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“CONTROLE” E “CONSENSO” REVISITADOS: DOIS CAMINHOS PARA UMA SOCIOLOGIA POLÍTICA NATIVA DO TRABALHO

"CONTROL" AND "CONSENSUS" REVISITED: TWO PATHS TO A NATIVE POLITICAL SOCIOLOGY OF LABOR

Resumo

Neste artigo exploro as possibilidades abertas pelas contribuições de Luc Boltanski e coautores e de Pierre Dardot e Christian Laval para o repertório analítico da sociologia do trabalho brasileira, tratando-as no interior do debate sobre o “processo de trabalho”, de grande relevo na sociologia nacional e internacional dos anos 1970 e 1980. O caminho construído foi o de utilizar as categorias de “controle” e de “consentimento”, típicas daquele debate, enquanto chaves de análise das contribuições contemporâneas. O artigo persegue um duplo objetivo: 1) explicitar como os autores comentados podem contribuir para tornar cada uma das noções mais afiadas para a análise do processo de trabalho contemporâneo, na medida em que seus argumentos sobre a produção de acordos (Boltanski e coautores) e sobre a “subsunção subjetiva” do trabalho ao capital (Dardot e Laval) podem ser lidos como desdobramentos de tais categorias; e 2) apontar as sociologias políticas que derivam da adoção do “controle” ou do “consentimento” como elemento central da análise do processo de trabalho.

PALAVRAS-CHAVE:
Processo de trabalho; Hegemonia; Controle; Consenso; Sociologia política do trabalho

Abstract

In this article I explore the possibilities opened by the contributions of Luc Boltanski and co-authors and of Pierre Dardot and Christian Laval for the analytical repertoire of Brazilian labor sociology, treating them within the debate on the “labor process,” of foremost importance in national and international sociology of the 1970s and 1980s. The path chosen was to use the categories of “control” and “consent,” typical of that debate, as keys to the analysis of contemporary contributions. The article pursues a double objective: 1) to make explicit how the commented authors can contribute to make each of the notions sharper for the analysis of the contemporary labor process - to the extent that their arguments on the production of agreements (Boltanski and co-authors) and on the “subjective subsumption” of labor to capital (Dardot and Laval) can be read as unfoldings of each one - as much as to point out the political sociologies that derive from the adoption of “control” or “consent” as a central element in the analysis of labor.

KEYWORDS:
Labor process; Hegemony; Control; Consent; Political sociology of work

INTRODUÇÃO

No modelo marxiano exposto n’O Capital (Marx, 2008MARX, Karl. (2008), O Capital: crítica da economia política. Livro primeiro: o processo de produção do capital. Vol. 1. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.) o momento da subjetividade do trabalhador é pouco desenvolvido, privilegiando-se uma descrição sistêmica do modo de produção capitalista.1 1 “[A] questão que se debate aqui não é o maior ou menor grau de desenvolvimento dos antagonismos sociais oriundos das leis naturais da produção capitalista, mas estas leis naturais, estas tendências que operam e se impõem com férrea necessidade” (Marx, 2008, p. 16) Para Marx, o funcionamento normal do capitalismo deveria conduzir ao seu próprio colapso: embora o mais valor produzido seja apropriado privativamente pelo capitalista, sua dinâmica de produção seria crescentemente coletiva, o que predisporia os trabalhadores a, mediante a tomada de consciência da condição objetiva comum que os une, e conformando-se enquanto classe para si, “expropriar os expropriadores” (Marx, 2009, pMARX, Karl. (2009), O Capital: crítica da economia política. Livro primeiro: O processo de produção do capital. Vol. 2. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.. 876). O pressuposto da existência de uma contradição essencial entre a atividade produtiva coletiva e a apropriação privada do produto é central para a sociologia política marxista não apenas em sentido normativo – enquanto denúncia moral da relação de exploração –, mas também em sentido explicativo.2 2 Note-se aliás que este “sentido explicativo” também está imbuído de normatividade, na medida em que determina a priori o lugar privilegiado da produção de conflitos de classe em detrimento de outros espaços (a igreja, o bar, o esporte etc.). Agradeço à Felipe Rangel a perspicaz observação deste ponto. Dessa forma, o ambiente de trabalho, lócus da produção, seria o berço da luta de classes na era regida pelo modo de produção capitalista. É a partir de sua inserção nele e nas suas contradições que o sujeito que trabalha perceberia seu lugar no mundo e os interesses a ele vinculados. Daí a centralidade política do trabalho, para além da econômica.

Na sociologia do trabalho a reflexão sobre o tema da atividade produtiva propriamente dita, da “maneira pela qual o capital organiza o consumo produtivo da força de trabalho” (Sorj, 1983, pSORJ, Bila. (1983), “O Processo de Trabalho na Indústria: Tendências de Pesquisa”. Boletim informativo e bibliográfico de ciências sociais (BIB), n. 15, p. 53–55.. 53), foi realizada sob o termo “processo de trabalho”, e partiremos dela aqui para complexificar duas chaves teóricas voltadas à análise da subjetividade no trabalho: a primeira, abordando a produção do “consentimento” no chão-de-fábrica, nos levará de Antônio Gramsci a Luc Boltanski, passando por Michael Burawoy; a segunda, relativa à temática do “controle” do trabalho, nos levará de Harry Braverman a Pierre Dardot e Christian Laval. Com ambos os movimentos, procura-se tratar não apenas as contribuições recentes dos autores à análise do processo de trabalho, mas também aquelas acerca da análise da crítica “nativa” à atividade laboral, isto é, a crítica que tenha por lugar privilegiado de produção o próprio local de trabalho – como na proposta marxiana.

Há uma caracterização da produção da política do trabalho que trata a crítica às condições de vida e de trabalho a partir de uma perspectiva “exterior” ao seu contexto particular, caso no qual a “consciência” dos interesses do trabalhador seria formada a partir da interação com agentes formuladores de visões de mundo que os convencessem da injustiça de sua situação – como na relação com sindicatos, intelectuais, políticos profissionais ou amadores (“militantes”), líderes religiosos etc. Também foi desenvolvida, sobretudo no âmbito da sociologia do trabalho de corte marxista, a análise da crítica gerada pela própria relação entre os trabalhadores e os capitalistas ou seus representantes; uma problematização “nativa”, por assim dizer. Neste trabalho nos interessaremos particularmente por esta segunda caracterização do problema, o que de saída nos distancia – sem negar sua importância teórica, empírica e prática, evidentemente – do tema da ação sindical, objeto privilegiado da primeira caracterização.

Machado da Silva (2002)MACHADO DA SILVA, Luiz Antônio. (2002), “Da informalidade à empregabilidade (reorganizando a dominação no mundo do trabalho)”. Caderno CRH, nº 37, p. 81-109., ao refletir acerca do progressivo esvaziamento da noção de “informalidade” desde o seu surgimento na década de 1960, afirma que ela teria perdido tanto utilidade explicativa quanto força prática politicamente mobilizadora em função da perda do consenso “no plano dos valores, no plano teórico e no plano do conflito político” (2002, p. 82-3) em que se assentava sua força analítica. Procuro seguir caminho semelhante neste artigo: ele se justifica por uma aposta teórico-política acerca dos determinantes dos acontecimentos políticos diretamente ligados ao mundo do trabalho no Brasil na última década. A aparentemente infindável Reforma Trabalhista de 2017 – que continua a fornecer desdobramentos judiciais e legislativos sem oposição eficaz, e, na interpretação unânime da literatura, sempre em detrimento da proteção aos direitos do trabalhador (Souto Maior e Severo, 2017SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; SEVERO, Valdete Souto (Orgs.). (2017), Resistência: aportes teóricos contra o retrocesso trabalhista. São Paulo, Expressão Popular.; Krein, 2018KREIN, José Dari. (2018), “O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da ação coletiva: consequências da reforma trabalhista”. Tempo Social, 30, 77-104.; Krein, Oliveira e Filgueiras, 2019KREIN, José Dari; OLIVEIRA, Roberto Véras; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. (2019), “As reformas trabalhistas: promessas e impactos na vida de quem trabalha”. Caderno CRH, vol. 32, nº 86, p. 225-229.; dentre muitos outros) –, a derrocada financeira e política dos sindicatos e centrais sindicais e, sobretudo, a apatia (quando não o empenho ativo a favor) com a qual a destruição do arcabouço de proteções do trabalho foi recebida pela massa de trabalhadores brasileiros – culminando na eleição de Jair Bolsonaro para a presidência do país em 2018 – podem estar indicando profundas divergências entre o repertório analítico do qual dispõe a sociologia do trabalho e as categorias mobilizadas na prática cotidiana do mundo do trabalho brasileiro, sobretudo quanto à dimensão do conflito e da crítica.3 3 A referida Reforma Trabalhista foi implementada pela Lei Federal nº 13.467, que entrou em vigor em 11 de novembro de 2017, e que alterou mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Daí a proposta de retomar uma “sociologia do processo de trabalho”: a aposta é que voltar novamente o olhar para o chão-de-loja/fábrica pode proporcionar à sociologia do trabalho novas chaves analíticas para compreender como os trabalhadores brasileiros estão interpretando e criticando as mudanças contemporâneas em seu cotidiano laboral, tomando estas interpretações e críticas enquanto uma espécie de “protopolítica”. Não chego a conclusões empíricas aqui sobre tais temas, no entanto: a proposta se limita a refletir sobre e afiar os instrumentos de análise de que dispomos.

Daí também a aposta no binarismo “controle” versus “consenso”. Certamente, os autores que mobilizarei abaixo poderiam nos conduzir, caso fossem tomados em sua singularidade, para teorizações que estão além dessa disjuntiva. No entanto, não apenas me parece ser possível interpretá-los enquanto partidários excludentes de um ou de outro lado (correndo os riscos inerentes a uma leitura não exaustiva, de suas contribuições) como – o que me parece mais importante –, é mais interessante para a sociologia nacional fecundar noções e conceitos que ainda são amplamente utilizados nas nossas pesquisas, como é o caso de “controle” e “consenso”, tornando-os mais afiados. Ler a produção internacional por dentro dessas categorias pode ser mais proveitoso que criticá-las externamente.

Mesmo quando o desenvolvimento do argumento pareça estar nos conduzindo para regiões aparentemente pouco próximas à sociologia do trabalho, o norte será sempre a busca de instrumental teórico aderente à complexidade da realidade empírica do trabalho no interior do capitalismo brasileiro e adequado à análise das visões sobre a política que dela surgem. Nesse sentido, um dos pressupostos do artigo é o de que o cotidiano laboral é, ele mesmo, prenhe de política; cada situação vivenciada pelos trabalhadores, seja ela analisada pelo ângulo do “controle”, do “consenso”, ou por ambos, representa uma oportunidade de crítica ou de reprodução da ordem social particular a cada ambiente de trabalho.

“CONTROLE” E “CONSENSO”: DOIS PARADIGMAS

A leitura do Livro I d’O Capital (Marx, 2008MARX, Karl. (2008), O Capital: crítica da economia política. Livro primeiro: o processo de produção do capital. Vol. 1. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.) oferece ao leitor um quadro verdadeiramente infernal da vida dos trabalhadores ingleses no momento de formação do capitalismo industrial. A trama se desenvolve a partir da necessidade dos portadores de capital de extrair trabalho excedente (mais valor) dos trabalhadores que contratam para dar vida aos meios de produção; por meio de sua força de trabalho mercadorias são produzidas para serem trocadas no mercado. É um quadro no qual o trabalhador é permanentemente coagido, seja economicamente (imposição do trabalho fabril capitalista como o único possível, uma vez que terras de uso comum pelos camponeses ingleses tornaram-se propriedade privada de uso exclusivo), seja politicamente (repressão às organizações de trabalhadores, sub-representação eleitoral, autoritarismo no ambiente de trabalho etc.), seja juridicamente (ausência de legislação trabalhista, repressão policial à “vadiagem”, etc.) (Marx, 2008, pMARX, Karl. (2008), O Capital: crítica da economia política. Livro primeiro: o processo de produção do capital. Vol. 1. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.. 207-359).

Nos anos 1970, o momento específico da produção retomará a centralidade na reflexão acadêmica internacional sobre o trabalho com o livro seminal de Harry Braverman (1977)BRAVERMAN, Harry. (1977), Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro, Zahar Editores., Trabalho e capital monopolista, publicado em 1974. Nele, o autor sublinha a separação taylorista entre concepção e execução dentro do processo de produção capitalista, ressaltando o controle do capitalista sobre o processo de trabalho e a consequente perda de autonomia e de qualificação dos trabalhadores. Em Marx a entrada no processo de trabalho é compulsória enquanto coerção econômica – o trabalhador se submete ao trabalho capitalista e às suas regras e exigências pela necessidade de sobrevivência, dada sua condição de simples vendedor de força de trabalho. Braverman acrescenta a questão da necessidade do capitalista em controlar a forma como o trabalho é executado, de modo a garantir a maior extração possível de mais-valor. Isto é, uma vez coagido, o trabalhador já no interior da produção precisa ser também controlado. Ressaltando a contribuição de Frederick Taylor neste intento, trata-se de não apenas fixar as tarefas e cobrar resultados, mas da efetiva “imposição ao trabalhador da maneira rigorosa pela qual o trabalho deve ser executado” (Braverman, 1977, pBRAVERMAN, Harry. (1977), Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro, Zahar Editores.. 86). Como para o autor “o capitalismo cria uma sociedade na qual ninguém por hipótese consulta qualquer coisa senão o interesse próprio”, o conceito de controle se torna, para ele, “o conceito fundamental de todos os sistemas gerenciais” (Braverman, 1977, pBRAVERMAN, Harry. (1977), Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro, Zahar Editores.. 68), significando os meios pelos quais a gerência retira dos trabalhadores as “decisões que são tomadas no curso do trabalho” (Braverman, 1977, pBRAVERMAN, Harry. (1977), Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro, Zahar Editores.. 98).

Explicitamente contra a posição representada por Braverman é publicado, alguns anos depois, outro trabalho seminal, dessa vez de Michael Burawoy (1979)BURAWOY, Michael. (1979), Manufacturing consent: changes in the labor process under monopoly capitalism. Chicago, University of Chicago Press.. Inspirado nos escritos de Antonio Gramsci, o autor destaca a função dos elementos de “persuasão” necessários para a constituição de um regime fabril estável. Burawoy parte daí para ressaltar a importância da agência dos operários na criação de “jogos” que mistificariam a relação de exploração existente entre capital e trabalho. Os “jogos” seriam elementos centrais da persuasão do trabalhador, está última sendo apenas regulada pela coerção da gerência e, tal como na fórmula gramsciana, “consentimento” e “coerção” produziriam a hegemonia no chão de fábrica (Gramsci, 2007, pGRAMSCI, Antonio. (2007), Cadernos do cárcere, volume 4. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.. 273). A importância teórica dos “jogos” em Burawoy se dá na medida em que o autor trata o “consentimento” enquanto um resultado de atividades práticas, diferentemente da “legitimidade”, definida enquanto um “estado subjetivo que os indivíduos carregam consigo” (Burawoy, 1979, pBURAWOY, Michael. (1979), Manufacturing consent: changes in the labor process under monopoly capitalism. Chicago, University of Chicago Press.. 27). Esse arranjo teria sido historicamente possível, explica Burawoy (1985, pBURAWOY, Michael. (1985), The politics of production: factory regimes under capitalism and socialism. Thetford, The Thetford Press.. 133), na medida em que o regime de produção capitalista comportaria uma variação “hegemônica”, não existindo apenas seu tipo “despótico”, que Marx teria descrito.

As posições de Braverman e Burawoy marcam, por assim dizer, a amplitude teórica da retomada do debate internacional sobre o processo de trabalho nos anos 1970 e 1980, se tomarmos por representativos desses limites, respectivamente, os conceitos-chave de “controle” e “consentimento”.4 4 Para um balanço da literatura de língua inglesa sobre estes dois conceitos nas décadas de 1970 e 1980, ver Ramalho (2008) No Brasil, estes anos foram politicamente marcados por uma forte retomada do movimento sindical, culminando nas hoje famosas greves do ABC paulista5 5 Nome pelo qual ficou conhecida a região do estado de São Paulo na qual se encontram os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, primeira região central da indústria automobilística brasileira. Para uma visão particularmente rica sobre os movimentos sociais da região nesta época, ver Sader (1988). de 1978-1980. A efervescência política deste momento se mostrou decisiva para uma guinada do olhar sobre o trabalho, em direção ao interior das fábricas (Sorj, 1983SORJ, Bila. (1983), “O Processo de Trabalho na Indústria: Tendências de Pesquisa”. Boletim informativo e bibliográfico de ciências sociais (BIB), n. 15, p. 53–55.), produzindo a tendência à investigação do trabalho industrial no “chão-de-fábrica”, tônica da década (Leite, 2012LEITE, Márcia de Paula. (2012), “A sociologia do trabalho na América Latina: seus temas e problemas (re)visitados”. Sociologia & Antropologia, v. 2, n. 4, p. 103–127.). Na década seguinte o foco da sociologia do trabalho brasileira recai sobre a chamada “reestruturação produtiva” – consequência do novo regime de “acumulação flexível” que tomava forma (Harvey, 1989HARVEY, David. (1989), The condition of postmodernity: an enquiry into de origins of cultural change. Oxford: Blackwell Publishers.) –, destacando tanto a dinâmica objetivamente precarizadora do trabalho quanto a dimensão ideológica do novo regime.

Desde então, frequentemente estudos de caso sobre o processo de trabalho no Brasil adotam uma perspectiva de denúncia dos efeitos destrutivos do processo de trabalho capitalista sobre corpo (saúde, tanto física quanto mental) e subjetividade (alienação, desorganização política) do trabalhador. Privilegiando a dimensão bravermaniana do controle sobre o trabalho, destacam a reinserção da subjetividade no processo de trabalho pós-fordista como uma “captura” (Alves, 2015ALVES, Giovanni. (2015), Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo.) ou, ainda mais simplesmente, como uma nova forma de “estranhamento” (Antunes, 2008ANTUNES, Ricardo. (2008), Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Boitempo.), sempre sublinhando a coação à qual os trabalhadores estariam submetidos.

De outro lado, há os que afirmam ser necessário investigar igualmente aquilo que o capitalismo contemporâneo efetivamente constrói enquanto referência “normal” da sociabilidade que ocorre no interior do ambiente de trabalho, tanto em seus parâmetros materiais quanto normativos. Como recentemente se tem argumentado, a racionalidade neoliberal não apenas destrói instituições e solapa direitos, mas efetivamente constrói “relações, estilos de vida e subjetividades” (Lima e Pires, 2017, pLIMA, Jacob Carlos; PIRES, Aline Suellen. (2017), “Youth and the new culture of work: considerations drawn from digital work”. Sociologia & Antropologia, v. 7, n. 3, p. 773–797.. 774), na medida em que, no que tange ao âmbito da produção, precisa estabelecer certos consensos que possibilitem seu andamento normal, seja qual for o setor econômico.

De fato, se acompanharmos a trajetória global da sociologia do trabalho brasileira, notamos que controle e consentimento se constituíram e seguem sendo paradigmas de análise.6 6 A sociologia do trabalho brasileira nos oferece uma rica produção de revisões bibliográficas, o que nos permite notar a variação no tempo de suas problemáticas centrais. Além das já citadas, ver Castro e Leite (1994) e Guimarães (2004). E ao redor de cada uma dessas noções – cuja aplicação analítica varia em termos de densidade teórica – parecem se constituir dois ângulos de análise. Do lado do controle/coação, temos as perspectivas que privilegiam a denúncia dos aspectos destrutivos da utilização do trabalho, de corte mais estruturalista. A noção que permite o salto da análise do trabalho para uma análise política do trabalho é a de “interesse”, que determinaria o sentido de um conflito inconciliável entre capitalistas e trabalhadores. Do lado do consentimento, temos aquelas que focam a produção da hegemonia do capital no ambiente de trabalho (e fora dele) por meio de acordos e concessões entre os envolvidos no dia a dia da atividade laboral, mais afeita a uma sociologia dos agentes. Neste caso, a análise política do trabalho recorre a variadas acepções da noção de “valores”, em sentido weberiano.

DO CONSENSO GRAMSCIANO À SOCIOLOGIA DA CRÍTICA

A fórmula gramsciana da hegemonia (consenso + coerção = hegemonia) contribui para a superação de certo determinismo latente, presente no marxismo clássico, a saber, o de que, dadas certas condições objetivas – o acúmulo de forças produtivas em contradição com as relações de produção, a redução ou superação da coerção política sobre as organizações de trabalhadores, e a mitigação, pela militância política, da “falsa consciência” dos trabalhadores (Marx, 2010MARX, Karl. (2010), Manifesto Comunista. São Paulo, Boitempo.:69) – a ação de massa do operariado se organizaria no sentido de seus interesses econômicos, o que levaria à luta pela superação do capitalismo.7 7 Para um longo desenvolvimento da crítica a este “determinismo latente”, ver Lockwood (1992) Preocupado com as condições necessárias para tal salto revolucionário na Itália, Gramsci notou a importância de levar a sério o problema da produção de visões de mundo que persuadiam o operariado a interpretar sua realidade segundo os cânones da ideologia dominante, e não de seus próprios interesses. A condição para o avanço da luta socialista não se reduzia – pelo menos nas regiões que ele chamou de “ocidentais” – ao enfrentamento das classes burguesas e de “seu” Estado, mas envolvia também, e em grande medida, a disputa do “senso comum”, culturalmente produzido sob a égide dos valores de classe dominantes. Por isso, em Gramsci a problemática dos “intelectuais” adquire centralidade: são eles os combatentes de primeira linha pela organização do “senso comum” de massa (Gramsci, 1982GRAMSCI, Antonio. (1982), Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.).

No interior do marxismo, autores como Lenin (1979)LENIN, Vladmir. (1979), “Que fazer?” In: LENIN, Vladmir. Obras escolhidas. São Paulo, Alfa-Omega, p. 79–214. e Lukács (2003)LUKÁCS, Georg. (2003), História e consciência de classe. São Paulo, Martins Fontes, 2003. também mitigaram o determinismo marxiano clássico, destacando como fundamental a introdução “de fora” do proletariado da “consciência socialista”, isto é, de elementos subjetivos capazes de tornar o proletariado consciente de sua posição na sociedade capitalista e de sua tarefa histórica de derrubá-la. Em ambos é mantida a necessária existência da exploração econômica interclasses: é na confluência entre a situação de exploração e a consciência socialista “de fora” que adviria o movimento revolucionário de classe. Isto seria possível porque o proletariado teria algo como um “instinto de classe”: exposto à correta teoria, aderiria a ela por conta de certa “compreensão instintiva” (Lukács, 2003, pLUKÁCS, Georg. (2003), História e consciência de classe. São Paulo, Martins Fontes, 2003.. 183). Por outro lado, o que entendiam por senso comum pouco mais seria que falsa consciência; adoção ideológica de valores burgueses, provenientes da experiência de classe da burguesia. Gramsci complexifica essa relação. Para ele, a crítica não se torna ação política apenas por meio da suspensão do véu que turva a consciência do proletariado, mas sim por meio de uma disputa pelo senso comum que enquadra a interpretação da realidade.

O avanço gramsciano pode ser percebido do ponto de vista teórico, mas se torna ainda mais claro da perspectiva ética do movimento comunista. Segundo Tortorella (1997)TORTORELLA, Aldo. (1997), “O fundamento ético da política em Gramsci”. Lua Nova, n. 43, p. 93–108., no seu seio prático, isto é, não estritamente intelectual, o fundamento ético da ação política comunista não teria sido problematizado a contento: a perspectiva de ser “portador das boas novas” da História garantia aos militantes toda a legitimação que desejavam. Desse ângulo, a política é vista como a “luta pelo poder em nome de valores considerados como conclamada e evidentemente válidos” (Tortorella (1997TORTORELLA, Aldo. (1997), “O fundamento ético da política em Gramsci”. Lua Nova, n. 43, p. 93–108.:93). Porém, segue o autor, do ponto de vista gramsciano, radicalmente historicista, apenas se podem determinar princípios morais válidos para determinado contexto histórico, jamais para quaisquer contextos históricos, isto é, universalmente válidos. Tal premissa impõe a necessidade de encontrar, a partir de uma análise histórica rigorosa, os princípios morais que são realmente válidos para o momento histórico no qual se encontra.

Em sentido semelhante, partindo de um estudo comparativo das obras de Marx e Durkheim quanto à problemática da manutenção e transformação da ordem social, David Lockwood (1992)LOCKWOOD, David. (1992), Solidarity and schism: “the problem of disorder” in durkheimian and marxist sociology. Oxford, Oxford University Press. aponta como maior fraqueza da teoria marxista da prática revolucionária a recusa em reconhecer a importância de interesses não-econômicos na estabilização das crises políticas, dimensão esta central em Durkheim. Isso teria ocorrido porque, para Marx, o proletariado não precisaria ser convencido da injustiça de sua situação – a superioridade de seus interesses seria evidente em si mesma, carecendo de justificação, como criticado acima por Tortorella (1997)TORTORELLA, Aldo. (1997), “O fundamento ético da política em Gramsci”. Lua Nova, n. 43, p. 93–108. –, mas sim liberto de um fatalismo paralisador da ação política (Lockwood, 1992, pLOCKWOOD, David. (1992), Solidarity and schism: “the problem of disorder” in durkheimian and marxist sociology. Oxford, Oxford University Press.. 254). Assim, a questão da produção de diferentes visões de mundo é preterida diante de um enfoque utilitarista que privilegia os interesses de classe na explicação da ação coletiva. Nesse contexto, segue o autor, a proposta durkheimiana para a análise de situações de ruptura social por meio do conceito de anomia, que traz em seu bojo o imperativo social de “reclassificação”, isto é, de reorganização das hierarquias sociais sobre diferentes condições de status, seria sociologicamente mais complexa, na medida em que recoloca a importância social dos valores na explicação da manutenção e/ou da transformação de uma determinada ordem social.

Transportando estas reflexões para o contexto dos ambientes de trabalho, como o faz Burawoy, chegamos a uma abordagem que multiplica as possibilidades de arranjos “consensuais” no que se refere à legitimação das relações capitalistas de trabalho, e contrasta radicalmente com a visão bravermaniana de trabalhadores coagidos ou manipulados, bem como com a visão lukacsiana de uma potência universalizante encrustada na essência do ser social do proletariado. Assim, os trabalhadores não necessariamente serão coagidos em seus trabalhos – podem agir em conformidade com o esperado deles porque assim interpretam como correto, dada a sua integração ao “senso comum”. Se tomada essa via, arranjos consensuais para o funcionamento da produção podem ser realizados baseando-se sobre os mais diferentes princípios, cuja variedade poderá ser tão ampla quanto o número de arranjos particulares efetivamente existentes. Se se pretende investigar as condições de possibilidade de uma crítica do trabalho e das relações que ele engendra sem cair em argumentos do tipo “instinto de classe”, geralmente ancorados na chave do interesse, como mostrou Lockwood (1992LOCKWOOD, David. (1992), Solidarity and schism: “the problem of disorder” in durkheimian and marxist sociology. Oxford, Oxford University Press.)8 8 Como penso ser o caso, por exemplo, da “inquietação operária” de Braga (2012, p. 130). , penso ser imprescindível analisar como surgem os próprios fundamentos historicamente situados da crítica, isto é, perscrutar a produção social de visões de mundo e as situações nas quais a crítica é possível.

É justamente o que tentam realizar, a meu ver, Luc Boltanski e Laurent Thévenot, cujo livro De la justification (2006) representa um marco da chamada sociologia pragmatista francesa.9 9 A sociologia pragmática francesa, ou sociologia pragmatista, ou ainda “sociologia das provas”, que tem na obra De la justification, de Luc Boltanski e Laurent Thévenot (2006), seu marco seminal, foi um movimento intelectual surgido em meados da década de 80, na França, e que produziu um amálgama inovador entre interacionismo, etnometodologia, teoria da ação, pragmatismo filosófico e antropologia das ciências (Barthe et al., 2016). De fato, os autores – e particularmente Boltanski (2011BOLTANSKI, Luc. (2011), On critique: a sociology of emancipation. Cambridge, Polity Press., 2012BOLTANSKI, Luc. (2012), Love and justice as competences. Cambridge, Polity Press.) – fazem da “sociologia da crítica” o centro de seu projeto intelectual.

Boltanski e Thévenot (2006)BOLTANSKI, Luc.; THÉVENOT, Laurent. (2006) On justification: economies of worth. New Jersey, Gallimard. não estão preocupados especificamente com a crítica das relações de trabalho, mas com todas as formas possíveis da produção de consentimento sobre a justiça de determinada situação. O foco recai sobre as condições de produção de uma ordem legítima para compreender em que termos tal ordem pode ser novamente aberta, posta em questão, criticada. Trata-se, em uma palavra, de investigar a produção do acordo entre os agentes acerca dos princípios que regem a distribuição de coisas e de status (Boltanski e Thévenot, 2006, pBOLTANSKI, Luc.; THÉVENOT, Laurent. (2006) On justification: economies of worth. New Jersey, Gallimard.. 32).

Seu ponto de partida é a afirmação – em tudo simmeliana10 10 Me refiro aqui ao “último Simmel” (2010, cap. 1). – de que o juízo de qualificação é a operação cognitiva básica da interação social, e, portanto, os agentes sociais estão, a todo instante, qualificando pessoas e coisas com o objetivo de coordenar satisfatoriamente suas ações. Mas “qualificar” é a adequação de uma pessoa, uma ação ou uma coisa a um status, e tal ato nunca é normativamente neutro. Ele põe em movimento os princípios e regras considerados legítimos pelo agente, ainda que, normalmente, esses elementos não precisem ser necessariamente explicitados para que a ação seja eficazmente coordenada. Pedir uma ferramenta de trabalho a um colega, por exemplo, é uma ação que não exige a princípio nenhuma justificação explícita dos atores durante o ato. A situação muda, no entanto, se a ação é mal realizada, ou se é feita de maneira rude, ou ainda se o colega favorecido não agradece a gentileza. Teremos, então, um “momento crítico” (Corrêa e Dias, 2016, pCORRÊA, Diogo Silva; DIAS, Rodrigo de Castro. (2016), “Crítica e os momentos críticos: De la Justification e a guinada pragmática na sociologia francesa”. Mana, v. 22, n. 1, p. 67–99.. 78), no qual abre-se a oportunidade de exposição de concepções de “bem comum” que acreditam terem sido violadas, evidenciando o processo de qualificação – entendido enquanto uma adequação dos elementos da interação real no mundo ao modelo ideal de justiça no qual o agente se crê inserido – e chegando, por meio de testes, a um compromisso ou a uma ruptura da relação.11 11 “Teste” é o nome dado ao processo por meio do qual os participantes de uma interação comprovam o valor (no sentido de “grandeza”, não no de valor axiológico) de pessoas e objetos (ou sua ausência) e, assim, resolvem disputas quanto à justiça de uma determinada situação (Boltanski; Thévenot, 2006:133) No caso em tela, um observador poderá notar como são expostos, pelos trabalhadores envolvidos, afirmações acerca do profissionalismo necessário ao bom funcionamento do trabalho, da importância da solidariedade entre colegas de uma mesma empresa, dentre inúmeras outras possibilidades – o que as une é o fato da mobilização de determinadas visões de mundo para a justificação da crítica de uma situação particular. 12 12 A propósito, ressaltamos aqui a proximidade da função teórica dos “momentos críticos” de Boltanski e Thévenot com a interpretação de David Lockwood (1992) do conceito durkheimiano de “anomia”: um estado de desorganização das hierarquias estabelecidas e o consequente imperativo de re-produção de uma ordem, isto é, de uma classificação legítima de pessoas e objetos. A semelhança, no entanto, se restringe à função teórica: certamente o alcance da situação anômica em Durkheim se propunha a ser mais ampla que uma rápida contenda situada, como a do exemplo dado. De qualquer forma, o movimento que se busca explicar é o mesmo, e a referência a Durkheim pode ser esclarecedora.

Esse “modelo ideal de justiça” a partir do qual os agentes justificam suas ações nas interações sociais – e aqui nos aproximamos de Gramsci – não são produzidos aleatoriamente, mas são o resultado de uma decantação histórica (Boltanski e Thévenot, 2006, pBOLTANSKI, Luc.; THÉVENOT, Laurent. (2006) On justification: economies of worth. New Jersey, Gallimard.. 63), e podem ser muito variados. 13 13 Modelo ideal de justiça é nomeado como cité no original francês, e polity, na tradução para o inglês. São diferentes “sensos comuns” que existem em função do recurso cotidiano a eles ao qual os agentes lançam mão em suas interações.

Para os propósitos deste artigo não penso ser necessário aprofundar o mergulho na obra de Boltanski e do movimento teórico do qual faz parte, que propõe, em última instância, uma radical desessencialização situacionista do mundo social.14 14 Para tanto, remeto o leitor interessado para as várias obras disponíveis sobre o assunto. À De la justification, escrita em co-autoria com Laurent Thévenot (2006), seguiram-se outras obras que desenvolveram a proposta inicial (Boltanski e Chiapello, 2009; Boltanski, 2011; 2012). Para uma leitura sistemática brasileira de seus escritos, leia-se Corrêa (2014) e Corrêa e Dias (2016); para uma avaliação crítica recente do conjunto de sua obra, leia-se Susen e Turner (2014), e Celikates (2012). Mas não apenas de Boltanski vive a sociologia pragmatista francesa – veja-se Barthe et al. (2016). Quanto ao uso de seus conceitos em análises empíricas, veja-se Werneck (2013, 2015) e Werneck e Loretti (2018) – referências estas, frise-se, não exaustivas, mas que certamente abrirão caminho para um manancial de literatura especializada. O central aqui é destacar que uma sociologia da crítica como essa nos permite escapar da perspectiva segundo a qual uma crítica das relações de trabalho só é possível (ou mesmo aceitável) se pretender retirar o “véu” que mistifica a “realidade” da relação estrutural de exploração, a “realidade” dos interesses contrapostos de capitalistas e trabalhadores. O que Boltanski propõe é mitigar a distinção férrea entre “realidade” e “ilusão” na análise dos fenômenos sociais, sobretudo dos que envolvem a construção de sentidos políticos.15 15 Distinção esta típica da sociologia clássica do século XIX, independentemente da tradição à que nos refiramos (Boltanski, 2012:20). Ao não darmos peso tão preponderante aos “interesses” na constituição da realidade empírica do trabalho, sem obviamente negá-los, abre-se diante de nós uma pluralidade de arranjos consensuais possíveis16 16 Noção, a propósito, cuja hegemonia moderna Hirschman (1979) demonstrou ser resultado de um empobrecimento do pensamento social e político europeu produzido até o estabelecimento definitivo do capitalismo industrial naquele continente, empobrecimento este efeito do desterro da análise das paixões – levada a cabo, por exemplo, por Montesquieu e Steuart, muito mais rica que o foco exclusivo no interesse –, e que segue seu curso até hoje. O próprio foco pragmatista nos modos de justificação, inclusive, embora signifique um avanço frente à monocausalidade representada pelas análises baseadas exclusivamente no “interesse”, não pretende trazer de volta à análise elementos ditos “irracionais”, as paixões, vez que se mantém no registro da representação racionalista do social. ; esta perspectiva permite ao sociólogo do trabalho ir além da denúncia dos interesses ali em disputa. Isto significa não só aumentar o grau de importância de outras dimensões do social que não o econômico, mas sobretudo aumentar o grau de importância dos próprios agentes sociais pesquisados; significa tomar a sério, como constitutivo da realidade de trabalho, a atividade crítica dos trabalhadores.

Nesse sentido, o espaço da crítica não está dado a priori (como na perspectiva do “interesse”): ele é gestado contextualmente, e o sociólogo deve buscar reconstruir sua gestação, sua atualização e suas consequências. Sua estrutura é, em regra, uma que permita que a crítica de uma situação particular, realizada por determinado ator, consiga ser descrita publicamente enquanto um momento do universal, isto é, como um clamor a alguma forma de bem comum conhecido e reconhecido publicamente. Assim, caberia ao pesquisador da dinâmica do chão-de-fábrica/loja, em primeiro lugar, realizar a reconstrução dos diferentes mundos empiricamente observáveis nas situações de trabalho analisadas, e então reconstruir os diferentes princípios legítimos de distribuição de bens e de status mobilizados por trabalhadores, gerentes e empregadores em seu cotidiano de trabalho. A partir daí ele estaria em condições de especificar o conteúdo valorativo do consenso construído naquele ambiente de trabalho, para além de considerações acerca dos interesses que este determinado consenso poderia estar estrategicamente voltado. Isto é, o sociólogo do trabalho estaria em condições de examinar a produção do consenso nos termos pelos quais ele é interpretado pelos próprios trabalhadores, o que oferece à análise maior densidade empírica.17 17 Ao aplicar parte dessas reflexões em suas pesquisas sobre os sentimentos de injustiça na experiência do trabalho, François Dubet (2014) nos oferece uma boa ilustração do argumento. Da mesma maneira que Boltanski e Thévenot elaboram uma “gramática” de modelos de justificação (as cités [2006:63]), Dubet elabora uma “gramática” de princípios a partir dos quais os indivíduos interpretariam sua realidade percebida no trabalho como justa ou injusta, com ênfase sobre o impulso crítico de cada princípio “fundamental” encontrado dentre os sujeitos entrevistados. São eles: “igualdade”, “mérito” e “autonomia”. O autor afirma ser possível construir conjuntos de princípios de justiça de composição singular (“figuras de justiça” [2014: 273], que poderíamos chamar de “cités” singulares, na terminologia de Boltanski e Thévenot) articulados a contextos de trabalho similares, no interior dos quais cada princípio legítimo geral teria um peso relativo próprio.

Nesse sentido, ao invés de, em nossas pesquisas, tentarmos alocar determinado trabalho como mais ou menos “autônomo”, ou como mais ou menos “igualitário”, propõe-se respeitar a perspectiva dos próprios trabalhadores na produção de uma crítica particular ao trabalho no qual estão engajados concretamente, isto é, uma crítica ajustada à situação específica de seu trabalho. São esses princípios que produzem uma “aliança interpretativa” entre os trabalhadores envolvidos em determinada situação de trabalho – um acordo sobre os princípios basilares que enquadram o juízo de adequação das ações praticadas pelos indivíduos no trabalho. Em suma, o que a trilha aberta por Boltanski e Thévenot pode contribuir é para a produção de uma sociologia política plural do ambiente de trabalho, na medida em que oferece uma abordagem analítica da produção do consentimento, tomando a atividade crítica dos atores sociais como ponto de partida, e não de chegada. Isto é, não tratam a produção do consenso apenas enquanto composição de “interesses” previamente estabelecidos pela estrutura de classes, mas enquanto um processo social em si mesmo, com suas dinâmicas particulares e relativamente independentes de dinâmicas estruturais de maior envergadura, embora não estanques.

A partir deles, o foco nos momentos de constituição e de crítica dos princípios que fundamentam o juízo dos trabalhadores sobre as interações do dia a dia de trabalho, isto é, o foco na dissolução e na reposição de acordos a respeito da justiça das condutas e das distribuições – na “lógica nativa que os conduz aos seus consensos provisórios” (Corrêa, 2014, pCORRÊA, Diogo Silva. (2014), “Do problema do social ao social como problema: elementos para uma leitura da sociologia pragmática francesa”. Política & Trabalho, n. 40, p. 35–62, 2014.. 48) – oferece ao pesquisador uma perspectiva pluralista dos acordos passíveis de garantir o regular andamento da produção no trabalho. Tal perspectiva não precisa se restringir dogmaticamente às seis “cités” oferecidas pelos autores em sua obra clássica, mas ela decididamente abandona a denúncia de interesses socialmente pré-constituídos em prol de uma reconstrução dos vários acordos possíveis – acordos estes que não são apenas diferentes véus para ocultar a mesma exploração, como ainda queria Burawoy, mas que efetivamente organizam o modo como os trabalhadores avaliam o mundo do trabalho no qual estão inseridos.18 18 O próprio Boltanski já se disse um crítico desse dogmatismo (Rosatti; Bonaldi; Ferreira, 2014, p. 225) Penso ser fecundo interpretar o “consentimento” ao trabalho nesses termos.

Não é difícil concluir que tal posição “descafeina” a perspectiva do controle, ou pelo menos a desloca, tornando-o resultado da atividade dos atores (o “controle” dos trabalhadores seria, nessa perspectiva, o adequar-se a um acordo sobre a melhor maneira de produzir), e não um pressuposto da própria atividade de trabalhar, deixando-nos uma imagem do mundo do trabalho como a de uma permanente assembleia, na qual diferentes visões de mundo disputam a prevalência.19 19 Em sentido semelhante à “guerra dos deuses” weberiana (Weber, 1970, p. 41) Derrubado o ponto de vista normativo da exploração de seu pedestal “estrutural”, que permitia a denúncia de efeitos destrutivos enquanto o desvelamento de um véu, bem como a afirmação da sua tendência necessária à produção de conflitos internos insolúveis em função dos interesses contrapostos entre capital e trabalho, o que resta é uma multiplicidade desnorteadora de princípios de legitimação e justiça, que podem ser tão numerosos quanto as situações que os exijam, ainda mais se levarmos a sério a ênfase pragmatista na aplicação situada das categorias (Barthe et al., 2016BARTHE, Yannick; RÉMY, Catherine; TROM, Danny; LINHARDT, Dominique; BLIC, Damien de; HEURTIN, Jean-Philippe; LACNEAU, Éric; BELLAING, Cédric Moreau de; LEMIEUX, Cyril. (2016), “Sociologia pragmática: guia do usuário”. Sociologias, ano 18, nº 41, p. 84-129.). É justamente nesse ponto que surgem críticas sólidas. Tratarei aqui de duas: a de Axel Honneth e a de Pierre Dardot e Christian Laval. Elas nos reconduzirão à trilha do “controle”, ao final da qual partiremos para as considerações finais.

REABILITANDO O MUNDO ESTRUTURADO DO TRABALHO: DUAS CRÍTICAS A PARTIR DA PERSPECTIVA DO “CONTROLE”

Esferas diferenciadas de ação: a crítica de Axel Honneth

Honneth (2010)HONNETH, Axel. (2010), “Dissolutions of the Social: On the Social Theory of Luc Boltanski and Laurent Thévenot”. Constellations, v. 17, n. 3, p. 376–389. dirá que em Boltanski e Thévenot (2006)BOLTANSKI, Luc.; THÉVENOT, Laurent. (2006) On justification: economies of worth. New Jersey, Gallimard. o agente social dispõe de uma liberdade exagerada de interpretação e aplicação de princípios para a justificação de suas ações. Para ele, raramente os agentes estão livres para decidir quais princípios devem ser aplicados a determinada situação. Tratar-se-ia de um “estranho voluntarismo” que evidenciaria a ausência de uma reflexão sobre esferas institucionalizadas de ação.20 20 “O estudo parece funcionar com a noção de que os atores sempre realizam seus conflitos morais em condições de liberdade para decidir que ordem de justificação se utilizarão para tentar resolver o problema da ação em questão” (Honneth, 2010, p. 386 – tradução livre minha) Ele ilustra a crítica com dois exemplos: imaginemos que um pai proponha aos membros de sua família que ela seja organizada segundo princípios da “cité” de mercado, na qual é legítimo que cada membro aja conforme seu próprio interesse na concorrência por bens escassos (Boltanski e Thévenot, 2006, pBOLTANSKI, Luc.; THÉVENOT, Laurent. (2006) On justification: economies of worth. New Jersey, Gallimard..43); ou que um cientista proponha, em seu laboratório, a “cité” doméstica como modelo de coordenação das tarefas de pesquisa, na qual é legítimo estabelecer relações hierárquicas baseadas em laços pessoais (Boltanski e Thévenot, 2006, pBOLTANSKI, Luc.; THÉVENOT, Laurent. (2006) On justification: economies of worth. New Jersey, Gallimard..90). O problema não é afirmar que tais propostas sejam impossíveis de aparecerem realmente, mas ignorar que, em regra, isso não ocorre, porque na prática certos modelos de coordenação social são preferidos a outros em determinadas esferas de ação, e seu uso reiterado no tempo termina por produzir práticas institucionalizadas que não estão livremente abertas à negociação de seus princípios morais básicos, que lastreiam os acordos. Em suma, diz Honneth, embora produzam esferas abstratas consistentes de interpretação e justificação, Boltanski e Thévenot não atentam suficientemente para o clássico problema estrutural-funcionalista que diz respeito às esferas diferenciadas de ação.

A questão não é só empírica, de disputa sobre a existência de fato de práticas institucionalizadas – inclusive porque é possível argumentar que Boltanski e Thévenot reconhecem sua existência –, mas também teórica: os autores reduziriam em demasia o alcance do conceito de “ordem” como formulado na sociologia weberiana (Weber, 2009, pWEBER, Max. (2009) Economia e socidade: fundamentos da sociologia compreensiva. Vol. 1. Brasília, Editora UnB..19).21 21 “Toda ação, [e] especialmente a ação social e, por sua vez, particularmente a relação social, podem ser orientadas, pelo lado dos participantes, pela representação da existência de uma ordem legítima. A probabilidade de que isto ocorra de fato chamamos ‘vigência’ da ordem em questão” (Weber, 2009, p. 19). Isto é, argumentamos aqui que Boltanski e Thévenot percebem o mundo social como muito menos ordenado, pelo que se encontram mais próximos de Simmel que de Weber ou Marx. É este o sentido da crítica teórica de Honneth. Portanto, tomando os agentes sociais como muito mais capazes de ação e crítica do que seria empiricamente observável.22 22 Embora a crítica de Honneth soe bourdieusiana, no sentido de um recurso ao conceito de habitus, não é o caso. O próprio autor procura blindar-se contra essa interpretação, quando afirma ser o maior mérito de Boltanski e Thévenot precisamente desmontar o estruturalismo excessivamente determinista de Bourdieu, levando a sério as justificações produzidas pelos agentes. No entanto, ao fazê-lo os autores teriam “passado do ponto” (Honneth, 2010, p. 388). Em suma, Honneth louvará o esforço de levar a sério as justificações possíveis dos agentes para diferentes concepções de distribuições legítimas de bens, mas dirá que se trata de uma análise hermenêutica, e não sociológica, na medida em que não analisa como os diferentes princípios de justificação surgiram social e historicamente, mas os reconstrói a partir de fontes bibliográficas e situações empíricas estanques (Boltanski et al, 2014, pBOLTANSKI, Luc; HONNETH, Axel; CELIKATES, Robin. (2014). “Sociology of Critique or Critical Theory? Luc Boltanski and Axel Honneth in Conversation with Robin Celikates”. In: SUSEN, S.; TURNER, B. S. (Orgs.), The Spirit of Luc Boltanski: Essays on the ‘Pragmatic Sociology of Critique’. (pp. 561-589). Londres, Anthem Press.. 574).

De qualquer maneira, tal crítica exige a presença na análise de elementos estruturantes que organizam as práticas no ambiente de trabalho em determinados sentidos específicos; isto é, em formas de controle dos trabalhadores. Tomando-se a lição da sociologia pragmatista, podemos pensar que tais sentidos estão sempre em disputa, tendo que ser frequentemente reafirmados seus pressupostos em cada situação de “prova”. Mas não podemos nos furtar a perceber, na observação empírica das interações de trabalho cotidianas, que há uma assimetria das posições a partir das quais se posicionam os agentes para “negociarem” princípios morais, sobretudo aqueles relativos à justiça distributiva (remuneração, condições de trabalho, prestígio profissional etc.). Isto é, uma sociologia pragmatista do trabalho, embora se permita renunciar à noção marxista de “exploração” por sua propensão à simetrização moral das justificações possíveis, não pode fazê-lo quanto à noção weberiana de dominação (“(a) probabilidade de encontrar obediência a uma ordem” (Weber, 2009, pWEBER, Max. (2009) Economia e socidade: fundamentos da sociologia compreensiva. Vol. 1. Brasília, Editora UnB.. 33), sob o risco de ser incapaz de perceber as linhas de força que determinam quais seriam as justificações mais ou menos legítimas para ambientes de trabalho particulares.

Tecnologia estruturante: o neoliberalismo como nova razão do mundo (do trabalho)

Passemos à segunda crítica. Ao criticarem a obra de Boltanski e Ève Chiapello (2009), Pierre Dardot e Christian Laval (2016) os acusam de tomarem a expressão retórica da organização capitalista contemporânea enquanto definidora da sua realidade.23 23 É interessante constatar, como expressão da diferença epistemológica fundamental entre os autores, o fato de que os títulos das suas obras aqui comentadas possuírem uma estrutura bastante semelhante: se tomarmos as palavras “mundo” e “capitalismo” como intercambiáveis, teremos a disputa entre quem procura explicar o mesmo fenômeno (a organização da subjetividade necessária ao capitalismo contemporâneo) da perspectiva do “espírito” (“O novo espírito do capitalismo”) e quem deseja fazê-lo da perspectiva de uma “racionalidade” (“A nova razão do mundo”). Os primeiros definem o “espírito” como “a ideologia que justifica o engajamento no capitalismo” (Boltanski; Chiapello, 2009, p. 39), enquanto os segundos se afastam decididamente deste conceito, tratando a racionalidade como um “regime de evidências” que se impôs por uma ampliação progressiva de “sistemas disciplinares”, que teriam produzido um “único quadro de inteligibilidade da conduta humana” (Dardot; Laval, 2016, p. 193). Trata-se, portanto, no caso dos últimos, de explicitar a centralidade causal de uma razão geral configuradora da ordem social. Nesta obra Boltanski e Chiapello constroem o que seria uma nova “cité” (o “espírito” do título do livro) hegemônica no mundo empresarial da década de 90, organizada a partir das noções de “engajamento”, “flexibilidade” e “polivalência”. De maneira semelhante à crítica de Honneth aos escritos de Boltanski e Thévenot, neste caso Dardot e Laval afirmarão a existência de uma determinação estrutural central para a análise do trabalho que teria sido ignorada pela abordagem pragmatista. A crítica ficará mais clara se passarmos rapidamente por seu argumento geral.

Os autores afirmam que, diferentemente do liberalismo econômico clássico, o neoliberalismo (cujos principais formuladores seriam Ludwig Von Mises e Friedrich Hayek) teria realizado uma torção semântica de duas noções liberais fundamentais: a concorrência e o papel do empreendedor. Radicalizando o primeiro, Hayek e Mises teriam passado a tomar o mercado não como o lugar em que diferentes interesses se encontram e se complementam e que, deixado seu funcionamento livre de intervenções “externas” (leia-se politicamente orientadas), chegaria ao equilíbrio ótimo; mas simplesmente como o lugar em que diferentes empreendedores disputam em livre concorrência por oportunidades de lucro. O Estado é denunciado por ser não apenas um freio ao desenvolvimento, posto prejudicar a formação do equilíbrio ótimo, mas principalmente por tornar indolente o empreendedor que não se encontra em um estado de concorrência permanente (Dardot e Laval, 2016, pDARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo.. 136).

O próprio “mercado” tem seu estatuto teórico modificado: deixa de ser um “ambiente”, um “meio”, o lugar de reunião entre compradores e vendedores, para tornar-se um processo, uma forma de interação que, se deixada livre de intervenções, produz seus próprios agentes competentes, o seu próprio sujeito; “o mercado é um processo de formação de si” (Dardot e Laval, 2016, pDARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo.. 145 – grifo dos autores). E a formação para a qual procura conduzir os trabalhadores é a do sujeito que deve empreender a si próprio: a concorrência permanente, no mercado de trabalho amplo ou interno à organização na qual se trabalha, exige a autovalorização também permanente, a busca incessante de novas oportunidades, em disputa aberta contra outros em situação semelhante.

Em consonância com Honneth, os autores de “A nova razão do mundo” criticam Boltanski e Chiapello por tomarem ao pé da letra o que seria “a face sedutora e estritamente retórica dos novos modos de poder” (Dardot e Laval, 2016, pDARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo.. 330). Eles concordam que a literatura gerencial utilizada por Boltanski e Chiapello para caracterizar o conjunto de princípios que guiam o “novo espírito” fazem, de fato, uma crítica à indústria burocratizada e uma apologia da incerteza e da flexibilidade; no entanto – e esse ponto é central –, os autores criticados não teriam se dado conta de que a produção de uma nova subjetividade é feita mediante o recurso a técnicas específicas, subestimando o caráter propriamente disciplinar do discurso gerencial, e ressaltando sua existência enquanto item de um cardápio retórico, simétrico a outros itens. Retomando o fio da meada deste artigo, trata-se aqui, mais uma vez, da questão do controle do trabalhador, que ganha agora em profundidade.

Haveria um “novo governo” do trabalho, corolário de uma “nova razão” do capitalismo global, que não se consubstancia apenas enquanto um espírito, mas enquanto uma técnica de governo dos homens no trabalho. Nele, a empresa é o espaço da competição de todos contra todos. Mais que isso: cada indivíduo é uma empresa e, enquanto tal, está necessariamente em relação de concorrência com todos os outros, agindo sobre si mesmo de modo a tornar-se cada vez mais eficaz, produtivo e perspicaz, capaz de perceber antes de todos as novas “oportunidades” no “mercado” – confundindo-se este, portanto, com o mundo inteiro, com a própria vida. É esta a grande inovação especificamente política da racionalidade neoliberal, tornada possível mediante uma tecnologia específica de subjetivação.

É por isso que os autores veem a ponta de lança do capitalismo neoliberal não em meios de construção de um modelo de justificação do engajamento no trabalho, como o fazem Boltanski e Chiapello, mas em uma revolução gerencial (Dardot e Laval, 2016, pDARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo.. 136), que teria produzido todo um corpo de instrumentos de intervenção nas condutas dos trabalhadores.24 24 “As técnicas de gestão (avaliação, projeto, normatização dos procedimentos, descentralização) supostamente permitem objetivar a adesão do indivíduo à norma de conduta que se espera dele (...). No entanto, o essencial não é a verdade dessa medição, mas o tipo de poder que é exercido ‘profundamente’ sobre o sujeito impelido a ‘entregar-se completamente’, a ‘transcender-se’ pela empresa, a ‘motivar-se’ cada vez mais para satisfazer o cliente” (Dardot e Laval, 2016, p. 331).

É interessante notar como a dimensão na qual encontramos o fundamento da crítica de Dardot e Laval a Boltanski e Chiapello é a mesma da crítica dos primeiros às obras de Michael Hardt e Antonio Negri, realizada em outra obra (Dardot e Laval, 2017DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2017), Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo Editorial.). Na avaliação de Dardot e Laval, Hardt e Negri se equivocam ao afirmar que “o trabalho já teria se emancipado do comando do capital” (Dardot; Laval, 2017, pDARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2017), Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo Editorial.. 208) por conta da incapacidade do último em organizar a cooperação criativa e fecunda entre cérebros, típica da produção imaterial – produção esta que seria atualmente hegemônica.25 25 “O trabalho imaterial tornou-se hegemônico em termos qualitativos, tendo imposto uma tendência a outras formas de trabalho e à própria sociedade” (Hardt e Negri, 2005, p. 151 – grifos dos autores). Para Dardot e Laval, os autores de “Multidão” estariam adotando a equivocada posição proudhoniana segundo a qual o capitalista não teria participação ativa na produção de mercadorias, apenas na apropriação do mais-valor.26 26 Para Hardt e Negri (2005), diferentemente do capitalista analisado por Marx, que convocava seus operários para a fábrica e organizava a produção, “no paradigma da produção imaterial, em contrapartida, o próprio trabalho tende a produzir diretamente os meios de interação, comunicação e cooperação” (Hardt e Negri, 2005, p. 195) Em outras palavras, o circuito produtivo estaria atualmente prescindindo do capitalista; este seria, portanto, pouco mais que um parasita do trabalho alheio, sem qualquer função produtiva.27 27 “A tese principal dos defensores do capitalismo cognitivo diz que a cooperação não é, ou deixou de ser, efeito da dominação direta do capital sobre o trabalho vivo, mas, ao contrário, é um processo exterior, social e comum, no sentido de se desenvolver na sociedade, fora dos locais de produção” (Dardot e Laval, 2017, p. 208-9) Dardot e Laval (2017)DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2017), Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo Editorial. criticam duramente essa posição, por eles considerada “otimista”, na medida em que vê como já existentes as condições de superação do capitalismo sob a hegemonia da produção imaterial.

Em ambas as críticas, trata-se de apontar a insuficiência das formulações quanto à produção de subjetividades pela empresa capitalista contemporânea. Se Boltanski e Chiapello (2009)BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. (2009), O novo espírito do capitalismo. São Paulo, WMF Martins Fontes. teriam superestimado o poder persuasivo das novas ideologias gerenciais (que, não obstante, seguem sendo importantes em sua função ideológica), ignorando a força disciplinar prática que é o elemento decisivo no estabelecimento da governamentalidade empresarial28 28 “Ora, o que as evoluções do ‘mundo do trabalho’ mostram de modo cada vez mais claro é justamente a importância decisiva das técnicas de controle no governo das condutas” (Dardot e Laval, 2016, p. 330) , Hardt e Negri (2005)HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. (2005), Multidão: guerra e democracia na era do Império. Rio de Janeiro, Editora Record., por seu turno, teriam subestimado a capacidade da agência capitalista de penetrar e moldar subjetividades.29 29 “A principal crítica que lhe pode ser feita [à tese de Hardt e Negri] é a de que subestima o enquadramento e o comando do trabalho pelas novas formas de governamentalidade neoliberal nas empresas e confunde a autonomia operária com as novas formas de poder por meio das quais o capital molda o processo do trabalho cognitivo e as subjetividades. Não que os autores desconheçam o que chamam de ‘prescrições da subjetividade’, mas é que não as reconhecem pelo que são, isto é, as novas formas de subsunção do trabalho ao capital que passam pela orientação flexível e indireta das condutas” (Dardot e Laval, 2017, p. 213). Note-se, nesta citação, a adoção da “hipótese da produtividade do poder” foucaultiana, segundo a qual “o poder não impede de agir, mas faz agir; o poder não subtrai, mas acrescenta e faz crescer. Em suma, o poder em suas formas modernas não suprime nem enfraquece as forças supostamente naturais e primeiras da vida ou da sociedade, ele não toma os recursos existentes, ele organiza, estrutura, compõe forças para criar e maximizar os recursos disponíveis para poucos ou para muitos. É um ‘poder destinado a produzir forças’, que ‘produz o real’” (Laval, 2005, p. 31 – tradução livre minha)

Dentro da dicotomia com a qual venho trabalhando nesse artigo, podemos dizer que Dardot e Laval privilegiam a perspectiva bravermaniana na medida em que procuram, em ambas as críticas comentadas, reconduzir a análise do trabalho para a questão do seu controle, isto é, da garantia do uso eficiente da força de trabalho no processo de valorização do capital. E a leva ainda mais fundo, visto que não se trata apenas de um controle coercitivo, que faz sujeitos passivos, objetos do poder, agirem a contragosto conforme desejam os poderosos; os empreendimentos capitalistas contemporâneos, com o uso que fazem das disciplinas “psi” e de uma miríade de técnicas de gestão, procuram colonizar o próprio desejo dos sujeitos, de modo que estes queiram agir conforme dispõe a racionalidade neoliberal.30 30 Zanon (2019) produziu uma investigação brasileira recente baseada diretamente sobre tal premissa. A este processo os autores darão o nome de “subsunção subjetiva” do trabalho ao capital, “variante e grau superior da ‘subsunção real’ analisada por Marx” (Dardot e Laval, 2017, pDARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2017), Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo Editorial.. 215).

Se em Braverman o controle era visto enquanto uma imposição sobre os corpos e mentes dos trabalhadores na qual o interesse do capital é evidente, em Dardot e Laval (2016)DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo. esse controle procura “vincular diretamente a maneira como um homem ‘é governado’ à maneira como ele próprio ‘se governa’” (p. 333) por meio, sobretudo, de tecnologias gerenciais.31 31 Os próprios autores são econômicos no oferecimento de exemplos empíricos particulares de tais tecnologias, embora denunciem a acentuação do disciplinamento dos trabalhadores mediante “um regime de autodisciplina que manipula as instâncias psíquicas de desejo e culpa” (Dardot e Laval, 2016, p. 229). De minha parte, pelo menos um instrumento me parece central: os dispositivos de remuneração variável, cujo impacto nas condições de vida e na subjetividade de vendedores comissionados franceses já foi analisado por Sophie Bernard (2020). Procurei analisar o mesmo instrumento no contexto brasileiro em Magaldi (2022a – para um tratamento empírico mais pormenorizado, ver 2022b). Dessa perspectiva, a “sociologia da crítica” proposta por Boltanski, Thévenot, Dubet e outros realmente parece pálida, ou mesmo ingênua: frente a uma colonização que chega às raias do próprio desejo, não é razoável pressupor um mundo muito permeável à livre atividade crítica dos agentes.

Da análise do controle despótico do capital sobre o trabalho, apresentada classicamente por Marx, passando pela crítica do taylorismo em Braverman (1977)BRAVERMAN, Harry. (1977), Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro, Zahar Editores. e chegando à perspectiva de Dardot e Laval, (2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo.; 2017DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2017), Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo Editorial.) podemos notar uma linha de afirmação do recrudescimento do controle do capital sobre o trabalho: despotismo transparente, imposição disciplinar taylorista e colonização do desejo do trabalhador. Três momentos, diferentes em termos da intensidade e do tipo de controle, mas que se apresentam com o mesmo sentido de garantir a exploração da força de trabalho pelo capitalista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que o resultado seja estilizado, o foco em determinadas disjuntivas é útil no estabelecimento de bases teóricas comparativas sólidas. Procurei utilizar esse expediente quando tomei por centro deste trabalho a contraposição “controle” versus “consenso”, retirada originalmente da obra gramsciana, mas que teve um longo percurso no interior dos estudos do trabalho, e que continua sendo utilizada hoje. É importante reafirmar que a disjuntiva é antes um instrumento heurístico útil para iluminar as características particulares de cada contribuição analisada.

Assim, podemos concluir que, na linha dos autores que privilegiam o “controle”, tende-se a produzir uma sociologia política que recorre a metáforas do tipo “descoberta”, “suspensão do véu”, ou “tomada de consciência”, e que leva a explicações da mudança social que ressaltam o momento no qual a verdade se “desvela” aos agentes, geralmente mediante a intervenção de um terceiro, seja o partido (no caso do leninismo), seja o intelectual (na linha weberiana [Weber, 1971, pWEBER, Max. (1971), Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, Zahar Editores.. 211-228], caso também de Bourdieu [2009, pBOURDIEU, Pierre. (2009), O poder simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil.. 133-162]). Aqui, a crítica existe apenas enquanto potência, isto é, enquanto condição necessária, mas não suficiente, da transformação. Para se efetivar, ela precisa que os aptos a perceber o movimento das estruturas “fertilizem” o meio social por meio de um desvelamento em massa da sua realidade concreta. É a típica problemática da “tomada de consciência”, da passagem da “classe em si” para a “classe para si” (Marx, 2009, pMARX, Karl. (2009), O Capital: crítica da economia política. Livro primeiro: O processo de produção do capital. Vol. 2. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.. 190). Trata-se de explicitar os interesses que presidem, desde a origem, as relações entre trabalhadores e empregadores, e que determinariam, em última instância, as relações no ambiente de trabalho. A análise sociológica deste tipo está também fortemente engajada nessa denúncia.

Nesse sentido, é possível concluir por uma “gramática” desse ângulo de análise do trabalho, constituído pela constelação interesses-controle-classe-conflito, e que encontra nas recentes contribuições de Dardot e Laval (2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo.; 2017DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2017), Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo Editorial.), aqui apresentadas de forma sucinta, um representante capaz de fazer avançar ainda mais a investigação. Segundo os autores, é nas técnicas específicas da revolução gerencial dos últimos anos que devemos enxergar o centro da nova forma de dominação, a racionalidade neoliberal.32 32 Seria “no campo do management que essa orientação [neoliberal] encontrou sua expressão mais forte” (Dardot e Laval, 2016, p. 136). Portanto, é a partir da investigação e da crítica delas que devemos derivar uma sociologia política do trabalho adequada ao nosso tempo. Neles, a crítica do controle do trabalho toma a forma da crítica aos novos instrumentos de gerenciamento da força de trabalho.

Já a linha que privilegia a análise do “consenso” tende a tomar as interpretações críticas dos agentes sociais sobre a sua realidade como a própria base do real, manifestação a partir da qual seria possível vislumbrar uma crítica eficaz do percebido como existente. Tende-se a perceber o real como um fluxo constante, sempre passível de ser dissolvido e reposto. A questão para a sociologia do trabalho nessa linha – e que Gramsci (2007)GRAMSCI, Antonio. (2007), Cadernos do cárcere, volume 4. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. percebeu seminalmente em seus escritos sobre o fordismo –, é que a atividade de trabalhar exige que os trabalhadores sejam constantemente convencidos da justiça de sua situação subordinada, para que não partam para a adoção de critérios de justiça alternativos, críticos à sua situação atual. O seu desenvolvimento nos conduziu a uma sociologia política do trabalho mais plural que a anterior (o que não significa que seja melhor, frise-se33 33 Como bem escreve John Rawls, a virtude primeira de um sistema de pensamento é a verdade, e não a elegância ou a economia (Rawls, 2016, p. 4) (ou a erudição, eu acrescentaria). ) – por se posicionar mais próxima das situações cotidianas vividas pelos trabalhadores, ela tende a tratar o surgimento e a efetivação da crítica ao trabalho como complexo e multifacetado, irredutível a uma noção unívoca de “interesses”. A sociologia política derivada desta linha se obriga a analisar as diferentes visões de mundo que fundamentam os acordos existentes nos lugares onde a atividade de trabalhar ocorre (e as diferentes críticas que eles carregam) como passíveis de serem reais, porque são reais para os agentes, e abdica da possibilidade de indicar uma realidade “mais real” que as outras por meio da denúncia da “falsidade” da atual.

Se, por um lado, essa postura “descafeina” a tradicional crítica marxista à exploração dos trabalhadores, uma vez que a coloca como uma das críticas possíveis dentre outras, por outro, ela permite ao pesquisador reconstruir um mundo da crítica ao trabalho mais rico e multifacetado, uma vez que não trata quaisquer visões de mundo como “ilusórias” ou “manipulatórias” – libertando-nos da perspectiva unidimensional da caracterização “classista” dos conflitos, que trata como irreal ou falsos os conflitos que não ocorrem em seus termos –, mas como perspectivas que disputam umas com as outras pelo privilégio da vigência. Isto não significa abandonar a crítica da exploração, mas demonstrar que ela não é a única possível, nem a única que produz efeitos sociais no mundo do trabalho.34 34 Para um exemplo de pesquisa que articula com acuidade a complexidade dos sentidos atribuídos ao trabalho e a crítica da exploração, ver Rangel (2021).

Uma e outra perspectiva podem ser igualmente fecundas, vez que, ao aguçarem os ângulos de análise que partem do “controle” ou do “consenso”, oferecem amplas agendas de pesquisa à sociologia do trabalho contemporânea. Apresentando-as lado a lado em um diálogo crítico, seus pressupostos e desdobramentos esclarecem-se mutuamente.

AGRADECIMENTOS

Agradeço as observações e comentários feitos à primeira versão deste artigo pelos membros do Laboratório de Estudos sobre Trabalho, Profissões e Mobilidades da UFSCar (LESTM-UFSCar), especialmente a Aline Suellen Pires, Felipe Rangel e Danilo Mendes. Agradeço igualmente aos pareceristas anônimos da RBCS, cujos comentários contribuíram muito para o aprimoramento do texto final. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

  • 1
    “[A] questão que se debate aqui não é o maior ou menor grau de desenvolvimento dos antagonismos sociais oriundos das leis naturais da produção capitalista, mas estas leis naturais, estas tendências que operam e se impõem com férrea necessidade” (Marx, 2008, pMARX, Karl. (2008), O Capital: crítica da economia política. Livro primeiro: o processo de produção do capital. Vol. 1. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.. 16)
  • 2
    Note-se aliás que este “sentido explicativo” também está imbuído de normatividade, na medida em que determina a priori o lugar privilegiado da produção de conflitos de classe em detrimento de outros espaços (a igreja, o bar, o esporte etc.). Agradeço à Felipe Rangel a perspicaz observação deste ponto.
  • 3
    A referida Reforma Trabalhista foi implementada pela Lei Federal nº 13.467, que entrou em vigor em 11 de novembro de 2017, e que alterou mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
  • 4
    Para um balanço da literatura de língua inglesa sobre estes dois conceitos nas décadas de 1970 e 1980, ver Ramalho (2008)RAMALHO, José Ricardo. (2008), “Novas fronteiras de pesquisa na sociologia do trabalho”. Política & Sociedade, n. 13, p. 229–249.
  • 5
    Nome pelo qual ficou conhecida a região do estado de São Paulo na qual se encontram os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, primeira região central da indústria automobilística brasileira. Para uma visão particularmente rica sobre os movimentos sociais da região nesta época, ver Sader (1988)SADER, Eder. (1988). Quando novos personagens entram em cena: falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-1980. Rio de Janeiro, Paz e Terra..
  • 6
    A sociologia do trabalho brasileira nos oferece uma rica produção de revisões bibliográficas, o que nos permite notar a variação no tempo de suas problemáticas centrais. Além das já citadas, ver Castro e Leite (1994)CASTRO, Nadya Araujo; LEITE, Márcia de Paula. (1994), “A sociologia do trabalho industrial no Brasil: desafios e interpretações”. BiB – Boletim Informativo e Bibliográfico, nº37, p. 39-59. e Guimarães (2004)GUIMARÃES, Nadya Araujo. (2004), Caminhos cruzados: estratégias de empresas e trajetórias de trabalhadores. São Paulo: Ed. 34..
  • 7
    Para um longo desenvolvimento da crítica a este “determinismo latente”, ver Lockwood (1992)LOCKWOOD, David. (1992), Solidarity and schism: “the problem of disorder” in durkheimian and marxist sociology. Oxford, Oxford University Press.
  • 8
    Como penso ser o caso, por exemplo, da “inquietação operária” de Braga (2012, pBRAGA, Ruy. (2012), A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo, Boitempo.. 130).
  • 9
    A sociologia pragmática francesa, ou sociologia pragmatista, ou ainda “sociologia das provas”, que tem na obra De la justification, de Luc Boltanski e Laurent Thévenot (2006), seu marco seminal, foi um movimento intelectual surgido em meados da década de 80, na França, e que produziu um amálgama inovador entre interacionismo, etnometodologia, teoria da ação, pragmatismo filosófico e antropologia das ciências (Barthe et al., 2016BARTHE, Yannick; RÉMY, Catherine; TROM, Danny; LINHARDT, Dominique; BLIC, Damien de; HEURTIN, Jean-Philippe; LACNEAU, Éric; BELLAING, Cédric Moreau de; LEMIEUX, Cyril. (2016), “Sociologia pragmática: guia do usuário”. Sociologias, ano 18, nº 41, p. 84-129.).
  • 10
    Me refiro aqui ao “último Simmel” (2010SIMMEL, Georg. (2010), The view of life. Chicago, The University of Chicago Press., cap. 1).
  • 11
    “Teste” é o nome dado ao processo por meio do qual os participantes de uma interação comprovam o valor (no sentido de “grandeza”, não no de valor axiológico) de pessoas e objetos (ou sua ausência) e, assim, resolvem disputas quanto à justiça de uma determinada situação (Boltanski; Thévenot, 2006BOLTANSKI, Luc.; THÉVENOT, Laurent. (2006) On justification: economies of worth. New Jersey, Gallimard.:133)
  • 12
    A propósito, ressaltamos aqui a proximidade da função teórica dos “momentos críticos” de Boltanski e Thévenot com a interpretação de David Lockwood (1992)LOCKWOOD, David. (1992), Solidarity and schism: “the problem of disorder” in durkheimian and marxist sociology. Oxford, Oxford University Press. do conceito durkheimiano de “anomia”: um estado de desorganização das hierarquias estabelecidas e o consequente imperativo de re-produção de uma ordem, isto é, de uma classificação legítima de pessoas e objetos. A semelhança, no entanto, se restringe à função teórica: certamente o alcance da situação anômica em Durkheim se propunha a ser mais ampla que uma rápida contenda situada, como a do exemplo dado. De qualquer forma, o movimento que se busca explicar é o mesmo, e a referência a Durkheim pode ser esclarecedora.
  • 13
    Modelo ideal de justiça é nomeado como cité no original francês, e polity, na tradução para o inglês.
  • 14
    Para tanto, remeto o leitor interessado para as várias obras disponíveis sobre o assunto. À De la justification, escrita em co-autoria com Laurent Thévenot (2006), seguiram-se outras obras que desenvolveram a proposta inicial (Boltanski e Chiapello, 2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. (2009), O novo espírito do capitalismo. São Paulo, WMF Martins Fontes.; Boltanski, 2011; 2012BOLTANSKI, Luc. (2011), On critique: a sociology of emancipation. Cambridge, Polity Press.). Para uma leitura sistemática brasileira de seus escritos, leia-se Corrêa (2014)CORRÊA, Diogo Silva. (2014), “Do problema do social ao social como problema: elementos para uma leitura da sociologia pragmática francesa”. Política & Trabalho, n. 40, p. 35–62, 2014. e Corrêa e Dias (2016)CORRÊA, Diogo Silva; DIAS, Rodrigo de Castro. (2016), “Crítica e os momentos críticos: De la Justification e a guinada pragmática na sociologia francesa”. Mana, v. 22, n. 1, p. 67–99.; para uma avaliação crítica recente do conjunto de sua obra, leia-se Susen e Turner (2014), eSUSEN, Simon.; TURNER, Bryan S. (2014), The Spirit of Luc Boltanski: Essays on the ‘Pragmatic Sociology of Critique’. Londres, Anthem Press. Celikates (2012)CELIKATES, Robin. (2012), “O não reconhecimento sistemático e a prática da crítica: Bourdieu, Boltanski e o papel da Teoria Crítica”. Novos Estudos, n. 93, p. 29–42.. Mas não apenas de Boltanski vive a sociologia pragmatista francesa – veja-se Barthe et al. (2016)BARTHE, Yannick; RÉMY, Catherine; TROM, Danny; LINHARDT, Dominique; BLIC, Damien de; HEURTIN, Jean-Philippe; LACNEAU, Éric; BELLAING, Cédric Moreau de; LEMIEUX, Cyril. (2016), “Sociologia pragmática: guia do usuário”. Sociologias, ano 18, nº 41, p. 84-129.. Quanto ao uso de seus conceitos em análises empíricas, veja-se Werneck (2013WERNECK, Alexandre. (2013), “Sociologia da moral como sociologia da agência”. Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 12, n. 36, p. 704–718., 2015WERNECK, Alexandre. (2015), “Dar uma zoada”, “botar a maior marra”: dispositivos morais de jocosidade como formas de efetivação e sua relação com a crítica”. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 58, n. 1, p. 187–221.) e Werneck e Loretti (2018)WERNECK, Alexandre; LORETTI, Pricila. (2018), “Critique-form, forms of critique: the different dimensions of the discourse of discontent”. Sociologia & Antropologia, v. 8, n. 3, p. 973–1008. – referências estas, frise-se, não exaustivas, mas que certamente abrirão caminho para um manancial de literatura especializada.
  • 15
    Distinção esta típica da sociologia clássica do século XIX, independentemente da tradição à que nos refiramos (Boltanski, 2012BOLTANSKI, Luc. (2012), Love and justice as competences. Cambridge, Polity Press.:20).
  • 16
    Noção, a propósito, cuja hegemonia moderna Hirschman (1979)HIRSCHMAN, Albert. (1979), As paixões e os interesses: argumentos políticos a favor do capitalismo antes de seu triunfo. Rio de Janeiro, Paz e Terra. demonstrou ser resultado de um empobrecimento do pensamento social e político europeu produzido até o estabelecimento definitivo do capitalismo industrial naquele continente, empobrecimento este efeito do desterro da análise das paixões – levada a cabo, por exemplo, por Montesquieu e Steuart, muito mais rica que o foco exclusivo no interesse –, e que segue seu curso até hoje. O próprio foco pragmatista nos modos de justificação, inclusive, embora signifique um avanço frente à monocausalidade representada pelas análises baseadas exclusivamente no “interesse”, não pretende trazer de volta à análise elementos ditos “irracionais”, as paixões, vez que se mantém no registro da representação racionalista do social.
  • 17
    Ao aplicar parte dessas reflexões em suas pesquisas sobre os sentimentos de injustiça na experiência do trabalho, François Dubet (2014) nosDUBET, François. (2014), Injustiças: a experiência das desigualdades no trabalho. Florianópolis, Editora UFSC. oferece uma boa ilustração do argumento. Da mesma maneira que Boltanski e Thévenot elaboram uma “gramática” de modelos de justificação (as cités [2006:63]), Dubet elabora uma “gramática” de princípios a partir dos quais os indivíduos interpretariam sua realidade percebida no trabalho como justa ou injusta, com ênfase sobre o impulso crítico de cada princípio “fundamental” encontrado dentre os sujeitos entrevistados. São eles: “igualdade”, “mérito” e “autonomia”. O autor afirma ser possível construir conjuntos de princípios de justiça de composição singular (“figuras de justiça” [2014: 273], que poderíamos chamar de “cités” singulares, na terminologia de Boltanski e Thévenot) articulados a contextos de trabalho similares, no interior dos quais cada princípio legítimo geral teria um peso relativo próprio.
  • 18
    O próprio Boltanski já se disse um crítico desse dogmatismo (Rosatti; Bonaldi; Ferreira, 2014, pROSATTI, Camila Gui; BONALDI, Eduardo Vilar; FERREIRA, Mariana Toledo. (2014), “Uma crítica para o presente: entrevista com Luc Boltanski”. Plural, v. 21, nº1, pp. 217-230.. 225)
  • 19
    Em sentido semelhante à “guerra dos deuses” weberiana (Weber, 1970, pWEBER, Max. (1970), Ciência e política: duas vocações. São Paulo, Cultrix.. 41)
  • 20
    “O estudo parece funcionar com a noção de que os atores sempre realizam seus conflitos morais em condições de liberdade para decidir que ordem de justificação se utilizarão para tentar resolver o problema da ação em questão” (Honneth, 2010, pHONNETH, Axel. (2010), “Dissolutions of the Social: On the Social Theory of Luc Boltanski and Laurent Thévenot”. Constellations, v. 17, n. 3, p. 376–389.. 386 – tradução livre minha)
  • 21
    “Toda ação, [e] especialmente a ação social e, por sua vez, particularmente a relação social, podem ser orientadas, pelo lado dos participantes, pela representação da existência de uma ordem legítima. A probabilidade de que isto ocorra de fato chamamos ‘vigência’ da ordem em questão” (Weber, 2009, pWEBER, Max. (2009) Economia e socidade: fundamentos da sociologia compreensiva. Vol. 1. Brasília, Editora UnB.. 19). Isto é, argumentamos aqui que Boltanski e Thévenot percebem o mundo social como muito menos ordenado, pelo que se encontram mais próximos de Simmel que de Weber ou Marx. É este o sentido da crítica teórica de Honneth.
  • 22
    Embora a crítica de Honneth soe bourdieusiana, no sentido de um recurso ao conceito de habitus, não é o caso. O próprio autor procura blindar-se contra essa interpretação, quando afirma ser o maior mérito de Boltanski e Thévenot precisamente desmontar o estruturalismo excessivamente determinista de Bourdieu, levando a sério as justificações produzidas pelos agentes. No entanto, ao fazê-lo os autores teriam “passado do ponto” (Honneth, 2010,HONNETH, Axel. (2010), “Dissolutions of the Social: On the Social Theory of Luc Boltanski and Laurent Thévenot”. Constellations, v. 17, n. 3, p. 376–389. p. 388).
  • 23
    É interessante constatar, como expressão da diferença epistemológica fundamental entre os autores, o fato de que os títulos das suas obras aqui comentadas possuírem uma estrutura bastante semelhante: se tomarmos as palavras “mundo” e “capitalismo” como intercambiáveis, teremos a disputa entre quem procura explicar o mesmo fenômeno (a organização da subjetividade necessária ao capitalismo contemporâneo) da perspectiva do “espírito” (“O novo espírito do capitalismo”) e quem deseja fazê-lo da perspectiva de uma “racionalidade” (“A nova razão do mundo”). Os primeiros definem o “espírito” como “a ideologia que justifica o engajamento no capitalismo” (Boltanski; Chiapello, 2009, pBOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. (2009), O novo espírito do capitalismo. São Paulo, WMF Martins Fontes.. 39), enquanto os segundos se afastam decididamente deste conceito, tratando a racionalidade como um “regime de evidências” que se impôs por uma ampliação progressiva de “sistemas disciplinares”, que teriam produzido um “único quadro de inteligibilidade da conduta humana” (Dardot; Laval, 2016, pDARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo.. 193). Trata-se, portanto, no caso dos últimos, de explicitar a centralidade causal de uma razão geral configuradora da ordem social.
  • 24
    “As técnicas de gestão (avaliação, projeto, normatização dos procedimentos, descentralização) supostamente permitem objetivar a adesão do indivíduo à norma de conduta que se espera dele (...). No entanto, o essencial não é a verdade dessa medição, mas o tipo de poder que é exercido ‘profundamente’ sobre o sujeito impelido a ‘entregar-se completamente’, a ‘transcender-se’ pela empresa, a ‘motivar-se’ cada vez mais para satisfazer o cliente” (Dardot e Laval, 2016, pDARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo.. 331).
  • 25
    “O trabalho imaterial tornou-se hegemônico em termos qualitativos, tendo imposto uma tendência a outras formas de trabalho e à própria sociedade” (Hardt e Negri, 2005, pHARDT, Michael; NEGRI, Antonio. (2005), Multidão: guerra e democracia na era do Império. Rio de Janeiro, Editora Record.. 151 – grifos dos autores).
  • 26
    Para Hardt e Negri (2005), diferentemente do capitalista analisado por Marx, que convocava seus operários para a fábrica e organizava a produção, “no paradigma da produção imaterial, em contrapartida, o próprio trabalho tende a produzir diretamente os meios de interação, comunicação e cooperação” (Hardt e Negri, 2005, pHARDT, Michael; NEGRI, Antonio. (2005), Multidão: guerra e democracia na era do Império. Rio de Janeiro, Editora Record.. 195)
  • 27
    “A tese principal dos defensores do capitalismo cognitivo diz que a cooperação não é, ou deixou de ser, efeito da dominação direta do capital sobre o trabalho vivo, mas, ao contrário, é um processo exterior, social e comum, no sentido de se desenvolver na sociedade, fora dos locais de produção” (Dardot e Laval, 2017,DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2017), Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo Editorial. p. 208-9)
  • 28
    “Ora, o que as evoluções do ‘mundo do trabalho’ mostram de modo cada vez mais claro é justamente a importância decisiva das técnicas de controle no governo das condutas” (Dardot e Laval, 2016, pDARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo.. 330)
  • 29
    “A principal crítica que lhe pode ser feita [à tese de Hardt e Negri] é a de que subestima o enquadramento e o comando do trabalho pelas novas formas de governamentalidade neoliberal nas empresas e confunde a autonomia operária com as novas formas de poder por meio das quais o capital molda o processo do trabalho cognitivo e as subjetividades. Não que os autores desconheçam o que chamam de ‘prescrições da subjetividade’, mas é que não as reconhecem pelo que são, isto é, as novas formas de subsunção do trabalho ao capital que passam pela orientação flexível e indireta das condutas” (Dardot e Laval, 2017, pDARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2017), Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo Editorial.. 213). Note-se, nesta citação, a adoção da “hipótese da produtividade do poder” foucaultiana, segundo a qual “o poder não impede de agir, mas faz agir; o poder não subtrai, mas acrescenta e faz crescer. Em suma, o poder em suas formas modernas não suprime nem enfraquece as forças supostamente naturais e primeiras da vida ou da sociedade, ele não toma os recursos existentes, ele organiza, estrutura, compõe forças para criar e maximizar os recursos disponíveis para poucos ou para muitos. É um ‘poder destinado a produzir forças’, que ‘produz o real’” (Laval, 2005, pLAVAL, Christian. (2005), “La productivité du pouvoir”. In: LAVAL, Christian; PALTRINIERI, Luca; TAYLAN, Ferhat. Marx & Foucault: lectures, usages, confrontations. Paris, Éditions La Découverte.. 31 – tradução livre minha)
  • 30
    Zanon (2019)ZANON, Breilla. (2019), “Não era amor, era cilada”: startups, coworkings e a mobilização do desejo pelo mundo do trabalho. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (PPGS-UFSCar). São Carlos, 185p. produziu uma investigação brasileira recente baseada diretamente sobre tal premissa.
  • 31
    Os próprios autores são econômicos no oferecimento de exemplos empíricos particulares de tais tecnologias, embora denunciem a acentuação do disciplinamento dos trabalhadores mediante “um regime de autodisciplina que manipula as instâncias psíquicas de desejo e culpa” (Dardot e Laval, 2016, pDARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo.. 229). De minha parte, pelo menos um instrumento me parece central: os dispositivos de remuneração variável, cujo impacto nas condições de vida e na subjetividade de vendedores comissionados franceses já foi analisado por Sophie Bernard (2020)BERNARD, Sophie. (2020). Le nouvel esprit du salariat. Paris, Presses Universitaires de France (PUF).. Procurei analisar o mesmo instrumento no contexto brasileiro em Magaldi (2022aMAGALDI, Tiago. (2022a), Remuneração variável e racionalidade neoliberal no chão-de-loja: o “fazer salário” dos vendedores comissionistas. In: TRÓPIA, Patrícia Vieira; MAGALDI, Tiago (Orgs.). Sociologia do trabalho no comércio. Belo Horizonte: Fino Traço. – para um tratamento empírico mais pormenorizado, ver 2022bMAGALDI, Tiago. (2022b), Justiça e moral no trabalho de vendedores do comércio varejista. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (PPGS-UFSCar). São Carlos, 200p.).
  • 32
    Seria “no campo do management que essa orientação [neoliberal] encontrou sua expressão mais forte” (Dardot e Laval, 2016, pDARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo.. 136).
  • 33
    Como bem escreve John Rawls, a virtude primeira de um sistema de pensamento é a verdade, e não a elegância ou a economia (Rawls, 2016, pRAWLS, John. (2016), Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes.. 4) (ou a erudição, eu acrescentaria).
  • 34
    Para um exemplo de pesquisa que articula com acuidade a complexidade dos sentidos atribuídos ao trabalho e a crítica da exploração, ver Rangel (2021).RANGEL, Felipe. (2021), A empresarização dos mercados populares: trabalho e formalização excludente. Belo Horizonte, Fino Traço.
  • DOI: 10.1590/3811002/2023

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2022
  • Aceito
    16 Nov 2022
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