisa para fazer. Mas eu ainda tenho 22 e tenho muito tempo” (Anelise, 2017Anelise. Entrevista qualitativa com Anelise. Anelise. 07/06/2017, Campinas.). Em sua opinião, a partir dos 35 anos “a quantidade de usuários na sala diminui muito porque as pessoas preferem as meninas mais jovens e as plataformas também” (Anelise, 2017Anelise. Entrevista qualitativa com Anelise. Anelise. 07/06/2017, Campinas.). Assim, as plataformas contam com mulheres cisgênero jovens e brancas para impulsionarem seus negócios e isso cria obstáculos para que pessoas mais velhas entrem e permaneçam no camming.

A seleção da mão de obra por gênero e idade (mas também raça) demonstra que a precariedade é desigualmente distribuída, uma vez que quanto mais próxima a trabalhadora estiver das preferências das plataformas, maior sua chance de sucesso no mercado. Esse fator explica a homogeneidade do perfil das performers como comentado acima e a atração que o camming exerce sobre pessoas sem passagem pelos mercados de sexo. A entrada de pessoas sem experiência prévia no sexo ou erotismo comercial no camming se relaciona também ao modelo laboral empregado pelas plataformas. A título de exemplo, onze das entrevistadas nunca tinham atuado em mercados erótico-sexuais antes do webcamming. Dentre as quatro com experiência nesses comércios, três eram atrizes pornô e uma trabalhava como garota de programa. A maioria das entrevistadas tinham saído do setor de serviços, centralmente no atendimento ao cliente ou nas vendas em loja de varejo. Duas atuavam como tatuadoras em horários vagos. Para as entrevistadas, foram a flexibilidade e a autonomia prometidas pelas plataformas que as atraiu para esse universo, fazendo com que elas pudessem aspirar maiores rendimentos financeiros com rotinas mais flexíveis e ajustadas às suas necessidades. Ademais, o fato de o trabalho poder ser realizado de casa é central. Internacionalmente, a entrada de novatos no camming também é comum (Bleackley, 2014BLEACKLEY, Paul. (2014), “‘500 Tokens to Go Private’: Camgirls, Cybersex and Feminist Entrepreneurship”. Sexuality & Culture, 8, 4:892-910. DOI: https://doi.org/10.1007/s12119-014-9228-3.
https://doi.org/ https://doi.org/10.1007...
) e está relacionada ao caráter de autonomia associado ao trabalho em plataformas (Nayar, 2017NAYAR, Kavita. (2017), “Working it: the professionalization of amateurism in digital adult entertainment”. Feminist Media Studies, 17, 3:473-488. DOI: https://doi.org/10.1080/14680777.2017.1303622.
https://doi.org/10.1080/14680777.2017.13...
).

As dinâmicas laborais do camming foram centrais nas entrevistas, com particular ênfase para a autodeterminação envolvida nesse trabalho. De modo geral, as entrevistadas afirmam que no webcamming elas puderam definir e buscar objetivos pessoais, metas financeiras e rotinas compatíveis com suas necessidades. Vale assinalar que essa percepção dialoga com o fato de as entrevistadas estarem majoritariamente adequadas ao padrão preferencial de gênero e idade (e raça) das plataformas. Isso faz com que suas condições laborais e de permanência no camming sejam mais favoráveis. Além disso, elas relatam a estabilidade e a segurança dentro das plataformas, sobretudo nos mecanismos de pagamento e gerenciamento das salas para exibição. Todas as entrevistadas pontuam a descentralização das operações do mercado trazida pelas plataformas como uma vantagem, já que elas são capazes de controlar a produção e distribuição de suas performances e conteúdo.

Angélica (2017)Angélica. Entrevista qualitativa com Angélica. Angélica. 07/06/2017, Campinas. é entusiasta da liberdade e autonomia trazidas pelas plataformas. Segundo ela, sua principal motivação para entrar no webcamming foi “a possibilidade de eu estar ali voluntariamente, de acordo com aquilo que eu estiver disposta”. Ela afirma que “eu não tenho horário para entrar, eu não tenho horário para sair da minha sala, posso ficar conectada 24 horas, posso ficar conectada duas horas, posso ficar desconectada 21 dias como já aconteceu. Eu quero tirar férias, pronto” (Angélica, 2017Angélica. Entrevista qualitativa com Angélica. Angélica. 07/06/2017, Campinas.). Angélica reconhece que o tempo desconectada significa perda financeira, mas afirma poder se programar por meio de metas que estabelece para ter uma rotina mais flexível. Ela endossa que trabalhar nas plataformas é lucrativo, sobretudo porque ela também pode vender conteúdo e não somente performances. Assim, o webcamming é um “trabalho bem remunerado e lucrativo em todos os sentidos” (Angélica, 2017Angélica. Entrevista qualitativa com Angélica. Angélica. 07/06/2017, Campinas.). Tal como Angélica, a maior parte das entrevistadas relacionam autonomia com lucratividade.

O caso de Denise (2017)Denise. Entrevista qualitativa com Denise. Denise. 08/06/2017, Campinas. é paradigmático. Ela afirma ter entrado para o camming devido à liberdade da atividade que vem acompanhada “por diversão” e pelo “dinheiro fácil e rápido”. A performer pontua que estabelecer as práticas que serão performadas e suas metas financeiras é um diferencial, e que começou a performar onlinepelo dinheiro, porque seria bem pago e lucrativo além de flexível” (Denise, 2017Denise. Entrevista qualitativa com Denise. Denise. 08/06/2017, Campinas.).

Carolina (2017)Carolina. Entrevista qualitativa com Carolina. Carolina. 19/06/2017, Campinas. destaca que a renda é a principal vantagem do trabalho junto com a flexibilidade. Em suas palavras, “o dinheiro é viciante porque é um dinheiro fácil. Não é que seja fácil, mas você está dentro de casa, é flexível, você escolhe os horários e a forma que quer trabalhar”. E completa: “não tem trabalho que vá fazer isso, o que eu recebo no site e o tempo que eu trabalho, não tem trabalho que vá me dar algo parecido” (Carolina, 2017Carolina. Entrevista qualitativa com Carolina. Carolina. 19/06/2017, Campinas.). Seguindo esse mesmo raciocínio, Cibele afirma que “no começo, você fica deslumbrada com o dinheiro, porque entra muito e muito rápido. E nós temos autonomia, eu trabalho quando e onde eu quero” (Cibele, 2017Cibele. Entrevista qualitativa com Cibele. Cibele. 13/06/2017, Campinas.).

Cibele acredita que as plataformas permitem que as performers cresçam em seus próprios empreendimentos, facilitando a gestão do trabalho e do dinheiro. Fernanda, por sua vez, acrescenta a liberdade em definir e atingir metas financeiras nas plataformas. Para ela, “é vantajoso poder estabelecer metas para alcançar no fim do mês. Os números que conseguimos atingir são relativamente interessantes, principalmente comparados a outros trabalhos” (Fernanda, 2017Fernanda. Entrevista qualitativa com Fernanda. Fernanda. 06/06/2017, Campinas.). Além disso, nas plataformas “você pode trabalhar de casa ou em qualquer lugar” e o trabalho “é flexível e eu tenho liberdade para decidir o que eu quero produzir e quando eu quero trabalhar” (Fernanda, 2017Fernanda. Entrevista qualitativa com Fernanda. Fernanda. 06/06/2017, Campinas.). As trabalhadoras veem as plataformas como aliadas em seus empreendimentos por permitirem a autogestão laboral que pode ser estabelecida conforme a rentabilidade pretendida.

Para Anelise (2017)Anelise. Entrevista qualitativa com Anelise. Anelise. 07/06/2017, Campinas., Dandara (2017)Dandara. Entrevista qualitativa com Dandara. Dandara. 27/06/2017, Campinas. e Nicole (2018), aNicole. Entrevista qualitativa com Nicole. Nicole. 20/06/2018, Campinas. liberdade proporcionada pelas plataformas está ligada a autonomia que as performers têm para decidir quem vão atender, quais práticas irão performar e quando irão trabalhar. Anelise afirma que “eu escolho, decido o que estou disposta a realizar e decido meu conteúdo. Faço minhas próprias regras, faço meu tempo e é algo que eu gosto muito nesse trabalho” (Anelise, 2017Anelise. Entrevista qualitativa com Anelise. Anelise. 07/06/2017, Campinas.). Dandara completa informando que “na minha sala sou eu quem manda né! Eu sou responsável pelos meus shows, meu conteúdo, meu tempo. Não são os usuários ou a plataforma que decidem por mim” (Dandara, 2017Dandara. Entrevista qualitativa com Dandara. Dandara. 27/06/2017, Campinas.). Para Nicole, “a plataforma me dá a liberdade de escolher o que vou fazer online e até quem eu vou deixar na minha sala” (Nicole, 2018Nicole. Entrevista qualitativa com Nicole. Nicole. 20/06/2018, Campinas.). Para as três performers, selecionar os usuários e comandar o fluxo de suas salas é fundamental para que elas controlem sua dinâmica laboral nas plataformas. Por meio desse controle, elas podem se concentrar em seus objetivos pessoais e profissionais, gerenciando todos os processos que estão no entorno da venda de conteúdo e performances. Os discursos sobre autonomia vistos até aqui pontuam a possibilidade de manusear as plataformas conforme as aspirações e disposições individuais das trabalhadoras, tomando-as como infraestruturas personalizáveis e maleáveis a empreendimentos pessoais.

Associada à autonomia e flexibilidade está a segurança financeira e pessoal. Segundo as entrevistadas, a autogestão do trabalho vem conjugada a uma infraestrutura comercial segura e confiável. Em sua opinião, o espaço das plataformas garante liberdade, renda estável e privacidade integral, condições primordiais para o avanço de uma carreira independente na produção erótica. Beatriz (2017)Beatriz. Entrevista qualitativa com Beatriz. Beatriz. 04/06/2017, Campinas. e Manuela (2018)Manuela. Entrevista qualitativa com Manuela. Manuela. 12/06/2018, Campinas. endossam a capacidade de obter renda satisfatória e estável no camming. Manuela comenta que “eu entrei para ver se daria retorno, porque dizem que ganha alto e eu queria conciliar com meu outro trabalho, que é de garota de programa, e aumentar minha renda”. Segundo ela, “tive um bom retorno, mas não como as plataformas anunciam. A questão é mais que eu posso conciliar e tem a produção de conteúdo que dá mais renda” (Manuela, 2018Manuela. Entrevista qualitativa com Manuela. Manuela. 12/06/2018, Campinas.). Na opinião de Manuela, se a performer tiver alguns usuários fixos que também compram seu conteúdo, os rendimentos são estáveis e consistentes. No comércio sexual baseado em plataformas, o trabalho sexual não se limita a um serviço ou conteúdo, mas se constitui na junção de ambos. Para Beatriz, é possível obter renda estável utilizando os affordances e as infraestruturas das plataformas. Segundo ela, “eu posso trabalhar uma vez na semana ou todos os dias, porque dá pra conciliar e ainda ter seu dinheiro no fim do mês”, sobretudo porque “dá pra produzir conteúdo e vender, além dos shows né” (Beatriz, 2017Beatriz. Entrevista qualitativa com Beatriz. Beatriz. 04/06/2017, Campinas.). Tanto as performances ao vivo, quanto o conteúdo são vistos como fontes de renda permanentes, que dependem dos usos que a performer faz da plataforma visando maximizar o número de pagantes que frequentam suas salas.

Denise (2017)Denise. Entrevista qualitativa com Denise. Denise. 08/06/2017, Campinas., Fernanda (2017)Fernanda. Entrevista qualitativa com Fernanda. Fernanda. 06/06/2017, Campinas. e Jennifer (2017)Jennifer. Entrevista qualitativa com Jennifer. Jennifer. 18/06/2017, Campinas. acrescentam a estabilidade financeira à segurança pessoal. Segundo elas, as performers podem controlar sua imagem e suas informações pessoais, protegendo-as. Vale ressaltar que as plataformas nacionais permitem que as trabalhadoras escondam seu rosto em performances e conteúdo, se revelando apenas do pescoço para baixo. Isto não é permitido em plataformas internacionais. Esse mecanismo é, portanto, uma adaptação das plataformas brasileiras para responder aos anseios por privacidade de trabalhadoras, garantindo que elas permaneçam trabalhando em suas infraestruturas e gerando lucros para as empresas. As plataformas implementaram outros mecanismos de proteção, tal como o bloqueio de cidades, regiões ou mesmo de usuários. O sistema de pagamento, por sua vez, garante salvaguarda financeira, pois ele controla o fluxo de dinheiro impedindo calotes por parte de usuários. Todas as transações devem ser efetivadas para que os créditos sejam liberados para os usuários, sem permitir que eles tenham acesso às salas antes da confirmação de pagamento pelos bancos. As entrevistadas acreditam que elas não seriam capazes de avançar seus empreendimentos sem as facilidades e os mecanismos de proteção das plataformas, vendo suas infraestruturas como fundamentais para a manutenção de um trabalho sexual autônomo e seguro.

Denise afirma que “tem muita segurança nas plataformas. Não preciso passar meus dados pessoais para os usuários me acharem e me pagarem” porque “as plataformas processam o pagamento e já recolhem a minha parte, que cai na minha conta na hora”. Segundo ela, “sempre terei minha parte, sem dúvida. É segurança em todos os sentidos” (Denise, 2017Denise. Entrevista qualitativa com Denise. Denise. 08/06/2017, Campinas.). Jennifer diz que “me sinto segura dentro da plataforma, porque estou trabalhando de casa, a plataforma controla os pagamentos e eu posso ser totalmente anônima”. Além disso, “não tenho contato pessoal com os clientes e eu administro meu negócio sem muitos riscos” (Jennifer, 2017Jennifer. Entrevista qualitativa com Jennifer. Jennifer. 18/06/2017, Campinas.). Para Fernanda, “o anonimato que eu tenho em relação ao usuário garante minha segurança, eu penso que eu não estou exposta e ainda ganho meu dinheiro” (Fernanda, 2017Fernanda. Entrevista qualitativa com Fernanda. Fernanda. 06/06/2017, Campinas.). Essas narrativas presumem que as plataformas assumem a responsabilidade de garantir a salvaguarda das trabalhadoras para que elas continuem no trabalho, trocando a confiança por permanência e assiduidade. Ademais, as entrevistadas acreditam que a proteção pessoal e financeira são fundamentais para manter o caráter flexível e autônomo do trabalho.

Os argumentos sobre os fatores positivos do trabalho sexual em plataformas ressoam o campo mais amplo dos mercados sexuais, nos quais trabalhadoras apontam a flexibilidade, independência e rentabilidade como elementos vantajosos da venda de sexo e erotismo (Silva e Blanchette, 2011SILVA, Ana Paula; BLANCHETTE, Thaddeus. (2011), “Amor um real por minuto: a prostituição como atividade econômica no Brasil urbano”. In: R. Parker; S. Corrêa. (org.), Sexualidade e política na América Latina: histórias, intersecções e paradoxos, Rio de Janeiro, ABIA.; Díaz-Benítez, 2009DÍAZ-BENÍTEZ, Maria. (2009), Nas redes do sexo: bastidores e cenários do pornô brasileiro. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. ). Ainda que o setor seja caracterizado como precário, ele é apreendido como uma possibilidade econômica promissora, sobretudo em contextos nos quais predominam regimes de informalidade, como no Brasil (Silva e Blanchette, 2017SILVA, Ana Paula; BLANCHETTE, Thaddeus. (2017), “Por amor, por dinheiro? Trabalho (re)produtivo, trabalho sexual e a transformação da mão de obra feminina”. Cadernos Pagu, 50, e175019:1-58. DOI: https://doi.org/10.1590/18094449201700500019.
https://doi.org/10.1590/1809444920170050...
). Destarte, as percepções sobre vantagens e desvantagens têm ancoragem contextual e dialogam com as motivações que influenciam a entrada e a saída dos mercados de sexo. Essas continuidades são essenciais para compreender as narrativas das performers, para além das coerções que o modelo de plataformas exerce sobre elas.

Apesar de predominar uma perspectiva positiva em relação aos impactos das plataformas, as trabalhadoras reconhecem que elas tendem a monopolizar o comércio de performances erótico-sexuais, impedindo que outras empresas entrem no mercado e as trabalhadoras tenham mais opções laborais. As performers entendem que são dependentes das plataformas dominantes, tendo que aceitar e negociar seus termos e regras. Assim, elas contrastam em seus discursos os elementos vantajosos com os desvantajosos em atuar dentro de plataformas. A autonomia e a flexibilidade vêm acompanhadas de controle e ingerência nas condições de trabalho.

As entrevistadas pontuam o sistema financeiro das plataformas como o principal obstáculo para que as vantagens da flexibilidade se imponham. Segundo elas, os processos de recebimento e retirada dos valores de suas contas nas plataformas afetam a administração de seu dinheiro e suas metas financeiras, impactando em como elas se organizam no trabalho. Angélica (2017)Angélica. Entrevista qualitativa com Angélica. Angélica. 07/06/2017, Campinas. explica que as plataformas recolhem seu percentual automaticamente em cada transação e as trabalhadoras recebem apenas o valor líquido. Isso implica que as performers aceitem automaticamente as taxas estabelecidas, sem poder questionar ou negociar os valores retidos. Para Angélica (2017)Angélica. Entrevista qualitativa com Angélica. Angélica. 07/06/2017, Campinas., ainda que o sistema ofereça segurança de que toda performance e todo conteúdo serão pagos, ele obstrui o controle das trabalhadoras sobre suas finanças. Ela afirma ainda que essa retenção automática impede que as performers rastreiem o total de arrecadação com os shows, principalmente aqueles com voyeurs em que há um valor para o usuário contratante e outro para os voyeurs. De acordo com Angélica (2017)Angélica. Entrevista qualitativa com Angélica. Angélica. 07/06/2017, Campinas., esse processo afeta a capacidade de administrar o dinheiro e organizar as metas financeiras. Em algumas ocasiões, as performers precisam trabalhar mais horas para garantir a quantia estipulada, extrapolando o tempo que gostariam de permanecer conectadas. As plataformas, assim, determinam as normas para as trabalhadoras “verem o dinheiro”.

As plataformas também comandam as regras de saque dos ganhos, determinando valores mínimos que podem ser movimentados por transação bancária. Denise (2017)Denise. Entrevista qualitativa com Denise. Denise. 08/06/2017, Campinas. explica que as performers devem ter cerca de 100 reais em sua conta na plataforma para poder transferir o valor para seu banco. A retenção do dinheiro é um grave obstáculo, pois pressiona as trabalhadoras a se organizarem financeiramente considerando que elas podem ficar um período sem fazer retiradas. Angélica (2017)Angélica. Entrevista qualitativa com Angélica. Angélica. 07/06/2017, Campinas. comenta que é relativamente fácil ganhar 100 reais em uma jornada de oito horas, e/ou se a performer vender conteúdo avulso ou por assinatura. No entanto, do valor total serão retidos os 50% da plataforma, o que pressiona as trabalhadoras a ganharem o dobro para fazerem a retirada do valor mínimo. Denise (2017)Denise. Entrevista qualitativa com Denise. Denise. 08/06/2017, Campinas. e Angélica (2017)Angélica. Entrevista qualitativa com Angélica. Angélica. 07/06/2017, Campinas. concordam que em troca da proteção do sistema financeiro, elas têm restringida sua capacidade de dispor de seu dinheiro conforme suas aspirações e necessidades. O sistema garante que cada serviço e conteúdo seja pago, na mesma medida em que regula como as trabalhadoras terão acesso à sua renda.

Juntamente com o controle do sistema financeiro vem a instabilidade dos termos e diretrizes das plataformas. Carolina (2017)Carolina. Entrevista qualitativa com Carolina. Carolina. 19/06/2017, Campinas. pontua que há instabilidades no trabalho de camming porque as plataformas sempre atualizam seus termos, alterando as regras de conduta. Em suas palavras, “é difícil porque estão sempre mudando os termos, as taxas e você tem que aceitar se quiser continuar trabalhando”. E complementa: “às vezes a gente tem que lidar com os prejuízos com tanta mudança” (Carolina, 2017Carolina. Entrevista qualitativa com Carolina. Carolina. 19/06/2017, Campinas.). A instabilidade retira o controle das performers sobre sua condição de trabalho, como explica Carolina: “temos menos controle do nosso trabalho, não o trabalho em si, mas das condições e não temos garantias, se eu não trabalhar um dia eu perco esse dia” (Carolina, 2017Carolina. Entrevista qualitativa com Carolina. Carolina. 19/06/2017, Campinas.). Lucia afirma que as plataformas se abstêm de ajudar as trabalhadoras quando os termos impactam suas dinâmicas laborais. Segundo ela, “a gente trabalha o dia inteiro, as coisas mudam e a plataforma não fica ao meu favor” (Lúcia, 2017Lúcia. Entrevista qualitativa com Lúcia. Lúcia. 22/06/2017, Campinas.). Ela explica que é comum as performers sentirem que a dedicação às plataformas não tem retribuição, principalmente porque não há negociação de termos que prejudicam o trabalho e a arrecadação. Tanto Carolina (2017)Carolina. Entrevista qualitativa com Carolina. Carolina. 19/06/2017, Campinas. quanto Lucia (2017)Lúcia. Entrevista qualitativa com Lúcia. Lúcia. 22/06/2017, Campinas. concordam que a flexibilidade vem acompanhada de um alto grau de instabilidade devido ao controle das plataformas sobre as regras de uso e conduta. Para elas, trabalhar em plataformas é lidar com contradições, já que os benefícios em atuar nessas infraestruturas sempre trazem prejuízos como contrapartida.

As entrevistadas assumem, portanto, duas posturas distintas em relação ao trabalho em plataformas. Por um lado, elas são otimistas quanto ao modelo descentralizado e flexibilizado, permitindo que elas controlem partes fundamentais da produção, distribuição e venda. É a abertura desse mercado que permite que elas desenvolvam empreendimentos próprios, baseados em sua marca pessoal e em suas dinâmicas de criação. Ademais, elas se beneficiam dos mecanismos de segurança fornecidos pelas plataformas para terem uma receita garantida, evitando perdas por fraudes. Nessa postura, as plataformas aparecem como parceiras centrais às trabalhadoras, que oferecem uma infraestrutura ajustável e personalizável para estabelecer um comércio de sexo e erotismo autônomo, controlado pelas trabalhadoras, com boas provisões de rendimentos e com segurança financeira e pessoal. Por outro lado, elas compreendem que o projeto de monopólio das plataformas vem com controle sobre as rotinas laborais e as finanças individuais, reduzindo a independência prometida. Destarte, o mecanismo financeiro com a aplicação de taxas e a restrição das retiradas e a ingerência sobre a circulação e a mão de obra no camming são fatores que reduzem a qualidade laboral, aumentam as horas conectadas e pressionam financeiramente as trabalhadoras. De modo geral, as performers consideram que há mais benefícios do que malefícios na participação nas plataformas. Elas acreditam que podem gerir sua participação no negócio de camming apesar das pressões que sofrem. Em suma, elas se veem no comando de procedimentos centrais, participando ativamente da circulação econômica no camming.

Considerações finais

Este artigo analisa o modus operandi de plataformas eróticas de webcam no Brasil, o primeiro serviço sexual a ser plataformizado no país. Investiga também a conformação do trabalho sexual nessa indústria, revelando os vetores de pressão e precarização laboral, bem como vetores de segurança e autonomia às trabalhadoras. Ao enfrentar tais questões, este estudo contribui com perspectivas que visam discutir os mercados de sexo como entes econômicos integrados ao mundo do trabalho (Piscitelli, 2016PISCITELLI, Adriana. (2016), “Economias sexuais, amor e tráfico de pessoas: novas questões conceituais”. Cadernos Pagu, 47, e16475:1-31. DOI: https://doi.org/10.1590/18094449201600470005.
https://doi.org/10.1590/1809444920160047...
; Silva e Blanchette, 2017SILVA, Ana Paula; BLANCHETTE, Thaddeus. (2017), “Por amor, por dinheiro? Trabalho (re)produtivo, trabalho sexual e a transformação da mão de obra feminina”. Cadernos Pagu, 50, e175019:1-58. DOI: https://doi.org/10.1590/18094449201700500019.
https://doi.org/10.1590/1809444920170050...
), pontuando sua centralidade para refletir sobre as mudanças contemporâneas nos campos econômico e laboral.

Os resultados apontam para a concentração dos mercados do webcamming na mão das plataformas, que passam a controlar suas instâncias de coordenação e gerenciamento. Tal concentração pressiona as performers a coadunarem com as políticas das plataformas na falta de espaços alternativos para atuarem, aceitando altas taxas de transação, termos de uso cambiantes e sistemas financeiros prejudiciais às suas metas de renda. Ademais, as plataformas comandam a circulação de pessoas, regulando e estratificando a mão de obra, conformada preferencialmente por mulheres cisgênero, brancas e jovens.

Adicionalmente, este estudo identificou uma descentralização no processo produtivo do webcamming, deixando a cargo das performers a criação, produção, distribuição e venda de suas performances e conteúdo. A descentralização é sustentada pelos mecanismos de proteção instituídos pelas plataformas, que seriam responsáveis por permitir o funcionamento de um mercado multilateral de sexo e erotismo no qual as trabalhadoras pudessem ter asseguradas sua privacidade e sua renda. Para as entrevistadas, a flexibilidade e autonomia no camming somadas à segurança compensam as precariedades laborais trazidas pelas plataformas.

Este estudo buscou destacar as contradições e ambiguidades inerentes ao modelo econômico e laboral das plataformas nos mercados de sexo, um ramo comercial historicamente instável, informal e marginal. Ele tem como questão subjacente as consequências das plataformas em setores tradicionalmente precarizados, tensionando a literatura corrente que toma a instabilidade e insegurança como as características primordiais de economias plataformizadas. Ainda que este trabalho ecoe diagnósticos sobre a tendência das plataformas à monopolização e à concentração de poder sobre os mercados (Schwarz, 2017SCHWARZ, Jonas. (2017), “Platform logic: an interdisciplinary approach to the platform-based economy”. Policy and Internet, 9, 4:374-394. DOI: https://doi.org/10.1002/poi3.159.
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; Woodcock e Graham, 2020WOODCOCK, Jamie; GRAHAM, Mark. (2020), The gig economy. A critical introduction. Cambridge, Polity Press.), que reverberam em inseguranças e pressões sobre as dinâmicas laborais (Ravenelle, 2019RAVENELLE, Alexandrea. (2019), Hustle and gig. Struggling and surviving in the sharing economy. California, University of California Press.), ele também desafia essas interpretações ao evidenciar como trabalhadoras sexuais articulam as vantagens e as seguranças provenientes de sua maior participação na cadeia de produção e distribuição do sexo comercial.

Apesar de as performers reconhecerem os limites de sua atuação, elas consideram estar mais incluídas no processo produtivo, dispondo de condições laborais que elas podem negociar e adaptar. Em um mercado marginalizado, desregulamentado e muitas vezes inseguro (Bernstein, 2007BERNSTEIN, Elisabeth. (2007), Temporarily Yours: Intimacy, Authenticity and the Commerce of Sex. London, University of Chicago Press.), em que a autonomia é proporcionada diferencialmente a depender de cada serviço, as plataformas aparecem como ambientes em que a autodeterminação é chave e em que mecanismos de proteção são acionados para assegurar a independência da produção e da venda.

Este artigo contribui para desafiar análises baseadas em parâmetros estanques de precariedade nos trabalhos em plataformas, chamando atenção para a ambivalência desse fenômeno na prática e na experiência de atividades laborais sempre marcadas por diferentes níveis de informalidade e precariedade. Destaca-se que tal perspectiva é fundamental em contexto nacional, no qual as relações de trabalho e emprego sempre estiveram marcadas pelo encontro entre a formalidade e a informalidade (Krein, 2022KREIN, José. (2022), “Trabalho, emprego e renda: as condições de vida de trabalhadoras e trabalhadores no capitalismo contemporâneo”. Argumentum, 14, 3:9-23. https://doi.org/10.47456/argumentum.v14i3.39633.
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). Destarte, o argumento desenvolvido demonstra a pluralidade das consequências das plataformas, convocando uma leitura contextual e situada de sua participação nos arranjos econômicos contemporâneos.

Agradecimentos

Agradeço às participantes do Data & Society Workshop The Hustle Economy: Race, Gender, and Digital Entrepreneurship pelas valiosas contribuições ao primeiro esboço deste trabalho, em especial à Antonia Hernández. Igualmente, agradeço às entrevistadas que dedicaram muito gentilmente uma parte de seu tempo para contribuir com esta pesquisa. Aos(às) pareceristas anônimos(as) e aos(às) editores(as), agradeço a leitura cuidadosa e as importantes sugestões que colaboraram para um aperfeiçoamento substancial do argumento apresentado. Por fim, agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pelo financiamento à escrita deste trabalho (processo 2020/02268-4).

  • 1
    Neste artigo, as pessoas que atuam em plataformas de webcamming serão designadas como trabalhadoras sexuais e performers, seguindo sua autodenominação.
  • 2
    Conforme Jones (2020)JONES, Angela. (2020), Camming: Money, Power and Pleasure in the Sex Work Industry. New York, New York University Press., plataformas internacionais de camming também retêm 50% como taxa de manutenção. O valor se explica pelo monopólio de poucas plataformas sobre o setor. Com isso, percebe-se um maior controle desses novos intermediários sobre o mercado em comparação com os mediadores clássicos (Tedesco, 2008TEDESCO, Leticia. (2008), Explorando o negócio do sexo: uma etnografia sobre as relações afetivas e comerciais entre prostitutas e agenciadores em Porto Alegre/RS. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. ), em que os critérios relativos às retribuições eram mais móveis e sujeitos à negociação.
  • DOI: 10.1590/3811027/2023

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2022
  • Aceito
    18 Ago 2023
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