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“Todo mundo aqui é tratado do jeito que merece”: suspeição generalizada e naturalização da privação de liberdade de adolescentes negros

“Everyone here is treated the way they deserve”: generalized suspicion and naturalization of the deprivation of liberty of black youth

Resumos

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar como o racismo é narrado por profissionais do Degase do Rio de Janeiro que se consideram e são considerados ativistas antirracistas. Com base em entrevistas com servidores que atuam ou atuaram em unidades de medida socioeducativa para adolescentes considerados “em conflito com a lei”, se observará a mobilização de estereótipos racializados que não são vistos enquanto tais por grande parte dos demais profissionais da instituição, mas que justificam a centralidade de procedimentos de segurança em detrimento de atividades educativas. Ao constatar processos de suspeição generalizada e de naturalização da seletividade penal racial, será possível verificar um racismo codificado que se torna facilmente denegado e, portanto, silenciado.

Palavras-chave:
medida socioeducativa de internação; suspeição; seletividade; racismo; privação de liberdade


Abstract

The goal of this article is to analyze how racism is daily produced in the implementation of the juvenile detention system in the state of Rio de Janeiro. Based on interviews with professionals who work in detention centers for adolescents considered “in conflict with the law”, we observe the mobilization of racialized stereotypes that are not seen as such, although these justify the centrality of security procedures over educational activities. By observing processes of generalized suspicion and naturalization of racial penal selectivity, it will be possible to verify a codified racism that is easily denied and, therefore, silenced.

Keywords:
socioeducational measure of internment; suspicion; selectivity: racism; deprivation of liberty


1. Considerações iniciais1 1 Este artigo é fruto de pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (PPGA-UFF) e contou com o apoio FAPERJ (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) por meio de bolsa de pós-doutorado. Uma versão anterior deste texto foi apresentada no 46º Encontro Anual da ANPOCS, ocasião em que foi contemplado com o Prêmio Luiza Bairros.

Há pesquisas que atestam que a maioria das pessoas privadas de liberdade no Brasil são negras, tanto no sistema penitenciário adulto, quanto na medida socioeducativa de internação no caso de adolescentes (Brasil, 2019BRASIL. (2019), Levantamento Anual Sinase 2017. Brasília, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. ; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. (2022), Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, São Paulo.). No entanto, são raros os esforços para compreender os efeitos desse contexto no cotidiano das próprias instituições privativas de liberdade. Se já é consenso que a população negra é a que mais sofre com a seletividade penal, ainda é necessário compreender como o racismo produz hierarquias mesmo entre pessoas já encarceradas.

Este artigo tem o objetivo de contribuir com esse debate ao analisar como o racismo é cotidianamente realizado na rotina de unidades socioeducativas para adolescentes considerados “em conflito com a lei”, tomando como base a perspectiva de profissionais que se consideram e são considerados por seus colegas de trabalho como ativistas antirracistas. As medidas socioeducativas são normatizadas a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) – Lei Federal nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 –, estabelecendo um duplo objetivo sancionatório-educativo (Vinuto e Duprez, 2019VINUTO, Juliana; DUPREZ, Dominique. (2019), “O duplo objetivo sancionatório-educativo no Brasil e na França: As diferentes configurações organizacionais direcionadas ao adolescente em conflito com a lei”. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 3:115–135. ): ainda que seja uma responsabilização compulsória, deve ter caráter educativo, dado que o adolescente é considerado um “sujeito em situação peculiar de desenvolvimento” (Arruda, 2020ARRUDA, Jalusa. (2020), Nos versos me seguro: uma etnografia documental da trajetória de meninas na medida socioeducativa de internação. Tese de doutorado, Universidade Federal da Bahia, Salvador. ; Chies-Santos e Cifali, 2022CHIES-SANTOS, Mariana; CIFALI, Ana Claudia. (2022) Sistema de justiça juvenil e socioeducativo. Florianópolis, Emais.) e, portanto, mais passível de transformação (Almeida, 2016ALMEIDA, Bruna Gisi. (2016), A racionalidade prática do isolamento institucional: um estudo da execução da medida socioeducativa de internação em São Paulo. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo. DOI: https://doi.org/10.11606/T.8.2016.tde-25102016-125922.
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). Mas, como veremos, nem todos os adolescentes que cumprem medida socioeducativa são vistos como “em desenvolvimento”, ao contrário, há uma pressuposição de que certos adolescentes são essencialmente criminosos e, portanto, é impossível de serem “transformados”. O argumento que trabalho neste texto é que, para servidores antirracistas, processos de racialização acompanham tais processos de essencialização.

Com base em resultados de pesquisa de pós-doutorado, este texto demonstra os efeitos de estereótipos racializados, mas que não são vistos enquanto tais por grande parte dos demais profissionais da instituição, para justificar a centralidade de procedimentos de segurança em detrimento de atividades socioeducativas no cotidiano dos centros de internação do Rio de Janeiro. Neste aspecto, ao contrário de trabalhos que se debruçam sobre a perspectiva de adolescentes internados para analisar e desnaturalizar seus supostos vínculos com a criminalidade (Arruda, 2011ARRUDA, Jalusa. (2011), “Para ver as meninas”: um estudo sobre as adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação na CASE/Salvador. Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Bahia, Salvador.; Hernández, 2018HERNÁNDEZ, Jimena de Garay. (2018), O Adolescente dobrado: cartografia feminista de uma unidade masculina do Sistema Socioeducativo do Rio de Janeiro. Tese de doutorado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. ; Martins, 2020MARTINS, Luana. (2020), Entre a pista e a cadeia: uma etnografia sobre a experiência da internação provisória em uma unidade socioeducativa no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Autografía.; Lisboa, 2018LISBOA, Flavia de Abreu. (2018), Do conflito com a lei ou da lei em conflito? Na privação de liberdade, outro estatuto (re)existe. Dissertação de mestrado Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. ), este artigo se detém na análise dos profissionais que atuam em unidades socioeducativas.

Os principais materiais analisados foram entrevistas não estruturadas e em profundidade com servidores do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), que também são reconhecidos, dentro e fora da instituição, como ativistas antirracistas. O acesso a tais interlocutores ocorreu a partir da minha aproximação anterior com o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros do Degase (Neab-Degase), um coletivo de servidores do Degase que tem o combate ao racismo como norte de sua atuação no sistema socioeducativo. Com base nas falas desses interlocutores, é possível concluir que há uma naturalização da seletividade penal racial, que justifica processos de suspeição generalizada – o que será detalhado no decorrer deste texto – nas unidades socioeducativas, o que é evidenciado quando adolescentes brancos chegam para cumprir sua medida socioeducativa. Nesses casos, a normalidade vacila e questionamentos sobre as razões que levaram este adolescente até ali emergem, o que revela um modo tácito de funcionamento institucional no qual o encarceramento negro é naturalizado.

A análise dos dados qualitativos levou à constatação de que a medida socioeducativa de internação é um “lugar de negro”, nos termos de Lélia Gonzalez (2022)GONZALEZ, Lelia. (2022), “O movimento negro na última década”, in L. Gonzalez; C. Hasenbalg. (org.), Lugar de negro. Rio de Janeiro, Zahar.. Isto é, um lugar no qual habitam prioritariamente pessoas negras e, por isso, são marcados pela negação de direitos e pela violência, não havendo perplexidade com a brutalidade cotidiana que marca este espaço.

2. Discussões teórico-metodológicas

O interesse deste artigo é destrinchar o modo como o racismo opera na medida socioeducativa de internação, de modo a ir além da constatação de que ele existe. No entanto, não é tarefa fácil compreender as atuais manifestações do racismo, visto que elas podem se apresentar em compreensões tácitas, expectativas e estereótipos (Alexander, 2017ALEXANDER, Michelle. (2017), A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo, Boitempo.; Gonzalez, 2020GONZALEZ, Lélia. (2020), “Racismo e sexismo na cultura brasileira”, in F. Rios; M. Lima. (org.), Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro, Zahar.; Rawls e Duck, 2020RAWLS, Anne Warfield; DUCK, Waverly. (2020) Tacit racism. Chicago, London: The University of Chicago Press.) de modo despercebido. Se até ofensas explícitas nem sempre são consideradas racismo, mas brincadeiras ou mal-entendidos (Machado et al., 2016MACHADO, Marta; LIMA, Márcia; NERIS, Natália. (2016), “Racismo e insulto racial na sociedade brasileira: dinâmicas de reconhecimento e invisibilização a partir do direito”. Novos estudos CEBRAP, 35, 3:11–28. DOI: https://doi.org/10.25091/S0101-3300201600030001.
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), o racismo tácito enfrenta barreiras ainda maiores para ser compreendido enquanto tal.

Por esse motivo, apostei no uso de métodos qualitativos neste artigo, pois eles possibilitam acessar diferentes processos em que pessoas constroem representações sobre o mundo à sua volta. Márcia Lima (2014)LIMA, Márcia. (2014), “A Obra de Carlos Hasenbalg e seu Legado à Agenda de Estudos sobre Desigualdades Raciais no Brasil”. Dados, 57, 4:919–933. DOI: https://doi.org/10.1590/00115258201428.
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ressalta que as pesquisas qualitativas sobre racismo enfrentam desafios de natureza distinta das pesquisas quantitativas, já que são muitas as situações em que “obter do entrevistado um relato de preconceito ou nomear como racismo determinadas situações e experiências não ocorre de forma tão inequívoca” (Lima, 2014, pLIMA, Márcia. (2014), “A Obra de Carlos Hasenbalg e seu Legado à Agenda de Estudos sobre Desigualdades Raciais no Brasil”. Dados, 57, 4:919–933. DOI: https://doi.org/10.1590/00115258201428.
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. 928).

Devido à experiência anterior como pesquisadora do sistema socioeducativo fluminense, já antecipava algumas dificuldades em realizar uma pesquisa sobre racismo na instituição. Em experiência de pesquisa anterior (Vinuto, 2020VINUTO, Juliana. (2020), “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Autografia.), enfrentei muitas resistências para tratar de racismo nas entrevistas que realizei com agentes de segurança socioeducativa do Degase. Em grande parte das vezes, acionar palavras como “adolescentes negros”, “racismo”, “preconceito”, dentre outras, fazia meus entrevistados se tornarem monossilábicos ou estes passavam a elaborar afirmações sobre a inexistência de racismo no Degase. Neste último caso, muitos entrevistados ressaltavam que a instituição responsável pelo alto número de adolescentes negros no Degase seria o sistema de justiça juvenil (Gonçalves, 2021GONÇALVES, Vitor Sousa. (2021), “O sistema de justiça juvenil na perspectiva sociológica: Entre frouxa articulação e linha de montagem”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 13, 3:781-799. DOI: https://doi.org/10.17648/dilemas.v13n3.25800.
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) e que esta instituição apenas os atendia sem reproduzir racismo algum. Vemos aqui processos de ocultamento do racismo, que ocorrem ativamente pela negação da existência do racismo e passivamente pelo silenciamento da discussão sobre o tema (Gomes, 2018GOMES, Letícia Simões. (2018), A (in)visibilidade da questão racial na formação dos soldados da Polícia Militar. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo.; Reinehr, 2019REINEHR, Jaciane Pimentel Milanezi. (2019), Silêncios e confrontos: A saúde da população negra em burocracias do Sistema Único de Saúde (SUS). Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. )

Exceção digna de nota foram as entrevistas com profissionais que, em seus próprios termos, eram “exceções”, isto é, tinham uma atuação em prol da garantia dos direitos dos adolescentes internados (Vinuto, 2020VINUTO, Juliana. (2020), “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Autografia.). Nesses casos, relatos sobre racismo não só apareciam como eram destrinchados espontaneamente. Tais relatos eram ainda mais presentes no caso dos profissionais com declarada atuação antirracista, sendo a imensa maioria deles negros. Considerando este cenário como um passo exploratório da pesquisa, realizei entrevistas com profissionais com este perfil. Assim, esta pesquisa parte da premissa de que tais profissionais são intelectuais que mobilizam prática e reflexão no combate ao racismo em sua jornada de trabalho e, portanto, considerar suas narrativas rompe com a reprodução de uma “postura histórica que outorga eterna objetividade às visões das elites brancas e condena a visão de não-brancos a uma perpétua subjetividade” (Ferreira e Igreja, 2017, pFERREIRA, Gianmarco; IGREJA, Rebecca. (2017), “Narrativas como metodologia crítica para o estudo das relações raciais no Direito”. Revista de Pesquisa e Educação Jurídica, 3, 1:62–79.. 65).

Entretanto, em um contexto de disputas de narrativas, mais do que defender a priori um ou outro discurso, é sociologicamente profícuo compreender quais elementos cada um desses grupos mobiliza para construir seu argumento. Para tanto, é interessante olhar tais narrativas como quadros interpretativos (frames). Como argumenta Erving Goffman: “em vista da compreensão que eles têm daquilo que está acontecendo, os indivíduos adaptam suas ações a esta compreensão e, em geral, descobrem que o mundo em curso dá sustentação a essa adaptação” (Goffman, 2012, pGOFFMAN, Erving. (2012), Os quadros da experiência social: um perspectiva de análise. Petrópolis, Vozes.. 307). Para Goffman, quadros são os elementos que dão sentido a algo que inicialmente é desprovido de significado e, por isso, indicam a natureza da interação que está se desenrolando e fornece elementos aos atores sobre como se comportar na situação.

Ricardo Mendonça e Paula Simões (2012) identificam diferentes modelos de apropriação do conceito de enquadramento em pesquisas empíricas. A discussão apresentada aqui desenvolve o modelo que analisa o conteúdo discursivo mobilizado pelos interlocutores para compreender o enquadramento subjacente. Aqui as afirmações são um ângulo para acessar o quadro que as orienta, sugerindo interpretações de um dado contexto mesmo quando este não é explícito. Segundo os autores: “ao focalizar os ângulos discursivos e as interpretações apresentadas, a abordagem centrada no conteúdo permite ver como os quadros se manifestam” (Mendonça e Simões, 2012, pMENDONÇA, Ricardo Fabrino; SIMÕES, Paula Guimarães. (2012), “Enquadramento: diferentes operacionalizações analíticas de um conceito”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 27, 79: 187-201.. 196).

Para os propósitos deste texto, os quadros percebidos pelos interlocutores desta pesquisa são expressos em narrativas sobre o seu cotidiano de trabalho, portanto, analisá-los nos permite compreender em que condições percebem que o racismo é real. Assim, a análise de enquadramentos conecta a agência individual e o contexto no qual está o ator, que deve se ajustar ou declaradamente se opor ao que está ocorrendo. Neste último caso, compreender o enquadramento é o que permite agir de modo tido inteligível ao invés de completamente desconectado do que está ocorrendo. Observa-se que para Goffman (2012), oGOFFMAN, Erving. (2012), Os quadros da experiência social: um perspectiva de análise. Petrópolis, Vozes. quadro não deve ser confundido com qualquer coisa que remeta à “estrutura”, pois não haveria quadros a priori, já que há sempre sobreposições de diferentes enquadramentos e cabe ao ator identificar qual destes deve considerar em uma determinada interação. O foco é o modo como os atores compreendem sua própria experiência e agem de acordo com tal compreensão.

As falas dos interlocutores desta pesquisa trazem elementos que ajudam a compreender o contexto das unidades socioeducativas do Degase, o que já foi analisado em muitas outras pesquisas (Silva, 2013SILVA, Marília Márcia Cunha da. (2013), Nos mundos do Departamento Geral de Ações Socioeducativas: adolescentes, agentes e técnicos nos contextos da administração da justiça para a juventude. Tese de doutorado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. ; Hernández, 2018HERNÁNDEZ, Jimena de Garay. (2018), O Adolescente dobrado: cartografia feminista de uma unidade masculina do Sistema Socioeducativo do Rio de Janeiro. Tese de doutorado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. ; Mendes e Julião, 2018MENDES, Claudia Lucia Silva; JULIÃO, Elionaldo. (2018), Trajetórias de vida de jovens em situação de privação de liberdade no Sistema Socioeducativo do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, DEGASE.; Vinuto, 2020VINUTO, Juliana. (2020), “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Autografia.). Mas como já dito, o enquadramento que percebe a existência de racismo nas unidades socioeducativas não é a única forma de enquadramento existente neste contexto. Destacar que há diferentes quadros mobilizados na jornada de trabalho em unidades socioeducativas fluminenses não significa que eles são simétricos ou que influenciam igualmente a jornada de trabalho desses profissionais. Mesmo quando disputam politicamente os conteúdos dos quadros dominantes, os entrevistados entendem que discussões sobre racismo se tornam secundárias, pois a prioridade dos profissionais que atuam em unidades socioeducativas é a minimização de conflitos e o impedimento de fugas (Vinuto, 2020VINUTO, Juliana. (2020), “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Autografia.).

Por isso, é importante destacar que não vejo as afirmações apresentadas neste artigo como mais “reais” do que as defendidas por outros profissionais que negam a existência do racismo. Ao contrário, é ao ver as disputas entre as diferentes “definições de situação” (Goffman, 2012GOFFMAN, Erving. (2012), Os quadros da experiência social: um perspectiva de análise. Petrópolis, Vozes.) que se torna possível compreender como a desigualdade de tratamento entre adolescentes brancos e negros opera cotidianamente. Isso ajuda a entender por que diferentes profissionais do Degase podem ver uma mesma cena e “definir a situação” de formas distintas: enquanto uns veem algo corriqueiro e não digno de atenção, outros podem ver uma prática obviamente racista.

Realizei entrevistas com 18 profissionais, todos negros, sendo 7 homens e 11 mulheres. Também analisei 3 eventos nos quais alguns desses servidores foram convidados como palestrantes. Todas/os já atuaram diretamente com adolescentes que cumpriam medida socioeducativa e suas famílias, ainda que grande parte delas/es (n=12) estivessem em funções de gestão no momento da entrevista. As pessoas entrevistadas/os possuem experiências profissionais, funções e tempo de serviço bastante diversas e, apesar disso, não percebi diferenças significativas no que se refere às manifestações de racismo na instituição em que atuam. Também há em comum o fato de todos os interlocutores terem alguma ligação com o Neab-Degase, um coletivo organizado por profissionais de diversas áreas do Degase e que pauta o debate racial dentro e fora da instituição, oferecendo encontros, cursos e outros eventos sobre as relações entre racismo e socioeducação.

As entrevistas foram de caráter não estruturado, começando sempre com uma pergunta aberta sobre a experiência do/a interlocutor/a com o antirracismo para, no decorrer do diálogo, incluir novos questionamentos. A partir da minha proximidade anterior com o Neab-Degase, iniciei contatos com profissionais que eu já conhecia e fui, a cada encontro, solicitando indicações de outros profissionais que os entrevistados considerassem relevantes para a discussão, realizando uma amostragem não probabilística em bola de neve (Vinuto, 2014VINUTO, Juliana. (2014), “A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto”. Temáticas, 22, 44:201–2018. DOI: https://doi.org/10.20396/tematicas.v22i44.10977.
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). Todas as entrevistas foram gravadas e os nomes aqui apresentados são fictícios a fim de preservar os interlocutores de possíveis represálias. Este material foi analisado com base nos aportes da teoria fundamentada (Strauss e Corbin, 2008STRAUSS, Anselm; CORBIN, Juliet. (2008), Pesquisa qualitativa técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. Porto Alegre, Artmed.) com o auxílio do software Atlas TI, ferramenta útil para organizar e analisar informações não estruturadas decorrentes de métodos qualitativos.

Nas próximas seções discorro sobre os dois principais pontos que emergiram nas entrevistas: o modo como a rotina de um centro de internação é orientado pelo que venho chamando de “suspeição generalizada”, o que justifica uma compreensão socialmente partilhada em que se deve priorizar procedimentos de segurança em detrimento de atividades socioeducativas, e a existência de uma naturalização da seletividade penal racial, que só causa ruídos quando adolescentes brancos chegam nas unidades socioeducativas.

3. Narrativas profissionais sobre a medida socioeducativa de internação

Os interlocutores desta pesquisa não negam a existência de um racismo explícito no cotidiano da medida socioeducativa de internação. Foi comum a descrição de violências que eram acompanhadas de xingamentos de cunho racial, como “negão”, “feijão” ou “pelé”, ou mesmo de xingamentos que vinculam negritude à sujeira e pobreza, como “mendigona” e “sujão”. É importante destacar que nenhum entrevistado elencou espontaneamente xingamentos raciais direcionados a adolescentes brancos. No entanto, não serão esses casos que serão tratados aqui, já que o foco está nas narrativas sobre o racismo cotidiano (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada. (2019), Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. 1a edição, Rio de Janeiro, Editora Cobogó. ), ordinário e despercebido, o que será apresentado a partir de agora.

3.1. “Aqui todo mundo é vagabundo”: a suspeição generalizada

Todos os profissionais entrevistados argumentaram que nas unidades do Degase não se costuma interagir com as/os adolescentes a partir de sua individualidade, mas como se fossem parte de uma massa homogênea ameaçadora. É como se não fosse necessário conhecer suas particularidades, já que todos são vistos como perigosos. Entretanto, os/as entrevistados/as argumentaram que esse tratamento distanciado, displicente ou até violento, contra uma massa de adolescentes negros não é visto como um tratamento racista por grande parte dos profissionais da instituição. Ao contrário, é naturalizado como se fosse prática comum e necessária:

A verdade é o seguinte, ali só tem negro, cara, maioria preto e pardo. Então como não vai ter racismo? Não é que a gente queira que tenha branco, a gente não quer que ninguém vá lá para dentro, mas será que só pretinho ou moreninho ou pardinho é que rouba, que estupra, que mata? (...) Se eu penso que o Degase não tem racismo e continuo tratando mal só quem está lá dentro, eu estou replicando o racismo. Não tem como! (Celso, 2022CELSO. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 04 de abril de 2022, Rio de Janeiro. )

Muitos deles não estariam ali se a gente vivesse numa sociedade menos racista. A realidade dele poderia ter sido muito diferente, mas naturalizamos que eles são bandidos por estarem ali (Julia, 2022JULIA. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 08 de abril de 2022, Rio de Janeiro. ).

Nos trechos mencionados acima, observamos que, independentemente da consciência ou vontade do/a profissional que interage com o adolescente internado, a seletividade penal racial faz com que a medida socioeducativa de internação receba majoritariamente adolescentes negros. Por isso, um atendimento socioeducativo que não seja pautado pela garantia de direitos atingirá, desproporcionalmente, estes adolescentes negros. Assim, segundo os entrevistados, não é possível defender que um tratamento distante, displicente ou agressivo em uma unidade socioeducativa não tenha um componente racial.

Desse modo, tratar o adolescente negro como sujeita/o de direitos é inexoravelmente lutar contra o racismo, já que a regra é um tratamento securitário, entendida como consequência incontornável de se lidar com “bandidos”.

E aí, de uma certa maneira, aqui essa lógica se reproduz, a ideia de que não é com a educação que se vai mudar esse ser humano negro, mas é com a disciplina, porque ele é considerado bandido, simples assim. É com postura dura e, às vezes, entrando em conflito com a própria lei. Essa é uma das maiores contradições do Degase, né? Não só do Degase, mas de qualquer instituição (Antônio, 2022ANTÔNIO. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 01 de fevereiro de 2022, Rio de Janeiro. ).

Se você perguntar para algum agente [de segurança socioeducativa] se tem racismo no Degase, é muito raro ele dizer sim, mesmo que seja sobre ele a pergunta. Eles vão falar: “Não, não, todo mundo aqui é tratado do jeito que merece, é uma questão de mérito, se eu errei eu vou ter que ser castigado mesmo” (Fernanda, 2022FERNANDA. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 11 de maio de 2022, Rio de Janeiro. ).

Em geral, os entrevistados elaboram uma forte conexão entre a representação socialmente partilhada do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa como essencialmente “bandido” e o tratamento destinado ao mesmo pautado na disciplina, ordem e controle. O termo “bandido” pode ser pensado como uma imagem de controle (Collins, 2019COLLINS, Patrícia Hill. (2019), Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. 1a edição, São Paulo, Boitempo. ) que justifica o tratamento focado em procedimentos de segurança, o que serve como justificativa para lhe negar o direito de uma responsabilização educativa: para este adolescente, não há nada além de disciplina, ordem, controle, o que faz as dinâmicas de suspeição generalizada se tornarem inquestionáveis. Neste sentido, se há um longo percurso de estudos brasileiros que complexificam as tensões que produzem aproximações e distanciamentos entre aqueles tidos como “trabalhadores” e aqueles tidos como “bandidos” (Feltran, 2007FELTRAN, Gabriel. (2007), “Trabalhadores e bandidos: categorias de nomeação, significados políticos”. Temáticas, 15, 30:11-50. DOI: https://doi.org/10.20396/tematicas.v15i30.13649.
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; Zaluar, 1985ZALUAR, Alba. (1985), A Máquina e a Revolta: as organizações populares e o significado da pobreza. São Paulo, Brasiliense.), pensar em termos de suspeição generalizada permite compreender as dimensões propriamente racializadas da seletividade estatal em contextos de maioria negra.

Tenho chamado de “suspeição generalizada” a constante sensação de desconfiança de um grupo em um contexto no qual a maior parte das pessoas são negras, o que faz com que estas sejam vistas como ameaça (Vinuto, 2020VINUTO, Juliana. (2020), “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Autografia.). Nessas situações, a suspeição sobre o comportamento de pessoas negras não é delimitada a um ou outro indivíduo ou grupo, mas é, de fato, generalizada: difusa, contínua e ilimitada.

Em outro momento (Vinuto, 2022bVINUTO, Juliana. (2022b) “Suspeição generalizada: entrelaçamentos entre raça e gênero na produção da repressão estatal seletiva”, in F. Rios; L.A. Campos; R.G. Lima. (org.), Raça e Estado. Rio de Janeiro, EdUERJ. ), destaquei que utilizo o termo “suspeição generalizada” com base no trabalho de Sidney Chalhoub (1990)CHALHOUB, Sidney. (1990), Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo, Companhia das Letras. sobre o pós-escravidão. Neste momento, Chalhoub explica que as representações e práticas das elites cariocas com relação aos negros em geral eram baseadas em uma suspeição contínua e indefinida e, desse modo, qualquer grupo de pessoas negras era visto automaticamente como suspeito. Ou seja, não se tratava de uma suspeição pontual decorrente de um dado comportamento, mas se tratava de desconfiança como premissa. Ainda que haja diferenças substanciais entre o contexto pós-escravidão, descrito por Chalhoub, e as unidades do Degase em que eu realizei a pesquisa de campo, os processos de suspeição se assemelham e me ajudaram a compreender algumas dimensões racializadas da produção organizacional e cotidiana da descrença nas possibilidades do adolescente ser, de fato, um “sujeito em situação peculiar de desenvolvimento”.

Foi possível perceber nas unidades socioeducativas do Degase como a suspeição generalizada passa a ser vista como ferramenta preventiva de trabalho que busca controlar virtualidades em contextos de maioria negra, de modo semelhante ao que definiu Michel Foucault (2010)FOUCAULT, Michel. (2010), Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes. sobre instituições disciplinares no contexto europeu do século XIX. Entretanto, não é possível desconsiderar como a experiência de ser um território colonizado por um país europeu específico, Portugal, afetou os modos como as elites brasileiras implementaram os princípios das instituições disciplinares europeias destrinchadas por Foucault. O caráter inquisitorial da justiça portuguesa, marcada fortemente pelas práticas processuais do Tribunal do Santo Ofício Português (Lima, 1999 LIMA, Lana Lage da Gama. (1999), “O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição: o suspeito é o culpado”. Revista de Sociologia e Política, 13, 17-21. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-44781999000200002.
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), afetou os modos de se fazer justiça no Brasil, que a depender da cor e da classe do réu oferecia chances mínimas de defesa, transformando cotidianamente suspeitos em culpados, com base não em técnicas de vigilância, mas na presunção da culpa do acusado. Tal culpabilidade era orientada pela centralidade da confissão e, portanto, da tortura como parte do processo jurídico, além do forte arbítrio individual do inquisidor, o que dificultava o estabelecimento da igualdade de tratamento (Lima, 1999). Há trabalhos que demonstram como a tradição inquisitorial ainda atravessa as dinâmicas da justiça brasileira (Kant de Lima, 2013KANT DE LIMA, Roberto. (2013), “Entre as leis e as normas: éticas corporativas e práticas profissionais na segurança pública e na Justiça Criminal”. Dilemas: Revista De Estudos De Conflito E Controle Social, 6, 4:549-580. ; Garau, 2022GARAU, Marilha. (2022), Silêncio no Tribunal: representações judiciais sobre crimes de tráfico de drogas no Rio de Janeiro e em Málaga na Espanha. Rio de Janeiro, Autografia.).

Somado a isso, como lembra Andrei Koerner (2001)KOERNER, Andrei. (2001), “O impossível panóptico tropical-escravista: práticas prisionais, política e sociedade no Brasil do século XIX”. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 35, 211-224., é necessário levar em conta que, no contexto brasileiro, as demandas de controle social cristalizadas no Código Criminal de 1830 – lei criada no mesmo período analisado por Foucault – também colocavam estratégias punitivas de regeneração individual pelo trabalho, mas em um contexto de escravidão. Neste contexto, grande parte das pessoas punidas não eram consideradas indivíduos, além de haver uma profunda desvalorização do trabalho, entendido como função daqueles que não tinham poder. Aqui o trabalho não foi visto como uma forma de regeneração, mas como parte da própria punição. Para Koerner, tanto na Europa quanto no Brasil, a punição estatal baseada na privação de liberdade se inicia com o objetivo de docilizar corpos, mas em sentidos distintos e mobilizando diferentes instrumentos:

Na sociedade disciplinar, os corpos dóceis devem ser produtivos segundo a norma social e as necessidades de sua produtividade e utilidade sociais. Os instrumentos usados são o adestramento, a repetição, a correção e o controle contínuo dos comportamentos.

Na sociedade escravista, a violência privada é uma das formas de castigo e o exercício privado dos suplícios faz parte do regime de visibilidade desta. As práticas de controle social procuravam imobilizar esses indivíduos em esquemas de dominação pessoal que se expressavam no modelo da família estendida (Koerner, 2001, pKOERNER, Andrei. (2001), “O impossível panóptico tropical-escravista: práticas prisionais, política e sociedade no Brasil do século XIX”. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 35, 211-224.. 216).

As motivações iniciais da privação de liberdade como método de controle social no Brasil são afetadas pelo colonialismo português e pela escravidão, que, por sua vez, têm impactos em instituições punitivas contemporâneas, como é o caso das unidades socioeducativas, definidas como instituições híbridas de interface com a prisão (Vinuto e Franco, 2019VINUTO, Juliana; FRANCO, Túlio Maia. (2019) ““Porque isso aqui, queira ou não, é uma cadeia”: as instituições híbridas de interface com a prisão”. Mediações-Revista de Ciências Sociais, 24, 2:265-277. DOI: 10.5433/2176-6665.2019v24n2p250.
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). Nesse sentido, a suspeição generalizada em um contexto contemporâneo específico – unidades socioeducativas – se orienta por procedimentos de vigilância em que o critério racial é central, mas invisibilizado pela centralidade em que a inevitabilidade dos procedimentos de segurança é tida como autoevidente.

Destaca-se que, também segundo os entrevistados, essa suspeição generalizada não atinge apenas os adolescentes internados, mas também os/as servidores/as negros/as. Além da constatação de que a maioria dos/as funcionários/as do Degase é negra – exceto nos espaços de chefia, o que não é visto como mera coincidência –, também se falou sobre casos em que servidores, principalmente as mulheres negras, foram confundidas com mães de adolescentes, por vezes sendo tratadas rispidamente até indicarem o “mal entendido”. Também houve discussões sobre a fragilidade vivida em casos de acusações contra servidores.

E a ponta mais fragilizada do Degase para mim são os agentes [de segurança socioeducativa]. A gente tem essa preocupação muito forte com os adolescentes, temos que ter (...), mas aí vem também toda uma série de violências cometidas com os agentes, e os colegas estão adoecidos... O que eu tenho de colega que está tomando automedicação para conseguir vir trabalhar, ou colegas com problema de alcoolismo (...), a gente tem uma série de relatos de doenças que a gente sabe que tem a ver com a pressão do trabalho (Fernanda, 2022FERNANDA. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 11 de maio de 2022, Rio de Janeiro. ).

E esse racismo que a instituição comete contra o adolescente perpassa também nossos corpos racializados. (...) Então assim, não é o mesmo racismo, mas a mesma lógica racista que existe no pátio, com o adolescente, perpassa pelo meu corpo. A instituição se refere, trata meu corpo, da mesma forma. É preciso eu entender, até por uma estratégia de sobrevivência, como que esse racismo aparece para mim. Isso ajuda a entender que a instituição me coloca sempre sob o estado da suspeição. Eu sou sempre suspeito (Ricardo, 2022RICARDO. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 26 de maio de 2022, Rio de Janeiro. ).

Aqui os entrevistados fazem duas conexões entre adolescentes internados e servidores: o modo como a precariedade institucional singular à privação de liberdade afeta ambos os grupos e o modo como a instituição vê tanto um quanto outro a partir da lógica da suspeição. Para todos os entrevistados, isso ocorre porque os dois grupos são formados em sua maioria por negros, ainda que o racismo atinja ambos de modos específicos.

Sobre as semelhanças entre adolescentes internados e servidores, o segundo excerto destaca de modo declarado um contexto de suspeição generalizada, sobretudo no que se refere às recorrentes acusações de violência contra adolescentes, momentos em que a instituição costuma individualizar a culpa e, assim, não arcar com sua responsabilidade na produção de um ambiente organizacional orientado pela agressividade. Para os entrevistados, não é casual a possibilidade de reprimir individualmente servidores acusados de violência: é porque a grande maioria desses acusados são negros.2 2 Sobre os efeitos da “lógica da maçã podre” em unidades socioeducativas do Rio de Janeiro, ver Vinuto (2020).

Apesar de meus interlocutores afirmarem ser inegável que a maior parte dos servidores do Degase seja negra, também argumentam que nem todos esses profissionais se autodeclaram negros. Algumas explicações foram construídas para explicar esse desencaixe, como o ideal de branqueamento ou o próprio sofrimento em se assumir negro em um mundo que desvaloriza a negritude. Por isso os entrevistados ressaltam que parte dos profissionais do Degase negaria – conscientemente ou não – sua própria negritude, o que produziria um afastamento com relação ao adolescente.

É negro querendo fuzilar o outro, cara. E talvez não more mais em comunidade, mas já morou em comunidade, como eu, mas o cara não tem consciência racial, o cara não entende que aquele ali poderia ser o filho dele, um primo dele, um sobrinho dele, está entendendo? (Celso, 2022CELSO. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 04 de abril de 2022, Rio de Janeiro. ).

De tempos em tempos você vê algum servidor negro falando: “eu aprendi desde pequeno a ter sempre o cabelo raspado, não usar bermuda, não usar chinelo na rua, então se a polícia me ver, ela não vai me parar”. É muito dolorido perceber que você passou a vida toda se armando contra o racismo e mesmo assim isso não te protegeu. Acho que por isso muitos servidores do Degase não falam sobre racismo ou negam que existe racismo (Luana, 2022LUANA. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 19 de maio de 2022, Rio de Janeiro. ).

A negação da própria negritude é vista como um processo que interdita a criação de vínculo e de empatia dos servidores com a trajetória pessoal do adolescente. Por isso o ativismo interno ao Degase foi constantemente definido como um modo de sublinhar os vínculos existentes – sobretudo os raciais – entre servidores e adolescentes.

O que eu escuto aqui das mães falando como elas chegam na delegacia, que elas não são ouvidas, que chamam elas de mãe de bandido, e as ofensas... E todas elas são pretas. E não é um acaso, não é uma coincidência, é uma forma de tratar mulheres pretas, que essa sociedade entendeu como normal. E isso é doloroso para mim, eu entendo porque eu me coloco no lugar delas. Eu tenho dois filhos adolescentes, então eu sei que pode acontecer da minha filha sair da escola com alguma amiga que esteja com droga e ser pega numa blitz... Sei que vai sobrar para ela (Gisele, 2022GISELE. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 31 de março de 2022, Rio de Janeiro. ).

Certa vez eu estava conversando com uma socioeducanda no pátio, e ela contava o quanto ela ganhava por semana na atividade de prostituição. E estávamos eu e uma amiga branca e loira (...). E de repente ela falou assim: “tia, se você quiser eu consigo uma coisa para você lá, lá você ganha esse seu salário do mês em uma semana”. Aí a colega, muito brincalhona, falou assim: “ah, eu também quero”. E a adolescente falou: “mas lá não é lugar para você não, né tia”. E eu falei: “e por que é lugar para mim?”. E ela: “ué, é lugar para mim e para você, mas para ela, não, né?”. Como se eu também tivesse que rapidamente compreender o que estava configurado ali, que era uma situação de racismo. E aí eu falei para ela: “mas menina, nosso lugar é onde a gente escolhe estar. Nós estamos aqui trabalhando na socioeducação porque escolhemos estar aqui (...). E você pode fazer outras escolhas também” (Rosângela, 2022ROSÂNGELA. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 02 de maio de 2022, Rio de Janeiro. ).

Alguns entrevistados comentaram que já tiveram familiares ou conhecidos que foram internados no Degase; outros, que tinham medo de encontrar seus próprios filhos ou parentes em sua jornada de trabalho. Outros ainda, tanto dentro quanto fora do Degase viveram circunstâncias em que foram assemelhados aos adolescentes e/ou às suas famílias. E a reação desses profissionais é, além de elaborar críticas à seletividade penal racial que atinge os adolescentes (Theodoro et al., 2023THEODORO, Renan; PICCIRILLO, Débora; GOMES, Aline. (2023), A experiência precoce e racializada com a polícia: contatos de adolescentes com as abordagens, o uso abusivo da força e a violência policial no município de São Paulo (2016 – 2019). São Paulo, FFLCH: NEV. ), a de se posicionar politicamente em prol da criação de vínculos afetivos com os adolescentes internados.

É que a minha presença no espaço qualifica o espaço. Não digo que eu estou mudando qualquer estrutura, mas minha presença evita determinadas ações. Eu comecei a perceber no pátio mesmo, quando comecei, que a postura dos colegas de lidar com as situações era outra quando eu estava por perto. Inclusive o diretor. Já vivi casos na [nome da unidade] em que o diretor teve que ser ríspido com o adolescente, porque o adolescente não queria mesmo ir para a aula, mas aí o diretor começou a gritar e depois que ele acabou de falar... Ele não bateu no adolescente, nem nada, mas ele veio pedir desculpa para mim. Não foi para o adolescente, foi para mim (Ricardo, 2022RICARDO. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 26 de maio de 2022, Rio de Janeiro. ).

Eu e mais duas mulheres negras começamos a problematizar isso dentro da equipe: o que é o samba do crioulo doido? E começamos a questionar determinados termos e falas que eram comuns ali no nosso meio e que estavam diretamente relacionados com uma perspectiva racista. E muitas das vezes as pessoas nem se davam conta e isso foi muito interessante. Algumas aceitavam mais, com mais facilidade e entendiam isso, e outras pessoas com muita resistência em entender isso como racismo. Mas a gente foi discutindo isso e com o tempo foi diminuindo essas frases racistas dentro da equipe, até pelo menos na minha presença ou na presença dessa outra colega, seguravam e não falavam (Julia, 2022JULIA. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 08 de abril de 2022, Rio de Janeiro. ).

De diferentes formas, os profissionais entrevistados ressaltam que a centralidade de procedimentos de segurança na medida socioeducativa de internação é um indício de racismo e nada tem de inevitável, pois a negação de direitos, a falta de interesse em criar vínculos ou mesmo a punição exemplar seriam mais facilmente direcionadas a corpos negros. Outro elemento trazido pelos entrevistados é a naturalização do encarceramento de adolescentes negros, o que é explicitado quando adolescentes brancos chegam em um centro de internação, o que torna evidente que a suspeição não se generaliza para os corpos brancos.

3.2. “Esse lugar não é para você”: quando o branco não é a norma

Todos os entrevistados narraram episódios que exemplificam como grande parte dos adolescentes brancos recebem um tratamento diferenciado, mesmo quando pobres ou responsabilizados por um ato infracional grave. Isso ocorreria de diversas formas, desde dar mais credibilidade à sua narrativa até disponibilizar espaços não convencionais para servir de alojamento a fim de “protegê-los” dos demais adolescentes. O principal elemento que demonstraria a naturalização com que é vista a internação do adolescente negro é justamente a surpresa com que é recebido o adolescente branco nas unidades socioeducativas, o que causaria questionamentos sobre os reais motivos que levaram aquele adolescente até ali.

Mas eu acho que a principal fala que sempre me incomodou foi essa: “Fulano não tinha que estar aqui, aqui não é lugar para esse menino e aí ele vai se misturar com os outros”. Quem são os outros? O que define esse outros? E é uma fala que se repete muito, e que você escuta não só no Degase, você escuta de juiz, de defensor, de promotor, de policial, de delegado... Tem um perfil de adolescente que nem vem para o Degase, posso te garantir, assim, que de 200 adolescentes brancos que cometem ato infracional, vão chegar aqui três ou quatro, porque a mãe e o pai não conseguiram um advogado na hora que tinha que conseguir. Porque se conseguissem o garoto não estaria aqui (Fernanda, 2022FERNANDA. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 11 de maio de 2022, Rio de Janeiro. ).

O corpo branco não é só o elemento surpresa como é o corpo que é tido como dócil, com o qual é preciso ser resiliente, complacente, sabe? É o adolescente que causa piedade e dó da instituição, que é possível de se regenerar. Então assim, não é raro que esse adolescente cumpra sua medida socioeducativa muito mais rápido, às vezes com o mesmo ato infracional dos outros (Ricardo, 2022RICARDO. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 26 de maio de 2022, Rio de Janeiro. ).

Grande parte dos entrevistados que narraram a surpresa com que o adolescente branco costuma ser recebido na rotina dos centros de internação afirmam que, como reação, costumam fazer perguntas como “mas por que essa adolescente não deveria estar aqui?”; ou “por que os demais adolescentes deveriam estar aqui então?”. Esse tipo de questionamento causa ruído na interação, obrigando seus interlocutores a pensar mais detidamente sobre o tema, o que resulta na mobilização de argumentos como “a família deste adolescente é estruturada” ou “ele já tem o ensino médio”. Mas o que os entrevistados destacam é que raramente esse tipo de surpresa é demostrada frente a adolescentes negros, mesmo quando são oriundos de famílias com formatos tradicionais e boas condições econômicas ou quando não têm distorção idade-série.

Outro ponto que merece destaque é a percepção dos entrevistados de que adolescentes brancos, sobretudo os de classe média, são menos dependentes dos serviços oferecidos durante a medida socioeducativa, o que ajudaria a compreender a comoção com que estes são recebidos na unidade:

Eu não conseguia perceber diferença de tratamento, era uma massa homogênea de toda uma população racializada. Porque o branco de olhos azuis na unidade você sabe quem é, porque vão ser no máximo dois, três, não passa disso. O normal é a confluência de racializados, o não branco, que vai desde o nordestino, baiano e outros estigmas, até o negro, tudo racializado. Não tinha uma distinção. Tinha a distinção do branco, de quem era branco, branco mesmo. E esses brancos tinham as melhores redes de apoio, de serviços... É o cara tido como aquele que tem uma família estruturada, muitas vezes tinha advogado, ou sabe circular, sabe acionar, sabe fazer... É uma outra socialização, uma outra história. Não tem a dependência da unidade para tirar RG, para ter uma escova de dente, um chinelo... Isso não é uma questão para ele (Ricardo, 2022RICARDO. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 26 de maio de 2022, Rio de Janeiro. ).

Quando eu entrei em [Ano], eu ouvia muitas pessoas falando assim: “nossa, mas esse menino [branco] nem tinha que estar aqui”, “pelo amor de Deus, ele tem uma família que educa não sei o quê, não era nem para estar aqui.” Eu ouvia muito isso de diversos setores, inclusive da equipe técnica e direção, como se o menino que não fosse dar trabalho não precisasse cumprir medida (Fernanda, 2022FERNANDA. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 11 de maio de 2022, Rio de Janeiro. ).

Interessante notar que, para os entrevistados, parte dos próprios adolescentes brancos percebem seus privilégios raciais: não “ter cara de bandida” nem ser visado pela polícia são benesses que adolescentes negros não costumam acessar (Schlittler, 2020SCHLITTLER, Maria Carolina. (2020), “Matar muito, prender mal”: desigualdade racial como efeito do policiamento ostensivo militarizado em SP. Rio de Janeiro, Autografia.).

E nesse dia elas estavam conduzindo o trabalho e em dado momento elas falavam sobre seguir outros rumos, sobre sonhar e ter planos, e essa adolescente [branca], num dado momento, ela falou assim: “pois é, não vou voltar para cá porque na verdade eu nem deveria estar aqui. Isso aqui nem é lugar para mim, nem tenho cara de bandida. Tia, olha para mim, vê se tenho cara de bandida?! Eu não tenho cara de bandida!” (Dolores, 2022DOLORES. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 01 de julho de 2022, Rio de Janeiro. ).

Um adolescente branco, de pele mais clara, e ele contando da consciência que ele tem da passabilidade dele perante a polícia. Ele falou que roubava na zona sul, mas que não trajava os aspectos relacionados à juventude negra, não usava cabelo com luzes, não botava cordão de ouro, não usava nada que o aproximasse do jovem de favela. E aí ele falou que fazendo isso nunca tinha sido parado pela polícia. E ele falou que foi preso porque estava com outro jovem negro e foi parado pela polícia porque estava com esse amigo. E é impressionante o quanto você vê essa consciência racial nos adolescentes em geral: “a polícia só para a gente porque a gente é negro”. A gente vê essa verbalização do racismo feita pelos próprios meninos (Anita, 2022ANITA. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 19 de maio de 2022, Rio de Janeiro. ).

Até aqui vemos que, segundo os entrevistados, o modo como o adolescente branco é lido durante sua jornada na medida socioeducativa de internação produz um tratamento diferenciado. Em um espaço de negação constante de direitos em prol da segurança e do controle, o adolescente branco viveria o privilégio relativo de ser visto como alguém que pode se distanciar do “mundo do crime” (Feltran, 2008FELTRAN, Gabriel. (2008), Fronteiras de tensão: um estudo sobre política e violência nas periferias de São Paulo. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. ), pelo qual vale a pena ter esperança, o que ocorre mesmo que ele não faça esforço algum. Isso não significa negligenciar o fato de que esse adolescente está encarcerado e sofre as consequências inerentes deste contexto, mas permite destacar que a privação de liberdade tem efeitos diversos a depender de quem está privado de liberdade. Mas tal tratamento diferenciado é racialmente cifrado, de modo que nem sempre é percebido por aqueles que o realizam: se produz desigualdades de tratamento entre adolescentes brancos e negros, mas não há responsáveis pela dedicação diferenciada dada aos mesmos, já que ninguém se percebe como o causador de tal diferenciação.

É importante analisar também a heteroidentificação racial tão contundente dos entrevistados sobre o adolescente branco, dada a fluidez e inconsistência com que é feita a classificação racial no Brasil (Guimarães, 2003GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. (2003), “Como trabalhar com “raça” em sociologia”. Educação e Pesquisa, 29, 1:93–107. DOI: https://doi.org/10.1590/S1517-97022003000100008.
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; Telles, 2003TELLES, Edward Eric. (2003), Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica. Rio de Janeiro, Relume Dumará.). Vale lembrar que para lidar com tal complexidade, desde 1960 o movimento negro tem defendido que pretos e pardos comunguem uma identidade racial comum, a de negro, já que ambos os grupos sofreriam discriminações de caráter racial, ainda que de modo diferenciado. O agrupamento estatístico de pretos e pardos sob a categoria “negro” também tem sido cada vez mais adotado devido ao fato de que, em termos estatísticos, os dois grupos estão próximos entre si e bastante distantes dos índices relacionados aos “brancos” no que se refere a diversos tópicos, como renda, desemprego, acesso ao ensino superior, dentre outros.

Entretanto, orientado pela lógica do colorismo, há o argumento de que pessoas pardas podem ser tratadas como brancas a depender do contexto. Com base nisso, me interessa compreender em que medida poderia haver “passabilidade”, ou seja, proximidades no tratamento dispensado a adolescentes brancos e pardos em um contexto específico: uma instituição privativa de liberdade marcada pela seletividade racial-penal. Sobre isso, os profissionais entrevistados destacam:

A maioria hoje da garotada do Degase é parda. Tem até alguns alojamentos em que você encontra meio a meio, com muita dificuldade você encontra um alojamento que tem mais retintos, pretos mesmo, do que pardo. Mas difícil mesmo é você encontrar um loirinho de olhos azuis (Kleber, 2022KLEBER. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 19 de janeiro de 2022, Rio de Janeiro. ).

Quem diz para nós quem é negro e quem não é, é a sociedade. Não é autodeclaração, é a sociedade que está dizendo, todo dia, quem é negro e quem não é. O adolescente pardo não é negro até aparecer aquele branquinho de olhos claros que todo mundo diz: “meu Deus, o que é que você está fazendo aqui?!”. Porque aí quando aparece, o adolescente pardo virou negro, assim, estalando o dedo. Esse adolescente branco é o estalar de dedos onde o pardo vira o preto. Onde o pardo vira o “tiziu” porque a invisibilidade dele vai ser total, ninguém vai optar por ele, vão optar pelo branco (Dolores, 2022DOLORES. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 01 de julho de 2022, Rio de Janeiro. ).

Há um consenso entre os profissionais mais antigos no Degase de que houve uma mudança no perfil racial dos adolescentes internados, pois no início de suas carreiras havia a presença majoritária de adolescentes pretos e atualmente a maioria dos adolescentes são pardos. Mas os entrevistados sempre veem a necessidade de destacar que, acima de tudo, a anormalidade com que é encarada a presença do adolescente branco explicita a normalidade com que é vista a presença do adolescente negro nas unidades socioeducativas do Degase.

Se a classificação racial se refere a um enquadramento estético local e relacional que varia local e temporalmente (Osório, 2004OSÓRIO, Rafael. (2004), “O sistema classificatório de “cor ou ra a” do IBGE”, in J. Bernardino; D. Galdino. (org.), Levando a raça a sério: ação afirmativa e universidade. Rio de Janeiro, DP&A Editora.), é necessário compreender em que medida instituições de segurança e controle contribuem para racializar seu público-alvo. Aqui é interessante retomar a pesquisa que Jalusa Arruda (2020)ARRUDA, Jalusa. (2020), Nos versos me seguro: uma etnografia documental da trajetória de meninas na medida socioeducativa de internação. Tese de doutorado, Universidade Federal da Bahia, Salvador. realizou em uma CASE (Comunidade de Atendimento Socioeducativo) feminina em Salvador. A autora interpelou algumas profissionais sobre as informações de raça/cor que constavam nos documentos institucionais. Nestes momentos de questionamento, percebeu a dificuldade enfrentada pelas mesmas para definir a racialidade das adolescentes em questão. Nesses momentos, houve a tendência em mobilizar mais a classificação negra do que a branca, mesmo quando isso implicava discordar das informações que constavam nos documentos oficiais. Em outro momento, em coautoria com Otto Figueiredo, a autora afirma:

mas o que se pôde observar em todos os casos em que dúvidas foram suscitadas à pesquisadora no momento da coleta de dados, é que a tendência foi pelo enegrecimento. Havendo dúvidas, as meninas que estavam na fronteira do branco com o pardo foram classificadas na segunda opção (Arruda e Figueiredo, 2020, pARRUDA, Jalusa; FIGUEIREDO, Otto Vinicius Agra. (2020) “Classificação racial numa comunidade de atendimento socioeducativo: reflexões sobre negritude, mestiçagem e branquitude”. Argumentum, 12, 3:195–210. DOI: 10.47456/argumentum.v12i3.31049.
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. 202).

Os autores sugerem duas hipóteses para explicar tal processo de “enegrecimento” das adolescentes internadas: 1) a existência de um reconhecimento positivo da negritude, já que considerar as adolescentes pardas ao invés de brancas é uma forma de estimulá-las em processo de consciência identitária negra; e 2) a existência de uma interpretação racista na qual enegrecer as adolescentes seria uma forma de negar a presença branca na unidade. Com base nas entrevistas realizadas com servidores do Degase, arrisco dizer que a segunda hipótese parece mais plausível no contexto fluminense, já que meus interlocutores afirmam que o reconhecimento positivo da negritude é residual, feito por poucos profissionais. E, institucionalmente, a rara presença do adolescente branco reforça a negritude do pardo. Assim, em uma instituição privativa de liberdade, o pressuposto é que todos ali devem ser tratados como igualmente subordinados, mesmo os negros que tenham a pele mais clara.

4. Medida socioeducativa de internação como “lugar de negro”

As narrativas individuais expostas aqui, tomadas em conjunto, ajudam a perceber como, para os profissionais entrevistados, a privação de liberdade é naturalizada na rotina ordinária da instituição como um lugar destinado a adolescentes negros. A normalidade da presença negra na medida socioeducativa de internação é explicitada no caráter de notória exceção destinado ao adolescente branco, que ocupa um lugar fora da norma em um centro de internação: ele raramente está lá e, quando está, é a exceção que confirma a regra.

Se levarmos as afirmações dos entrevistados a sério, é possível pensar que é por se tratar de adolescentes negros que a centralidade dos procedimentos de segurança nas unidades socioeducativas é tida como óbvia, revelando-se como quadro hegemônico a partir do qual os atores olham ao redor e atribuem sentido ao que está acontecendo, demonstrando uma relação de mútua influência entre contexto, percepção de mundo e práticas.

Os entrevistados desta pesquisa salientam que a prioridade por procedimentos de segurança se legitima porque unidades socioeducativas são, na prática, “lugares de negro”. Lélia Gonzalez (2022)GONZALEZ, Lelia. (2022), “O movimento negro na última década”, in L. Gonzalez; C. Hasenbalg. (org.), Lugar de negro. Rio de Janeiro, Zahar. cunhou tal expressão para destrinchar o modo como o racismo estabelece lugares sociais – físicos e simbólicos – específicos a brancos e negros. Um exemplo disto é o modo como se naturaliza o fato de que a maior parte das pessoas mortas pela polícia são negras (Rede de Observatórios de Segurança, 2020REDE DE OBSERVATÓRIOS DE SEGURANÇA. (2020), “A cor da violência policial: a bala não erra o alvo”. CESEC - Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, Rio de Janeiro. Disponível em: http://observatorioseguranca.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2020/12/Novo-Relatorio_A-cor-da-violencia-policial_a-bala-nao-erra-o-alvo.pdf, consultado em 16/09/2022.
http://observatorioseguranca.com.br/word...
) ou que a maioria das pessoas em situação de miséria são negras (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. (2019), “Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil”. Estudos e pesquisas. Informação demográfica e socioeconômica, 41, Brasília. Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf, consultado em 08/01/2024.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
), não causando mal-estar algum.

Para fundamentar sua análise sobre o “lugar de negro”, Gonzalez parte de um diálogo com o filósofo Aristóteles, mais especificamente com sua teoria do “lugar natural”, que define que cada corpo sensível tem, por natureza, um lugar próprio no mundo. Gonzalez racializa esse debate para pensar processos sociais de naturalização que transformam a subalternidade das pessoas negras em algo que não causa perplexidade:

Desde a época colonial aos dias de hoje, a gente saca a existência de uma evidente separação quanto ao espaço físico ocupado por dominantes e dominados. O lugar natural do grupo branco dominante são as moradias amplas, espaçosas, situada nos mais belos recantos da cidade ou do campo e devidamente protegidas por diferentes tipos de policiamento, desde os antigos feitores, capitães do mato, capangas etc., até a polícia formalmente constituída. Desde a casa-grande e do sobrado, até os belos edifícios e residências atuais, o critério tem sido sempre o mesmo. Já o lugar natural do negro é o oposto, evidentemente. Da senzala às favelas, cortiços, porões, invasões, alagados e conjuntos “habitacionais” (cujos modelos são os guetos dos países desenvolvidos) dos dias de hoje, o critério também tem sido simetricamente o mesmo: a divisão racial do espaço (Gonzalez, 2022, pGONZALEZ, Lelia. (2022), “O movimento negro na última década”, in L. Gonzalez; C. Hasenbalg. (org.), Lugar de negro. Rio de Janeiro, Zahar.. 21–22).

Para a autora, existe uma divisão racial do espaço que não foi imposta pelo Estado, tal como a segregação que ocorreu nos Estados Unidos durante o período Jim Crow. Ao contrário, a divisão racial no Brasil ocorreu sem alarde, naturalizado, construída por um imbricamento entre classe e raça que faz com que bairros ricos sejam ocupados majoritariamente por pessoas brancas e, ao contrário, territórios empobrecidos, como favelas e periferias, têm como moradores sobretudo pessoas negras (França, 2017FRANÇA, Danilo. (2017), Segregação Racial em São Paulo: Residências, redes pessoais e trajetórias urbanas de negros e brancos no século XXI. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo. DOI:https://doi.org/10.11606/T.8.2018.tde-07022018-130452.
https://doi.org/10.11606/T.8.2018.tde-07...
). Não à toa, a atuação do Estado ocorre de modo diferenciado a depender do território (Farias, 2020FARIAS, Juliana. (2020), Governo de mortes: uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro. 1a edição, Rio de Janeiro, Papéis Selvagens Edições. ), já que os Lugares de Negro são historicamente marcados pela repressão seletiva, afinal, “qualquer aglomeração de negros sempre é encarada como caso de polícia” (Gonzalez, 2022, pGONZALEZ, Lelia. (2022), “O movimento negro na última década”, in L. Gonzalez; C. Hasenbalg. (org.), Lugar de negro. Rio de Janeiro, Zahar.. 30).

Gonzalez defende que em territórios de classe média e alta há uma atuação policial cujo objetivo é garantir a segurança a seus moradores, o que não ocorre em Lugares de Negro: “além disso, aqui também se tem a presença policial, só que não é para proteger, mas para reprimir, violentar e amedrontar. É por aí que se entende que o outro lugar natural do negro sejam as prisões e os hospícios” (Gonzalez, 2022, pGONZALEZ, Lelia. (2022), “O movimento negro na última década”, in L. Gonzalez; C. Hasenbalg. (org.), Lugar de negro. Rio de Janeiro, Zahar.. 22). Esta definição pode ser estendida a unidades socioeducativas privativas de liberdade, já que também almejam reprimir determinados grupos – ainda que a linguagem legal se paute pela responsabilização educativa, em detrimento do termo “pena”.

Se concordarmos com Gonzalez que há tal divisão racial do espaço e que esta tem efeitos no modo como a seletividade penal é produzida no Brasil, isso explicaria a razão de haver mais adolescentes negros nas unidades socioeducativas do Degase. Porém, como os interlocutores aqui mencionados indicam, a questão não se restringe à quantidade de pessoas negras em um dado espaço, mas ao que isso produz em termos de relações sociais: ao reforçar o “lugar apropriado” para negros e brancos, as unidades socioeducativas do Rio de Janeiro assumem o racismo como norma que, por sua vez, grande parte de seus profissionais se orientam por uma suspeição generalizada que legitima a segurança como enquadramento interpretativo incontornável dentro dos muros do Degase.

Mas é equivocado dizer que, para os entrevistados, o Degase apenas reproduz o racismo existente na sociedade, pois também produz novos processos de racialização. Internamente à instituição, há novas formas de compartimentar os lugares existentes, produzindo lugares apropriados aos adolescentes negros e brancos: ao adolescente branco é razoável questionar as condições de possibilidade que o levaram até ali; ao adolescente negro, resta a indiferença. Desse modo, a rotina das unidades, ao priorizar procedimentos de segurança em detrimento de atividades educativas (Silva, 2013SILVA, Marília Márcia Cunha da. (2013), Nos mundos do Departamento Geral de Ações Socioeducativas: adolescentes, agentes e técnicos nos contextos da administração da justiça para a juventude. Tese de doutorado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. ; Vinuto, 2020VINUTO, Juliana. (2020), “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Autografia.), também reforça a ideia de que a medida socioeducativa é um “Lugar de Negro”, regulando as aspirações sociais dos adolescentes internados.

Em resumo, para os entrevistados, o enquadramento interpretativo da segurança assume, tacitamente, que os centros de internação do Rio de Janeiro são “lugares de negro”, e é isso que torna a suspeição generalizada incontornável e até coercitiva, constrangendo as interpretações individuais sobre o que, de fato, deve ser uma medida socioeducativa. E é importante ressaltar que essa dinâmica é naturalizada. Sigo com Lia Schucman: “uso a palavra naturalizada pois nos remete a algo da natureza: assim, como uma arvore nasce na floresta e ninguém questiona o porquê, os negros aparecem nestes depoimentos como se o lugar social da pobreza fosse naturalmente deles” (Schucman, 2012, pSCHUCMAN, Lia. (2012), Entre o encardido, o branco e o branquíssimo: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude paulistana. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo. . 98). E eu acrescentaria: como se o lugar social da privação de liberdade também fosse naturalmente deles.

O caráter cifrado deste racismo, pautado pela naturalização da negação de direitos a adolescentes negros, abre espaço para o argumento de que não há racismo algum no Degase. Vemos, então, um racismo denegado. Nos termos de Lélia Gonzalez (2020), oGONZALEZ, Lélia. (2020), “Racismo e sexismo na cultura brasileira”, in F. Rios; M. Lima. (org.), Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro, Zahar. racismo por denegação é uma “neurose cultural brasileira” na qual se nega a subordinação da população negra e, no mesmo movimento, se produz práticas e saberes estereotipados sobre os negros. Por isso o racismo por denegação se ampara no não-dito, nas entrelinhas, sendo facilmente silenciado mesmo quando é elemento central nas tomadas de decisão e nas práticas dos atores em um dado contexto (Vinuto, 2022aVINUTO, Juliana. (2022a), “Contribuições de Lélia Gonzalez aos estudos sociológicos sobre controle social e punição no Brasil”. Civitas: revista de Ciências Sociais, 22, e40428. DOI: https://doi.org/10.15448/1984-7289.2022.1.40428.
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2022....
). Mas, para Anne Rawls e Waverly Duck, o racismo tácito é mais perigoso do que o racismo explícito: “o racismo tácito é prejudicial não apenas porque cria e sustenta a desigualdade, mas também porque seu caráter oculto sustenta a falsa crença que estamos indo muito bem sem igualdade3 3 Tradução minha. (Rawls e Duck, 2020, pRAWLS, Anne Warfield; DUCK, Waverly. (2020) Tacit racism. Chicago, London: The University of Chicago Press.. 19).

Analisar a prioridade pela segurança nos centros de internação do Degase em termos de enquadramentos interpretativos nos ajuda a ir além da preocupação com a ação individual ou com vieses implícitos (implicit bias) mobilizados por indivíduos durante sua jornada de trabalho. Ao contrário, permite analisar o que há no contexto organizacional do Degase, que permite a naturalidade com que é visto o encarceramento desproporcional de adolescentes negros. O foco não está nos profissionais, vistos individualmente, mas em como a instituição se organiza de modo racializado.

Instituições de privação de liberdade jamais serão estáticas e os interlocutores desta pesquisa argumentam que lutam para produzir um novo compartilhamento de sentidos e de afetividades que permita a desnaturalização do lugar subordinado no qual o adolescente negro é colocado. Tais profissionais seguem disputando o enquadramento interpretativo que parte da premissa que a suspeição generalizada é um processo inescapável. Esses profissionais racializam o silêncio sobre a seletividade penal racial, além de resistir à naturalização com que é encarada a prioridade destinada aos procedimentos de segurança em detrimento das atividades socioeducativas nos centros de internação do Rio de Janeiro. Isto permite relembrar que o “lugar de negro” também pode ser disputado pelo protagonismo político (Lima, 2022LIMA, Márcia. (2022), “Apresentação”, in L. Gonzalez; C. Hasenbalg. (org.), Lugar de Negro. Rio de Janeiro, Zahar.).

5. Considerações finais

Este artigo almejou demonstrar em que medida a prioridade por procedimentos de segurança em unidades socioeducativas do Rio de Janeiro pode ser pensada como um racismo codificado e, portanto, facilmente denegado, já que parte da premissa de que a medida socioeducativa de internação é um “lugar de negro”. Para tanto, apresenta a perspectiva de profissionais vinculados ao NEAB-Degase, um coletivo de profissionais que, além de atuar ou já ter atuado em unidades privativas de liberdade, se esforça por aliar teoria e prática na luta contra o racismo em suas próprias jornadas de trabalho. Aqui vemos tanto a mobilização coletiva em prol da garantia de direitos dos adolescentes, quanto as barreiras enfrentadas por aqueles contrários à centralidade da manutenção da ordem em detrimento da centralidade de processos educativos. Tais narrativas descrevem processos de suspeição generalizada que baseiam a premissa de que procedimentos de segurança devem ser a prioridade em unidades socioeducativas, além de processos de naturalização da privação da liberdade de adolescentes negros.

Defendo que é necessário construir um campo de pesquisa mais robusto no qual seja possível analisar as desigualdades raciais em contextos de profunda naturalização da subalternidade negra, como é o caso do encarceramento. É muito comum que pesquisadores interessados em estudar violência, criminalidade ou punição, se limitem a mencionar a seletividade penal racial, mas sem tirar nada além da constatação (Sinhoretto, 2021SINHORETTO, Jacqueline. (2021), Policiamento ostensivo e relações raciais: estudo comparado sobre formas contemporâneas de controle do crime. Rio de Janeiro, Autografia.). Tal menção tem servido a um uso no qual todo mundo sabe que há relações entre violência de Estado e racismo, mas ninguém tem nada a dizer sobre como isso ocorre concretamente nas relações sociais daqueles envolvidos na implementação do controle social estatal. Não creio que isso baste.

Espero que este texto contribua com o aprimoramento das discussões metodológicas e teóricas que almejem compreender de que forma a violência estatal contra a população negra se mostra cotidianamente razoável para os operadores das instituições de controle social e segurança, bem como para grande parte da população brasileira.

Por fim, gostaria de destacar que os profissionais entrevistados ressaltam seu esforço cotidiano em reforçar um vínculo humano comum entre servidores e adolescentes, além de qualificar o tratamento dispensado a estes últimos e garantir os direitos desses adolescentes. No entanto, estes objetivos não são vistos como fins em si mesmos, mas como uma espécie de redução dos danos produzidos pela privação de liberdade, já que a maior parte dos entrevistados destacou que o racismo só vai acabar no Degase quando o próprio Degase acabar.

  • 1
    Este artigo é fruto de pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (PPGA-UFF) e contou com o apoio FAPERJ (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) por meio de bolsa de pós-doutorado. Uma versão anterior deste texto foi apresentada no 46º Encontro Anual da ANPOCS, ocasião em que foi contemplado com o Prêmio Luiza Bairros.
  • 2
    Sobre os efeitos da “lógica da maçã podre” em unidades socioeducativas do Rio de Janeiro, ver Vinuto (2020)VINUTO, Juliana. (2020), “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Autografia..
  • 3
    Tradução minha.
  • DOI: 10.1590/39002/2024

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  • FERNANDA. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 11 de maio de 2022, Rio de Janeiro.
  • GISELE. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 31 de março de 2022, Rio de Janeiro.
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  • KLEBER. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 19 de janeiro de 2022, Rio de Janeiro.
  • LUANA. A experiência com o ativismo antirracista no Degase. Juliana Vinuto. 19 de maio de 2022, Rio de Janeiro.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2023
  • Aceito
    14 Dez 2023
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