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Razão, emoção e poder nos tribunais do júri

Reason, emotion and power in jury courts

Resumo

Neste trabalho, analisamos as afetações sofridas pelos juízes leigos durante a produção de sentença nos tribunais do júri. O corpus deste artigo foi formado por sessenta entrevistas semiestruturadas, concedidas por jurados dos dois tribunais do júri da cidade de João Pessoa, na Paraíba, realizadas entre 2015 e 2019. Entre os achados da pesquisa, destacamos o silenciamento dos jurados, decorrente das relações de poder estabelecidas entre eles, por meio da distinção entre os juízes leigos, neófitos e profissionais, e os operadores jurídicos. A participação da sociedade civil esbarra na reprodução de práticas sociais perpetuadas no campo das decisões jurídicas engendradas pelo medo, vergonha e sentimentos de amizade, muitas vezes forjado entre os juízes leigos e destes em relação aos operadores jurídicos.

Palavras-chave:
juízes leigos; Tribunais do Júri; racionalidade; emoções; poder

Abstract

In this work we analyze the affectations suffered by lay judges during the production of sentences in the jury courts. The corpus of this article consisted of sixty semi-structured interviews granted by jurors of the two jury courts in the city of João Pessoa, Paraíba, Brazil, carried out between 2015 and 2019. Among the research findings, the silencing of the jurors, due to the power relationships. established between them, through the distinction between lay, neophyte and professional judges, and forensic practitioners. The participation of civil society collides with the reproduction of social practices perpetuated in the field of legal decisions engendered by fear, shame and feelings of friendship, often forged among lay judges, and those in relation to forensic practitioners.

Keywords:
lay judges; Jury Courts; rationality; emotions; power

1. Introdução1 1 Este artigo é consequência do aprofundamento do trabalho apresentado no 43º Encontro Anual da Anpocs, SPG 18: Juristas, instituições judiciais e disputas sobre o direito, em Caxambu, Minas Gerais. Agradecemos às contribuições das(os) participantes, em especial, da professora Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer (USP), às ex-bolsistas Raissa Soares Lustosa (PIBIC 2015-2016), Laura Maria Nunes Patrício (PIBIC 2016-2017) e Emylli Tavares do Nascimento (PIBIC 2015-2017) e à ex-doutoranda em Sociologia (PPGS/UFPB), Mariana Soares Pires Melo.

O presente estudo analisa como a atuação de juízes leigos2 2 Os juízes leigos são também denominados jurados, júri, júri popular, tribunal do povo, colegiado popular ou tribunal popular (Lorea, 2003). nos julgamentos dos tribunais do júri está entrecortada pela afetação – interesse ou emoção – e por possíveis consequências referentes à capacidade de ação destes atores na produção da sentença. O recorte proposto é resultado de um trabalho de pesquisa que permeia as temáticas de violência, gênero e práticas de justiça, e vem sendo desenvolvido desde 2011 nos tribunais do júri da cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil. Ao longo deste percurso, algumas questões sociológicas puderam ser analisadas, tais como a percepção dos operadores jurídicos acerca dos homicídios afetivo-conjugais (Zamboni e Oliveira, 2015ZAMBONI, Marcela; OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. (2015), “Dos que fazem justiça: a percepção dos operadores jurídicos em casos de homicídio afetivo-conjugal”, Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, 14, 32:43-55., 2016ZAMBONI, Marcela; OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. (2016), Homicídio afetivo-conjugal sob a lente dos operadores jurídicos. João Pessoa, Editora Universitária UFPB.), as hierarquizações e influências criadas entre juízes leigos neófitos e juízes leigos profissionais (Zamboni e Faria, 2018ZAMBONI, Marcela; FARIA, Jairo Rocha. (2018), “Contágio social em tribunais do júri”, Revista Brasileira de Sociologia, 6, 13:195-218. DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.265.
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), e o conhecimento e a aplicabilidade do feminicídio (Zamboni et al., 2019ZAMBONI, Marcela; OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de; NASCIMENTO, Emylli Tavares do. (2019), “Intersecções de gênero, sexualidade e classe em tribunais do júri: valores morais em disputa”, Revista Brasileira de Sociologia, 7, 15:190-214. DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.446.
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; Oliveira, 2019OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. (2019), O crime de feminicídio e a percepção dos agentes da Justiça: uma análise sociológica a partir dos Tribunais do Júri de João Pessoa, Paraíba. Tese de doutorado. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.; Oliveira e Zamboni, 2020OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de; ZAMBONI, Marcela. (2020), “Entre o sociológico e o jurídico: Narrativas sobre feminicídio em Tribunais do júri”, in B. Johas; M. Amaral; R. Marinho. (org.), Violências e resistências: estudos de gênero, raça e sexualidade. Teresina, EDUFPI.; Oliveira et al., 2020OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de; ZAMBONI, Marcela; NASCIMENTO, Emylli Tavares do; LEITE, Diego Brito da Cunha. (2020), “A (re)produção de uma sentença: narrativas uníssonas sobre feminicídio em tribunais do júri”, Revista Crítica de Ciências Sociais, 122:31-52. DOI: https://doi.org/10.4000/rccs.10593.
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).

Nossos estudos se somam a um conjunto de pesquisas firmadas nos saberes das Ciências Sociais e que, por quatro décadas, tomam as práticas jurídicas exercidas nos tribunais do júri como campo de investigação. Entre os trabalhos pioneiros estão os realizados por Sestini (1979)SESTINI, Maria Alice Travaglia. (1979), O tribunal do júri: uma forma de distribuição da justiça. Dissertação de mestrado. Universidade Estadual de Campinas, Campinas. e Corrêa (1983)CORRÊA, Marisa. (1983), Morte em família: representações jurídicas de papeis sexuais. Rio de Janeiro, Edições Graal., além das pesquisas posteriores desenvolvidas por Kant de Lima (2008)LIMA, Roberto Kant de. (2008), Ensaios de antropologia e de direito: acesso à justiça e processos institucionais de administração de conflitos e produção da verdade em uma perspectiva comparada. Rio de Janeiro, Lumen Juri., Oliveira (2010)OLIVEIRA, Luís Roberto Cardoso de. (2010), “A dimensão simbólica dos direitos e a análise de conflitos”, Revista de Antropologia, 53, 2:451-473. DOI: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2010.36432.
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, Fachinetto (2012)FACHINETTO, Rochele Fellini. (2012), Quando eles as matam e quando elas os matam: uma análise dos julgamentos de homicídio pelo Tribunal do Júri. Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre., atentos, concomitantemente, aos modos de construção da verdade e da distribuição da justiça. As duas primeiras autoras são especialmente diligentes à manipulação dos papeis sexuais na construção das narrativas desenvolvidas nos julgamentos de homicídios entre casais. Além delas, Schritzmeyer (2007SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. (2007), “Afetos em jogo nos tribunais do júri”. São Paulo em Perspectiva, 21, 2:70-79., 2012SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. (2012), Jogo, ritual e teatro: um estudo antropológico do Tribunal do Júri. São Paulo, Terceiro Nome.), Figueira (2007)FIGUEIRA, Luiz Eduardo de Vasconcellos. (2007), O ritual judiciário do tribunal do júri. Tese de doutorado. Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro. e Moreira-Leite (2008)MOREIRA-LEITE, Ângela. (2008), “Incriminando e sujeitando no Tribunal do Júri”, in: M. Misse. (org.), Acusados e acusadores: estudos sobre ofensas, acusações e incriminações. Rio de Janeiro, Revan., dentre outros, refletiram sobre os rituais, as emoções, os jogos narrativos e os processos incriminadores na instituição dos tribunais do júri. Para além dos autores mencionados, Lorea (2003)LOREA, Roberto Arriada. (2003), Os jurados “leigos”: uma antropologia do Tribunal do Júri. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. foi quem mais concentrou o olhar investigativo para os juízes leigos.

A configuração atual do tribunal do júri foi gestada à luz dos direitos humanos e garantias fundamentais elencados na Constituição Federal (Brasil, 2016BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. (2016), de 05 de outubro de 1988, Brasília, DF, Senado Federal. Coordenação de Edições Técnicas.), sendo considerado, portanto, cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV), não podendo ser extinto nem mesmo por decisão legislativa de emenda constitucional. Uma das diferenças fundamentais entre os tribunais do júri e os demais juízos da Justiça brasileira é que, no primeiro caso, pessoas do povo, representantes da sociedade civil, denominados juízes leigos ou jurados, são as responsáveis pela condenação ou absolvição de todos os crimes dolosos contra a vida, ao contrário dos demais juízos onde as sentenças são proferidas pelos juízes de carreira – bacharéis em Direito e servidores públicos do Estado. No júri, cabe ao juiz de direito presidir a sessão de julgamento, enquanto o promotor de justiça e o defensor público ou advogado particular cumprem com suas funções de defender ou acusar o réu, respectivamente, e de convencer o conselho de sentença, composto por sete jurados, sobre aquilo que acreditam ser a verdade real.

No percurso das pesquisas sobre o campo dos tribunais do júri, passamos a conhecer a crítica presente nos estudos jurídicos. Ela se concentra na falta de representação popular “fiel” à diversidade que compõe a sociedade brasileira, bem como na falta de imparcialidade requerida aos juízes e, neste caso, suscitada por meio do princípio da incomunicabilidade exigida para os membros do conselho de sentença no texto do Código de Processo Penal, art. 466, §1º, a saber: “O juiz presidente também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa” (Brasil, 2020BRASIL, Código de Processo Penal. (2020), Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. 3ª edição, Brasília, DF, Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas.). Observando as dinâmicas do campo, as referidas hipóteses de fragilidade da instituição do júri foram trazidas para esta discussão sociológica. As nuanças das práticas jurídicas nos revelavam uma relação imbricada entre juízes leigos e operadores jurídicos: os primeiros sofrem afetações com o ambiente e as interações vividas naquele ethos, as quais se manifestam no gradual interesse de incorporação do conhecimento técnico atribuído aos profissionais do Direito, com o intuito de estreitar os laços de amizade com estes últimos.

Como enfatizado anteriormente, o campo de pesquisa vem sendo alvo de reflexões através da realização de entrevistas com operadores jurídicos, análise de autos processuais, etnografia de sessões do júri e observação participante do dia a dia dos tribunais, de modo que foi possível combinar técnicas de pesquisa compartilhadas ao longo do tempo com as entrevistas, possibilitando uma “descrição densa” (Geertz, 1978GEERTZ, Clifford. (1978), A interpretação das culturas. Tradução de Fanny Wrobel, Rio de Janeiro, Zahar Editores.) do objeto proposto. O corpus do artigo foi formado por sessenta entrevistas semiestruturadas, realizadas com os juízes leigos dos dois tribunais do júri do Fórum Criminal de João Pessoa, entre os anos de 2015 e 2019, além da observação de suas interações durante julgamentos ao longo de período indicado.

A partir de um roteiro de entrevistas mais amplo, importam aqui os dados perquiridos em perguntas sobre as percepções dos jurados quanto: i) à participação deles nas sessões do júri; ii) a como se estabelece a relação com operadores jurídicos e entre os próprios juízes leigos; iii) à importância do conhecimento técnico e da experiência de vida na tomada de decisão; e iv) ao conhecimento e à concordância quanto às regras do princípio da incomunicabilidade.

O caráter popular desse órgão de justiça torna pública sua atividade jurisdicional e permite que qualquer pleno cidadão possa adentrar ao Fórum Criminal e assistir as sessões de julgamento. Isto facilitou nosso acesso ao campo e à execução das técnicas adequadas à pesquisa empírica, pois mesmo quando não era possível entrevistar, ainda se tornava possível observar as interações dos agentes de justiça nas sessões de júri. Nosso critério era a “oportunidade”, ou seja, não fizemos distinção entre os jurados no momento de solicitar sua participação na pesquisa. Ainda, embora algumas conversas tivessem ocorrido em outro tempo e local, preferimos nos manter naquele espaço de justiça para que não houvesse desistência futura.

Os juízes leigos foram abordados no próprio Fórum Criminal, predominantemente em tempo anterior ao início dos ritos do júri.3 3 Desafios e afetações experimentados no desenvolvimento das pesquisas em tribunais do júri serão tema de outro artigo. Alguns concederam entrevistas após serem dispensados pelo juiz de direito, quando o conselho de sentença havia sido formado. Outros, em menor número, marcaram a entrevista para dias posteriores, em seus locais de trabalho. Houve situações em que precisamos de mais empenho para convencer uma ou outra pessoa a participar da pesquisa. Assim, preferimos abordagens discretas, evitando que o ânimo de um jurado não influenciasse outros. Na oportunidade das entrevistas, fizemos registro de sexo, idade, estado civil, religião, profissão, escolaridade e tempo de atuação dos jurados e/ou convocação para compor as listas dos jurados. A todos apresentamos o termo de consentimento livre e esclarecido.

O contexto de pandemia de Covid-19 impediu a continuidade da pesquisa de campo, que contava ordinariamente com entrevistas em modo presencial e com a observação das interações intragrupos entre jurados, e intergrupais, destes com os operadores jurídicos durante as sessões de júri. Com o objetivo de evitar contaminações, o Tribunal de Justiça da Paraíba (TJ-PB) passou a publicar diversos atos normativos no sentido de suspensão ou restrição de trabalhos presenciais, incluindo a realização de audiências e sessões de Tribunais do Júri, entre outros órgãos colegiados.4 4 Os atos normativos do TJ-PB foram editados a partir de 18 de março de 2020. As atividades jurisdicionais presenciais foram retomadas no segundo trimestre de 2022, seguindo protocolos de acesso aos ambientes da Justiça (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA, 2020a, b, 2022).

Os diálogos nos trouxeram ricos relatos sobre sentimentos de relações de amizade e confiança constituídas com o tempo de permanência nos espaços dos tribunais do júri e com a assunção de que certas noções do conhecimento jurídico por parte de jurados veteranos os aproximariam, diferentemente da relação estritamente formal dos jurados neófitos. Ainda, em maior proporção, desvelaram diversas afetações emocionais, como constrangimento, medo e vergonha, que tendem a limitar as interações necessárias ao melhor entendimento sobre o crime a ser julgado, como pode ser observado abaixo5 5 Todas as transcrições de entrevistas estão acompanhadas de nomes fictícios. :

Eu acho que é por insegurança mesmo. Uma colega foi repreendida porque fez três perguntas em uma mesma sessão. Pelo juiz. Ela foi chamada atenção no final da sessão do júri. Não sei se era pelo momento inoportuno, que não era para ela ter dito. Ou se ela foi, sei lá, dizendo situações que não estavam dentro do contexto. Não sei. Só sei que ela foi chamada atenção. Depois disso, ninguém fez mais perguntas (Silva, 2015SILVA, Maria. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. 03/09/2015. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

Os elementos acima suscitaram análises baseadas no confronto entre conhecimento técnico, experiência de vida e experiência prática (Almeida, 2014ALMEIDA, Fábio Ferraz de. (2014), “Ninguém quer ser jurado: uma etnografia da participação dos jurados no tribunal do júri de juiz de fora/MG”. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, 16, 3:244-273. DOI: https://doi.org/10.22409/conflu16i3.p379.
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), as quais sugerem um trânsito de relações de poder, em sequência, entre jurados novatos, jurados veteranos e operadores jurídicos. Poder que se revela pelas emoções expressas pelos entrevistados e que nos fazem dialogar com teorias fundamentadas na sociologia e na antropologia das emoções (Geertz, 2004GEERTZ, Clifford. (2004), “O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparada”, in C. Geertz. (org.), O saber local: novos ensaios em Antropologia interpretativa. Tradução de Vera Mello Joscelyne. 7ª edição, Petrópolis-RJ, Vozes.; Goffman, 2011GOFFMAN, Erving. (2011), “Constrangimento e organização social”, in E. Goffman. (org.), Ritual de interação: ensaios sobre o comportamento face a face. Tradução de Fábio Rodrigues Ribeiro da Silva, Petrópolis, Vozes.; Koury et al., 2013KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro; ZAMBONI, Marcela; BRITO, Simone Magalhães. (2013), “Como se articulam vergonha e quebra de confiança na justificação da ação moral”, Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 6, 2:251-268.; Koury, 2017KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2017), “Cultura emotiva, medo, medos corriqueiros e pertença”, in M.G.P. Koury. (org.), Etnografias urbanas sobre pertença e medos na cidade. Recife, Bagaço.; Scheff, 2003SCHEFF, Thomas. (2003), “Shame in Self and Society”. Symbolic Interaction, 26, 2:239-262. DOI: https://doi.org/10.1525/si.2003.26.2.239.
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; 2014SCHEFF, Thomas. (2014), “A repressão da vergonha”. RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, 13, 37:10-18.; 2016SCHEFF, Thomas. (2016), “Conceitos podem ser justificados? O caminho de Goffman”, in M.G.P. Koury; R.B. Barbosa. (org.), A vergonha no self e na sociedade: A sociologia e antropologia das emoções de Thomas Scheff. Recife, Bagaço.).

No presente trabalho, no entanto, enfatizamos os aspectos emocionais e racionais que marcam as disputas narrativas, considerando a relação de poder estabelecida entre os juízes leigos neófitos e veteranos,6 6 Para saber mais acerca dos juízes leigos, nos mesmos tribunais de justiça, consultar Zamboni e Faria (2018). e deles com relação ao corpo jurídico profissional. Entretanto, vale ressaltar que a discussão abordada permeia todos os crimes dolosos contra a vida7 7 Aqueles em que há intenção de retirar a vida de outrem: homicídio; induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio; infanticídio e aborto, segundo consta no Código Penal, art. 121 a 128 (Brasil, 2017). julgados nos referidos órgãos de justiça e tomados como parâmetro pelos interlocutores para desenvolver suas falas.

Salientamos que as nuanças das relações estabelecidas entre os dois grupos de agentes da justiça serão vistas tanto pelo viés intergrupal, isto é, juízes leigos relacionando-se com profissionais do Direito; quanto pelo viés intragrupal, ao observarmos as posturas de jurados neófitos, convocados pela primeira vez para essa função, e de veteranos, mais habituados com os sujeitos e o ambiente do júri. Deste modo, considerando a imbricada relação entre juízes leigos e operadores jurídicos, coube investigar as assimetrias de poder existentes entre eles, a partir da distinção entre o conhecimento técnico e a experiência de vida, além de problematizar a importância das emoções e da racionalidade a partir da ótica do primeiro grupo.

2. Das assimetrias de poder: conhecimento técnico e experiência de vida

Apesar de um dos princípios basilares dos tribunais do júri brasileiros ser a democratização da produção de sentença condenatória ou absolutória, refletida na ampla lista anual de juízes leigos e nos sorteios8 8 Para conhecer mais sobre os sorteios dos integrantes dos conselhos de sentença, conferir Filgueira (2007), Fachinetto (2012) e Oliveira (2019), além do próprio Código de Processo Penal, arts. 425 e 436 (Brasil 2020). dos sete representantes da sociedade ocorridos em cada julgamento, percebíamos que existia uma hierarquização entre os juízes leigos, e destes com os operadores jurídicos, o que denotava uma clara relação de poder intragrupos e intergrupos, caracterizada, dentre outros aspectos, pela relação estabelecida entre o conhecimento técnico e a experiência de vida. Nas entrevistas realizadas com os juízes leigos, a experiência de vida foi muitas vezes sobreposta ao conhecimento técnico: “porque no Júri os jurados são selecionados de vários segmentos. Se fosse só conhecimento técnico seriam selecionados apenas estudiosos, com superior” (Oliveira, 2015OLIVEIRA, Ana. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? LUSTOSA, Raissa Soares. 12/11/2015. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.). Ainda, segundo Ferreira (2019)FERREIRA, Sofia. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. 02/10/2019. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.:

Os dois são importantes, mas eu acho que a experiência de vida fala mais alto, porque o conhecimento técnico é o do juiz de direito, o juiz de fato é mais a experiência de vida, tanto é que vem de vários setores da sociedade, um representante, é a experiência de vida mesmo, não tem um analfabeto de tudo, tem um certo grau de escolaridade, mas assim tem aquela experiência de vida, aquela convivência com o cotidiano que dá para julgar, ouvindo a defesa e a acusação (Ferreira, 2019FERREIRA, Sofia. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. 02/10/2019. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

O Código de Processo Penal, no artigo 436, § 1º, discorre sobre esta suposta representatividade social quando enuncia que “nenhum cidadão poderá ser excluído dos trabalhos do júri ou deixar de ser alistado em razão de cor ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, origem ou grau de instrução” (Brasil, 2020BRASIL, Código de Processo Penal. (2020), Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. 3ª edição, Brasília, DF, Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas.). A prescrição legal se harmoniza com a determinação de que pessoas do povo julguem seus pares, conforme valores e contexto sócio-histórico predominantes, segundo o entendimento de uma pessoa comum, leiga, sem conhecimento técnico-jurídico (Nucci, 2013NUCCI, Guilherme de Souza. (2013), Tribunal do Júri. 4ª edição. São Paulo, Revista dos Tribunais.). Ainda, no artigo 425 da referida legislação lemos que:

o juiz presidente requisitará às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a função de jurado (Brasil, 2020BRASIL, Código de Processo Penal. (2020), Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. 3ª edição, Brasília, DF, Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas.).

Apesar disso, o conjunto de jurados de cada tribunal do júri se constitui frequentemente de convocação compulsória de eleitores cadastrados nos órgãos da Justiça Eleitoral (Lorea, 2003LOREA, Roberto Arriada. (2003), Os jurados “leigos”: uma antropologia do Tribunal do Júri. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Almeida, 2014ALMEIDA, Fábio Ferraz de. (2014), “Ninguém quer ser jurado: uma etnografia da participação dos jurados no tribunal do júri de juiz de fora/MG”. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, 16, 3:244-273. DOI: https://doi.org/10.22409/conflu16i3.p379.
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). O alcance de pessoas com diversas experiências de vida, desta maneira, está entrecortado pelas descrições de sexo, escolaridade, profissão, local de moradia e idoneidade registradas em alistamento eleitoral. Em suma, de acordo com Lopes Jr. (2019), os jurados vêm de segmentos bem definidos: funcionários públicos, aposentados, donas de casa, estudantes, o que fragilizaria a dita garantia de o comportamento do réu ser avaliado democraticamente por seus pares, para que se reflita algo como: “diante daquela situação, daquele contexto factual, vocês praticariam esse crime?” (Zamboni e Oliveira, 2015, pZAMBONI, Marcela; OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. (2015), “Dos que fazem justiça: a percepção dos operadores jurídicos em casos de homicídio afetivo-conjugal”, Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, 14, 32:43-55.. 47).

A regra da rotatividade9 9 Segundo o Código de Processo Penal, artigo 426, § 4º, o jurado que tiver participado do “Conselho de Sentença nos 12 (doze) meses que antecederem à publicação da lista geral fica dela excluído” (Brasil, 2020). Contudo, constatamos um descumprimento da lei quanto à rotatividade dos jurados. Para saber mais, consultar Zamboni e Oliveira (2016) e Zamboni e Faria (2018). teria o condão de garantir que pessoas com os mais diversos olhares sociais e morais assumissem a posição de juízes leigos. Entretanto, o apreço pelo conhecimento técnico e pela experiência prática – não “simplesmente” a experiência de vida – pode enfraquecer o caráter “leigo” dos julgadores. No estudo realizado por Almeida (2014)ALMEIDA, Fábio Ferraz de. (2014), “Ninguém quer ser jurado: uma etnografia da participação dos jurados no tribunal do júri de juiz de fora/MG”. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, 16, 3:244-273. DOI: https://doi.org/10.22409/conflu16i3.p379.
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está posto que os serventuários da justiça e operadores jurídicos se ressentem do descompromisso que os novos jurados demonstram ter com as convocações oficiais, chegando a forjar justificativas para não comparecer em juízo. Inclusive, segundo os próprios jurados entrevistados pelo autor supracitado, um bom jurado se faz com o tempo de atuação em júri, ou seja, com a experiência prática na função de juiz leigo – o que, de certo modo, contrapõe-se ao critério da rotatividade.

Durante as atividades de campo pudemos registrar a irritação de um juiz de direito com os jurados neófitos em decorrência do excesso de pedido de dispensa, o que era considerado desrespeito ao trabalho de todos ali e um descompromisso com a Justiça (Oliveira, 2019OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. (2019), O crime de feminicídio e a percepção dos agentes da Justiça: uma análise sociológica a partir dos Tribunais do Júri de João Pessoa, Paraíba. Tese de doutorado. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.). Era o segundo dia do mês de júris e estávamos ali em busca de novas entrevistas. O réu ainda estava em trânsito, sendo trazido pela polícia penitenciária, e, com a demora, os agentes da justiça ficaram impacientes. Alguns jurados aproveitaram para abordar o juiz para tratar de assuntos particulares. Então, ouvimos o juiz perguntar: “Você está doente? Está com cara de doente. Se não estiver bem, pode ir embora”. Logo passou a falar para todos os jurados: “Quem não quiser ficar, estão dispensados. Saiam agora!”. Diante do confronto, alguns jurados tentaram se justificar, mas o juiz não aceitou ouvir os motivos: “Eu não quero ouvir. Já estou dispensando. Não quero ouvir”. Um deles comentou alto que o patrão se incomodava com a convocação do Júri e o magistrado reagiu: “Quero saber quem são esses patrões para eu mandar prender. Estou com tanta vontade de prender empresário que não auxilia a Justiça...”. O jurado desconversou e foi novamente questionado se permaneceria ali. O juiz continuou: “Quero saber quem fica. Se não tiver quórum eu cancelo o júri e convoco outros para amanhã. Eu só quero trabalhar com quem quer trabalhar!”. Depois o magistrado se reportou a sua auxiliar e disse: “Recusa do júri injustificada: cinco salários. Coloca aí!” (Oliveira, 2019, pOLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. (2019), O crime de feminicídio e a percepção dos agentes da Justiça: uma análise sociológica a partir dos Tribunais do Júri de João Pessoa, Paraíba. Tese de doutorado. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.. 141).

Almeida (2014)ALMEIDA, Fábio Ferraz de. (2014), “Ninguém quer ser jurado: uma etnografia da participação dos jurados no tribunal do júri de juiz de fora/MG”. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, 16, 3:244-273. DOI: https://doi.org/10.22409/conflu16i3.p379.
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suspeita que o pouco interesse pode ser justificado pela falta de contraprestação ao serviço de jurado, restando, em tese, apenas o sentido cívico à serviço da Justiça. Além disso, talvez falte maior esclarecimento sobre este sentido cívico, considerando que as pessoas convocadas são retiradas das suas rotinas sem muita oportunidade de recusa e os neófitos frequentemente experimentam a sequência de procedimentos jurídicos pelos quais os jurados sorteados passam sem estarem seguros sobre como proceder.

Diante destes impasses, embora o tribunal do júri guarde a premissa de as circunstâncias do crime serem valoradas conforme os olhares de pessoas distantes da técnica jurídica e “próximas” da vida comum do réu, notamos em algumas entrevistas uma inversão de importância entre o conhecimento técnico e a experiência de vida, sendo o primeiro tomado como mais relevante já que evidenciaria o exercício da imparcialidade e a redução das subjetividades dos operadores jurídicos, resultando em um desfecho processual mais justo. Observe:

uma pessoa que julga pela sua experiência de vida, acaba não sendo um julgamento justo, não há tanta equidade como uma pessoa que julga pelo conhecimento técnico, que é o juiz, que ele pela sua experiência profissional e pelo seu dever como magistrado está ali para ser o mais imparcial possível. E se afastar o mais que seja possível também das partes, julgar com sabedoria e imparcialidade. Coisas que os jurados provavelmente não fazem (Carvalho, 2017CARVALHO, Luiz. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. 08/06/2017. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

Vai prevalecer o técnico. Vai prevalecer o que consta dentro do processo. Entendeu? Então, eu não vou dar a minha opinião. Eu não vou julgar, se você tem provas ali cabais de que aquele camarada ali matou, aí eu não, coitadinho... Entendeu? Aí eu estaria sendo fraca, né? Não analisar o que realmente consta nos autos. Aí, a minha opinião...seria a minha fraqueza (Costa, 2018COSTA, Petra. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. 07/11/2018. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

O júri, na verdade, o mais fascinante do júri é exatamente isso, o jurado ele não vai julgar só pelo que está sendo exposto não, ele julga por aquilo que ele sente mais próximo do entendimento dele. Aí, imagine você pegar uma pessoa ignorante? (Gomes, 2017GOMES, Marcos. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? MELO, Mariana Soares Pires. 18/06/2017. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

Como aquele que tem conhecimento técnico para julgar (o magistrado) não pode realizar essa função na cena do júri, por inferência, os juízes leigos tentam se aproximar desse tecnicismo que “consta dentro do processo” e nas argumentações dos promotores de justiça e dos defensores do réu, de modo a conquistar experiência prática, o que promove, na verdade, uma disputa intragrupo. Assim, a validade que se pretende conferir ao saber jurídico se estende à distinção feita entre o saber dos jurados veteranos e neófitos no que diz respeito à tecnicidade que envolve os julgamentos. Em relação às funções dos profissionais do Direito, Geertz (2004)GEERTZ, Clifford. (2004), “O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparada”, in C. Geertz. (org.), O saber local: novos ensaios em Antropologia interpretativa. Tradução de Vera Mello Joscelyne. 7ª edição, Petrópolis-RJ, Vozes. explica que o temor sempre foi um sentimento jurídico expresso na cautela de avaliação de informações trazidas a júri e na manipulação das “Questões do Direito” e das “Questões do fato” relativas à desconfiança quanto à capacidade dos jurados construírem julgamentos racionais – isto é, pautados na experiência técnica ou prática. Nesta pesquisa, os jurados leigos profissionais intentam transpor a barreira deste conhecimento técnico. Segundo Geraldo e Almeida (2017, pGERALDO, Pedro Heitor Barros; ALMEIDA, Fábio Ferraz de. (2017), “A produção da decisão judicial: uma abordagem praxeológica dos julgamentos judiciais”. Revista de Estudos Empíricos em Direito, 4, 3:23-37. DOI: https://doi.org/10.19092/reed.v4i3.271.
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. 34), “a racionalidade da tomada de decisão [...] é fruto de como a moralidade local compreende as regras juridicamente estabelecidas e as formas de aplicação destas regras”. Assim, realiza-se um modus de sensibilidade jurídica (Geertz, 2004GEERTZ, Clifford. (2004), “O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparada”, in C. Geertz. (org.), O saber local: novos ensaios em Antropologia interpretativa. Tradução de Vera Mello Joscelyne. 7ª edição, Petrópolis-RJ, Vozes.), no sentido de acolher o Direito como um saber local, de modo que suas particularidades sejam gerenciadas e não propriamente eliminadas diante de uma comparação com outras regras de saber local, inclusive as regras morais. Neste viés, nem sempre o conhecimento técnico foi contraposto à experiência de vida, sendo tratados como elementos complementares:

Eu acho que um intercâmbio dessas duas coisas é de suma importância para a pessoa ser um jurado. Porque tanto a experiência...saberes populares, todo esse tipo de conhecimento na hora de uma avaliação, na hora de você analisar um fato assim, como a parte erudita mesmo, conhecimento técnico, tudo isso vai esclarecer, vai ajudar na hora de decidir (Araújo, 2018ARAÚJO, Gabriel. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? MELO, Mariana Soares Pires. 24/05/2018. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

Lorea (2003)LOREA, Roberto Arriada. (2003), Os jurados “leigos”: uma antropologia do Tribunal do Júri. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre., que, sendo magistrado, desenvolveu uma pesquisa antropológica no ambiente dos tribunais do júri, ressalta que no meio jurídico há posições divididas entre os profissionais do Direito que gostariam de ampliar a participação do colegiado popular, incluindo os diversos setores sociais, e aqueles que defendem o aspecto intelectivo como critério de seleção. Aqui, mesmo que a maioria dos juízes leigos entrevistados tenha declarado que a experiência de vida do corpo de jurados é relevante, há uma clara inquietação por parte dos operadores jurídicos e jurados profissionais quanto à escolaridade e à capacidade técnica do colegiado popular, que marcam as dinâmicas interacionais dos julgamentos e as disputas intragrupos e intergrupos.

Percebemos que, independentemente da escolaridade dos jurados entrevistados (em maioria, ensino médio completo ou superior completo), os neófitos demonstraram estranhamento com o ambiente – portanto, retração de comportamento – e um esforço a mais de compreensão dos debates jurídicos. A exceção está para os jurados novatos que já têm algum contato com o campo jurídico, por exemplo, por ser estudante de Direito ou por ser advogado. A análise crítica da formação intelectual do jurado, no cotidiano dos tribunais do júri, tende a amenizar a experiência prática dos jurados que se tornam veteranos. De toda forma, isto não invalida a necessidade de que operadores jurídicos considerem o uso de linguagem menos técnica e rebuscada para que a instituição do tribunal do júri mantenha sua intenção de diversidade de representação social ao compor o conselho de sentença e, portanto, para que permita decisões baseadas na história e experiência de vida das pessoas convocadas para julgarem os crimes dolosos contra a vida.

Diante das modulações de conhecimento técnico e/ou de experiência de vida, notamos as disputas de poder e uma estreita relação entre os jurados, traduzida em comentários pessoais e na existência de um grupo de WhatsApp (aplicativo para a troca de mensagens via smartphones). Neste espaço virtual, alguns jargões jurídicos eram frequentes, além dos comentários sobre os casos julgados, o que revelava o interesse do grupo com os temas dos júris, bem como a sociabilidade gerada entre aqueles juízes leigos e expressa com a permanência naquele espaço virtual (Zamboni e Faria, 2018ZAMBONI, Marcela; FARIA, Jairo Rocha. (2018), “Contágio social em tribunais do júri”, Revista Brasileira de Sociologia, 6, 13:195-218. DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.265.
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). Outro modo de conquistar prestígio foi demonstrado quando alguns juízes leigos descreveram que relações de amizade são estabelecidas com os operadores jurídicos: “sim, algumas amizades. Quando a gente terminou, a gente foi fazer um rodízio com o pessoal, chamamos alguns promotores” (Fernandes, 2017FERNANDES, Lucas. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? PATRÍCIO, Laura Maria Nunes. 07/03/2017. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.). Outros:

Bem, você tem grandes amigos aqui que são advogados, que são promotores, tem amigo juiz. Então, na realidade, o tribunal do júri é uma grande escola para a vida e você faz boas amizades frequentando aqui, conhecendo os jurados, como defesa, como promotores, juízes (Martins, 2018MARTINS, Rafael. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. 05/04/2018. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

Os mais antigos têm mais intimidades, novatos nem conversam. A pessoa que é mais antiga que eu, conversa com eles antes, tem intimidade para conversar [sobre] qualquer assunto, mas eu que sou novata, não sei fazer nada (Correia, 2019CORREIA, Laura. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? MELO, Mariana Soares Pires. 19/09/2019. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

A entrevistada Correia (2019)CORREIA, Laura. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? MELO, Mariana Soares Pires. 19/09/2019. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB. elenca o fator “tempo” – ser novata ou mais antiga – como um elemento significativo para o estabelecimento da sociabilidade e possível desenvolvimento de afetos entre os membros do grupo. A importância do mesmo aspecto foi também salientada por Rezende e Coelho (2010, pREZENDE, Claudia Barcellos; COELHO, Maria Claudia. (2010), Antropologia das emoções. Rio de Janeiro, Editora FGV.. 72), “o tempo era um fator importante na relação, pois permitia que os amigos provassem sua confiabilidade e sua doação ao outro, elementos importantes nas amizades próximas”. Contudo, justamente o fator “tempo” é o que modula a condição de leigo de um jurado: quanto mais ambientado com os rituais, assuntos e sujeitos do júri, mais afetados e propensos a julgar segundo o ethos jurídico e não de acordo com os valores predominantes da sociedade em geral.

É importante destacar que as expressões de “amizade” elencadas são derivadas de interações cordiais que se originam no espaço do tribunal do júri e que podem avançar para momentos de sociabilidade “extramuros”, podendo sim gerar amizades entre os juízes leigos e profissionais do sistema judiciário. Entretanto, estas relações também podem ser atravessadas pela desconfiança em relação à aproximação por interesses difusos de ambas as partes. Mesmo que alguns dos juízes leigos entrevistados ressaltem a existência de uma relação de amizade com operadores jurídicos, é possível constatar também uma ordenação de importância pautada pela hierarquização profissional e pelo tempo de permanência no grupo. O caso de Correia (2019)CORREIA, Laura. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? MELO, Mariana Soares Pires. 19/09/2019. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB., por exemplo, que atribui o seu silêncio à posição de “novata”, denota que o “tempo” parece ser determinante para o sentimento de intimidade ou amizade. Por outro lado, os jurados mais antigos aproveitariam de relações com maior simetria, liberdade e proximidade para conversar sobre assuntos diversos, o que diminuiria a possibilidade de quebra de confiança.10 10 Para mais informações sobre o conceito de “confiança” nas Ciências Sociais, consultar Zamboni (2010) e Koury, Zamboni e Brito (2013). A sociabilidade costuma estar presente nos momentos iniciais da amizade, enquanto a confiança e a pessoalidade seriam características da etapa de maior solidificação da relação entre amigos” (Rezende, 2002, pREZENDE, Claudia Barcellos. (2002), Os significados da amizade: duas visões de pessoa e sociedade. Rio de Janeiro, Editora FGV.. 146). Neste sentido, haveria o medo e a vergonha do deslize ou erro por não saber fazer nada, como mencionou a jurada Correia (2019), oCORREIA, Laura. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? MELO, Mariana Soares Pires. 19/09/2019. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB. que poderia constrangê-la, ou aos demais, podendo desembocar na quebra da confiança que inviabilizaria um laço futuro de mais intimidade.

Não obstante os relatos das relações de “amizades” com profissionais do Direito, em conversas informais, percebemos a preocupação de juízes leigos veteranos com essa explícita proximidade intergrupal, visto que eles reconsideravam as declarações prestadas sobre a proximidade entre os grupos de agentes de justiça, para destacarem que a relação entre juízes leigos e operadores jurídicos era estritamente formal. As relações de intimidade com sujeitos envolvidos no processo judicial poderiam levantar suspeitas de parcialidade nas decisões, suscitando alguma predisposição para condenar ou absolver o acusado, se o jurado for mais próximo de agente de acusação ou de defesa. Além disso, a aparência da proximidade por parte dos profissionais do Direito também poderia ocultar interesses de sedução, convencimento ou intimidação. Era o que suspeitava Santos (2015)SANTOS, José. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? LUSTOSA, Raissa Soares. 14/10/2015. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.:

Eu não sei se meio para intimidar, ou se para fazer com que aquele jurado se sinta importante no processo... Ela é cortês, é educada, mas eu não sei se é verdadeira. É porque eles estão nesse intuito do convencimento, entendeu? E eles vão lançar mão de todos os artifícios que eles tiverem: do chegar perto, falar olhando no olho, do chamar pelo nome, chamar para o processo para participar, entender o que se passa. Acho que tem essa linha do “vou para o palanque ganhar meu voto”.

É importante enfatizar neste trabalho o sentido sociológico da semelhança e da diferença que se estabelece entre os dois grupos que atuam nos tribunais do júri. Segundo Simmel (2006)SIMMEL, Georg. (2006), Questões fundamentais da Sociologia: indivíduo e sociedade. Tradução de Pedro Caldas, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor., tal sentido determina o significado prático da vida, tomado como um contínuo de lutas e tentativas de conciliação entre o desenvolvimento interno e externo dos indivíduos e dos grupos. Em certas situações, ressaltar a diferença tende a ser mais importante que reafirmar as semelhanças, e vice-versa. O interesse prático é o que conduz essas modulações – e é o que percebemos nas sequências de falas postas aqui, representativas das valorações atribuídas às experiências práticas e ao conhecimento técnico diante da relação entre juízes leigos e destes com os operadores jurídicos.

A busca dos juízes leigos por certo reconhecimento no campo dos tribunais do júri (Almeida, 2014ALMEIDA, Fábio Ferraz de. (2014), “Ninguém quer ser jurado: uma etnografia da participação dos jurados no tribunal do júri de juiz de fora/MG”. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, 16, 3:244-273. DOI: https://doi.org/10.22409/conflu16i3.p379.
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; Zamboni e Faria, 2018ZAMBONI, Marcela; FARIA, Jairo Rocha. (2018), “Contágio social em tribunais do júri”, Revista Brasileira de Sociologia, 6, 13:195-218. DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.265.
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), nos lembra que, para Schritzmeyer (2007)SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. (2007), “Afetos em jogo nos tribunais do júri”. São Paulo em Perspectiva, 21, 2:70-79., há um certo caráter pedagógico nos julgamentos, onde seus participantes ou espectadores demonstram uma espécie de “educação sentimental”. O tribunal de júri seria capaz de abrir a “subjetividade do homem para ele mesmo” (Geertz, 1978, pGEERTZ, Clifford. (1978), A interpretação das culturas. Tradução de Fanny Wrobel, Rio de Janeiro, Zahar Editores.. 211), pois os sujeitos passariam a se familiarizar consigo mesmo através da experiência prática alcançada na vivência do ritual dos julgamentos.

3. A arena das emoções e da racionalidade

A fim de pôr em evidência o debate acerca da imparcialidade da justiça brasileira, inspirada no texto A expressão obrigatória dos sentimentos (rituais orais funerários australianos (1921), de Marcel Mauss, Baptista (2017)BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. (2017), “‘O que os olhos não veem o coração não sente’: os mecanismos de defesa da magistratura e as estratégias da advocacia diante do princípio da imparcialidade judicial”, in M.S. Amorim; R.K. de Lima. (org.), Administração de conflitos e cidadania: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro, Autografia. estabelece um contraponto entre a expressão obrigatória e a contenção obrigatória. No primeiro caso, tal como observado nos rituais fúnebres australianos, o pesar deveria ser expresso por determinados sentimentos, mesmo que não sentidos; ao contrário da necessidade de ocultação dos sentimentos dos magistrados – o que se estende aos juízes leigos quando formam o conselho de sentença. Para Mauss (1979)MAUSS, Marcel. (1979), “A expressão obrigatória dos sentimentos”, in R.C. de Oliveira. (org.), Marcel Mauss: antropologia, São Paulo, Ática.:

Não só o choro, mas toda uma série de expressões orais de sentimentos não são fenômenos exclusivamente psicológicos ou fisiológicos, mas sim fenômenos sociais marcados por manifestações não espontâneas e da mais perfeita obrigação (Mauss, 1979, pMAUSS, Marcel. (1979), “A expressão obrigatória dos sentimentos”, in R.C. de Oliveira. (org.), Marcel Mauss: antropologia, São Paulo, Ática.. 147).

O paradoxo entre o princípio da imparcialidade e as “expressões” das emoções marca o distanciamento existente entre discursos e o efetivo exercício da magistratura, assombrando tal sistema idealizado (Baptista, 2017BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. (2017), “‘O que os olhos não veem o coração não sente’: os mecanismos de defesa da magistratura e as estratégias da advocacia diante do princípio da imparcialidade judicial”, in M.S. Amorim; R.K. de Lima. (org.), Administração de conflitos e cidadania: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro, Autografia.). Na esteira de tal proposição, seguindo as trilhas de Amândio (2004)AMÂNDIO, Sofia Lay. (2004), “O lugar social das emoções na investigação em Ciências Sociais: reflexão em torno de uma diligência em Sociologia”. Fórum Sociológico [online], 11/12 (2ª série):363-372., consideramos: i) que as emoções nos conduzem para a sua racionalização; ii) que os estratagemas de condução emocional podem ser falhos, indesejados e até inconscientes; e iii) que “os mecanismos da racionalização despertam emoções”.

As emoções podem mediar relações formais ou íntimas. Em ambos os casos, observamos a vontade dos indivíduos em estabelecer vínculos fracos ou fortes que se apoiam nas emoções. Um dos defensores públicos do tribunal do júri suscitou uma reflexão sobre os vínculos da ordem social da seguinte maneira: “olha, quando as pessoas não têm o freio moral, não será o freio legal que lhe impedirá de cometer o fato. [...] nós somos pródigos em criar leis, o brasileiro é pródigo em criar leis” (Oliveira, 2019, pOLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. (2019), O crime de feminicídio e a percepção dos agentes da Justiça: uma análise sociológica a partir dos Tribunais do Júri de João Pessoa, Paraíba. Tese de doutorado. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.. 248). Esta fala decorria de uma conversa sobre o artifício da inserção na norma penal da categoria feminicídio e, portanto, nas discussões de crimes de competência julgadora dos tribunais do júri.

... como eles pegam muitos servidores públicos, existem de todas as categorias, não é como hoje que para você ser um servidor público você tem que fazer concurso, você tem que ter o mínimo de conhecimento, mas os antigos não eram assim, e são os que mais fazem parte do júri. Se você for pegar a idade do pessoal, a maioria, ninguém fez concurso, entrou antes da Constituição de 88, na sua grande maioria, então são pessoas que nem um mínimo de conhecimento [têm], algumas, não são todos, mas nem o mínimo de conhecimento têm, mas julgam. Entendeu? Então como é que uma pessoa dessa vai conseguir ter um bom entendimento? [...] e não está sendo levada por aquele que emocionou mais, que chegou a comover mais ela? (Gomes, 2017GOMES, Marcos. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? MELO, Mariana Soares Pires. 18/06/2017. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

Esta distinção entre servidores públicos, manifesta na fala acima, estreita ainda mais a seletividade presente no artifício de convocação dos jurados: o alistamento eleitoral. A recomendação legislativa de o magistrado buscar representantes do povo em associações de classe, de bairro, entidades associativas e culturais, sindicatos etc., de modo a gerar diversidade, segundo os marcadores de sexo, gênero, raça, etnia, classe social, condição econômica, em busca de maior representatividade social por parte dos jurados convocados, não foi corroborada em nossos achados. Ainda, embora o entrevistado faça a distinção entre jurados com base no acesso à educação formal e a repercussão disso na administração das emoções, como se tal formação fosse garantidora de decisões mais equilibradas e não emocionais, notamos que os jurados que eram servidores públicos e que, porventura, não prestaram concurso para tanto11 11 Nas entrevistas, obtivemos informações espontâneas sobre o tempo dedicado ao serviço público em suas profissões, por isso essa inferência de que parte deles havia entrado no serviço público sem ter prestado concurso, ou seja, antes da prescrição da Constituição Federal de 1988. , faziam parte do grupo dos jurados veteranos, portanto, demonstravam certa experiência prática.

A percepção de fracasso ou mesmo de adequação do manejo emocional podem gerar ansiedade no indivíduo. “Se as emoções nos empurram para a racionalização, os próprios mecanismos de racionalização despertam emoção” (Amândio, 2004AMÂNDIO, Sofia Lay. (2004), “O lugar social das emoções na investigação em Ciências Sociais: reflexão em torno de uma diligência em Sociologia”. Fórum Sociológico [online], 11/12 (2ª série):363-372., pp. 365-366). Há uma imbricada e recíproca relação entre emoções e racionalidade. As experiências emocionais estabelecem uma ligação entre as estruturas sociais e a ação do ator, devendo ser compreendidas a partir das relações estruturais de poder e de posições sociais que desenlaçam, sendo a emoção muito mais socioestrutural do que cultural (Dias, 2006DIAS, Fernando Nogueira. (2006), “O medo enquanto emoção social: contributos para uma sociologia das emoções”, Fórum Sociológico, 5,16:295-313.). Neste sentido, é preciso considerar não só a dimensão pessoal, mas especialmente as dimensões sociais, políticas e morais.

Eu creio que por inibição, o próprio ambiente não é propício, eles montam um ambiente que fica muito fechado aos que vão falar, no caso, a defesa, a acusação e o juiz. O júri ele fica ali mais submisso e receptivo, ele fica ali só recebendo informações, às vezes ele tem vontade de se pronunciar, mas talvez pela situação social que ele teve ou escolar não se sente à altura de estar falando num ambiente daquele, fica reprimido (Correia, 2019CORREIA, Laura. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? MELO, Mariana Soares Pires. 19/09/2019. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

É muito complicado porque você está lidando com gente, qualquer pessoa, assim, geralmente pessoas comuns, entendeu? E pessoas comuns, dentro delas, têm aquelas que não entendem o processo, independente assim, porque não vivenciam o Direito, porque é diferente. Quer dizer que eu que chegar lá e você que já está aí no meio do curso, vai ter um olhar diferente, entendeu? (Pereira, 2016PEREIRA, Francisco. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? NASCIMENTO, Emylli Tavares do. 15/09/2016. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

Olha, a minha opinião sincera do júri, eu acho que... É interessante a Constituição ter colocado os jurados para julgar as pessoas que cometeram crimes contra a vida, mas eu acho muito falho, porque são pessoas, em sua grande maioria, ignorantes com relação ao Direito, aí acaba tendo julgamentos tortuosos do caso, leva-se só pela emoção (Gomes, 2017GOMES, Marcos. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? MELO, Mariana Soares Pires. 18/06/2017. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

Considerando a valorização do conhecimento técnico como “régua”, os jurados tanto exercem comparações intragrupos quanto minoram sua participação no júri no comparativo intergrupos. Porém, Streck (2001, pSTRECK, Lenio Luiz. (2001), Tribunal do júri: símbolos e rituais. Porto Alegre, Livraria do Advogado.. 91) pergunta: “o juiz singular, no julgamento de processos que não são da competência do júri, consegue ser neutro, abstraindo-se de sua ideologia de classe, sua formação acadêmica e de suas derivações axiológicas?”; e logo responde: “juiz e jurados são seres-no-mundo, condenados inexoravelmente a interpretar os fenômenos do mundo. [...] Somos, pois, seres hermenêuticos. Interpretamos a partir da tradição”. Diante do dilema dos magistrados – isto é, dos julgadores – os dados de pesquisa de Baptista (2017)BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. (2017), “‘O que os olhos não veem o coração não sente’: os mecanismos de defesa da magistratura e as estratégias da advocacia diante do princípio da imparcialidade judicial”, in M.S. Amorim; R.K. de Lima. (org.), Administração de conflitos e cidadania: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro, Autografia. demonstram a necessidade de parecerem imparciais e, portanto, não expressarem suas afetações e opiniões pessoais (de sujeitos sociais) durante os julgamentos.

Se a expressão da racionalidade é imperiosa, pode-se atribuir ao indivíduo uma reputação de insensibilidade que demonstra excessivo controle de suas emoções, como observou Breton (2001)BRETON, David Le. (2001). Les Passions Ordinaires: anthropologie des émotions. 4ª edição, Paris, Armand Collin.. Por outro lado, Koury (2008KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2008), De que João Pessoa tem Medo? Uma abordagem em Antropologia das Emoções. João Pessoa, Editora Universitária da UFPB., 2017KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2017), “Cultura emotiva, medo, medos corriqueiros e pertença”, in M.G.P. Koury. (org.), Etnografias urbanas sobre pertença e medos na cidade. Recife, Bagaço.) argumenta que os estados de medo e de vergonha são construções significativas que perpassam o imaginário e as diversas e cotidianas formas de sociabilidade, podendo ser tratadas como sinais de ameaça a vínculos sociais. Conforme Costa (2018)COSTA, Petra. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. 07/11/2018. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB., “aí eu posso... há quem absolva por medo, porque o camarada está ali, a presença já impõe o medo. Eu não tenho medo disso. Nunca tive medo de nada! Entendeu?”.

O medo exposto acima se refere à possibilidade de retaliação por parte da família do réu, ou dele mesmo, caso acreditem que certo jurado tenha corroborado com o resultado da condenação. O silêncio12 12 Este silêncio diz respeito ao princípio da incomunicabilidade prevista no Código de Processo Penal, art. 466, §1º (Brasil, 2020). dos juízes leigos durante os julgamentos poderia camuflar também esses receios. Embora a incomunicabilidade não impeça que dúvidas sobre a narrativa do crime sejam sanadas através da elaboração de questões levantadas por jurados, uma das justificativas da recorrente falta de manifestação em plenário foi a clareza na exposição do processo, por parte dos operadores jurídicos: “Já fica bem esclarecido com as perguntas do juiz, do promotor e da defesa. Aí para não ficar repetindo as mesmas perguntas, as mesmas respostas, aí o pessoal prefere não perguntar” (Lima, 2016LIMA, Paulo. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? NASCIMENTO, Emylli Tavares do. 22/09/2016. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

No estudo etnográfico realizado por Geertz (2004)GEERTZ, Clifford. (2004), “O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparada”, in C. Geertz. (org.), O saber local: novos ensaios em Antropologia interpretativa. Tradução de Vera Mello Joscelyne. 7ª edição, Petrópolis-RJ, Vozes. sobre os fatos e as leis em perspectiva comparada, o antropólogo reflete que o temor sempre foi um sentimento presente no mundo jurídico, configurado na cautela quanto aos meios de avaliação da informação prestada nos tribunais. E, mais do que receios de retaliação dos sujeitos incriminados contra o corpo de jurados que vota pela condenação, o medo apontado por Geertz tem relação com as hierarquias de saberes entre profissionais do Direito e os juízes leigos – que são juízes do/de fato. Nas palavras do autor, os regulamentos jurídicos comuns aos tribunais do júri “surgem mais como um resultado da desconfiança de que membros do júri não serão totalmente capazes de exercer sua função como ‘juízes racionais de fatos’, seja lá o que isso signifique, e menos por uma possível preocupação com a relevância da evidência para o caso” (Geertz, 2004, pGEERTZ, Clifford. (2004), “O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparada”, in C. Geertz. (org.), O saber local: novos ensaios em Antropologia interpretativa. Tradução de Vera Mello Joscelyne. 7ª edição, Petrópolis-RJ, Vozes.. 256).

O princípio jurídico da incomunicabilidade entre os jurados no momento da sessão de julgamento acaba por se estender na manutenção do silêncio destes diante das “claras” e “suficientes” perguntas advindas dos operadores do Direito. Por outro lado, a justificativa do silêncio também poderia servir para ocultar certa inibição ou vergonha, preocupação com reações inadequadas ou perguntas incoerentes, por não serem eles detentores do conhecimento técnico. Talvez parte destes constrangimentos pudessem ser amenizados caso os profissionais do Direito prescindissem do uso de termos formais ou em latim (data venia, causa mortis, sine qua non etc.), por exemplo, e aproximassem suas falas da linguagem popular, posto que seu grupo de ouvintes advém de diferentes setores da sociedade, buscando ser o mais “didático” possível nas suas teses sobre os crimes.

Eu acho que primeiro os tribunais deveriam ser mais sensatos, sobre a população, ser mais abertos, os tribunais, para a gente saber como é a formação dentro do Tribunal de Justiça porque é um negócio muito trancado, só dá para eles mesmo, entendeu? (Rodrigues, 2016RODRIGUES, Antônio. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? PATRÍCIO, Laura Maria Nunes. 25/10/2016. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

Ademais, supomos que a falta de clareza durante os julgamentos por parte dos operadores jurídicos pode ser o resultado de falhas na condução processual, no que se refere ao rito do julgamento, ou ainda o desinteresse de parte dos jurados pelas regras. Práticas institucionais genuínas, que reiterassem a importância da compreensão do caso antes da produção da sentença por parte dos jurados, poderia deixá-los mais cientes do seu papel social e mais tranquilos com a ritualística do júri.

Teve um advogado que eu fiquei irritadíssima com ele, quando eu falava: “rapaz, não faça isso, não”. Ele batia assim em cima da bancada do júri, e aquilo estava me irritando, porque era dispensável, era, estava me irritando profundamente, quase que eu falava “Doutor, você!”, mas a gente não sabe até onde que a gente pode questionar, com o tempo a gente aprende [risos] (Pereira, 2016PEREIRA, Francisco. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? NASCIMENTO, Emylli Tavares do. 15/09/2016. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

É... porque o juiz... a gente tem o direito de perguntar13 13 Dos sessenta entrevistados, três deles desconheciam a possibilidade de solicitar algum tipo de esclarecimento à defesa e/ou à acusação durante o julgamento, mesmo não sendo a primeira participação deles nos tribunais do júri. , mas conversando com meus colegas à parte, alguns deles disseram que não, que não fazem perguntas porque sentem vergonha de perguntar besteira. Alguns até ficam constrangidos, porque o juiz diz assim: “a pergunta deve ser feita diretamente ao juiz”, alguns... aí... alguns viram lá na hora que o colega estava sendo, fazendo o julgamento, né? Participando do Conselho, fazia pergunta diretamente ao réu ou testemunha, aí era interrompido pelo juiz: “faça pergunta a mim!” Por isso que eu não faço pergunta, por isso que eu não vou para passar vergonha (Souza, 2015SOUZA, João. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? LUSTOSA, Raissa Soares. 03/12/2015. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

Às vezes é timidez, no início eu também não perguntava. Eu tinha uma vontade louca de perguntar, mas aí eu não perguntava. Para você ver que vai também de certa experiência, né? Porque eu tinha medo de se eu fizesse alguma pergunta ali, o advogado fosse achar que eu ia condenar ou o promotor também pensar que eu ia absolver, sabe? E eu achava que eu ia fazer uma pergunta e ele dizer que não permite, às vezes têm brigas aí, de promotor e advogados, de um não aceitar o que o outro está falando, eles ficam bravos. Então eu tinha medo (Barbosa, 2018BARBOSA, Marcelo. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. 07/08/2018. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

É possível destacar que, nas falas dos entrevistados, há uma predominância de discursos sobre medo ou vergonha de se expor, cometer uma gafe ou mesmo ser repreendido, tal como destacado ao longo do texto: “...há quem absolva por medo” (Costa, 2018COSTA, Petra. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. 07/11/2018. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.); “porque eu tinha medo de se eu fizesse alguma pergunta ali, o advogado fosse achar que eu ia condenar ou o promotor também pensar que eu ia absolver” (Barbosa, 2018BARBOSA, Marcelo. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. 07/08/2018. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.) etc. Estes estados se dão pela noção de risco projetado na relação de proximidade ou amizade ou mesmo “medo motivado pela falta de confiança em si” (Koury, 2017, pKOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2017), “Cultura emotiva, medo, medos corriqueiros e pertença”, in M.G.P. Koury. (org.), Etnografias urbanas sobre pertença e medos na cidade. Recife, Bagaço..144).

O medo social resulta do desequilíbrio nas relações de poder, sendo uma emoção difusa e latente, tecida nas estruturas de relações. As competências e autoconfiança costumam ser abaladas por tal emoção (Dias, 2006DIAS, Fernando Nogueira. (2006), “O medo enquanto emoção social: contributos para uma sociologia das emoções”, Fórum Sociológico, 5,16:295-313.). O mesmo se pode dizer sobre as situações de vergonha e constrangimento descritas pelos interlocutores acima. Embora exista uma disputa de poder intragrupal entre os juízes leigos veteranos e os neófitos no que se refere ao status da experiência prática que suscita compreensões sobre os rituais dos tribunais do júri e os crimes julgados, os jurados “profissionais” não serão verdadeiramente reconhecidos como detentores do saber jurídico nem alcançarão o prestígio dos profissionais do Direito por serem frequentemente julgadores de fato. As relações de poder intergrupo sugerem que o constrangimento e o medo também afetam os jurados veteranos.

Conforme Goffman (2011)GOFFMAN, Erving. (2011), “Constrangimento e organização social”, in E. Goffman. (org.), Ritual de interação: ensaios sobre o comportamento face a face. Tradução de Fábio Rodrigues Ribeiro da Silva, Petrópolis, Vozes., tais emoções decorrem de uma situação interacional em que um ou mais atores envolvidos desenvolvem a sensação de inferioridade injustificada, o que gera embaraço, alvoroço nos comportamentos, no como lidar com a situação. Esta “inferioridade injustificada” se relaciona com a visão de si e as expectativas criadas para a interação. Tomemos, por exemplo, a fala de Vieira (2017)VIEIRA, Valentina. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? NASCIMENTO, Emylli Tavares do. 03/05/2017. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB., “eu acho que eles [os operadores jurídicos] se acham os poderosos. Em relação ao povo, né?”. E Souza:

E só uma única coisa assim que eu vou destacar, eu acho que aí está refletido no tribunal ... Um nível social que é de classe média alta, com nível de estudo, né? Bastante avançado, o salário daquelas pessoas é altíssimo, e também uma diferença da religião. O tribunal, ele tem logo atrás dos dizeres, ele tem um crucifixo, então eu acho que ali eles já tão dizendo a religião predominante no Brasil, né? “Nós somos os juízes, os operadores do Direito, nós somos dessa religião...” Eu acho que ali deveria ser um ambiente neutro, né? Principalmente nessa questão, isso aí eu acho” (Souza, 2015SOUZA, João. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? LUSTOSA, Raissa Soares. 03/12/2015. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

A combinação entre instrução educacional, classe e religião (cristã) remete às reflexões trazidas pelos interlocutores de Baptista (2017)BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. (2017), “‘O que os olhos não veem o coração não sente’: os mecanismos de defesa da magistratura e as estratégias da advocacia diante do princípio da imparcialidade judicial”, in M.S. Amorim; R.K. de Lima. (org.), Administração de conflitos e cidadania: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro, Autografia., referentes ao dilema entre os juízes serem humanos, passíveis de cometerem erros e de se conduzirem por afetações, e que precisam conter as emoções para garantir a confiança dos jurisdicionados no sistema judiciário. Vivenciar o credo de que são infalíveis engendra a distinção dos magistrados frente a jurados e a outros profissionais do Direito – em estrita adequação à exigência da ética da imparcialidade que repercute na reputação de insensibilidade (Breton, 2001BRETON, David Le. (2001). Les Passions Ordinaires: anthropologie des émotions. 4ª edição, Paris, Armand Collin.) e, algumas vezes, no imaginário de superioridade sobre si mesmo.

Entretanto, considerando que são as relações de poder que reiteram as visões de infalibilidade ou de insensibilidade, podemos, mais uma vez, apontar para a composição de uma inferioridade injustificada (Goffman, 2011GOFFMAN, Erving. (2011), “Constrangimento e organização social”, in E. Goffman. (org.), Ritual de interação: ensaios sobre o comportamento face a face. Tradução de Fábio Rodrigues Ribeiro da Silva, Petrópolis, Vozes.), que torna os profissionais do Direito “poderosos” mesmo quando os jurados convocados não estão aquém da posição esperada de um juiz leigo, de sujeito representante da sociedade, com poder de julgar crimes dolosos contra a vida.

Por ser outro, podemos falar de um medo generalizado. O sentimento de não pertencimento pode ser incitado pela falta de correspondência da cor da pele, gênero, crenças religiosas, ideologias políticas, estilo de vida, profissão etc. Apesar de ser compartilhado coletivamente, o medo social é experimentado de forma singular, já que é combinado com a história de vida e as posições sociais. O fenômeno humano ou o sistema social exerce e sofre influências simultâneas externas e de si. “Trata-se de um medo plasmado não somente no indivíduo, como, acima de tudo, na estrutura interacional” (Dias, 2006, pDIAS, Fernando Nogueira. (2006), “O medo enquanto emoção social: contributos para uma sociologia das emoções”, Fórum Sociológico, 5,16:295-313.. 301-309).

Há de se enfatizar a cultura de delegação e de falta de responsabilização do poder produzido em entidades abstratas. O monopólio da violência corresponde aos interesses do Estado ou de certos setores da sociedade? Ao menor sinal de desacordo, os poderes públicos e privados costumam reagir de forma violenta, contraindo o tecido social e produzindo o medo, já que afeta executores e vítimas (Dias, 2006, pDIAS, Fernando Nogueira. (2006), “O medo enquanto emoção social: contributos para uma sociologia das emoções”, Fórum Sociológico, 5,16:295-313.. 301-302).

Geralmente a gente fica com medo. Eu sempre elaboro perguntas, anoto e deixo elas anotadas e eu espero que elas sejam respondidas ao longo do julgamento, mas eu nunca cheguei a perguntar diretamente, tive dúvidas, mas, apesar da juíza ser uma pessoa muito boa e ela disponibiliza, geralmente o que eu pergunto assim é com relação a termos em latim, mas eu tenho dúvidas às vezes que precisariam ser esclarecidas, mas eu tenho muito receio de perguntar, porque talvez a forma de perguntar ou a resposta seja justamente o que ele precisa para dizer se eu absolvo ou não aquele réu (Lima, 2016LIMA, Paulo. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? NASCIMENTO, Emylli Tavares do. 22/09/2016. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

Acho que fico um pouco intimidada, pela questão da linguagem de vocês serem muito formal... mas é mais pela questão da linguagem, você se sente intimidado porque as pessoas que estão aptas, elas conhecem de Direito, a gente não, a maioria é muito leiga, aí você vai lá perguntar uma coisa que não seja nada com nada (Moreira, 2019MOREIRA, Juliana. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? MELO, Mariana Soares Pires. 09/10/2019. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

A relação entre as emoções e a racionalização pode ser exemplificada com o fato de o embaraço ou vergonha refletirem a preocupação do indivíduo com valores e regras definidos em determinada organização social:

Num estudo empírico de um sistema social particular, o primeiro objetivo seria aprender quais categorias de pessoas ficam constrangidas em quais situações recorrentes. E o segundo objetivo seria descobrir o que aconteceria com o sistema social e o esquema de obrigações se o constrangimento não fosse incorporado sistematicamente nele (Goffman, 2011, pGOFFMAN, Erving. (2011), “Constrangimento e organização social”, in E. Goffman. (org.), Ritual de interação: ensaios sobre o comportamento face a face. Tradução de Fábio Rodrigues Ribeiro da Silva, Petrópolis, Vozes..106).

Segundo Goffman (2011), oGOFFMAN, Erving. (2011), “Constrangimento e organização social”, in E. Goffman. (org.), Ritual de interação: ensaios sobre o comportamento face a face. Tradução de Fábio Rodrigues Ribeiro da Silva, Petrópolis, Vozes. constrangimento leva a uma “segregação de papeis”, podemos dizer, a uma modulação dos comportamentos e expressões corporais diante do que requer a situação interacional. É interessante refletir sobre isso quando advém dos dados de pesquisa noções de proximidade, como a amizade, e de distanciamento, ilustradas pela insegurança, timidez, vergonha e medo – sinais de constrangimento – contextualizadas nas relações de poder estabelecidas. Por consequência, o sentimento de não pertencimento do sujeito pode desaguar em emoções que produzam constrangimento, humilhação ou sentimentos de ameaça, ao contrário do sentimento de confiança motivado pelo reconhecimento. Dentre outros tipos de emoções, a produção do medo depende do outro da relação, sendo a vida social inviabilizada quando da falta de confiança.

Particularmente eu fiz perguntas, muitas, por sinal. Mas eles não fazem por medo de errar, de passar vergonha. Eu acredito que sim. Porque quando termina o julgamento e no dia seguinte, que a gente se reúne e fala: nossa, eu estava, queria perguntar uma coisa, mas eu estava com tanta vergonha. Vergonha de não saber o que falar. Às vezes você tem a dúvida, mas não sabe a maneira correta. Ah, eu não sei falar direito, eu sou tão simples, uma coisa tão simplória (Almeida, 2017ALMEIDA, Carlos. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? PATRÍCIO, Laura Maria Nunes. 23/02/2017. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

Eu vi uma vez, acompanhei duas perguntas, mas por não estarem... relacionadas ao caso, era mais geral para entender a situação, o que poderia acontecer a uma pessoa se tivesse cometido aquilo, a que estava sendo trabalhado no dia. Então, o juiz ele não aceitou, as duas perguntas de um jurado, entendeu?! Ele não aceitou, então acredito que isso possa inibir os outros. Claro que vêm algumas perguntas durante a defesa, alguns argumentos que eles utilizam, as vezes não tem cabimento. Então, às vezes existem algumas situações realmente que existe a vontade de falar, entendeu?! Mas por não conhecer também, não ter tanta experiência naquele meio ali, a gente sente um pouco de inibição na situação... (Ribeiro, 2018RIBEIRO, Eduarda. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? MELO, Mariana Soares Pires. 25/10/2018. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.).

Para Scheff (2014)SCHEFF, Thomas. (2014), “A repressão da vergonha”. RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, 13, 37:10-18., haveria um grande tabu em torno da vergonha que levaria a uma repressão desta emoção, resultando em ações como a ocultação de informações sensíveis dos outros e de si mesmo como forma de se resguardar diante da possibilidade de se envergonhar devido à rejeição social. Este autor identifica três funções sociais primordiais para a vergonha: i) é um componente chave para nossa consciência, sendo nosso sentido moral; ii) sinaliza uma situação que ameaça o vínculo social, e problemas em um relacionamento; e iii) é central na regulação da expressão e na consciência de outras emoções (Scheff, 2003SCHEFF, Thomas. (2003), “Shame in Self and Society”. Symbolic Interaction, 26, 2:239-262. DOI: https://doi.org/10.1525/si.2003.26.2.239.
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).

Sinais de vergonha servem não somente para nos ajudar a manter a distância correta em relação aos outros, mas também para estabelecer um direcionamento moral do nosso comportamento. O que é chamado de “consciência” é constituído não apenas pela cognição, mas também pelas emoções. Sentimentos ou antecipações de vergonha ao considerar uma ação servem como um giroscópio moral automático, algo independente de reflexões morais sobre as consequências da ação (Scheff, 2013, pSCHEFF, Thomas. (2013), “Desvendando o processo civilizador: vergonha e integração na obra de Elias”, RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, 12, 35: 637-655.. 645).

Sendo assim, a vergonha se encontra presente em toda e qualquer situação social, seja ela real ou prevista (Scheff, 2003SCHEFF, Thomas. (2003), “Shame in Self and Society”. Symbolic Interaction, 26, 2:239-262. DOI: https://doi.org/10.1525/si.2003.26.2.239.
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, 2014SCHEFF, Thomas. (2014), “A repressão da vergonha”. RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, 13, 37:10-18.). Isto porque tal emoção sinaliza ou estaria presente em uma situação que ameaça o vínculo social. Neste sentido, a presença real da vergonha em uma relação social apresenta a concretude dessa ameaça, enquanto a previsão da possibilidade dela pauta nossas ações e nos adequa aos comportamentos sociais previstos como uma forma de prevenir sua efetivação. Se sentir envergonhado, constrangido ou embaraçado denota uma resposta social do indivíduo às situações que podem ser consideradas desagradáveis. A vergonha teria, nestes momentos, uma função de controle moral que indicaria ao indivíduo a necessidade de assumir certas condutas que reafirmem seu compromisso com a organização, valores e convenções sociais (Scheff, 2016SCHEFF, Thomas. (2016), “Conceitos podem ser justificados? O caminho de Goffman”, in M.G.P. Koury; R.B. Barbosa. (org.), A vergonha no self e na sociedade: A sociologia e antropologia das emoções de Thomas Scheff. Recife, Bagaço.).

Os juízes leigos explicitam a presença da vergonha, seja na utilização de termos correlatos como “inibição”, “insegurança”, “constrangimento”, “timidez”, ou mesmo por situações descritas, como quando se sentiram intimidados por acreditarem que “o próprio ambiente não é propício” para perguntar, ou se encontravam diante da possibilidade de serem repreendidos pelos operadores jurídicos. Neste sentido, “[...] a interação social, se não é um lugar de embaraços, constitui uma experiência escorregadia de constante antecipação da possibilidade de constrangimentos ou de seus ainda mais dolorosos correlatos e variantes” (Scheff, 2016, pSCHEFF, Thomas. (2016), “Conceitos podem ser justificados? O caminho de Goffman”, in M.G.P. Koury; R.B. Barbosa. (org.), A vergonha no self e na sociedade: A sociologia e antropologia das emoções de Thomas Scheff. Recife, Bagaço.. 164). Assim, ao tentarem prever as possíveis consequências de suas ações, os juízes leigos se sentem envergonhados pela possibilidade de vexame público.

4. Considerações finais

Este trabalho teve o intuito de demonstrar a imbricada e relevante relação entre racionalidade e emoções quando da atuação dos jurados populares nos tribunais do júri. Em especial, deve-se refletir acerca do lugar da vergonha e do medo social, bem como de seus usos na manutenção de determinada estrutura de poder observada na ordem interacional. Da mesma forma, observou-se que as relações de “amizade” aludidas parecem variar entre a fragilidade e a imaginação diante das relações de poder estabelecidas entre as duas classes de juízes leigos (neófitos e profissionais) e deles em relação aos operadores jurídicos. As interações de proximidade expostas denotam idealizações de pertencimento que costumam ocorrer apenas em momentos anteriores ou posteriores aos rituais jurídicos.

As relações de poder persistentes apontam para um claro desvirtuamento ao que se propõem os tribunais do júri brasileiros. Se, por um lado, os jurados veteranos tentam se aproximar dos operadores jurídicos, através do conhecimento técnico como saída para driblar as barreiras alimentadas pelos sujeitos do Direito e talvez gerar uma diminuição das distâncias hierárquicas, por outro lado, os neófitos costumam se sentir acuados, emitindo sentenças desorientadas.

Como visto, os jurados tentam modular seus temores gerando artifícios de proximidade com os operadores jurídicos e, ao mesmo tempo, se distanciando dos novatos conforme o critério de “saber alcançado pela experiência prática”. Diante disso, entende-se que, aos profissionais do Direito, confere-se outro status, já que, oficialmente, o conhecimento técnico se concentra neles. Os silenciamentos que resultam de vergonhas e de medos sociais reproduzidos na instituição jurídica em tela desvelam que tais rituais são compostos por uma espécie de mordaça garantidora do cerrado mundo jurídico.

  • 1
    Este artigo é consequência do aprofundamento do trabalho apresentado no 43º Encontro Anual da Anpocs, SPG 18: Juristas, instituições judiciais e disputas sobre o direito, em Caxambu, Minas Gerais. Agradecemos às contribuições das(os) participantes, em especial, da professora Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer (USP), às ex-bolsistas Raissa Soares Lustosa (PIBIC 2015-2016), Laura Maria Nunes Patrício (PIBIC 2016-2017) e Emylli Tavares do Nascimento (PIBIC 2015-2017) e à ex-doutoranda em Sociologia (PPGS/UFPB), Mariana Soares Pires Melo.
  • 2
    Os juízes leigos são também denominados jurados, júri, júri popular, tribunal do povo, colegiado popular ou tribunal popular (Lorea, 2003LOREA, Roberto Arriada. (2003), Os jurados “leigos”: uma antropologia do Tribunal do Júri. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.).
  • 3
    Desafios e afetações experimentados no desenvolvimento das pesquisas em tribunais do júri serão tema de outro artigo.
  • 4
    Os atos normativos do TJ-PB foram editados a partir de 18 de março de 2020. As atividades jurisdicionais presenciais foram retomadas no segundo trimestre de 2022, seguindo protocolos de acesso aos ambientes da Justiça (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA, 2020aTRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA. (2020a), Ato da Presidência nº 36/2020, de 13 de agosto de 2020. Regulamenta o atendimento virtual por magistrados do Tribunal de Justiça da Paraíba, aos advogados, procuradores, Defensores Públicos, membros do Ministério Público e da Polícia Judiciária e das partes, no exercício do seu jus postulandi, durante o período das medidas temporárias de prevenção ao contágio pelo novo Coronavírus (Covid-19). Diário da Justiça Eletrônico – Dje. Publicação: sexta-feira, 14 de agosto., bTRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA. (2020b), Ato Normativo Conjunto nº 002/2020/TJPB/MPPB/DPE-PB/OAB-PB, de 18 de março de 2020. Dispõe sobre medidas temporárias de prevenção ao contágio pelo novo Coronavírus (COVID-19). Diário da Justiça Eletrônico – Dje nº 15.931. Publicação: quarta-feira, 18 de março., 2022TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA. (2022), Ato conjunto GAPRE/CGJ nº 01/2022, de 17 de janeiro de 2022. Posterga o retorno das atividades presenciais do Poder Judiciário do Estado da Paraíba, determinado no Ato Conjunto GAPRE/CGJ nº 05/2021. Diário da Justiça Eletrônico – Dje. Publicação: terça-feira, 18 de janeiro.).
  • 5
    Todas as transcrições de entrevistas estão acompanhadas de nomes fictícios.
  • 6
    Para saber mais acerca dos juízes leigos, nos mesmos tribunais de justiça, consultar Zamboni e Faria (2018)ZAMBONI, Marcela; FARIA, Jairo Rocha. (2018), “Contágio social em tribunais do júri”, Revista Brasileira de Sociologia, 6, 13:195-218. DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.265.
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  • 7
    Aqueles em que há intenção de retirar a vida de outrem: homicídio; induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio; infanticídio e aborto, segundo consta no Código Penal, art. 121 a 128 (Brasil, 2017BRASIL, Código Penal. (2017), Decreto-lei nº 2848, de 07 de dezembro de 1940. Brasília, DF, Senado Federal. Coordenação de Edições Técnicas.).
  • 8
    Para conhecer mais sobre os sorteios dos integrantes dos conselhos de sentença, conferir Filgueira (2007), Fachinetto (2012)FACHINETTO, Rochele Fellini. (2012), Quando eles as matam e quando elas os matam: uma análise dos julgamentos de homicídio pelo Tribunal do Júri. Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. e Oliveira (2019)OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. (2019), O crime de feminicídio e a percepção dos agentes da Justiça: uma análise sociológica a partir dos Tribunais do Júri de João Pessoa, Paraíba. Tese de doutorado. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa., além do próprio Código de Processo Penal, arts. 425 e 436 (Brasil 2020BRASIL, Código de Processo Penal. (2020), Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. 3ª edição, Brasília, DF, Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas.).
  • 9
    Segundo o Código de Processo Penal, artigo 426, § 4º, o jurado que tiver participado do “Conselho de Sentença nos 12 (doze) meses que antecederem à publicação da lista geral fica dela excluído” (Brasil, 2020BRASIL, Código de Processo Penal. (2020), Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. 3ª edição, Brasília, DF, Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas.). Contudo, constatamos um descumprimento da lei quanto à rotatividade dos jurados. Para saber mais, consultar Zamboni e Oliveira (2016)ZAMBONI, Marcela; OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. (2016), Homicídio afetivo-conjugal sob a lente dos operadores jurídicos. João Pessoa, Editora Universitária UFPB. e Zamboni e Faria (2018)ZAMBONI, Marcela; FARIA, Jairo Rocha. (2018), “Contágio social em tribunais do júri”, Revista Brasileira de Sociologia, 6, 13:195-218. DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.265.
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    .
  • 10
    Para mais informações sobre o conceito de “confiança” nas Ciências Sociais, consultar Zamboni (2010)ZAMBONI, Marcela. (2010), “Quem acreditou no amor, no sorriso, na flor”: a confiança nas relações amorosas. São Paulo, Annablume. e Koury, Zamboni e Brito (2013)KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro; ZAMBONI, Marcela; BRITO, Simone Magalhães. (2013), “Como se articulam vergonha e quebra de confiança na justificação da ação moral”, Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 6, 2:251-268..
  • 11
    Nas entrevistas, obtivemos informações espontâneas sobre o tempo dedicado ao serviço público em suas profissões, por isso essa inferência de que parte deles havia entrado no serviço público sem ter prestado concurso, ou seja, antes da prescrição da Constituição Federal de 1988.
  • 12
    Este silêncio diz respeito ao princípio da incomunicabilidade prevista no Código de Processo Penal, art. 466, §1º (Brasil, 2020BRASIL, Código de Processo Penal. (2020), Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. 3ª edição, Brasília, DF, Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas.).
  • 13
    Dos sessenta entrevistados, três deles desconheciam a possibilidade de solicitar algum tipo de esclarecimento à defesa e/ou à acusação durante o julgamento, mesmo não sendo a primeira participação deles nos tribunais do júri.
  • DOI: 10.1590/3811033/2023.

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  • ZAMBONI, Marcela. (2010), “Quem acreditou no amor, no sorriso, na flor”: a confiança nas relações amorosas. São Paulo, Annablume.
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  • ZAMBONI, Marcela; OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. (2016), Homicídio afetivo-conjugal sob a lente dos operadores jurídicos João Pessoa, Editora Universitária UFPB.
  • ZAMBONI, Marcela; OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de; NASCIMENTO, Emylli Tavares do. (2019), “Intersecções de gênero, sexualidade e classe em tribunais do júri: valores morais em disputa”, Revista Brasileira de Sociologia, 7, 15:190-214. DOI: https://doi.org/10.20336/rbs.446
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Lista de entrevistas

  • ALMEIDA, Carlos. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? PATRÍCIO, Laura Maria Nunes. 23/02/2017. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • ARAÚJO, Gabriel. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? MELO, Mariana Soares Pires. 24/05/2018. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • BARBOSA, Marcelo. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. 07/08/2018. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • CARVALHO, Luiz. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. 08/06/2017. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • CORREIA, Laura. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? MELO, Mariana Soares Pires. 19/09/2019. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • COSTA, Petra. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. 07/11/2018. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • FERNANDES, Lucas. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? PATRÍCIO, Laura Maria Nunes. 07/03/2017. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • FERREIRA, Sofia. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. 02/10/2019. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • GOMES, Marcos. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? MELO, Mariana Soares Pires. 18/06/2017. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • LIMA, Paulo. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? NASCIMENTO, Emylli Tavares do. 22/09/2016. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • MARTINS, Rafael. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. 05/04/2018. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • MOREIRA, Juliana. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? MELO, Mariana Soares Pires. 09/10/2019. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • OLIVEIRA, Ana. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? LUSTOSA, Raissa Soares. 12/11/2015. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • PEREIRA, Francisco. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? NASCIMENTO, Emylli Tavares do. 15/09/2016. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • RIBEIRO, Eduarda. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? MELO, Mariana Soares Pires. 25/10/2018. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • RODRIGUES, Antônio. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? PATRÍCIO, Laura Maria Nunes. 25/10/2016. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • SANTOS, José. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? LUSTOSA, Raissa Soares. 14/10/2015. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • SILVA, Maria. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? OLIVEIRA, Helma Janielle Souza de. 03/09/2015. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • SOUZA, João. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? LUSTOSA, Raissa Soares. 03/12/2015. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.
  • VIEIRA, Valentina. Noções de justiça nos casos de homicídio afetivo-conjugal: o que dizem os juízes leigos? NASCIMENTO, Emylli Tavares do. 03/05/2017. Fórum Criminal Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, João Pessoa-PB.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Abr 2022
  • Aceito
    22 Set 2023
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