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Viabilidade da inoculação de soja com estirpes de Bradyrhizobium em solo inundado

Viability of soybean inoculation with Bradyrhizobium strains in flooded soil

Resumos

A soja pode ser considerada uma alternativa viável para cultivo em solos hidromórficos. O sucesso da cultura, porém, depende do funcionamento do processo de fixação biológica do N2. Sabe-se que a fixação biológica de N2 é, geralmente, prejudicada pela inundação do solo, dependendo do genótipo do macrossimbionte. Não se conhece, no entanto, o comportamento, em solo inundado, das diferentes estirpes de Bradyrhizobium elkanii e Bradyrhizobium japonicum recomendadas para a soja. O presente trabalho teve como objetivo avaliar a eficiência das estirpes recomendadas para a cultura da soja, em solo submetido à inundação, em comparação com a adubação nitrogenada. O experimento em casa de vegetação foi realizado em vasos com solo, nos quais se fez a semeadura de soja da variedade CEP 20. Os tratamentos consistiram na aplicação de dois níveis de umidade ao solo - 100 % da capacidade de campo e inundado com cerca de 1 cm de lâmina de água - e de duas formas de fornecimento de N - inoculação com as estirpes de rizóbio SEMIA 587, SEMIA 5019, SEMIA 5079 ou SEMIA 5080 e aplicação de 100 mg kg-1 de N mineral. A inundação do solo foi aplicada 14 dias após a emergência, tendo sido mantida por 30 dias. Foram avaliados o número de nódulos, a massa seca de nódulos e da parte aérea das plantas de soja, aos 46 e aos 75 dias da emergência. A quantidade de N na parte aérea foi avaliada aos 75 dias da emergência. Nas duas avaliações, o número e a massa de nódulos foram reduzidos com a inundação do solo. Não houve diferenças na massa seca da parte aérea das plantas inoculadas com as estirpes, as quais apresentaram rendimentos inferiores aos do tratamento com adubação nitrogenada. Na segunda avaliação, porém, o tratamento com adubação nitrogenada apresentou menor rendimento de massa seca no solo que havia sido inundado, em comparação com o mesmo tratamento em capacidade de campo. A quantidade de N acumulada na parte aérea também foi reduzida no solo submetido à inundação. A partir dos resultados obtidos, pôde-se concluir que a inundação do solo prejudicou o processo de fixação biológica de N2 em plantas de soja. Todavia, após a remoção do excesso de umidade, houve recuperação da nodulação e da fixação biológica de N2 em soja inoculada com Bradyrhizobium. As plantas adubadas com fertilizante nitrogenado mineral também foram influenciadas pela inundação.

nodulação; fixação biológica de nitrogênio; várzea


Soybean can be a viable alternative crop for lowlands. However, soybean relies on biological nitrogen fixation, a process that is normally affected by soil flooding, depending on the macrosymbiont genotype. Moreover, the behavior of different bradyrhizobia strains in flooded soil is yet unknown. The present research aimed to evaluate the efficiency of Bradyrhizobium elkanii and Bradyrhizobium japonicum strains recommended for soybean in comparison to mineral nitrogen fertilization, in flooded soil. The experiment was carried out in a greenhouse, where soybean cultivar CEP 20 was sown in pots with soil. The treatments applied were either inoculation with one of the Bradyrhizobia strains: SEMIA 587, SEMIA 5019, SEMIA 5079 or SEMIA 5080, or the application of 100 mg kg-1 mineral nitrogen at two soil moisture levels - 100% of field capacity or flooded with a 1 cm-water layer on the soil surface. The soil was flooded 14 days after plant emergence and it was maintained under such conditions for 30 days. The nodule number and dry matter, and shoot dry matter were evaluated at 46 and 75 days after plant emergence. The amount of accumulated nitrogen in the soybean shoot was determined 75 days after plant emergence. Soil flooding reduced the nodule number and dry mass in both evaluation periods. There was no difference in the soybean shoot dry matter among the plants inoculated with distinct bradyrhizobia strains, which accumulated less dry matter than the treatment with mineral nitrogen. However, in the second evaluation period the treatment with mineral nitrogen accumulated less dry matter in the flooded soil as compared to the same treatment in soil at field capacity. The amount of nitrogen accumulated in the shoot was also lower in the flooded soil. Results show that the process of nitrogen fixation is affected by soil flooding, hobut, when waterlogging cease nodulation and biological nitrogen fixation is recovered. Plants fertilized with mineral nitrogen are also affected by soil flooding.

nodulation; biological nitrogen fixation; lowland


SEÇÃO III - BIOLOGIA DO SOLO

Viabilidade da inoculação de soja com estirpes de Bradyrhizobium em solo inundado

Viability of soybean inoculation with Bradyrhizobium strains in flooded soil

D. SchollesI; L. K. VargasII

IProfessor do Departamento de Solos da Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul — UFRGS. Caixa Postal 15100, CEP 90001-970 Porto Alegre (RS). E-mail: scholles@vortex.ufrgs.br

IIPesquisador da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária — FEPAGRO. Rua Gonçalves Dias 570, CEP 90130-060 Porto Alegre (RS). E-mail: luciano-kayser@fepagro.rs.gov.br

RESUMO

A soja pode ser considerada uma alternativa viável para cultivo em solos hidromórficos. O sucesso da cultura, porém, depende do funcionamento do processo de fixação biológica do N2. Sabe-se que a fixação biológica de N2 é, geralmente, prejudicada pela inundação do solo, dependendo do genótipo do macrossimbionte. Não se conhece, no entanto, o comportamento, em solo inundado, das diferentes estirpes de Bradyrhizobium elkanii e Bradyrhizobium japonicum recomendadas para a soja. O presente trabalho teve como objetivo avaliar a eficiência das estirpes recomendadas para a cultura da soja, em solo submetido à inundação, em comparação com a adubação nitrogenada. O experimento em casa de vegetação foi realizado em vasos com solo, nos quais se fez a semeadura de soja da variedade CEP 20. Os tratamentos consistiram na aplicação de dois níveis de umidade ao solo — 100 % da capacidade de campo e inundado com cerca de 1 cm de lâmina de água — e de duas formas de fornecimento de N — inoculação com as estirpes de rizóbio SEMIA 587, SEMIA 5019, SEMIA 5079 ou SEMIA 5080 e aplicação de 100 mg kg-1 de N mineral. A inundação do solo foi aplicada 14 dias após a emergência, tendo sido mantida por 30 dias. Foram avaliados o número de nódulos, a massa seca de nódulos e da parte aérea das plantas de soja, aos 46 e aos 75 dias da emergência. A quantidade de N na parte aérea foi avaliada aos 75 dias da emergência. Nas duas avaliações, o número e a massa de nódulos foram reduzidos com a inundação do solo. Não houve diferenças na massa seca da parte aérea das plantas inoculadas com as estirpes, as quais apresentaram rendimentos inferiores aos do tratamento com adubação nitrogenada. Na segunda avaliação, porém, o tratamento com adubação nitrogenada apresentou menor rendimento de massa seca no solo que havia sido inundado, em comparação com o mesmo tratamento em capacidade de campo. A quantidade de N acumulada na parte aérea também foi reduzida no solo submetido à inundação. A partir dos resultados obtidos, pôde-se concluir que a inundação do solo prejudicou o processo de fixação biológica de N2 em plantas de soja. Todavia, após a remoção do excesso de umidade, houve recuperação da nodulação e da fixação biológica de N2 em soja inoculada com Bradyrhizobium. As plantas adubadas com fertilizante nitrogenado mineral também foram influenciadas pela inundação.

Termos de indexação: nodulação, fixação biológica de nitrogênio, várzea.

SUMMARY

Soybean can be a viable alternative crop for lowlands. However, soybean relies on biological nitrogen fixation, a process that is normally affected by soil flooding, depending on the macrosymbiont genotype. Moreover, the behavior of different bradyrhizobia strains in flooded soil is yet unknown. The present research aimed to evaluate the efficiency of Bradyrhizobium elkanii and Bradyrhizobium japonicum strains recommended for soybean in comparison to mineral nitrogen fertilization, in flooded soil. The experiment was carried out in a greenhouse, where soybean cultivar CEP 20 was sown in pots with soil. The treatments applied were either inoculation with one of the Bradyrhizobia strains: SEMIA 587, SEMIA 5019, SEMIA 5079 or SEMIA 5080, or the application of 100 mg kg-1 mineral nitrogen at two soil moisture levels - 100% of field capacity or flooded with a 1 cm-water layer on the soil surface. The soil was flooded 14 days after plant emergence and it was maintained under such conditions for 30 days. The nodule number and dry matter, and shoot dry matter were evaluated at 46 and 75 days after plant emergence. The amount of accumulated nitrogen in the soybean shoot was determined 75 days after plant emergence. Soil flooding reduced the nodule number and dry mass in both evaluation periods. There was no difference in the soybean shoot dry matter among the plants inoculated with distinct bradyrhizobia strains, which accumulated less dry matter than the treatment with mineral nitrogen. However, in the second evaluation period the treatment with mineral nitrogen accumulated less dry matter in the flooded soil as compared to the same treatment in soil at field capacity. The amount of nitrogen accumulated in the shoot was also lower in the flooded soil. Results show that the process of nitrogen fixation is affected by soil flooding, hobut, when waterlogging cease nodulation and biological nitrogen fixation is recovered. Plants fertilized with mineral nitrogen are also affected by soil flooding.

Index terms: nodulation; biological nitrogen fixation; lowland.

INTRODUÇÃO

No Rio Grande do Sul, os solos de várzea ocupam uma área de 5.400.000 ha, correspondente a 20 % do território do estado (Marchezan et al., 2002), sendo a maior parte utilizada para o cultivo de arroz irrigado. No entanto, a área ocupada anualmente com a cultura do arroz é estimada em pouco menos de um milhão de hectares (Motta et al., 1999; Marchezan et al., 2002). O restante permanece em pousio ou é utilizado para pastagens. Essas práticas têm por objetivo reduzir a incidência de plantas daninhas (Pires et al., 2002), mas resultam no sub-aproveitamento da área para a produção de grãos.

Uma alternativa seria o cultivo de outra espécie produtora de grãos, preferencialmente uma leguminosa. A adoção dessa alternativa, porém, é dificultada pelas características das várzeas arrozeiras, uma vez que as espécies produtoras de grãos, em sua maioria, não são adaptadas a solos hidromórficos (Pires et al., 2002). A baixa concentração de O2 (Bacanamwo & Purcell, 1999a; Dennis et al., 2000) e o excesso de CO2 (Boru et al., 2003) junto às raízes são os principais fatores determinantes de prejuízos às plantas em condições de inundação do solo. Adicionalmente, a umidade elevada e a baixa concentração de O2 no solo resultam no aumento das concentrações de Fe2+ e Mn2+ na solução do solo (Nava & Bohnen, 2002; Souza et al., 2002). Em tais condições, ocorrem prejuízos ao desenvolvimento de raízes e da parte aérea, podendo ocorrer a morte de plantas não adaptadas.

Embora tenha sua produtividade prejudicada pela inundação do solo (Linkemer et al., 1998; Bacanamwo & Purcell, 1999a; Boru et al., 2003), a cultura da soja tem-se mostrado uma alternativa promissora para o cultivo em solos de várzea, uma vez que dispõe de mecanismos adaptativos que conferem tolerância à inundação do solo (Bacanamwo & Purcell, 1999b; Pires et al., 2002).

O sucesso da cultura da soja, do ponto de vista econômico, depende da eficiência do processo de fixação biológica do N2. Em solos inundados, a fixação biológica do N2 em leguminosas é, geralmente, prejudicada pelo suprimento insuficiente de O2 para os nódulos (James & Crawford, 1998), tendo sido relatados rendimentos superiores com a aplicação de fertilizante nitrogenado (Bacanamwo & Purcell, 1999a). Sabe-se, ainda, que a sobrevivência de Bradyrhizobium japonicum é reduzida em solo inundado (Roughley et al., 1995).

Além disso, alterações hormonais nas plantas submetidas à hipoxia, como o aumento da produção endógena de etileno, também podem prejudicar a nodulação (James & Crawford, 1998; Oldroyd et al., 2001). A inibição da nodulação por etileno, contudo, pode ser compensada pela produção de rizobiotoxina por Bradyrhizobium elkanii (Duodu et al., 1999). Tal mecanismo de limitação da produção de etileno não é conhecido em outras espécies de rizóbio. Assim, plantas de soja inoculadas com estirpes de B. japonicum poderiam ter sua nodulação mais afetada pela inundação do solo do que as inoculadas com estirpes de B. elkanii.

No Brasil, atualmente, são recomendadas quatro estirpes de rizóbios para a cultura da soja, sendo duas de B. elkanii (SEMIA 587 e SEMIA 5019) e duas de B. japonicum (SEMIA 5079 e SEMIA 5080). O presente trabalho teve como objetivo avaliar a eficiência agronômica, em solo de várzea sob inundação, das estirpes de Bradyrhizobium recomendadas para a cultura da soja, em comparação com o fertilizante nitrogenado mineral, e estudar a capacidade de recuperação da simbiose e da soja após um período de inundação.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi realizado em casa de vegetação, em vasos com 2,5 kg de solo, nos quais se fez a semeadura de soja. Utilizou-se, no experimento, um Planossolo cultivado com arroz irrigado e sem histórico anterior de cultivo de soja. O solo recebeu uma adubação equivalente a 300 kg ha-1 de P2O5, 200 kg ha-1 de K2O e 1.000 kg ha-1 de uma mistura de CaCO3 e MgCO3, na proporção de 2:1. Cada vaso recebeu oito sementes de soja da variedade CEP 20. Após a emergência das plantas, foi efetuado um desbaste, mantendo-se duas plantas por vaso.

Foi utilizado um delineamento experimental completamente casualizado, com três repetições, sob um esquema fatorial de tratamentos. Os tratamentos consistiram na aplicação de dois níveis de umidade ao solo — 100 % da capacidade de campo (cc) e inundado com cerca de 1 cm de lâmina de água — e de duas formas de fornecimento de N — inoculação com estirpes de rizóbio e aplicação de 100 mg kg-1 de N mineral, parcelados em quatro vezes. Os níveis de umidade foram aplicados aos 14 dias da emergência, tendo sido mantidos por 30 dias. A umidade foi controlada por pesagens dos vasos e reposição de água, quando a umidade atingia níveis inferiores aos estabelecidos inicialmente. As sementes de soja foram inoculadas com uma das estirpes recomendadas de B. elkanii, SEMIA 587 e SEMIA 5019, ou de B. japonicum, SEMIA 5079 e SEMIA 5080. Foram avaliados o número e a massa seca de nódulos e a massa seca da parte aérea das plantas. As avaliações foram feitas aos 46 e aos 75 dias da emergência (DAE), correspondentes aos estádios V6 e R3, respectivamente. Aos 75 DAE, foi analisada, ainda, a quantidade de N acumulada na parte aérea das plantas de soja, por meio do procedimento descrito por Tedesco et al. (1995).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nas plantas de soja submetidas à inundação, após a primeira semana, verificaram-se a emissão de raízes adventícias e o surgimento de hipertrofia e rachaduras no caule, indicando a formação de aerênquima (Figura 1a). Essas adaptações morfológicas à inundação também foram observadas em diferentes leguminosas, como trevo subterrâneo (Aschi-Smiti et al., 2003), Lotus corniculatus e Lotus ulignosus (James & Crawford, 1998), bem como em soja (Bacanamwo & Purcell, 1999a,b; Pires et al., 2002). A morte da raiz principal, a emissão de raízes adventícias e a formação de aerênquima decorrem da elevação na concentração interna de etileno na planta, em resposta à condição de hipoxia originada pela inundação do solo (James & Crawford, 1998; Morgan et al., 2002). A formação do aerênquima e de raízes adventícias cria uma rede interna de espaço poroso, que permite a eliminação de substâncias potencialmente tóxicas e o transporte de O2 para as raízes e, conseqüentemente, para os nódulos, sendo fundamental para o processo de fixação biológica do N2 (Bacanamwo & Purcell, 1999b). Assim, o etileno, por um lado, atua como um regulador da nodulação, aumentando a produção de quitinases que clivam os lipo-quito-oligossacarídeos indutores da nodulação (Staehelin et al., 1994) e, por outro, permite a formação de estruturas que garantem o suprimento de O2 para os nódulos.



Observou-se, ainda, nas raízes adventícias, a concentração dos nódulos próximos ou mesmo sobre a superfície do solo. O posicionamento próximo à superfície do solo é mais uma adaptação morfológica para obtenção de um suprimento suficiente de O2 para os nódulos. As leguminosas nativas de áreas sujeitas à inundação apresentam outros mecanismos adaptativos, como a nodulação caulinar (Martins et al., 2001), que permitem a manutenção de uma concentração de O2 adequada ao processo de fixação biológica de N2.

Na segunda semana após a inundação do solo, surgiram manchas nas folhas, as quais apresentavam-se encarquilhadas (Figura 1b). Esses sintomas acentuaram-se na semana seguinte, havendo queda de folhas. Com a diminuição da umidade do solo, a partir dos 46 dias da emergência, notou-se uma recuperação parcial das plantas. As manchas observadas apresentavam-se como pontos marrons, assemelhando-se aos sintomas de toxidez por Mn (Horst et al., 1999). Por sua vez, Pires et al. (2002) verificaram toxidez por Fe, evidenciada pela epinastia das folhas, pelo acúmulo de óxidos de Fe junto às raízes e pelo aumento na concentração de Fe na parte aérea de soja sob inundação. Freqüentemente, a toxidez por Mn e a por Fe devem-se à redução microbiana dos respectivos óxidos, em solos inundados. Embora o suprimento inadequado de O2 para as raízes (Bacanamwo & Purcell, 1999a), aliado ao excesso de CO2 (Boru et al., 2003), seja considerado o fator mais prejudicial para desenvolvimento da soja em solo inundado, outros fatores, como a toxidez por Mn e o Fe, podem afetar a cultura, uma vez que tanto o excesso de Mn quanto de Fe causa estresse oxidativo e inibição da fotossíntese (Gonzalez et al., 1998; Kampfenkel et al., 1995).

A partir da contagem dos nódulos nas raízes de soja, observou-se que, nas duas avaliações, o número de nódulos foi reduzido com a inundação do solo, não tendo sido influenciado pela estirpe inoculada (Figura 2). A diminuição do número de nódulos em resposta à inundação do solo também foi reportada por James & Crawford (1998), trabalhando com Lotus corniculatus. Os autores verificaram, ainda, a concentração dos nódulos próximos à superfície do solo, com vistas em encurtar os caminhos para a difusão de gases, concentração também observada neste trabalho. Além disso, os nódulos formados em Lotus corniculatus apresentavam uma coloração interna esverdeada, assemelhando-se a nódulos senescentes. No presente experimento, no entanto, os nódulos apresentavam a coloração interna avermelhada, associada à presença de leghemo-globina, indicando serem nódulos ativos.


Assim como o número, a massa seca de nódulos foi afetada pela inundação do solo (Figura 3). A massa seca dos nódulos, no tratamento sob inundação, foi equivalente a cerca de 60 % da massa seca dos nódulos do tratamento 100 % cc, nas duas avaliações. Pelos resultados obtidos, observa-se que a nodulação foi afetada igualmente em todas as estirpes de Bradyrhizobium inoculadas, indicando que tais estirpes apresentaram falta da tolerância semelhante ao excesso de umidade no solo. Os prejuízos à nodulação, decorrentes da inundação, foram independentes da estirpe inoculada, podendo estar associados a características da planta hospedeira ou à sensibilidade ao excesso de umidade de todas as estirpes testadas. Prejuízos à nodulação de leguminosas em solo inundado foram reportados por De-Polli et al. (1973) e James & Crawford (1998), em experimentos com Centrosema pubescens e Lotus corniculatus, respectivamente.


Especificamente no caso da soja, Bacanamwo & Purcell (1999a) verificaram que a condição de hipoxia resultou em diminuição na massa seca de nódulos. No entanto, os cultivares de soja apresentaram comportamento variado com relação à inundação (Thomas et al., 2000), o que pode ter influenciado sua nodulação. De-Polli et al. (1973) e Pires et al. (2002), trabalhando com cultivares tolerantes à inundação, observaram que a nodulação de soja não foi afetada. Do mesmo modo, James & Crawford (1998) notaram que a nodulação de Lotus uliginosus não foi reduzida pela inundação do solo, indicando que a nodulação pode ocorrer normalmente em solo inundado, dependendo da espécie ou do cultivar da leguminosa hospedeira.

Com relação à massa seca da parte aérea, na primeira avaliação, não houve diferenças entre as estirpes, as quais apresentaram rendimentos inferiores aos do tratamento com adubação nitrogenada, independentemente da umidade do solo (Quadro 1). O solo inundado, por sua vez, resultou em menor rendimento de massa seca, independente-mente da estirpe inoculada ou da aplicação de fertilizante nitrogenado.


Na segunda avaliação, os tratamentos com inoculação apresentaram menor quantidade de massa seca da parte aérea, em comparação à do tratamento com fertilizante nitrogenado, no nível de umidade do solo equivalente a 100 % da capacidade de campo. No solo submetido à inundação, houve um decréscimo da massa seca, em comparação com o tratamento em capacidade de campo, apenas no tratamento com adubação nitrogenada. Em ambos os níveis de umidade, os tratamentos inoculados com estirpes de Bradyrhizobium não diferiram entre si. No solo submetido a um período de inundação, estes tratamentos apresentaram um acúmulo de massa seca da parte aérea equivalente ao do tratamento sob adubação nitrogenada, à exceção do tratamento inoculado com a estirpe SEMIA 5019, a qual apresentou um acúmulo inferior.

Os resultados obtidos parecem indicar uma maior susceptibilidade do tratamento com adubação nitrogenada, em comparação com a dos tratamentos inoculados com estirpes de Bradyrhizobium, contrariamente ao observado por Bacanamwo & Purcell (1999a). Mesmo 30 dias após a retirada do excesso hídrico, as plantas adubadas com N mineral apresentaram um acúmulo de massa seca inferior ao das mantidas permanentemente em solo sob capacidade de campo. A inundação a partir do estádio V6, com posterior remoção do excesso hídrico, permite a recuperação de plantas de soja inoculadas com Bradyrhizobium (Schöffel et al., 2001), como ocorreu no presente experimento.

Vale destacar, porém, que este processo de recuperação das plantas não foi verificado na mesma intensidade nas plantas tratadas com adubação nitrogenada, o que pode ser atribuído a perdas de N por desnitrificação. Embora o acúmulo de massa seca das plantas com adubação nitrogenada, no solo que havia sido inundado, tenha sido o mais elevado, este acúmulo foi inferior ao verificado em plantas sob o mesmo tratamento, no solo mantido em capacidade de campo. O mesmo não ocorreu com as plantas inoculadas com estripes de Bradyrhizobium, que apresentaram massa seca semelhante, nos dois níveis de umidade do solo.

Na segunda avaliação, observou-se, ainda, que a quantidade de N acumulada na parte aérea foi reduzida pela inundação do solo, independentemente da forma de fornecimento de N (Quadro 2). E, independentemente do nível de umidade do solo, os tratamentos inoculados com estirpes de B. elkanii (SEMIA 587 e SEMIA 5019) apresentaram uma quantidade de N na parte aérea inferior à do tratamento com adubação nitrogenada, enquanto as demais estirpes apresentaram um comportamento intermediário. Estes resultados não indicam que as estirpes de B. japonicum são mais prejudicadas pela inundação do solo.


Analisando os acúmulos de massa seca e de N pelas plantas de soja cultivadas em solo inundado, proporcionalmente aos acúmulos em capacidade de campo, nota-se que os prejuízos à fixação biológica de N2 não estão associados à espécie de Bradyrhizobium (Figura 4). Com a inundação do solo, as estirpes SEMIA 5019 (B. elkanii) e SEMIA 5080 (B. japonicum) apresentaram uma redução mais acentuada no acúmulo de N do que no de massa seca. O comportamento da soja inoculada com estas duas estirpes coincide com os resultados obtidos por Bacanamwo & Purcell (1999a). Naquele trabalho, as plantas de soja inoculadas com a estirpe de B. japonicum USDA 110 e cultivadas sob inundação apresentaram uma limitação maior na fixação biológica de N2 do que no acúmulo de massa seca, constatada pela localização dos dados, no gráfico, abaixo da linha 1:1, em um gráfico semelhante à figura 4. Os autores concluíram que as plantas de soja dependentes da fixação biológica de N2 foram mais afetadas pela inundação do solo.


No entanto, pelo presente trabalho, esta não parece ser uma regra geral, pois duas estirpes de Bradyrhizobium apresentaram uma capacidade de fixação biológica de N2 elevada em solo sob inundação. As estirpes SEMIA 587 (B. elkanii) e SEMIA 5079 (B. japonicum), além do tratamento com adubação nitrogenada, tiveram uma redução mais acentuada no acúmulo de massa seca do que no de N, localizando-se acima da linha 1:1 do gráfico. A estirpe SEMIA 5079, especialmente, mostrou-se bastante eficiente em condições de inundação do solo. As plantas inoculadas com esta estirpe, em solo que havia sido inundado, tiveram um acúmulo de massa seca da parte aérea equivalente a 89 % do tratamento sob capacidade de campo. Já a quantidade de N praticamente não foi reduzida pelo período de inundação, correspondendo a 99,9 % do tratamento em capacidade de campo.

CONCLUSÕES

1. A inundação do solo prejudicou o processo de fixação biológica de N2 em plantas de soja inoculadas com as estirpes de Bradyrhizobium atualmente recomendadas para a cultura.

2. Após a remoção do excesso de umidade, verificou-se a recuperação da nodulação e do processo de fixação biológica do N2 em soja inoculada com as estirpes recomendadas de Bradyrhizobium.

3. As plantas adubadas com fertilizante nitrogenado mineral também foram afetadas pela inundação, resultando em decréscimo de massa seca e de N acumulado na parte aérea das plantas.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em maio de 2003 e aprovado em outubro de 2004.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Fev 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2004

Histórico

  • Aceito
    Out 2004
  • Recebido
    Maio 2003
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