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Energia livre da sorção de imazaquin em solos ácricos

Free energy of imazaquin sorption in acric soils

Resumos

O herbicida imazaquin apresenta um grupo funcional ionizável ácido e um básico, e seu comportamento no solo é dependente do pH, do conteúdo de carbono orgânico (CO) e dos teores de óxidos, principalmente em solos com carga variável. A energia livre (DG) da reacão de sorção de moléculas de 14C-imazaquin foi estudada em amostras superficiais e subsuperficiais de um Latossolo Vermelho acriférrico (LVwf), de um Latossolo Amarelo ácrico (LAw) e de um Nitossolo Vermelho eutroférrico (NVef), em quatro valores de pH. A equação de Freundlich foi ajustada aos resultados para determinação do coeficiente de sorção. Independentemente da profundidade de coleta das amostras, a estabilidade das formas sorvidas do imazaquin ao solo diminuiu com a elevação do pH. A sorção diminuiu, ou seja, a quantidade de moléculas remanescentes na solução do solo após o equilíbrio aumentou à medida que ocorreu a elevação do pH. Para todas as amostras, DG aumentou de forma mais abrupta nos valores de pH entre o valor da constante de dissociacão da molécula (pKa = 3,8) e pKa + 2 (= 5,8). Nesta faixa, a percentagem de moléculas aniônicas de imazaquin aumentou, favorecendo, desse modo, o aumento da repulsão eletrostática e da solubilidade da molécula em água. Dentre as amostras superficiais, o NVef apresentou maior quantidade de imazaquin sorvido, em razão da maior quantidade de CO e de argila, apresentando, conseqüentemente, menor valor de DG nos diferentes valores de pH. Entretanto, praticamente não ocorreu diferença entre as amostras subsuperficiais dos solos. Os resultados do DG de sorção evidenciaram a importância do pKa do pesticida, do potencial elétrico e da quantidade de óxidos na camada subsuperficial do solo para explicar o comportamento sortivo de herbicidas em solos tropicais altamente intemperizados.

pesticida; pH; solo tropical; óxido de ferro; potencial elétrico superficial


The herbicide imazaquin has an acid and a basic ionizable functional group, and its behavior in soil depends on the pH and organic carbon (OC) and oxide contents, mainly in soils with variable charges. The free energy (DG) of 14C-imazaquin molecule sorption was evaluated in surface and subsurface samples of an Anionic "Rhodic" Acrudox (RA), an Anionic "Xanthic" Acrudox (XA), and a Rhodic Kandiudalf (RK), at four different pH levels. The Freundlich equation was fitted to the resulting data to determine the sorption coefficient. Independently of the sampling depth, the stability of the sorbed forms of imazaquin decreased as the pH increased. In other words, imazaquin sorption decreased, i.e., its remaining concentration in the soil solution after the equilibrium increased as the pH increased. For all samples, DG increased abruptly in the pH range that lies between the molecule dissociation constant value (pKa = 3.8) and pKa + 2 (= 5.8). Within this pH range, the percentage of anionic imazaquin forms increased, which entails electrostatic repulsion and water solubility. Among the surface samples, the RK soil showed higher sorption of imazaquin, probably due to its higher OC and clay contents, consequently presenting lower DG values at the different pH levels. However, there was practically no difference among the subsurface samples. DG values emphasized the importance of pesticide pKa, electric potential, and oxide contents in the subsurface soil layer for the understanding of the sorption behavior of ionizable herbicides in highly weathered tropical soils.

pesticide; pH; tropical soil; iron oxide; electric surface potential


SEÇÃO II - QUÍMICA E MINERALOGIA DO SOLO

Energia livre da sorção de imazaquin em solos ácricos1 1 Recebido para publicação em abril de 2002 e aprovado em março de 2003

Free energy of imazaquin sorption in acric soils

W. S. D. RochaI; L. R. F. AlleoniII; J. B. RegitanoIII

IDoutorando em Solos e Nutrição de Plantas, Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" – ESALQ/USP. Caixa Postal 9, CEP 13418-900 Piracicaba (SP). Bolsista FAPESP. E-mail: wsdrocha@esalq.usp.br IIProfessor do Departamento de Solos e Nutrição de Plantas, ESALQ/USP. E-mail: lrfalleo@esalq.usp.br IIIPesquisadora da Seção de Ecotoxicologia do Centro de Energia Nuclear na Agricultura – CENA/USP. Caixa Postal 96, CEP 13400-970 Piracicaba (SP). E-mail: regitano@cena.usp.br

RESUMO

O herbicida imazaquin apresenta um grupo funcional ionizável ácido e um básico, e seu comportamento no solo é dependente do pH, do conteúdo de carbono orgânico (CO) e dos teores de óxidos, principalmente em solos com carga variável. A energia livre (DG) da reacão de sorção de moléculas de 14C-imazaquin foi estudada em amostras superficiais e subsuperficiais de um Latossolo Vermelho acriférrico (LVwf), de um Latossolo Amarelo ácrico (LAw) e de um Nitossolo Vermelho eutroférrico (NVef), em quatro valores de pH. A equação de Freundlich foi ajustada aos resultados para determinação do coeficiente de sorção. Independentemente da profundidade de coleta das amostras, a estabilidade das formas sorvidas do imazaquin ao solo diminuiu com a elevação do pH. A sorção diminuiu, ou seja, a quantidade de moléculas remanescentes na solução do solo após o equilíbrio aumentou à medida que ocorreu a elevação do pH. Para todas as amostras, DG aumentou de forma mais abrupta nos valores de pH entre o valor da constante de dissociacão da molécula (pKa = 3,8) e pKa + 2 (= 5,8). Nesta faixa, a percentagem de moléculas aniônicas de imazaquin aumentou, favorecendo, desse modo, o aumento da repulsão eletrostática e da solubilidade da molécula em água. Dentre as amostras superficiais, o NVef apresentou maior quantidade de imazaquin sorvido, em razão da maior quantidade de CO e de argila, apresentando, conseqüentemente, menor valor de DG nos diferentes valores de pH. Entretanto, praticamente não ocorreu diferença entre as amostras subsuperficiais dos solos. Os resultados do DG de sorção evidenciaram a importância do pKa do pesticida, do potencial elétrico e da quantidade de óxidos na camada subsuperficial do solo para explicar o comportamento sortivo de herbicidas em solos tropicais altamente intemperizados.

Termos de indexação: pesticida, pH, solo tropical, óxido de ferro, potencial elétrico superficial.

SUMMARY

The herbicide imazaquin has an acid and a basic ionizable functional group, and its behavior in soil depends on the pH and organic carbon (OC) and oxide contents, mainly in soils with variable charges. The free energy (DG) of 14C-imazaquin molecule sorption was evaluated in surface and subsurface samples of an Anionic "Rhodic" Acrudox (RA), an Anionic "Xanthic" Acrudox (XA), and a Rhodic Kandiudalf (RK), at four different pH levels. The Freundlich equation was fitted to the resulting data to determine the sorption coefficient. Independently of the sampling depth, the stability of the sorbed forms of imazaquin decreased as the pH increased. In other words, imazaquin sorption decreased, i.e., its remaining concentration in the soil solution after the equilibrium increased as the pH increased. For all samples, DG increased abruptly in the pH range that lies between the molecule dissociation constant value (pKa = 3.8) and pKa + 2 (= 5.8). Within this pH range, the percentage of anionic imazaquin forms increased, which entails electrostatic repulsion and water solubility. Among the surface samples, the RK soil showed higher sorption of imazaquin, probably due to its higher OC and clay contents, consequently presenting lower DG values at the different pH levels. However, there was practically no difference among the subsurface samples. DG values emphasized the importance of pesticide pKa, electric potential, and oxide contents in the subsurface soil layer for the understanding of the sorption behavior of ionizable herbicides in highly weathered tropical soils.

Index terms: pesticide, pH, tropical soil, iron oxide, electric surface potential.

INTRODUÇÃO

A dinâmica e o destino dos herbicidas no ambiente são influenciados, principalmente, pela sorção às partículas do solo, a qual determina a disponibilidade de suas moléculas na solução do solo. Para compreender este mecanismo, é fundamental determinar as características termodinâmicas da reação de equilíbrio entre a concentração do herbicida sorvido e aquela em equilíbrio na solução, visto que essas características indicam a direção da reação de sorção, o grau de interação do herbicida com a solução do solo e sua força de ligação à matriz do solo (Koskinen & Harper, 1990).

Verifica-se que isto não é possível somente com a determinação do valor do coeficiente de sorção (Brücher & Bergström, 1997). O valor da energia livre (DG), além de medir a força que guia determinada reação (Singh, 1971), também indica quão distante do equilíbrio está o estado inicial do sistema. Valores negativos de DG indicam que as formas sorvidas do pesticida são mais estáveis do que aquelas em solução.

A região norte do estado de São Paulo assenta aproximadamente 170.000 ha de solos ácricos, que representam o extremo na escala de intemperismo e podem apresentar carga líquida positiva no horizonte B (Alleoni & Camargo, 1995), em decorrência dos baixos teores de matéria orgânica e dos elevados teores de óxidos de ferro e de alumínio. Nestes solos, os valores do ponto de efeito salino nulo (PESN) são mais elevados que nos solos temperados (com cargas permanentes negativas), principalmente nos horizontes subsuperficiais, onde o teor de carbono orgânico (CO) é geralmente menor do que na camada superficial.

O imazaquin (ácido 2-[4,5-dihidro-4-metil-4-(1-metiletil)-5-oxo-1H-imidazol-2-il]-3-quinolina -carboxílico) é um herbicida do grupo das imidazolinonas, usado na agricultura para controlar plantas daninhas associadas à cultura da soja. A molécula contém dois grupos funcionais ionizáveis: um grupo carboxílico (ácido, pKa = 3,8) e um grupo quinolina (básico, pKa = 2,0) (Stougaard et al., 1990). Por sua natureza anfótera, o teor de CO, a quantidade e o tipo de argila, o pH, a força iônica da solução do solo e a carga líquida dos colóides do solo influenciam a sorção do imazaquin. Em solos com carga permanente negativa, a sorção de imazaquin é diretamente proporcional ao teor de CO e inversamente proporcional ao pH do solo (Regitano et al., 1997; Bresnaham et al., 2000).

Na faixa de pH mais comum dos solos tropicais agricultáveis (5,0 a 6,5), o imazaquin comporta-se predominantemente como ânion orgânico. Quando o pH da solução do solo supera o seu ponto de efeito salino nulo (PESN), há predomínio de cargas negativas no solo. Nesse caso, há maior repulsão entre os colóides do solo e as moléculas do herbicida, o que diminui sua sorção (Goetz et al., 1986; Rocha et al., 2000). Todavia, quando o pH é inferior ao PESN, a carga líquida predominante é positiva, e as trocas aniônicas superam as catiônicas (Alleoni & Camargo, 1994). Desta forma, torna-se fundamental quantificar e entender o comportamento de pesticidas ionizáveis tanto na camada superficial como na subsuperficial dos solos ácricos.

Nesta pesquisa, estudou-se o efeito da variação do pH do solo na energia livre da reação de sorção do imazaquin em amostras superficiais e subsuperficiais de dois Latossolos ácricos e um Nitossolo não-ácrico, usado como referência, por apresentar balanço negativo de carga ao longo de todo o perfil.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizadas amostras superficiais e subsuperficiais de um Latossolo Vermelho acriférrico (LVwf) textura muito argilosa, de um Latossolo Amarelo ácrico (LAw) textura argilo-arenosa e de um Nitossolo Vermelho eutroférrico (NVef) textura muito argilosa (EMBRAPA, 1999), localizados entre as cidades de Ribeirão Preto e Guaíra, na região norte do estado de São Paulo (entre as latitudes 20 e 22 o S e longitudes 47 e 49 o W). As amostras superficiais foram coletadas em camadas de 0,0 a 0,2 m. Em profundidade, as amostras foram coletadas de 1,0 a 1,4 m, no LVwf; de 1,0 a 1,3 m, no LAw, e de 0,8 a 1,0 m, no NVef, na maior expressão do horizonte B (Oliveira & Menk, 1984).

O CO foi obtido após oxidação da matéria orgânica do solo com solução de dicromato de potássio em presença de ácido sulfúrico e titulação do excesso de dicromato com sulfato ferroso amoniacal (Camargo et al., 1986). Foram extraídos os teores de Ca, Mg e K com a resina trocadora de íons (Raij et al., 1986), enquanto o Al foi extraído com KCl 1,0 molc L-1 (Barnihisel & Bertsch, 1982), para determinar a capacidade efetiva de troca de cátions (CTCe). Os teores de óxidos (Fe2O3 e Al2O3) foram obtidos após ataque com ácido sulfúrico. Ferro (Fed) e alumínio (Ald) livres foram extraídos com ditionito-citrato-bicarbonato de sódio (pH 7,3), tendo sido o ferro reduzido pelo ditionito de sódio e complexado pelo citrato de sódio, permanecendo em solução. Ferro (Feo) e alumínio (Alo) mal cristalizados (amorfos) foram obtidos por solubilização em ácido oxálico e seu sal de amônio. A gibbsita e a caulinita foram quantificadas em amostras da fração argila deferrificadas e isentas de matéria orgânica, com o uso da Análise Térmica Diferencial (ATD).

A análise granulométrica foi feita com o uso do método do densímetro. A superfície específica (SE) foi obtida pelo método da retenção de éter monoetílico de etilenoglicol (EMEG) de Cihacek & Bremner (1979), com a substituição da secagem do solo em estufa (110 oC/24 h) ao invés do uso de P2O5 (Ratner-Zohar et al., 1983). Foi determinado o pH em KCl 1,0 mol L-1, usando a relação solo-solução 1:2,5. O ponto de efeito salino nulo (PESN) foi obtido pelo método da titulação com H+ e OH-, em três concentrações de KCl (0,1; 0,01 e 0,001 mol L-1) (Alleoni & Camargo, 1994). Na seqüência, foi calculado o potencial elétrico superficial (Y0) por meio da equação de Nernst Y0 = 59,1 (PESN – pH). A quantificação da densidade de carga negativa permanente (s0) e variável (svar) foi feita a partir do método de Anderson & Sposito (1991), que é baseado na maior seletividade do Césio (Cs+) nas cavidades siloxanas dos argilominerais 2:1 do que nas superfícies ionizáveis.

Com vistas em obter quatro valores de pH na faixa de 3 a 8, amostras de solo (4 kg) foram incubadas com CaCO3 p.a. ou com HCl 1 mol L-1, com base no método descrito por Barrow (1984). A umidade do solo foi mantida constante durante toda incubação (30 % em relação à massa de terra fina seca ao ar - TFSA), até atingir pH constante (atingido após 90 dias). Posteriormente, as amostras foram secas ao ar, peneiradas (2 mm) e armazenadas em sacos plásticos.

Para obter as isotermas de sorção, foi utilizada molécula radiomarcada de imazaquin (14C) com atividade específica 0,80 MBq mg-1 e pureza 98 %. Alíquotas de 5 mL de cinco soluções de imazaquin (2, 4, 8, 16 e 32 µmol L-1, em CaCl2 0,01 mol L-1) foram adicionadas a 2,00 g de amostras de TFSA, em triplicata, acondicionadas em tubos de centrífuga (50 mL). As amostras foram agitadas em sala climatizada a 25 oC, por 24 h, a 200 agitações min-1 . Após este período, os tubos foram centrifugados a 12.100 g, por 15 min, tendo sido as alíquotas de 1 mL dos sobrenadantes retiradas e adicionadas a 10 mL de solução cintiladora para avaliar a concentração de imazaquin em equilíbrio na solução (Ce), por meio de contagem em cintilador líquido (CL). A concentração de imazaquin sorvido foi calculada com a diferença entre a concentração inicial (Ci) e a concentração em solução (Ce) após ser atingido o equilíbrio.

A equação linearizada de Freundlich foi ajustada aos resultados de sorção: log Cs = log Kf + N log Ce, na qual Cs = quantidade de imazaquin sorvido, Kf = constante de sorção de Freundlich e N = declividade da isoterma. Os valores de R2 foram altos, variando de 0,97 a 1,00, o que confirma o ajuste da equação linearizada de Freundlich aos valores de Ce versus Cs. A percentagem de imazaquin sorvido foi calculada da seguinte maneira: % sorvida = [(Ci – Ce)/Ci] ´ 100.

O valor da energia livre da sorção foi calculado de acordo com a equação: DG = - RTlnK, sendo DG = energia livre da sorção (kJ mol-1), R = constante universal dos gases (8,3 J mol-1 K-1 ), T = 298 K (temperatura absoluta) e K = constante de equilíbrio. O valor de K foi obtido pela plotagem de ln (Cs/Ce) versus Cs e extrapolando Cs igual a zero (Biggar & Cheung, 1973; Calvet, 1989). Os valores de Cs e Ce foram usados em mg L-1.

Para comparar os valores de DG nos diferentes valores de pH dentro de cada camada, foi efetuado o teste de Tukey a 5 %.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O caráter ácrico dos Latossolos pode ser verificado pelo valor da capacidade de troca de cátions (CTCe) menor que 15 mmolc kg-1 e pH em KCl 1,0 mol L-1 maior que 5,0 em subsuperfície (Quadro 1). A contribuição dos óxidos para o predomínio de cargas variáveis nos solos ácricos pode ser verificada pela alta relação entre as cargas variáveis e permanentes (Quadro 1). A relação entre as cargas variáveis e permanentes foi menor no NVef, onde a proporção de carga permanente foi aproximadamente cinco vezes maior que nos solos ácricos (Quadro 1).


O valor do PESN da camada superficial dos solos ácricos foi baixo graças, principalmente, à presença de matéria orgânica (Quadro 1) que reveste a superfície dos óxidos e bloqueia os sítios com carga positiva. Entretanto, o valor do PESN bem maior na camada subsuperficial destes solos deve-se ao baixo teor de matéria orgânica e à presença de óxidos de ferro e de gibbsita (Camargo & Alleoni, 1998) (Quadro 1). Para o NVef, não houve diferença entre os valores de PESN determinados nas duas profundidades, em virtude, provavelmente, do predomínio da mineralogia caulinítica sobre a oxídica neste solo.

De forma geral, aumentou o valor da energia livre (DG) da reacão de sorção do imazaquin às amostras de solos com o aumento do pH dos solos (Quadro 2). Isto indica que, à medida que o pH aumentou, as moléculas deste herbicida tenderam a permanecer na solução de equilíbrio. Em outras palavras, a sorção do imazaquin diminuiu à medida que o pH do solo aumentou. A elevação do pH promoveu diminuição do potencial elétrico superficial dos solos - Y0 (Quadro 2). Este comportamento é típico de solos tropicais com quantidades apreciáveis de óxidos de ferro e de alumínio, caulinita, que influenciam significativamente o balanço de cargas no solo (Quadro 1). Quanto menor o Y0 (mais negativo), maior o DG (mais positivo) da reação de sorção das moléculas de imazaquin aos colóides do solo, decorrente da repulsão causada pelo aumento na percentagem de espécies aniônicas - fa (Quadro 2).


Tal resultado evidencia a importância do estudo da sorção de moléculas ionizáveis em solos tropicais com cargas variáveis, pois o Y0 é variável. Em solos com elevado grau de intemperização, o grau de cristalinidade dos óxidos de ferro é alto (Sakurai et al., 1989). Este fato é confirmado pela relação Feo/Fed, a qual foi de 0,2, para o LVwf e para o NVef, e de 0,02, para o LAw, e pela relação Alo/Ald, que foi de 0,3 para os três solos (Quadro 1). Já nos solos das regiões temperadas, a carga elétrica varia muito menos com as mudanças nos valores de pH.

Valores negativos de DG nos valores de pH próximos ou menores do que o pKa do imazaquin (3,8) eram esperados (Quadro 2), já que esta condição favoreceu a sorção de moléculas neutras do herbicida aos sítios hidrofóbicos (apolares) dos colóides do solo. A maior presença de sítios com cargas positivas nestes valores de pH favoreceu as interações eletrostáticas com as espécies aniônicas do imazaquin. Os maiores valores dos coeficientes de sorção - Kf > 4,0 (Quadro 2) e as maiores percentagens de imazaquin sorvido em relação ao aplicado - > 55 % (Quadro 2) ratificaram este resultado.

Para valores de pH acima de 5,8 (pKa + 2,0), o valor de DG da reacão de sorção do imazaquin foi positivo para todos os solos e não variou muito com o aumento do pH (Quadro 2). Nessa condição de pH, mais de 99 % das moléculas de imazaquin encontravam-se na forma aniônica (Lee et al., 1990; Regitano et al., 1997). Além disso, os solos também apresentavam balanço de carga negativo. Portanto, ocorreu repulsão eletrostática entre as moléculas aniônicas de imazaquin e os sítios com cargas negativas dos solos, o que pode ser verificado pelos médios/baixos valores dos coeficientes de sorção (Kf < 2,0) e pelas menores percentagens de imazaquin sorvido em relação ao aplicado (< 40 %) (Quadro 2). Estas condições favorecem a alta mobilidade deste herbicida. Paralelamente, o aumento do pH do solo ocasionou aumento da polaridade, diminuição do coeficiente de partição octanol-água (Kow) e, conseqüentemente, aumento da solubilidade das moléculas de imazaquin em água (Regitano et al., 2000). Essas alterações nas propriedades físico-químicas favorecem a partição do imazaquin aos sítios hidrofóbicos do solo.

Como o experimento foi realizado em temperatura constante, não houve variação na entalpia de ligação do imazaquin às amostras de solo. Portanto, somente a entropia foi responsável pelas variações nos valores de energia livres (DG) (Baham & Sposito, 1994). Isto evidencia a importância das interações hidrofóbicas na partição de um herbicida às frações organominerais do solo (Sawhney & Brown, 1989).

Exceto nos valores de pH inferiores ao pKa da molécula (3,8), a energia livre da reação de sorção do imazaquin foi menor na camada subsuperficial do Latossolo Amarelo ácrico (LAw) (Figura 1).


A sorção do imazaquin foi maior nesta camada, apesar do seu menor conteúdo de CO. De modo geral, na faixa de pH entre 3,8 e 6,1, ocorre protonação na superfície dos óxidos e hidróxidos, que ficam neutros ou com carga positiva, razão por que a interação das moléculas orgânicas aniônicas com os sítios de carga positiva dos óxidos de Fe e da gibbsita é favorecida (Goetz et al., 1986). Além das interações eletrostáticas, as interações específicas (por exemplo, troca de ligantes) também podem estar envolvidas na maior sorção do imazaquin nas camadas subsuperficiais dos solos ácricos. Neste caso, a protonação dos óxidos e hidróxidos torna a ligação ferro-oxigênio mais fraca, uma vez que diminui a densidade de elétrons da ligação, o que pode favorecer as trocas dos oxigênios, como OH- e OH2, com o grupo carboxílico das moléculas de imazaquin (Evanko & Dzombak, 1998).

Já no Latossolo Vermelho acriférrico (LVwf), o mesmo comportamento só foi observado nos valores de pH menores que 5,8 (pKa + 2,0) (Figura 1), que coincidem com o intervalo em que há maior número de moléculas não ionizadas e no qual predomina carga positiva no solo, já que os valores de pH são menores que o PESN em subsuperfície (Quadro 1). Isto evidencia a importância do potencial elétrico superficial na sorção do imazaquin neste solo.

No Nitossolo Vermelho eutroférrico (NVef), praticamente não ocorreu diferença nos valores de energia livre entre as amostras superficiais e subsuperficiais, ou seja, a sorção foi semelhante, independentemente da profundidade de coleta das amostras (Figura 1). Para valores de pH < 3,8 (pKa), a percentagem de moléculas neutras na solução aumenta consideravelmente, o que intensifica as interações hidrofóbicas com a fração orgânica, mais abundante na camada superficial do solo. Em subsuperfície, o maior valor de superfície específica pode ter favorecido a maior interação entre as moléculas do herbicida e a superfície dos minerais, como a caulinita, a gibbsita e os óxidos de Fe e Al, mais expostos nesta camada por causa do menor recobrimento do solo pela matéria orgânica (Quadro 1).

Dentre as amostras superficiais, o NVef apresentou menor DG de sorcão (Figura 2), atribuída à sua maior SE, maior quantidade de CO e de argila, com alguns picos de minerais 2:1 detectados em difratogramas de raios X (dados não apresentados), o que indica que, neste solo, as moléculas do imazaquin estiveram mais fortemente sorvidas (Baham & Sposito, 1994). A maior quantidade de CO e de argila do NVef (Quadro 1) favoreceu a maior sorção deste herbicida por interações hidrofóbicas (Regitano et al., 1997) e por forças de van der Waals, por pontes de hidrogênio e por troca de ligantes (Koskinen & Harper, 1990), mesmo que não sejam tão importantes quanto para superfícies orgânicas. Essa diferença nos valores de energia livre em função da variação do pH foi mais pronunciada entre o NVef e o LAw, a qual é respaldada pela maior diferença nos teores de CO, argila, óxido de ferro e SE entre eles.


Em subsuperfície, praticamente não ocorreu diferença no DG de sorcão do imazaquin nos três solos (Figura 2), mesmo o NVef apresentando maior SE e quantidade de argila (Quadro 1). Destaca-se, assim, a importância dos óxidos de ferro e de alumínio na adsorção eletrostática e, ou, específica entre as moléculas do pesticida e os óxidos dos solos altamente intemperizados (Goetz et al., 1986). Nesta camada, o potencial elétrico superficial positivo até os valores de pH 5,7 no LVwf e 6,1 no LAw promoveu o aumento na retenção das moléculas aniônicas de imazaquin. Deste modo, além do CO e do pH, outros atributos do solo e outros mecanismos de ligação, que não as interações hidrofóbicas, influenciam a capacidade sortiva dos colóides em subsuperfície. Nesta camada, a carga líquida positiva dos solos ácricos foi, provavelmente, o principal fator responsável pelo aumento da sorção, visto que a maioria das moléculas de imazaquin encontrava-se na forma aniônica (Figura 2).

CONCLUSÕES

1. A estabilidade das formas sorvidas do imazaquin aumenta à medida que diminui o pH do solo.

2. Quando o potencial elétrico do solo é positivo e, ou, a quantidade de carbono orgânico é muito baixa, além da constante de dissociação do imazaquin, os óxidos de ferro e de alumínio são fundamentais na sorção deste herbicida.

AGRADECIMENTO

À Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (FAPESP), pelo financiamento da pesquisa (processo no 98/09641-7).

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    Recebido para publicação em abril de 2002 e aprovado em março de 2003
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Set 2003
    • Data do Fascículo
      Abr 2003

    Histórico

    • Aceito
      Mar 2003
    • Recebido
      Abr 2002
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