Acessibilidade / Reportar erro

Por uma nova agenda de revisão crítica do duplo construto lasswelliano policy science e policy orientation: democracia, pragmatismo e criticidade

Towards a new agenda for critical review of Lasswell’s dual construct policy science and policy orientation: democracy, pragmatism and criticality

Por una nueva agenda de revisión crítica del doble constructo lasswelliano policy science y policy orientation: democracia, pragmatismo y criticidad

Resumo:

A relevância de Harold Lasswell para os estudos de políticas públicas é inegável. A sua extensa pesquisa estimulou muitas novas contribuições, particularmente em relação ao duplo construto policy science e policy orientation. Embora seja amplamente reconhecido como o ponto de partida para um novo campo do conhecimento, o duplo construto não vinha sendo estudado em profundidade há muito tempo. No entanto, tem havido um ressurgimento recente do interesse neste tópico, com implicações ontológicas para o campo. Ao rever a literatura, defendo que este novo debate pode ser entendido através de três lentes analíticas: democracia, pragmatismo e criticidade. Essa exploração tem potencial para ampliar as oportunidades de pesquisa e ensino no contexto brasileiro.

Palavras-chave:
Harold Lasswell; policy science; policy orientation; campo de estudos em políticas públicas

Abstract:

The relevance of Harold Lasswell for public policy studies is undeniable. His extensive research has stimulated many new contributions, particularly in relation to the concepts of policy science and policy orientation. While he is widely acknowledged as the starting point for a new field of knowledge, the dual construct has not been studied in depth for a long time. However, there has been a recent resurgence of interest in this topic, which has ontological implications for the field. By reviewing the literature, I argue that this new debate can be understood through three analytical lenses: democracy, pragmatism, and criticality. This exploration has the potential to expand research and teaching opportunities in the Brazilian context.

Keywords:
Harold Lasswell; policy science; policy orientation; policy field

Resumen:

La relevancia de Harold Lasswell para los estudios de políticas públicas es innegable. Su extensa investigación ha estimulado muchas contribuciones nuevas, especialmente en relación al doble constructo policy science y policy orientation. Aunque se le reconoce ampliamente como el punto de partida de un nuevo campo de conocimiento, el doble constructo no ha sido estudiado en profundidad durante mucho tiempo. Sin embargo, ha habido un resurgimiento reciente de interés en este tema, lo cual tiene implicaciones ontológicas para el campo. Al revisar la literatura, sostengo que este nuevo debate puede entenderse a través de tres lentes analíticas: democracia, pragmatismo y criticidad. Esta exploración tiene el potencial de ampliar las oportunidades de investigación y enseñanza en el contexto brasileño.

Palabras clave:
Harold Lasswell; policy science; policy orientation; campo de estudios en políticas públicas

Introdução

Entre o final da década de 1940 e o começo da seguinte, nos Estados Unidos, Harold D. Lasswell e alguns de seus principais colaboradores, incluindo Daniel Lerner e Abraham Kaplan, apresentaram uma ideia tão intrigante quanto sedutora: o que os governos faziam, ou seja, as policies, tinham densidade suficiente para serem objeto de uma nova ciência, a policy sciences. Esta nova ciência, de natureza multidisciplinar e orientada à resolução de problemas públicos, teria como abordagem única a policy orientation e demandaria um novo profissional, o policy scientist. Apesar de já conhecida em um círculo mais restrito (Almond, 1987ALMOND, Gabriel. Harold Dwight Lasswell. In: NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES. Biographical memoirs: volume 57. Washington, DC: National Academy of Sciences, 1987. p. 247-274. ), a novidade foi lançada em grande estilo em um livro organizado por Lerner e Lasswell, intitulado The Policy Sciences: Recent Developments in Scope and Method e publicado em 1951LERNER, Daniel; LASSWELL, Harold. The policy sciences: recent developments in scope and method. Stanford: Stanford University Press, 1951. pela renomada Stanford University Press.

As respostas ao chamamento lasswelliano, “nada modesto” como ele mesmo previra (Lasswell, 1943LASSWELL, Harold. D. Memorandum: personal policy objectives, on the policy sciences. Policy Sciences, v. 36, n. 1, p. 71-98, 1943.), foram imediatas e em sua grande maioria muito positiva (Almond, 1987ALMOND, Gabriel. Harold Dwight Lasswell. In: NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES. Biographical memoirs: volume 57. Washington, DC: National Academy of Sciences, 1987. p. 247-274. ; Boullosa; Peres; Bessa, 2021BOULLOSA, Rosana de Freitas; PERES, Janaína Lopes Pereira; BESSA, Luiz Macedo. Por dentro do campo: uma narração reflexiva dos estudos críticos em políticas públicas. Organizações & Sociedade, Salvador, v. 28, n. 97, p. 306-332, 2021. ; Farr; Hacker; Kazee, 2006FARR, James; HACKER, Jacob; KAZEE, Nicole. The policy scientist of democracy: the discipline of Harold D. Lasswell. American Political Science Review, v. 100, n. 4, p. 579-587, 2006.). Lasswell dava corpo histórico a um movimento intervencionista nas ciências sociais, mas também levava os problemas do comportamento político orientado por valores para um inédito debate metodológico (Easton, 1950EASTON, David. Harold Lasswell: policy scientist for a democratic society. Journal of Politics, n. 12, p. 450-477, 1950.). Nem mesmo a esperada crítica de Quincy Wright (1952, p. 234)WRIGHT, Quincy. Book review: The policy sciences: recent developments in scope and method by Daniel Lerner, Harold D. Lasswell. American Political Science, v. 46, n. 1, p. 234-238, 1952., advertindo que aquele não seria “um livro fácil de ler”, muito embora também recheada de elogios, ou as críticas de Heinz Eulau sobre o excesso de complexidade e de “vocabulário neológico” (Eulau, 1958EULAU, Heinz. H. D. Lasswell’s developmental analysis. Political Research Quarterly, v. 11, p. 229-242, 1958., p. 397, tradução nossa), foram suficientes para diminuir a adesão recebida pelo duplo construto policy science e policy orientation logo nos anos seguintes.3 3 De fato, dez anos depois, não havia sequer uma grande universidade nos Estados Unidos que não oferecesse ao menos um curso de formação em análise de políticas públicas (De Leon, 1988).

Esta adesão inicial, entretanto, rapidamente se desdobrou em novos elementos e novas propostas metodológicas, multiplicando e acolhendo aqueles e aquelas que se viam como parte daquele pretenso campo (Boullosa; Peres; Bessa, 2021BOULLOSA, Rosana de Freitas; PERES, Janaína Lopes Pereira; BESSA, Luiz Macedo. Por dentro do campo: uma narração reflexiva dos estudos críticos em políticas públicas. Organizações & Sociedade, Salvador, v. 28, n. 97, p. 306-332, 2021. ). Outros autores contemporâneos, como Herbert Simon (1947)SIMON, Herbert A. Administrative behavior: a study of decision-making processes in administrative organization. New York: Macmillan, 1947., David Easton (1953)EASTON, David. The political system: an inquiry into the state of political science. New York: Alfred A. Knopf, 1953. e Charles Lindblom (1959)LINDBLOM, Charles E. The science of “muddling through”. Public Administration Review, v. 19, n. 2, p. 79-88, 1959. ajudavam a formar um cenário progressivamente mais amplo para o debate em torno das políticas públicas, com esforços também autorais de análise e formulação. Mas o peso da proposta lasswelliana era indiscutível, até mesmo dentre os seus críticos mais ferrenhos - como foram os conhecidos casos de Robert Horwitz (1962)HORWITZ, R. Scientific propaganda: Harold D. Lasswell. In: STORING, H. J. Essays on the Scientific Study of Politics. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1962. p. 225-304., que chamou Lasswell de fantoche da sua própria proposta de duplo construto, e de Laurence Tribe (1972)TRIBE, Laurence. Policy Science: analysis or ideology? Philosophy & Public Affairs, v. 1, n. 2, p. 66-110, 1972., que insistia em que a policy analysis poderia ser melhor vista como uma ideologia do que como uma ciência, seguidos por autoras e autores como Frank Fischer (1980)FISCHER, Frank. Politics, values and public policy: the problem of methodology. Boulder, Colo.: Westview Press, 1980., Deborah Stone (1988)STONE, Deborah. Policy paradox and political reason. Glenview: Scott Foresman, 1988. e Giandomenico Majone (1989)MAJONE, Giandomenico. Evidence, argument and persuasion in the policy process. New Haven, CT: Yale University Press, 1989..

Com a disseminação da policy sciences, que na década seguinte muitos já chamavam de policy studies, o duplo construto lasswelliano foi progressivamente adquirindo um status, talvez precoce, de se constituir como o “ponto de partida” deste novo campo, ao mesmo tempo em que passava a receber referências cada vez mais breves e simplórias pelas novas propostas que buscavam lhe sobrepor, tanto quando concordavam, quanto quando discordavam de seus preceitos (Eulau, 1958EULAU, Heinz. H. D. Lasswell’s developmental analysis. Political Research Quarterly, v. 11, p. 229-242, 1958.; Torgerson, 1985TORGERSON, Douglas. Contextual orientation in policy analysis: the contribution of Harold D. Lasswell. Policy Sciences, v.18, n. 3, p. 241-261, 1985.; Eulau; Zlomke, 1999EULAU, Heinz; ZLOMKE, Susan. Harold D. Lasswell’s legacy to mainstream political science: a neglected agenda. Annual Review of Political Science, v. 2, n. 1, p. 75-89, 1999. ; Turnbull, 2008TURNBULL, Nick. Harold Lasswell’s “problem orientation” for the policy sciences. Critical Policy Analysis, v. 2, n. 1, p. 72-91, 2008.; Zittoun, 2014ZITTOUN, Philippe. The political process of policymaking: a pragmatic approach to public policy. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2014.; Dunn, 2019DUNN, William N. Pragmatism and the origins of the policy sciences: rediscovering Lasswell and the Chicago School. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.). Alguns autores e autoras chegaram a chamar a atenção para tais descolamentos, mas sem sucesso, ao ponto em que esta lacuna crescente levou Eulau e Suzane Zlomke a argumentarem, mais de duas décadas atrás, de que estaríamos diante de uma “agenda negligenciada” (Eulau; Zlomke, 1999EULAU, Heinz; ZLOMKE, Susan. Harold D. Lasswell’s legacy to mainstream political science: a neglected agenda. Annual Review of Political Science, v. 2, n. 1, p. 75-89, 1999. , p. 75).

Mesmo diante de tal alerta, os problemas de má compreensão só se avolumavam. Além do consenso sobre sua importância histórica, pelos menos outros dois acabavam ajudando em tais distanciamentos: primeiro, que sua obra era excessivamente vasta, complexa e prolixa, exigindo um grande esforço cognitivo para penetrá-la (Boullosa, 2019aBOULLOSA, Rosana de Freitas. Lasswell and the mirror of time: considering some of the questions raised by Torgerson. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 226-229, 2019a.; Dunn, 2019DUNN, William N. Pragmatism and the origins of the policy sciences: rediscovering Lasswell and the Chicago School. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.; Zittoun, 2014ZITTOUN, Philippe. The political process of policymaking: a pragmatic approach to public policy. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2014.); depois, que o campo já tinha tomado outras direções e que o duplo construto representava algo já datado (Boullosa, 2019aBOULLOSA, Rosana de Freitas. Lasswell and the mirror of time: considering some of the questions raised by Torgerson. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 226-229, 2019a.; Dunn, 2019DUNN, William N. Pragmatism and the origins of the policy sciences: rediscovering Lasswell and the Chicago School. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.; Turnbull, 2008TURNBULL, Nick. Harold Lasswell’s “problem orientation” for the policy sciences. Critical Policy Analysis, v. 2, n. 1, p. 72-91, 2008.; Zittoun, 2014ZITTOUN, Philippe. The political process of policymaking: a pragmatic approach to public policy. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2014.). Como resultado, mesmo os poucos trabalhos que tentavam responder ao chamamento de Eulau e Zlomke (1999)EULAU, Heinz; ZLOMKE, Susan. Harold D. Lasswell’s legacy to mainstream political science: a neglected agenda. Annual Review of Political Science, v. 2, n. 1, p. 75-89, 1999. , dedicando-se tanto a apontar problemas de leitura, quanto a rever eventuais vazios, sobreposições, contradições, reorganizações e reelaborações na longa e complexa construção do duplo construto e da obra de Lasswell, continuavam sem chamar muito a atenção.

Contudo, nos últimos anos, talvez impulsionado por um crescente movimento de revisão do campo, com a publicação de valiosos compêndios em língua inglesa,4 4 Alguns dos movimentos de revisão do campo também resultaram em importantes compêndios, como o Handbook of Public Policy Analysis: Theory, Politics, and Methods, organizado por Frank Fischer, Gerald J. Miller e Mara S. Sidney (2007); o Handbook of Public Policy, organizado por Guy Peters, e John Pierre (2006); o The Oxford Handbook of Public Policy, organizado por Michael Moran, Martin Rein, Robert E. Goodin (2006); do Routledge Handbook of Public Policy, organizado por Eduardo Araral Jr., Scott Fritzen, Michael Howlett, M. Ramesh e Xun Wu (2013); e o Handbook of Critical Policy Studies, organizado por Frank Fischer, Douglas Torgerson, Anna Durnová e Michael Orsini (2015b); e o The SAGE Handbook of Political Science, organizado por Dirk Berg-Schlosser, Bertrand Badie e Leonardo Morlino (2020). começaram a emergir novos trabalhos com referências mais críticas a Lasswell, na trilha de pesquisas mais antigas, mas também abrindo novas possibilidades interpretativas. Em um deles, Giliberto Capano (2020)CAPANO, Giliberto. Politics and policy. In: BERG-SCHLOSSER D.; BADIE B.; MORLINO L. (orgs.). The SAGE handbook of political science. Beverly Hills: Sage , 2020. p. 1071-1085. argumenta que nunca houve uma clara resposta para a pergunta “por que as policy sciences existem”, muito menos quando nos interrogamos sobre a “análise de políticas públicas” ou ainda porque tantas pessoas “se autodenominam estudiosos de políticas públicas” (Capano, 2020CAPANO, Giliberto. Politics and policy. In: BERG-SCHLOSSER D.; BADIE B.; MORLINO L. (orgs.). The SAGE handbook of political science. Beverly Hills: Sage , 2020. p. 1071-1085., p. 1071, tradução nossa). Para ele, Lasswell teria deslocado a atenção de uma esfera mais ampla de “poder ‘mais algo’ para as políticas públicas” empurrando “a dicotomia entre política e políticas públicas em direção a uma divisão mais clara”, mas que seria ainda merecedora de maior atenção por parte da ciência política (Capano, 2020CAPANO, Giliberto. Politics and policy. In: BERG-SCHLOSSER D.; BADIE B.; MORLINO L. (orgs.). The SAGE handbook of political science. Beverly Hills: Sage , 2020. p. 1071-1085., p. 1076, tradução nossa).

Se, por um lado, os compêndios foram trazendo um novo contexto revisionista para um debate sobre o duplo construto que ainda custava a emergir com maior vigor; por outro, trabalhos de muita consistência começavam a se avolumar fora deles, como os recentes William Dunn (2019)DUNN, William N. Pragmatism and the origins of the policy sciences: rediscovering Lasswell and the Chicago School. Cambridge: Cambridge University Press, 2019., Chris Weible, Paul Cairney e Jill Yordy (2022)WEIBLE, Christopher M; CAIRNEY, Paul; YORDY, Jill. A diamond in the rough: digging up and polishing Harold D. Lasswell’s decision functions. Policy Sciences, v. 55, n. 1, p. 209-222, 2022. e Douglas Torgerson (2024)TORGERSON, Douglas. The policy sciences of Harold Lasswell: contextual orientation and the critical dimension. Cheltenham: Elgar Publishing, 2024.. São trabalhos que, com muita densidade e propósito analítico, buscam investigar algumas das passagens mais importantes da obra de Lasswell, especialmente do duplo construto, com especial atenção aos argumentos e significados que as estruturam. Embora ainda com pouco diálogo entre si, este novo conjunto de trabalhos, quando vistos em perspectiva crítica, já parece conformar uma nova agenda de pesquisa que, finalmente, depois de algumas tentativas e chamados, vem ganhando seus primeiros e firmes contornos.

Para que isso se confirme, no entanto, e para evitar que esses novos esforços não se percam mais uma vez, ecoando o alerta feito anteriormente por Eulau e Zlomke (1999)EULAU, Heinz; ZLOMKE, Susan. Harold D. Lasswell’s legacy to mainstream political science: a neglected agenda. Annual Review of Political Science, v. 2, n. 1, p. 75-89, 1999. , é necessário não apenas identificar os contornos desta agenda emergente, mas também problematizar sua natureza. Isso é especialmente importante porque sua potência parece residir não apenas em ajudar a elucidar aspectos cruciais na obra de Lasswell, especialmente no que diz respeito ao duplo construto, mas também em ajudar a iluminar aspectos importantes da própria ontologia do campo, ampliando consideravelmente seu alcance revisionista. Com isto, chego ao propósito deste artigo, que é interpretar criticamente os recentes movimentos de discussão sobre o duplo construto lasswelliano como uma agenda emergente de pesquisa, buscando identificar os seus contornos e explorar sua natureza a partir de três direções de pesquisa: democracia, pragmatismo e criticidade.

Estas direções foram interpretativamente construídas ao longo desta pesquisa por aglutinarem grande parte dos esforços contidos nestes novos trabalhos, além de terem se fortalecido por ecoarem em debates muito contemporâneos do campo de estudos em políticas públicas como um todo, sobretudo diante dos complexos e interconectados desafios de um mundo em forte crise política, social, científica e ambiental. Olhar para aquilo que ainda continua sendo visto como um “ponto de partida” pode nos ajudar a entender melhor as motivações iniciais da atual intricada configuração do nosso campo, bem como a perceber nossas lacunas históricas e criar mais camadas de interpretação em nossa memória, conferindo profundidade às nossas escolhas e evitando o estreitamento dos nossos horizontes de pesquisa e de ação em políticas públicas.

Para alcançar tal propósito, além desta longa introdução, incluí uma seção introdutória sobre o duplo construto, a fim de tornar o texto acessível a quem não está familiarizado com a obra de Lasswell, bem como uma outra dedicada a reconstrução do fio narrativo desta emergente agenda. As demais seções apresentam as direções interpretativas em torno das noções de “democracia”, “pragmatismo” e “criticidade”, que se concluem com algumas notas finais sobre os futuros desta agenda. Por fim, é necessário dizer que ao longo desta revisão crítica foram examinados um total de 68 artigos (16 de autoria ou coautoria do próprio Lasswell), selecionados por meio da técnica “bola de neve”, com dois pontos de partida principais: Lasswell (1951)LASSWELL, Harold. The policy orientation. In: LASSWELL, H.D.; LERNER, D. The policy sciences: recent developments in scope and method. Stanford: Stanford University Press, 1951. p. 3-15., pela sua condição seminal; e Torgerson (1985)TORGERSON, Douglas. Contextual orientation in policy analysis: the contribution of Harold D. Lasswell. Policy Sciences, v.18, n. 3, p. 241-261, 1985., pela contribuição crítica significativa para esta agenda emergente. Antes de continuar, reitero que no processo de seleção foram considerados somente os autores e autoras que estudam mais diretamente a obra de Lasswell e do duplo construto, pela limitação de escopo deste artigo.

Os principais contornos do duplo construto policy science e policy orientation

A ideia de uma nova ciência para as políticas públicas nasce carregando consigo a crença de que o conhecimento científico seria capaz de produzir futuros mais acertados (Lasswell; Kaplan, 1950LASSWELL, Harold; KAPLAN, Abraham. Power and society. New Haven: Yale Un. Press, 1950.). De acordo com o próprio Lasswell, a policy sciences representaria um novo sistema de conhecimentos em ação, capaz de conferir inédita “racionalidade ao fluxo decisório em políticas públicas” (Lasswell, 1951LASSWELL, Harold. The policy orientation. In: LASSWELL, H.D.; LERNER, D. The policy sciences: recent developments in scope and method. Stanford: Stanford University Press, 1951. p. 3-15., p. 3, tradução nossa). A novidade seria tanta que exigiria um “novo padrão de pensamento” (Lasswell, 1951LASSWELL, Harold. The policy orientation. In: LASSWELL, H.D.; LERNER, D. The policy sciences: recent developments in scope and method. Stanford: Stanford University Press, 1951. p. 3-15., p. 4, tradução nossa). A policy sciences apresentada por ele seria suficientemente ampla para incluir “(1) os métodos com os quais as políticas públicas são investigadas; (2) os resultados dos estudos das políticas públicas; e (3) os achados das disciplinas que seriam capazes de responder às necessidades informacionais do processo de formulação das políticas públicas” (Lasswell, 1951LASSWELL, Harold. The policy orientation. In: LASSWELL, H.D.; LERNER, D. The policy sciences: recent developments in scope and method. Stanford: Stanford University Press, 1951. p. 3-15., p. 4, tradução nossa). Esta seria também uma policy sciences of democracy (Lasswell, 1951LASSWELL, Harold. The policy orientation. In: LASSWELL, H.D.; LERNER, D. The policy sciences: recent developments in scope and method. Stanford: Stanford University Press, 1951. p. 3-15., p. 10, tradução nossa), por buscar garantir decurso democrático ao processo de políticas públicas, limitando os viéses dos interesses e preferências das elites.

Parte destas promessas seria alcançada por meio da policy orientation, a nova e exclusiva abordagem multidisciplinar que usaria “informações autênticas” e conduziria uma “interpretação responsável” na proposição de alternativas de solução para os prementes problemas públicos (Lasswell, 1951LASSWELL, Harold. The policy orientation. In: LASSWELL, H.D.; LERNER, D. The policy sciences: recent developments in scope and method. Stanford: Stanford University Press, 1951. p. 3-15., p. 4, tradução nossa). Esta nova abordagem interpretava o processo decisório como um arco não linear formado por sete “categorias de análise funcional” (Lasswell, 1956aLASSWELL, Harold. The decision process: seven categories of functional analysis. College Park: University of Maryland Press, 1956a.) - em alusão à ideia de arco reflexivo do filósofo pragmatista John Dewey (1896)DEWEY, John. The reflex arc concept in psychology. The Psychological Review, v. 3, n. 4, p. 357-370, 1896.. A ideia da não-linearidade tentava ressaltar que suas categorias não deveriam ser assumidas como passos analíticos sequenciais, ou fases, mas como momentos de formulação que poderiam inclusive se desenvolver em diferentes conformações. O arco sofreu algumas pequenas reformulações nas décadas seguintes,5 5 De acordo com a reformulação mais popular, em Technique of Decision Seminar (Lasswell, 1963), as fases e seus objetivos eram os seguintes: (1) prescrição (voltada para a formulação de regras gerais de autoridade e conduta); (2) inteligência (produção de informações e interpretações para uso dos policy makers); (3) recomendação (promoção ativa das alternativas de solução de políticas públicas); (4) invocação (aplicação provisória em uma espécie de piloto); (5) aplicação (detalhamento final acerca de prescrições iniciais e definição dos casos em que a solução será aplicada); (6) avaliação (prévia à aplicação, de viabilidade dos resultados pretendidos em relação aos objetivos prescritos); e (7) conclusão (finalização das prescrições e arranjos finais). mas as mais importantes foram aparentemente de nomenclatura, mas com reverberações de significados. Em 1963, foi o próprio (Lasswell que passou a chamá-la de “sete fases do processo decisório” 1963, p. 14), sucumbindo ao que ele próprio parecia não querer; para, mais adiante, chamá-la de “sete resultados de poder” (1971, p. 28).

A ênfase do arco deveria recair nas questões de método, de contexto e de valores, mas havia uma certa ambiguidade em todos eles. No primeiro caso, mesmo Lasswell tendo dito que método seria todo e qualquer processo de produção de conhecimento que pudesse ser rigorosamente considerado como científico, no antigo sentido de inteligência (Lasswell; McDougal, 1943LASSWELL, Harold; MCDOUGAL, Myres. Legal education and public policy: professional training in the public interest. The Yale Law Journal. v. 52, n. 2, p. 533-561, 1943.), ele acabou defendeu que o caminho metodológico da policy orientation seria duplo. Para as tarefas inerentes à ciência da formulação e da execução das políticas públicas, deveriam ser utilizados os “métodos da pesquisa social e da psicologia” (Lasswell, 1951LASSWELL, Harold. The policy orientation. In: LASSWELL, H.D.; LERNER, D. The policy sciences: recent developments in scope and method. Stanford: Stanford University Press, 1951. p. 3-15., p. 3, tradução nossa); enquanto que para as tarefas relacionadas à produção de informações e interpretações, deveriam ser utilizados aqueles que fossem “além dos limites das Ciências Sociais e da Psicologia” (Lasswell, 1951LASSWELL, Harold. The policy orientation. In: LASSWELL, H.D.; LERNER, D. The policy sciences: recent developments in scope and method. Stanford: Stanford University Press, 1951. p. 3-15., p. 3, tradução nossa). Essa bifurcação metodológica carregava consigo, porém, um aporte claramente epistemológico, pois normativamente se ancorava em duas diferentes tradições do fazer ciência, abrindo múltiplas possibilidades para futuras leituras.

Em relação ao contexto, embora ele defendesse um olhar complexo sobre os problemas públicos (Lasswell, 1956aLASSWELL, Harold. The decision process: seven categories of functional analysis. College Park: University of Maryland Press, 1956a., 1960LASSWELL, Harold. Technique of decision seminars. Midwest Journal of Political Science, v. 4, n. 3, p. 213-236, 1960., 1963LASSWELL, Harold. The future of political science. New York: Atherton Press, 1963., 1970LASSWELL, Harold. The emerging conception of the policy science. Policy Sciences, v. 1, p. 03-14, 1970., 1971LASSWELL, Harold. A pre-view of policy sciences. New York: American Elsevier, 1971.), ou seja, dos objetos primordiais dos arcos decisórios não lineares, a apreensão de tal contexto se daria, na prática, por dois esforços complementares: de um lado, “amostrando o processo de decisão como um todo”; de outro, “adaptando todos os meios de apresentação disponíveis ao problema” (Lasswell, 1960LASSWELL, Harold. Technique of decision seminars. Midwest Journal of Political Science, v. 4, n. 3, p. 213-236, 1960., p. 223, tradução nossa). Na prática, cada uma das fases contaria com conjuntos muito específicos de técnicas, quantitativas e/ou qualitativas, para garantir racionalidade a produção e interpretação das informações sobre futuros desejados, mas também sobre aqueles indesejados (Lasswell, 1951LASSWELL, Harold. The policy orientation. In: LASSWELL, H.D.; LERNER, D. The policy sciences: recent developments in scope and method. Stanford: Stanford University Press, 1951. p. 3-15., 1960LASSWELL, Harold. Technique of decision seminars. Midwest Journal of Political Science, v. 4, n. 3, p. 213-236, 1960., 1963LASSWELL, Harold. The future of political science. New York: Atherton Press, 1963., 1971LASSWELL, Harold. A pre-view of policy sciences. New York: American Elsevier, 1971.). Em outras palavras, a tradução científica e metodológica da sua orientação contextual parecia minar grande parte da sua promessa de profundidade interpretativa, possibilitando leituras futuras tanto divergentes, quanto superficiais.

Já os valores simbolizavam os “desejos de futuro” muito presentes em toda a obra de Lasswell, pois a tomada de decisão, em suas próprias palavras, lidaria, justamente, com a formação e a partilha de valores. Esta ideia, porém, também foi reformulada em diferentes momentos da construção do duplo construto. Em uma das versões mais conhecidas, os valores seriam os objetivos das políticas públicas (goal values)6 6 A saber: riqueza, poder, respeito, retidão, habilidade, bem-estar, iluminação e afeto (Lasswell, 1956a, p. 13). Observação: Lasswell, 1956a, modificado em 1971, p. 18. e, portanto, deveriam atravessar todo o arco decisório, fase por fase, mantendo-se inalterados (Lasswell, 1960LASSWELL, Harold. Technique of decision seminars. Midwest Journal of Political Science, v. 4, n. 3, p. 213-236, 1960., 1963LASSWELL, Harold. The future of political science. New York: Atherton Press, 1963., 1971LASSWELL, Harold. A pre-view of policy sciences. New York: American Elsevier, 1971.). A preservação deles era vista como um problema de método, mas o seu processo de produção (natureza e lócus) acabou sendo mais um elemento de ambiguidade no duplo construto, dando também margem para diferentes leituras em relação tanto às noções de democracia e liberdade, quanto à relação conceitual entre política e políticas públicas.

Por fim, para compor melhor os contornos do duplo construto, é importante lembrar que Lasswell muitas vezes o apresentava a partir de um conjunto de tarefas intelectuais (intellectual tasks), as quais deveriam ser realizadas pelo novo cientista de políticas públicas. Na reformulação mais conhecida, as cinco principais tarefas seriam as de esclarecer os objetivo das policies (levando em consideração os valores objetivos perseguidos); descrever tendências (inclusive dos problemas); analisar condicionantes (incluindo as de desenho); projetar desenvolvimentos futuros (incluindo cenários); e criar e avaliar alternativas de policies (Lasswell, 1960LASSWELL, Harold. Technique of decision seminars. Midwest Journal of Political Science, v. 4, n. 3, p. 213-236, 1960.). Para isto, na prática, os novos cientistas deveriam ser capazes de produzir “relatórios de tendência”, “relatórios científicos”, “relatórios de projeção”, “relatórios de objetivos”, e os famosos “relatórios de policy”. Na última fase da sua obra, ele passa a defender que grupos protagonizados por policy scientists poderiam assessorar permanentemente políticos e juristas em seminários-chave (key seminars), conformando uma “comunidade de intelectuais” e desencadeando uma “operação coletiva social” (Lasswell, 1960LASSWELL, Harold. Technique of decision seminars. Midwest Journal of Political Science, v. 4, n. 3, p. 213-236, 1960., p. 215, tradução nossa), em outra referência à obra de John Dewey (1927)DEWEY, John. The public and its problems. Carbondale: Illinois University Press, 1927..

Tecendo o fio da agenda emergente de pesquisa em torno do duplo construto

A estrada para a problematização das questões de má compreensão sobre o duplo construto lasswelliano começa a ser pavimentada logo que suas obras ganham maior destaque, mas só conseguem adquirir massa crítica mais recentemente.7 7 O fio de reconstrução que será utilizado aqui tem como foco as obras mais emblemáticas e recorrentes nas fundamentações teóricas dos trabalhos que compreendem esta nova agenda, não conseguindo abarcar, portanto, aquelas que apresentaram novas ideias a partir de uma crítica à Lasswell, tais como: Lindblom (1959), com seu modelo de racionalidade incremental; Sabatier e Jenkins-Smith (1999) e Sabatier (1999), que justificam seu novos quadros de análise (Advocacy Coalition Framework) a partir de uma crítica à estreiteza lasswelliana na compreensão da complexidade das relações intergovernamentais (Sabatier; Weible, 2007); dentre muitos outros. A primeira destas obras mais emblemáticas chega pelas mãos de David Easton (1950)EASTON, David. Harold Lasswell: policy scientist for a democratic society. Journal of Politics, n. 12, p. 450-477, 1950.. Interpretando Lasswell à luz do desenvolvimento histórico das ciências sociais, ele reclama que ainda era preciso compreender melhor a “lição” lasswelliana que propõe “reexaminar as premissas de valor sobre as quais assenta a sua investigação empírica” (Easton, 1950EASTON, David. Harold Lasswell: policy scientist for a democratic society. Journal of Politics, n. 12, p. 450-477, 1950., p. 475, tradução nossa), chegando a falar que esta fase mais recente de sua obra conteria uma “moral para todas as ciências” (Easton, 1950EASTON, David. Harold Lasswell: policy scientist for a democratic society. Journal of Politics, n. 12, p. 450-477, 1950., p. 475-476), no sentido da implicações que qualquer quadro teórico teria, efetivamente, sobre os resultados das investigações científicas.8 8 Sua leitura sobre a obra de Lasswell será fundamental em sua definição de política como um sistema de “alocação autorizada de valores para toda a sociedade” (Easton, 1953, p. 129), bem como na compreensão de disputa política como uma disputa por valores escassos também presentes na sociedade, também influenciando o campo de estudos em políticas públicas.

Em seguida, novo reforço foi dado por Eulau (1958)EULAU, Heinz. H. D. Lasswell’s developmental analysis. Political Research Quarterly, v. 11, p. 229-242, 1958.. Para ele, Lasswell representaria até então a única contribuição metodológica persistente e consistente dentro da ciência política, mas começava a acumular lacunas e mal-entendidos.9 9 Como exemplo inicial, ele argumenta que o esforço do duplo construto em compreender e moldar o comportamento da tomada de decisão, por exemplo, “nada mais era do conectar declarações de valor ou preferência, declarações de fato e declarações de expectativa” (Eulau, 1958, p. 230), embora poucos tivessem compreendido tal modelagem. Ele considerou a “análise de desenvolvimento” proposta por Lasswell como uma excelente alternativa às estéreis “análises probabilísticas” que começavam a dominar o cenário de então. De acordo com a sua cuidadosa leitura, Lasswell teria conseguido dar conta, embora de modo fragmentado e tortuoso, de duas dinâmicas concretas do comportamento político: ele seria tanto orientado por valores (ajudando também a modelá-los), quanto por interpretações de futuros e de passados. Eulau conclui esclarecendo que seu propósito não tinha sido “criticar a noção de análise do desenvolvimento de Lasswell, mas sim reunir de forma razoavelmente ordenada as suas referências amplamente dispersas sobre o assunto” (Eulau, 1958EULAU, Heinz. H. D. Lasswell’s developmental analysis. Political Research Quarterly, v. 11, p. 229-242, 1958., p. 241, tradução nossa), dando a entender que parte dos mal-entendidos seriam provocados pelo próprio Lasswell, cujas explicações eram frequentemente complexas e fragmentadas.

Nova contribuição para o fio que estamos tecendo só chegaria em 1985, com um artigo muito significativo de Douglas Torgerson, no qual busca identificar com inédita precisão os problemas de má interpretação em Lasswell. Para começar, argumenta que, diferente da leitura que acabou vingando no campo, Lasswell “desenvolveu uma abordagem claramente contrária a uma postura positivista” (Torgerson, 1985TORGERSON, Douglas. Contextual orientation in policy analysis: the contribution of Harold D. Lasswell. Policy Sciences, v.18, n. 3, p. 241-261, 1985., p. 242, tradução nossa). Em seguida, defende que sua orientação contextual não tinha sido suficientemente compreendida pelo seus leitores, pois ela seria parte integrante do modelo de análise contextual-configurativa, por meio da qual o novo cientista de políticas públicas poderia agir dentro de uma compreensão de uma “totalidade abrangente” (Lasswell, 1965, p. 12, tradução nossa), inclusive como forma de realizar “um ato de orientação criativa“ (Lasswell, 1965, p. 13, tradução nossa). E conclui defendendo que tais ideias e preocupações viriam de uma forte influência de Karl Marx. Este texto representa um nó essencial na trajetória que interpreto, pois quase todos os trabalhos que seguem este fio se referiram a ele.

Torgerson continua suas pesquisas e poucos anos depois defende que a policy orientation teria uma importante dimensão estética (Torgerson, 1990TORGERSON, Douglas. Origins of the policy orientation: the aesthetic dimension in Lasswell’s political vision. History of Political Thought, v. 11, n. 2, p. 339-351, 1990.) - o que foi melhor desenvolvido em artigo de 1995, que investiga tal dimensão na compreensão lasswelliana da política e de seus processos. Ao mesmo tempo em que Torgerson se afirma como um dos principais, senão o principal estudioso de Lasswell, novos trabalhos começam a surgir, mas sem chamar muito a atenção. Este panorama só começa a mudar um pouco com um novo artigo de Eulau, desta vez em coautoria com Susan Zlomke (1999). Utilizando a base de dados JSTOR, os autores concluem que, nos 17 anos seguintes ao fim da carreira de Lasswell, ou seja, após 1978, a grande maioria das referências à sua obra já eram “superficiais, sugestivas e respeitosas” (Eulau; Zlomke, 1999EULAU, Heinz; ZLOMKE, Susan. Harold D. Lasswell’s legacy to mainstream political science: a neglected agenda. Annual Review of Political Science, v. 2, n. 1, p. 75-89, 1999. , p. 75), pois, respectivamente, não aprofundavam seus elementos constituintes, teciam interpretações pouco aderentes à sua obra, ao mesmo tempo em que reconheciam ou exaltavam os seus méritos. Argumentam que, mesmo as exceções, “substanciais, críticas e extensas” (Eulau; Zlomke, 1999EULAU, Heinz; ZLOMKE, Susan. Harold D. Lasswell’s legacy to mainstream political science: a neglected agenda. Annual Review of Political Science, v. 2, n. 1, p. 75-89, 1999. , p. 75), teriam sido insuficientes para alterar a diversidade e fragilidade interpretativa sobre a sua obra, em particular sobre o duplo construto, levando os autores a concluírem que o campo estaria clara e infelizmente diante uma “agenda neglicenciada” (Eulau; Zlomke, 1999EULAU, Heinz; ZLOMKE, Susan. Harold D. Lasswell’s legacy to mainstream political science: a neglected agenda. Annual Review of Political Science, v. 2, n. 1, p. 75-89, 1999. , p. 75).

Diante de tal advertência, novos trabalhos se animam em rever o duplo construto lasswelliano, apontando eventuais mal-entendidos, quase sempre de forma crítica. Contribuições significativas chegam de Farr, Hacker e Kazee (2006)FARR, James; HACKER, Jacob; KAZEE, Nicole. The policy scientist of democracy: the discipline of Harold D. Lasswell. American Political Science Review, v. 100, n. 4, p. 579-587, 2006.; Jonh Turnbull (2008)TURNBULL, Nick. Harold Lasswell’s “problem orientation” for the policy sciences. Critical Policy Analysis, v. 2, n. 1, p. 72-91, 2008., Boullosa (2013BOULLOSA, Rosana de Freitas. Mirando ao revés as políticas públicas: notas sobre um percurso de pesquisa. Pensamento & Realidade, São Paulo, v. 28, n. 3, p. 67-84, 2013., 2019a)BOULLOSA, Rosana de Freitas. Lasswell and the mirror of time: considering some of the questions raised by Torgerson. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 226-229, 2019a. e Phillipe Zittoun (2014)ZITTOUN, Philippe. The political process of policymaking: a pragmatic approach to public policy. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2014., dentre outros. Os primeiros, Farr, Hacker e Kazee (2006)FARR, James; HACKER, Jacob; KAZEE, Nicole. The policy scientist of democracy: the discipline of Harold D. Lasswell. American Political Science Review, v. 100, n. 4, p. 579-587, 2006., apresentam questionamentos muito profundos sobre a ideia de democracia presente no desenho do novo cientista de políticas públicas lasswelliano. Eles justificam esta revisão crítica pelas contradições que percebiam nas diferentes leituras que o campo, até então, tecia sobre a obra de Lasswell.10 10 “Alguns saudaram o cientista de políticas da democracia; outros viram uma figura contraditória, ao mesmo tempo positivista e carregada de valores, elitista e democrática, heróica e implausível” (Farr, Hacker e Kazee, 2006, p. 579). Turnbull (2008)TURNBULL, Nick. Harold Lasswell’s “problem orientation” for the policy sciences. Critical Policy Analysis, v. 2, n. 1, p. 72-91, 2008., diferente dos demais, se propõe a desemaranhar a leitura do campo de que o duplo construto seria pragmatista. Ele argumenta, não sem uma ponta de irritação, que Lasswell teria lido erroneamente os ensinamentos do pragmatista John Dewey, não fazendo jus a tal título. Já Boullosa (2013)BOULLOSA, Rosana de Freitas. Mirando ao revés as políticas públicas: notas sobre um percurso de pesquisa. Pensamento & Realidade, São Paulo, v. 28, n. 3, p. 67-84, 2013. argumenta que o pluralismo metodológico proposto por Lasswell acabou se mostrando quase irrelevante para um campo que foi se desenvolvendo, em um primeiro momento, para um caminho tecnocrático de racionalidade linear na tomada de decisão, lembrando que o próprio Lasswell teria contribuído para isto (Boullosa, 2019aBOULLOSA, Rosana de Freitas. Lasswell and the mirror of time: considering some of the questions raised by Torgerson. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 226-229, 2019a.). E Zittoun (2014)ZITTOUN, Philippe. The political process of policymaking: a pragmatic approach to public policy. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2014. chama a atenção para uma passagem muito pouco conhecida da obra lasswelliana a respeito do peso da linguagem na construção da legitimidade política, mas conclui dizendo que embora Lasswell tenha afirmado que a linguagem era “política” (por causa do seu impacto), seus estudos, paradoxalmente, teriam focado apenas em amplos “padrões de discurso” (Zittoun, 2014ZITTOUN, Philippe. The political process of policymaking: a pragmatic approach to public policy. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2014., p. 141).

Alguns destes trabalhos já integram os compêndios revisionistas sobre o campo que começam a surgir na segunda metade da década 2010, como foram os casos de Farr, Hacker e Kazee (2006)FARR, James; HACKER, Jacob; KAZEE, Nicole. The policy scientist of democracy: the discipline of Harold D. Lasswell. American Political Science Review, v. 100, n. 4, p. 579-587, 2006.; Turnbull (2008)TURNBULL, Nick. Harold Lasswell’s “problem orientation” for the policy sciences. Critical Policy Analysis, v. 2, n. 1, p. 72-91, 2008., Torgerson (2015)TORGERSON, Douglas. Harold D. Lasswell and critical policy studies: the threats and temptations of power. In: FISCHER, F; TORGERSON, D.; DURNOVA, A.; ORSINI, M. Handbook of critical policy studies. Cheltenham: Edward Elgar, 2015. p. 27-46., mas também de Fischer, Torgerson, Durnová e Orsini (2015a)FISCHER, Frank; TORGERSON, Douglas; DURNOVA, Anna; ORSINI, Michael. Introduction to critical policy studies. In: FISCHER, Frank; TORGERSON, Douglas; DURNOVA, Anna; ORSINI, Michael. Handbook of critical policy studies. Cheltenham: Edward Elgar, 2015a. p. 1-24., Saretzki (2015)SARETZKI, Thomas. Habermas, critical theory and public policy. In: FISCHER, F; TORGERSON, D.; DURNOVA, A.; ORSINI, M. Handbook of critical policy studies. Cheltenham: Edward Elgar, 2015. p. 67-91., Capano (2020)CAPANO, Giliberto. Politics and policy. In: BERG-SCHLOSSER D.; BADIE B.; MORLINO L. (orgs.). The SAGE handbook of political science. Beverly Hills: Sage , 2020. p. 1071-1085., dentre outros. No entanto, voltando ao fio, foi novamente Douglas Torgerson quem impulsionou, já fora dos compêndios, uma dimensão mais ontológica de um movimento crescente que já poderia ser retrospectivamente considerado como de um revisionismo crítico em relação ao duplo construto, resultando no que interpreto como uma agenda emergente. Em 2018, ele publica um instigante artigo no qual questiona o poder de Lasswell em servir como “espelho” para os estudos críticos em políticas públicas (Torgerson, 2018TORGERSON, Douglas. Lasswell in the long glass: a “mirror” for critical policy studies. Critical Policy Studies, v. 13, n. 1, p. 122-130, 2018.). Para ele, ambas seriam críticos e comprometidos com a democracia, o que poderia ajudar os estudos críticos a avançar em algumas se suas principais questões, como emancipação e participação, pensando com e contra Lasswell. Quatro autores responderam ao seu chamado, ampliando a discussão para o desenvolvimento do campo como um todo (Boullosa, 2019aBOULLOSA, Rosana de Freitas. Lasswell and the mirror of time: considering some of the questions raised by Torgerson. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 226-229, 2019a.; Dodge, 2019DODGE, Jennifer. Anticipating the future in a violent field: an extension of Lasswell’s policy sciences. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 216-220, 2019.; Strassheim, 2019STRASSHEIM, H. Lasswell’s legacy revisited: critical perspectives on psychological and behavioral public policy. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 221-225, 2019.; Zittoun, 2019ZITTOUN, Philippe. The two Lasswells: implications for critical policy studies, Critical Policy Studies. v. 13, n. 2, p. 211-215, 2019.).

A estes esforços, somam-se novos, dentre os quais, destacam-se pelo menos três. Em primeiro lugar, o último livro publicado em vida pelo renomado William Dunn (2019)DUNN, William N. Pragmatism and the origins of the policy sciences: rediscovering Lasswell and the Chicago School. Cambridge: Cambridge University Press, 2019., no qual ele questiona com muita pertinência os mal-entendidos em torno da filiação pragmatista de Lasswell e de seu duplo construto, trazendo muita documentação histórica e análise para o debate. Além disso, o recente artigo de Chris Weible, Paul Cairney e Jill Yordy (2022)WEIBLE, Christopher M; CAIRNEY, Paul; YORDY, Jill. A diamond in the rough: digging up and polishing Harold D. Lasswell’s decision functions. Policy Sciences, v. 55, n. 1, p. 209-222, 2022. busca elucidar e dar maior precisão ao que consideram como leituras também falhas do modelo decisório em torno do qual foi construído o duplo construto. Por fim, o livro emergente de Torgerson (2024)TORGERSON, Douglas. The policy sciences of Harold Lasswell: contextual orientation and the critical dimension. Cheltenham: Elgar Publishing, 2024. aborda um conjunto mais amplo de mal-entendidos na obra de Lasswell, também utilizando-se de uma farta documentação histórica. Como resultado, nos vemos diante de uma agenda, argumento, que merece ser olhada com maior cuidado, identificando criticamente, como proponho a seguir, suas possíveis direções de crescimento.

Investigações em torno da noção (ambígua) de democracia no duplo construto

Lasswell já aclamava por uma policy science of democracy, mesmo pouco antes do seminal The Policy Orientation (1951). Para ele, a discussão entre poder e conhecimento deveria se dar no âmbito de uma “ciência democraticamente orientada” (Lasswell, 1951LASSWELL, Harold. The policy orientation. In: LASSWELL, H.D.; LERNER, D. The policy sciences: recent developments in scope and method. Stanford: Stanford University Press, 1951. p. 3-15., p. 15, tradução nossa) de modo a promover o “conhecimento necessário para melhorar a prática da democracia” (Lasswell, 1951LASSWELL, Harold. The policy orientation. In: LASSWELL, H.D.; LERNER, D. The policy sciences: recent developments in scope and method. Stanford: Stanford University Press, 1951. p. 3-15., p. 10, tradução nossa). Ele buscava oferecer um método científico para a análise e formulação de políticas públicas que incluísse a noção de valores, pressupondo que assim teríamos a formalização da democracia. Só assim, seria possível a “realização plena da dignidade humana” (Lasswell, 1951LASSWELL, Harold. The policy orientation. In: LASSWELL, H.D.; LERNER, D. The policy sciences: recent developments in scope and method. Stanford: Stanford University Press, 1951. p. 3-15., p. 10, tradução nossa). Mas este caminho parecia às vezes um tanto aleatório e não acumulativo, com continuas reelaborações, especialmente quando se referia à noção de democracia.

O marco do pensamento lasswelliano, entretanto, era o liberalismo (Dryzek; Torgerson, 1993DRYZEK, John; TORGERSON, D. Democracy and the policy sciences: a progress report. Policy Sciences, v. 26, n. 3, p. 127-137, 1993.; Dunn, 2019DUNN, William N. Pragmatism and the origins of the policy sciences: rediscovering Lasswell and the Chicago School. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.; Zittoun, 2014ZITTOUN, Philippe. The political process of policymaking: a pragmatic approach to public policy. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2014.), sob influência do pragmatista John Dewey, mas também de Walter Lippmann e Charles Merriam. O problema é que, enquanto o primeiro defendia que a população seria capaz de se constituir como público, construindo democraticamente suas próprias verdades e futuros (Dewey, 1927DEWEY, John. The public and its problems. Carbondale: Illinois University Press, 1927.); os outros dois defendiam um modelo com primazia dos intelectuais. Lippmann (1925)LIPPMANN, Walter. The phantom public. Harcourt: Brace, 1925., em particular, argumentava que o público, no sentido do povo, seria dotado de uma natureza fundamentalmente irracional e que somente um elite intelectual poderia guiá-lo na escuridão de tal irracionalidade. De acordo com Boullosa (2019a)BOULLOSA, Rosana de Freitas. Lasswell and the mirror of time: considering some of the questions raised by Torgerson. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 226-229, 2019a., de algum modo, este contexto já explica um pouco a forte ambiguidade em torno da compreensão de democracia que perpassa todo o duplo construto.

Assim, por um lado, ele foi muito assertivo na explicação sobre como os valores seriam fundamentais para o estudo do comportamento político e das políticas públicas, colocando em cheque a ideia de que os atores carregariam consigo somente valores ideais e universais. Pelo contrário, na prática, argumenta, eles carregariam consigo seus próprios interesses e preferências (Lasswell, 1936), e, justamente por isso, os valores que tanto influenciavam todo o processo político deveriam ser normativamente construídos e metodologicamente assumidos e garantidos. Em suas palavras, seria preciso que tais valores da democracia fossem assumidos como objetivos. Na reelaboração de 1956bLASSWELL, Harold. The political science of science: an inquiry into the possible reconciliation of mastery and freedom. American Political Science Review. v. 50, n. 4, p. 961-979, 1956b., em seu discurso de posse como presidente da American Political Association, defende que tais “valores objetivos democráticos” deveriam ser riqueza, poder, respeito, retidão, habilidade, bem-estar, iluminação e afeto (Lasswell, 1956aLASSWELL, Harold. The decision process: seven categories of functional analysis. College Park: University of Maryland Press, 1956a., p. 13, tradução nossa). 11 11 Lasswell, 1956a, modificado em 1971, p. 18.

Por outro, o lócus de produção deste valores nunca foi suficientemente claro, deixando muita margem para novas críticas e ambíguas interpretações. Em The Comparative Study of Elites (1952), uma obra menos conhecida, ele chega a dizer que os valores seriam produzidos no âmbito da política, para só depois serem trazidos para o âmbito das políticas públicas. E uma vez lá, deveriam se manter inalterados por todo o arco decisório, sob a responsabilidade dos policy scientists (Lasswell, 1956bLASSWELL, Harold. The political science of science: an inquiry into the possible reconciliation of mastery and freedom. American Political Science Review. v. 50, n. 4, p. 961-979, 1956b.). Poucos depois, afirma ainda que os valores não deveriam ser pré-determinados pela política, mas circunstancialmente inventariados pelos ciências de policy, trazendo novamente o problema da determinação dos valores para o universo das atividades de formulação (Lasswell, 1963LASSWELL, Harold. The future of political science. New York: Atherton Press, 1963., p. 223).

Diante destas idas e vindas, numa das críticas mais contundentes até então recebidas, Eulau dizia que o duplo construto deveria abandonar os “valores paroquiais” da democracia, no sentido de que seriam decididos pelos governos de turno, e deveria passar a lidar com “valores universais da democracia” (Eulau, 1977EULAU, Heinz. The Hoover elite studies revisited. Social Science History, v. 1, n. 3, p. 392-400, 1977., p. 400, tradução nossa). Outros autores também se debruçaram sobre esta ainda disputada noção presente no duplo construto. Para Farr, Hacker e Kazee (2006)FARR, James; HACKER, Jacob; KAZEE, Nicole. The policy scientist of democracy: the discipline of Harold D. Lasswell. American Political Science Review, v. 100, n. 4, p. 579-587, 2006., ao dizer que o cientista de políticas públicas aconselharia políticos eleitos, Lasswell não apresentava respostas para perguntas ou cenários um pouco mais críticos: o que aconteceria se estes políticos não defendessem a democracia ou não pactuassem com valores democráticos? E concluem perguntando quais seriam então os limites de ação democrática destes novos cientistas se levássemos em consideração suas obrigações para com os cidadãos e não para com os políticos. Perguntas como estas, aliás, já tinha levado autores como Wolpert (1949)WOLPERT, John F. Book review: Language of politics. Harold D. Lasswell, Nathan Leites. Ethics, v. 60, n. 1, p. 69-71, 1949. e Peter De Leon (1988)DE LEON, Peter. Advice and consent: the development of the policy sciences. New York: Russell Sage Foundation, 1988. a afirmarem que a ênfase no conhecimento especializado seria elitismo - crítica também partilhada por Fischer (2009)FISCHER, Frank. Democracy and expertise: reorienting policy inquiry. Oxford: Oxford University Press, 2009. e fortemente por Lascoumes e Le Galès (2007)LASCOUMES, Pierre; LE GALÈS, Patrick. Sociologie de l’action publique. Paris: Armand Collin, 2007..

Discordam desta linha de leitura Dryzek e Torgerson (1993)DRYZEK, John; TORGERSON, D. Democracy and the policy sciences: a progress report. Policy Sciences, v. 26, n. 3, p. 127-137, 1993., que viam exatamente o contrário na ideia de “comunidade democrática” de Lasswell - a qual, não posso deixar de observar, foi muito pouco desenvolvida. De fato, em um outro texto, Torgerson sustenta que o duplo construto lidaria com o paradoxo pouco compreendido de tentar promover tanto a “expertização da democracia, quanto a democratização da expertise” (Torgerson, 2015TORGERSON, Douglas. Harold D. Lasswell and critical policy studies: the threats and temptations of power. In: FISCHER, F; TORGERSON, D.; DURNOVA, A.; ORSINI, M. Handbook of critical policy studies. Cheltenham: Edward Elgar, 2015. p. 27-46., p. 18). John Dryzek e Douglas Torgerson (1993, p. 18)DRYZEK, John; TORGERSON, D. Democracy and the policy sciences: a progress report. Policy Sciences, v. 26, n. 3, p. 127-137, 1993. já tinham tentado justificar a posição lasswelliana como parte de uma busca histórica por um feliz casamento entre ciência e democracia, em um momento, todavia, no qual “progressistas duvidam da possibilidade de uma cidadania ativa e esclarecida” e a população ainda vivia os horrores e consequências da guerra.

Zittoun (2014ZITTOUN, Philippe. The political process of policymaking: a pragmatic approach to public policy. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2014., 2019)ZITTOUN, Philippe. The two Lasswells: implications for critical policy studies, Critical Policy Studies. v. 13, n. 2, p. 211-215, 2019. vem oferecendo uma outra linha de raciocínio ao argumentar que o duplo construto lasswelliano conteria uma ideia de democracia mais viva justamente pela sua insistência nas questões valorativas. Isto porque, olhando mais a fundo, ele não propunha uma separação entre política e políticas públicas, e que tal leitura teria emergido, posteriormente, nos desenvolvimentos do campo. Longe de um consenso, Jennifer Dodge (2019)DODGE, Jennifer. Anticipating the future in a violent field: an extension of Lasswell’s policy sciences. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 216-220, 2019. oferece uma ulterior linha de pesquisa ao interrogar a construção de futuros de Lasswell em contexto de baixa qualidade democrática, argumentando que nem mesmo a fantasia que o duplo construto tentaria estimular seria capaz de funcionar em contexto de opressão e violência de uma dada sociedade. Neste sentido, embora não chegue a tanto, Dodge parece quase dizer que o duplo construto lasswelliano só se realizaria em contextos democráticos mais equilibrados e estáveis, sendo insuficientes para contextos de forte desigualdade e injustiça social, ou mesmo sob pressão dos movimentos sociais. Assim, conclui, não é possível, num campo violento, de crise da democracia, deixar de pensar nos limites da proposta lasswelliana - que, acrescento eu, pode soar quase ingênua.

Investigações em torno da natureza da filiação pragmática do duplo construto

A história de Lasswell com o pragmatismo foi marcada mais por vazios do que por reconhecimentos, muito embora alguns de seus principais elementos estivem presentes na nova gramática proposta pelo duplo construto. Coube ao seu parceiro, Abraham Kaplan, o primeiro reconhecimento enfático de tal filiação, demostrando inclusive grande preocupação pela leitura simplória que o então campo vinha fazendo (Kaplan, 1964KAPLAN, Abraham. The conduct of inquiry: methodology for behavioral science. Chandler Publishing Co., 1964.) - palavras premonitórias que ganham novos camadas de sentidos e significados com a nova agenda em torno do duplo construto. Já da parte de Lasswell, o reconhecimento formal só chegou duas décadas depois do lançamento do duplo construto. Talvez, para compensar, suas palavras foram muito diretas, explicando que tudo o que propuseram nada mais tinha sido do que “uma adaptação contemporânea da abordagem geral de políticas públicas que foi recomendada por John Dewey e seus colegas no desenvolvimento do pragmatismo americano” (Lasswell, 1971LASSWELL, Harold. A pre-view of policy sciences. New York: American Elsevier, 1971., p. xiv).

Este reconhecimento vem sendo o ponto de partida para a revisão desencadeada pela nova agenda, indo buscar substrato crítico junto à teoria do problem-solving de John Dewey (1938)DEWEY, John. Logic: the theory of inquiry. New York: Henry Holt, 1938.. Bulmer (1984)BULMER, Martin. The Chicago school of sociology: institutionalization, diversity and the rise of sociological research. Chicago: University of Chicago Press, 1984. foi um dos primeiros a explicar que a ligação entre Dewey e Lasswell tinha se dado por meio da Universidade de Chicago, onde os impactos diretos das ideias de Dewey se estenderam por muito mais tempo do que o período em que esteve lá (de 1894 a 1904), alimentando a chamada Escola de Pragmatismo de Chicago. Os meandros da herança pragmatista, porém, só foram detalhados no livro mais recente de Willian Dunn (2019)DUNN, William N. Pragmatism and the origins of the policy sciences: rediscovering Lasswell and the Chicago School. Cambridge: Cambridge University Press, 2019., intitulado Pragmatism and The Origins of the Policy Sciences - Rediscovering Lasswell and the Chicago School. Nele, o autor volta a percorrer a intensa trajetória de Lasswell, passando por seus principais parceiros, mas se detendo em partes importantes da sua obra, consideradas como tributárias ao pensamento pragmatista. Para Dunn (2019)DUNN, William N. Pragmatism and the origins of the policy sciences: rediscovering Lasswell and the Chicago School. Cambridge: Cambridge University Press, 2019., o ponto de partida de tal filiação seria tanto a teoria sociointeracionista de Dewey, que substitui a noção de verdade (truth) pela de assertividade garantida (guaranteed assertability), quanto sua ideia de arco reflexivo (Dewey, 1896DEWEY, John. The reflex arc concept in psychology. The Psychological Review, v. 3, n. 4, p. 357-370, 1896., 1938DEWEY, John. Logic: the theory of inquiry. New York: Henry Holt, 1938.), que teria inspirado o arco decisório não linear de Lasswell.

Olhando mais a fundo para a obra de Dewey, porém, começamos a perceber as ambiguidades e ambivalências na leitura lasswelliana. Para Dewey, a produção de conhecimento deveria ser sempre guiada por valores, de modo a produzir consensos e verdades provisórias, mas suficientemente fortes para uma ação coordenada e voltada à resolução de problemas (Dewey, 1896DEWEY, John. The reflex arc concept in psychology. The Psychological Review, v. 3, n. 4, p. 357-370, 1896., 1927DEWEY, John. The public and its problems. Carbondale: Illinois University Press, 1927., 1938DEWEY, John. Logic: the theory of inquiry. New York: Henry Holt, 1938.). Lasswell se entusiasmou com essa ideia, mas, diferentemente de Dewey, fixou os valores, considerando-os como produzidos fora do processo de políticas públicas (Boullosa, 2019bBOULLOSA, Rosana de Freitas. Mirando ao revés as políticas públicas: os desenvolvimentos de uma abordagem crítica e reflexiva para o estudo das políticas públicas. Publicações da Escola da AGU, Brasília, v. 11, n. 4, p. 89-106, 2019b.). Assim, a natureza do funcionalismo mudou, deixando de ser algo que existiria em função dos valores, para ser um funcionalismo mais “Consequencalista”, baseado em uma ideia de estímulo-reposta mais objetivista. Com isso, Lasswell afastou-se de Dewey, que via na ideia de arco (também chamado de ciclo ou circuito) a realização processual da construção pactuada da verdade (truth), entre subjetividades (valores) e objetividades (conhecimento) do/no público envolvido (Dunn, 2019DUNN, William N. Pragmatism and the origins of the policy sciences: rediscovering Lasswell and the Chicago School. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.). Como Dewey (1927)DEWEY, John. The public and its problems. Carbondale: Illinois University Press, 1927. viria a explicar em The Public and its Problems, um problema só se define na medida em que seu público é construído. Em outras palavras, como lembra Daniel Cefaï (2013)CEFAÏ, Daniel. L’expérience des publics: institution et réflexivité. EspacesTemps.net, p. 1-17. 2013. [on-line] Disponível em: Disponível em: https://www.espacestemps.net/en/articles/lexperience-des-publics-institution-et-reflexivite/ Acesso em: 11 fev. 2023.
https://www.espacestemps.net/en/articles...
, os processos de problematização e publicização são, para Dewey, duas faces de uma mesma moeda - metáfora infrutífera se a transladássemos para o duplo construto.

Além disso, duas ulteriores fontes de ambiguidade entre Lasswell e o pragmatismo podem ser apontadas, referentes à mudança da natureza do processo envolvido entre as teorias de resolução de problemas de Dewey e de Lasswell. Boullosa (2019b)BOULLOSA, Rosana de Freitas. Mirando ao revés as políticas públicas: os desenvolvimentos de uma abordagem crítica e reflexiva para o estudo das políticas públicas. Publicações da Escola da AGU, Brasília, v. 11, n. 4, p. 89-106, 2019b. explica que a natureza do processo deweyano era fundamentalmente social, no sentido de pública; já a de Lasswell era restrita a um coletivo de atores que dominava o conhecimento especializado, considerado essencial para a resolução dos problemas públicos. A ênfase deweyana é no método de construção de público (pois, à medida que o público se construísse, ele mesmo encontraria seus caminhos de organização e resolução de problemas), enquanto que, para o duplo construto lasswelliano, a ênfase metodológica recaía sobre os instrumentos de produção de conhecimento científico. Mais ainda, para Turnbull (2008)TURNBULL, Nick. Harold Lasswell’s “problem orientation” for the policy sciences. Critical Policy Analysis, v. 2, n. 1, p. 72-91, 2008., o nó central da discordância estaria na separação proposta por Lasswell entre o estudo científico do problema e o processo de resolução do mesmo problema, superando o que ele chama de “problematicidade”. Ao conceber o questionamento como exclusivamente científico, o duplo construto não teria deixado espaço para qualquer “papel constitutivo do questionamento e da ‘problemática’ em geral” (Turnbull, 2008TURNBULL, Nick. Harold Lasswell’s “problem orientation” for the policy sciences. Critical Policy Analysis, v. 2, n. 1, p. 72-91, 2008., p. 85). Com isto, acabou por fixar que no lugar da ação em políticas públicas só caberiam experts - deixando a normatividade para o reino mais amplo da política. E é neste reino da política onde se situa o público deweyano, o que nos leva para uma crítica alinhada à de Herbert Simon (1976)SIMON, Herbert A. Administrative behavior: a study of decision-making processes. Administrative Organization. 3 ed. New York: The Free Press, 1976. sobre a limitação da policy orientation em produzir soluções satisfatórias, mas não boas, transformadoras, libertadoras etc.

Este caráter mais reformador do que inovador é um dos novos possíveis caminhos de leitura de autoras e autores engajados neste revisão ontológica da filiação pragmática do duplo construto. Com isto, um dos primeiros consensos dentre eles é de que temos que aprender a lidar com os “múltiplos Lasswells, entendendo que as ambiguidades e ambivalências eram elementos constituintes da riqueza da sua obra (Zittoun, 2019ZITTOUN, Philippe. The two Lasswells: implications for critical policy studies, Critical Policy Studies. v. 13, n. 2, p. 211-215, 2019.), inclusive no que concerne suas leituras fragmentadas do pragmatismo, sempre funcionalistas ao momento ou a alguma específica necessidade explicativa (Boullosa, 2019bBOULLOSA, Rosana de Freitas. Mirando ao revés as políticas públicas: os desenvolvimentos de uma abordagem crítica e reflexiva para o estudo das políticas públicas. Publicações da Escola da AGU, Brasília, v. 11, n. 4, p. 89-106, 2019b.; Turnbull, 2008TURNBULL, Nick. Harold Lasswell’s “problem orientation” for the policy sciences. Critical Policy Analysis, v. 2, n. 1, p. 72-91, 2008.). Em segundo lugar, que o campo teria se alimentado de mal-entendidos que foram sendo perpetuados com pouca reação crítica, fixando a pertença do duplo construto com o pragmatismo (Boullosa, 2019aBOULLOSA, Rosana de Freitas. Lasswell and the mirror of time: considering some of the questions raised by Torgerson. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 226-229, 2019a.; Dunn, 2019DUNN, William N. Pragmatism and the origins of the policy sciences: rediscovering Lasswell and the Chicago School. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.; Zittoun, 2014ZITTOUN, Philippe. The political process of policymaking: a pragmatic approach to public policy. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2014.). E, mais ainda, o campo teria herdado e simplificado ainda mais a leitura já simplificada do pragmatismo pelos olhos de Lasswell, o qual, além do mais, também é pouco lido, resultando em uma progressiva entropia simplista.

Investigações em torno dos indícios críticos no duplo construto

A possibilidade de algum enlace entre a criticidade pós-positivista e a obra de Harold Lasswell, particularmente com o duplo construto policy science e policy orientation, no âmbito do campo de estudo em políticas públicas foi pioneiramente levantada por Douglas Torgerson (1985TORGERSON, Douglas. Contextual orientation in policy analysis: the contribution of Harold D. Lasswell. Policy Sciences, v.18, n. 3, p. 241-261, 1985., 1995TORGERSON, Douglas. Policy analysis and public life: the restoration of Phronēsis? In: FARR, J; DRYZEK, J; LEONARD, S. Political science in history: research programs and political traditions. Cambridge: Cambridge University Press, 1995. p. 225-252., 2015TORGERSON, Douglas. Harold D. Lasswell and critical policy studies: the threats and temptations of power. In: FISCHER, F; TORGERSON, D.; DURNOVA, A.; ORSINI, M. Handbook of critical policy studies. Cheltenham: Edward Elgar, 2015. p. 27-46., 2019). Em artigo inaugural de 1985, ele já argumentava que os críticos do duplo construto se concentravam tanto em depreciá-lo com a “epítome do positivismo e da tecnocracia”, que acabavam por dar efetivamente “pouca atenção à posição real da figura responsável”, Lasswell (Torgerson, 1985TORGERSON, Douglas. Contextual orientation in policy analysis: the contribution of Harold D. Lasswell. Policy Sciences, v.18, n. 3, p. 241-261, 1985., p. 241). Na contramão, ele defendia que Lasswell teria conseguido superar algumas das amarras do positivismo - recorrendo a críticas realizadas pelo próprio Lasswell (1948LASSWELL, Harold. The analysis of political behaviour: an empirical approach. London: Routledge and Kegan Paul Ltd., 1948., 1970LASSWELL, Harold. The emerging conception of the policy science. Policy Sciences, v. 1, p. 03-14, 1970., 1971)LASSWELL, Harold. A pre-view of policy sciences. New York: American Elsevier, 1971. em relação aos últimos desenvolvimentos tecnocráticos do campo. Esta superação teria se dado pelo menos em duas direções: na orientação contextual duplo construto (Torgerson, 1985TORGERSON, Douglas. Contextual orientation in policy analysis: the contribution of Harold D. Lasswell. Policy Sciences, v.18, n. 3, p. 241-261, 1985.), em diálogo não explícito com a ideia de contexto de Marx; e no lugar de destaque ocupadas pelas ideias de insight e de criatividade (Torgerson, 1995TORGERSON, Douglas. Contextual orientation in policy analysis: the contribution of Harold D. Lasswell. Policy Sciences, v.18, n. 3, p. 241-261, 1985.), em uma referência um pouco mais clara à psicanálise freudiana. Torgerson recupera, assim, uma trajetória intelectual de Lasswell de proximidade curiosa e atenta com tais leituras, embora ainda pouco difundidas nos Estados Unidos.

Assim, progressivamente, Torgerson passa a defender que o duplo construto lasswelliano de alguma forma anteciparia propostas do então emergente projeto pós-positivista das Ciências Sociais. Ele apontava, pelo menos, três fontes ou elementos de criticidade: (i) a construção tecnicamente controlada do que o duplo construto considerava como conhecimento empírico, o que significaria a assunção de uma dimensão de normatividade; (ii) uma certa dimensão interpretativista presente na ideia mais ampla do que era chamado de processo de políticas públicas, o que significaria a assunção de um objetivismo não puro ou um objetivismo relativista; e (iii) um componente não explicitado, mas evidente, de reflexividade nas descrições dos processos formativos do novo cientista de políticas públicas, onde caberia o insight de inspiração freudiana (Torgerson, 1985TORGERSON, Douglas. Contextual orientation in policy analysis: the contribution of Harold D. Lasswell. Policy Sciences, v.18, n. 3, p. 241-261, 1985., 1995TORGERSON, Douglas. Policy analysis and public life: the restoration of Phronēsis? In: FARR, J; DRYZEK, J; LEONARD, S. Political science in history: research programs and political traditions. Cambridge: Cambridge University Press, 1995. p. 225-252.). Em perspectiva, este conjunto de elementos passa a soar como desestabilizador para o campo, pois, a depender do ponto de vista ou dos elementos que tomássemos, o duplo construto poderia ocupar diferentes posições em uma linha analítica desenhada entre os extremos do positivismo e do pós-positivismo.

Por algumas décadas, poucas autoras e autores olharam com atenção para a leitura radicalmente nova de Torgerson. Dentre estes, De Leon e Martell (2006)DE LEON, Peter; MARTELL, Christine. The policy sciences: past, present, and future. In: PETERS, G; PIERRE, J. Handbook of public policy. London: SAGE, 2006. p. 31-48. e Turnbull (2008)TURNBULL, Nick. Harold Lasswell’s “problem orientation” for the policy sciences. Critical Policy Analysis, v. 2, n. 1, p. 72-91, 2008. concordaram parcialmente, embora ressaltando mais o caráter reformador que inovador em Lasswell; enquanto que Zittoun (2014)ZITTOUN, Philippe. The political process of policymaking: a pragmatic approach to public policy. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2014. foi o primeiro a embarcar com mais afinco em tais ideias. E logo, seguiram-se outras e outros. Mas foi novamente Torgerson (2018)TORGERSON, Douglas. Lasswell in the long glass: a “mirror” for critical policy studies. Critical Policy Studies, v. 13, n. 1, p. 122-130, 2018. a lançar em uma artigo uma interrogação perturbadora sobre em que medida o duplo construto lasswelliano não poderia funcionar como “espelho” para os estudos críticos em políticas públicas, atualmente a principal escola pós-positivista dentro do campo de estudos em políticas públicas. Sua ideia de espelho era uma metáfora para a aprendizagem: já que temos elementos de criticidade em comum, o que podemos aprender do ou com o duplo construto? Com isto, espelhava novas perguntas, que incluíam temas como contexto, conhecimento e democracia em políticas públicas.

O debate ganhou ainda maior profundidade com as respostas de Boullosa (2019a)BOULLOSA, Rosana de Freitas. Lasswell and the mirror of time: considering some of the questions raised by Torgerson. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 226-229, 2019a., Phillipe Zittoun (2019)ZITTOUN, Philippe. The two Lasswells: implications for critical policy studies, Critical Policy Studies. v. 13, n. 2, p. 211-215, 2019., Jennifer Dodge (2019)DODGE, Jennifer. Anticipating the future in a violent field: an extension of Lasswell’s policy sciences. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 216-220, 2019. e Holger Strassheim (2019)STRASSHEIM, H. Lasswell’s legacy revisited: critical perspectives on psychological and behavioral public policy. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 221-225, 2019.. Boullosa (2019a)BOULLOSA, Rosana de Freitas. Lasswell and the mirror of time: considering some of the questions raised by Torgerson. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 226-229, 2019a. submeteu o “espelho” a uma perspectiva temporal, apontando ainda mais para as ambivalências e ambiguidades lasswellianas, como é o caso das inconsistências de sua noção de público, com bifurcações que ainda marcam o campo, em claro privilégio à racionalidade científico-linear, o que viria a marcar os desenvolvimentos do campo. Para Zittoun (2019)ZITTOUN, Philippe. The two Lasswells: implications for critical policy studies, Critical Policy Studies. v. 13, n. 2, p. 211-215, 2019., a coerência de Lasswell não pode ser buscada como fosse um “acadêmico qualquer”, pois ele lidava com pressões, demandas e oportunidades de um sujeito social que seria melhor descrito como um ativista do campo que propunha. Sendo assim, lacunas e incoerências seriam muito mais frutos das diferentes racionalidades que ele teria que mobilizar a depender de seu lócus de ação, da sua campanha, afirmando que a problematização da sua obra só poderia se dar em uma perspectiva temporal em relação ao campo. Com isso, defende que seria mais fácil falar em múltiplos Lasswells do que em múltiplas ideias de um mesmo sujeito.

Dodge (2019)DODGE, Jennifer. Anticipating the future in a violent field: an extension of Lasswell’s policy sciences. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 216-220, 2019. contra-argumentou que, para ser crítica, sua orientação contextual deveria incorporar a opressão como elemento de análise, bem como a noção de contingência às noções de reflexividade e de fantasia criativa propostas por Lasswell. Portanto, mesmo naquele contexto do pós-guerra, Lasswell poderia ter caminhando mais incorporando noções de empoderamento social. Finalmente, para Strassheim (2019)STRASSHEIM, H. Lasswell’s legacy revisited: critical perspectives on psychological and behavioral public policy. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 221-225, 2019., a obra de Lasswell teria pavimentado a estrada epistemológica para caminhos que só foram sendo revelados nos últimos anos, como é o caso dos estudos comportamentais em políticas públicas, o que poderia, de fato, evidenciar novos e até então invisíveis elementos de criticidade. No conjunto, as respostas apontam férteis direções de pesquisa, com potencial para novos desdobramentos dessa importante agenda, pois, de algum modo, tratam da reorganização da própria história do campo de estudos em políticas públicas.

Considerações finais

Não há dúvidas sobre a relevância de Harold Lasswell para a construção do campo de estudos em políticas públicas. Mas há, sim, cada vez mais interrogações sobre sua vasta obra, em particular sobre o duplo construto policy science e policy orientation (Boullosa, 2019aBOULLOSA, Rosana de Freitas. Lasswell and the mirror of time: considering some of the questions raised by Torgerson. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 226-229, 2019a.; Capano, 2020CAPANO, Giliberto. Politics and policy. In: BERG-SCHLOSSER D.; BADIE B.; MORLINO L. (orgs.). The SAGE handbook of political science. Beverly Hills: Sage , 2020. p. 1071-1085.; Dodge, 2019DODGE, Jennifer. Anticipating the future in a violent field: an extension of Lasswell’s policy sciences. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 216-220, 2019.; Dunn, 2019DUNN, William N. Pragmatism and the origins of the policy sciences: rediscovering Lasswell and the Chicago School. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.; Strassheim, 2019STRASSHEIM, H. Lasswell’s legacy revisited: critical perspectives on psychological and behavioral public policy. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 221-225, 2019.; Torgerson, 2018TORGERSON, Douglas. Lasswell in the long glass: a “mirror” for critical policy studies. Critical Policy Studies, v. 13, n. 1, p. 122-130, 2018.; Turnbull, 2008TURNBULL, Nick. Harold Lasswell’s “problem orientation” for the policy sciences. Critical Policy Analysis, v. 2, n. 1, p. 72-91, 2008.; Weible; Cairney; Yordy, 2022WEIBLE, Christopher M; CAIRNEY, Paul; YORDY, Jill. A diamond in the rough: digging up and polishing Harold D. Lasswell’s decision functions. Policy Sciences, v. 55, n. 1, p. 209-222, 2022.; Zittoun, 2014ZITTOUN, Philippe. The political process of policymaking: a pragmatic approach to public policy. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2014.). Argumentei que essas interrogações, quando vistas em conjunto, têm nutrido uma nova agenda de pesquisa, com sentidos cada vez mais ontológicos em relação ao campo de estudos como um todo, e a interpretei utilizando três marcadores: democracia, pragmatismo e criticidade. A partir deles, busquei correlacionar os trabalhos mapeados e de alguma forma contribuir para seus desenvolvimentos.

Nestas notas finais, gostaria de ressaltar que, juntos, estes marcadores apontam com clareza para a centralidade do problema dos valores em políticas públicas. Assim, por se tratar de uma agenda emergente, embora com contornos já se mostrando bem definidos, aproveito para traçar o que vislumbro (e desejo) como seus futuros encaminhamentos e novos amadurecimentos, justamente a partir de tal centralidade. O primeiro deles refere-se a discussão ainda urgente sobre a relação entre política e políticas públicas. Esta suposta separação, sobre a qual parte do campo se construiu, vem sendo profundamente negada pela nova agenda. Os motivos são muitos, mas aqui gostaria de insistir sobre um elemento particularmente fértil: valores não são estáticos e se movem entre atores, instrumentos, argumentos, discursos e outros elementos do policy process. Em outras palavras, eles estão em trânsito contínuo. Investigar suas condições, dinâmicas e realizações pode trazer novos olhares para tal discussão.

Em segundo lugar, a relação entre teoria e método no referido campo também pode se beneficiar desta nova agenda, bem como enriquecê-la. Seus trabalhos apontam com vigor para os problemas decorrentes de tal dissociação, sobretudo quando a primazia do método assume uma falsa neutralidade. Em particular, mostram os erros de compreensão da proposta lasswelliana quando subtraída dos valores que normativamente ele havia imputado ao seu método, ou, como recordava Farr, Hacker e Kazee (2006)FARR, James; HACKER, Jacob; KAZEE, Nicole. The policy scientist of democracy: the discipline of Harold D. Lasswell. American Political Science Review, v. 100, n. 4, p. 579-587, 2006. à sua disciplina. Investigar tal correlação e seus significados, bem como ressaltar seus pressupostos normativos, pode trazer novos ângulos para esta discussão.

Em terceiro lugar, esta nova agenda pode explorar ainda mais a implicação valorativa no fazer pesquisa, em seu desenho e condução por parte de pesquisadoras e pesquisadores. Dito de outra forma, ela carrega consigo a potencial discussão sobre o problema da posicionalidade epistêmica, ressaltando a sua visibilidade, mostrando que, mesmo sem problematizá-la, ela sempre existe. A explicitação da posicionalidade é um recurso de coerência dos argumentos resultantes de nossas pesquisa, bem como uma chamada mais clara para um debate mais profundo e democrático sobre os significados das nossas diferenças também em termos de pesquisa acadêmica.

Entretanto, embora defenda a importância desta nova agenda revisionista em torno do duplo construto lasswelliano para o campo de estudos em políticas públicas, por óbvio, ela tem os seus limites, inclusive em sua capacidade de contribuir para uma revisão mais ontológica do campo. Ela não cobre, por exemplo, desenvolvimentos que, mesmo tendo se construídos a partir de uma crítica à Lasswell, tomaram outras direções, bem como outros desenvolvimentos do campo que se deram a partir de outros autores iniciais igualmente importantes como David Easton, Charles Lindblom, Naomi Caiden e Aron Wildavsky, dentre outros. Para isto seriam necessárias novas pesquisas, as quais certamente se articularia imediatamente ou posteriormente a esta. Mas a sua contribuição, como argumentei, é inegável, ao ponto de, mais uma vez, emergir como uma importante agenda de pesquisa.

Concluo destacando a importância deste debate para o contexto brasileiro, especialmente no âmbito do ensino. As políticas públicas vêm se consolidando como um campo de estudo de suma importância no país, especialmente após a criação de inúmeros cursos de graduação que compõem o chamado Campo de Públicas, abrindo espaço para revisões necessárias e muito produtivas sobre os caminhos analíticos que estamos buscando construir. Os desafios implicados nesta nova agenda têm o potencial de nos auxiliar a expandir os sentidos críticos dessa busca, reforçando as exigências de posicionamento epistêmico e compromisso ético com a nossa construção democrática. Isso transforma essa nova agenda em um convite a uma prática mais reflexiva de pesquisa e ensino em políticas públicas.

Referências

  • ALMOND, Gabriel. Harold Dwight Lasswell. In: NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES. Biographical memoirs: volume 57. Washington, DC: National Academy of Sciences, 1987. p. 247-274.
  • ARARAL, Eduardo; FRITZEN, Scott; HOWLETT, Michael; RAMESH, M.; WU, Xun (orgs.). Routledge handbook of public policy. London: Routledge Taylor e Francis, 2013.
  • BERG-SCHLOSSER, Dirk; BADIE, Bertrand; MORLINO, Leonardo (orgs.). The SAGE handbook of political science. Beverly Hills: Sage, 2020.
  • BOULLOSA, Rosana de Freitas. Lasswell and the mirror of time: considering some of the questions raised by Torgerson. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 226-229, 2019a.
  • BOULLOSA, Rosana de Freitas. Mirando ao revés as políticas públicas: os desenvolvimentos de uma abordagem crítica e reflexiva para o estudo das políticas públicas. Publicações da Escola da AGU, Brasília, v. 11, n. 4, p. 89-106, 2019b.
  • BOULLOSA, Rosana de Freitas. Mirando ao revés as políticas públicas: notas sobre um percurso de pesquisa. Pensamento & Realidade, São Paulo, v. 28, n. 3, p. 67-84, 2013.
  • BOULLOSA, Rosana de Freitas; PERES, Janaína Lopes Pereira; BESSA, Luiz Macedo. Por dentro do campo: uma narração reflexiva dos estudos críticos em políticas públicas. Organizações & Sociedade, Salvador, v. 28, n. 97, p. 306-332, 2021.
  • BULMER, Martin. The Chicago school of sociology: institutionalization, diversity and the rise of sociological research. Chicago: University of Chicago Press, 1984.
  • CAPANO, Giliberto. Politics and policy. In: BERG-SCHLOSSER D.; BADIE B.; MORLINO L. (orgs.). The SAGE handbook of political science. Beverly Hills: Sage , 2020. p. 1071-1085.
  • CEFAÏ, Daniel. L’expérience des publics: institution et réflexivité. EspacesTemps.net, p. 1-17. 2013. [on-line] Disponível em: Disponível em: https://www.espacestemps.net/en/articles/lexperience-des-publics-institution-et-reflexivite/ Acesso em: 11 fev. 2023.
    » https://www.espacestemps.net/en/articles/lexperience-des-publics-institution-et-reflexivite/
  • DE LEON, Peter. Advice and consent: the development of the policy sciences. New York: Russell Sage Foundation, 1988.
  • DE LEON, Peter; MARTELL, Christine. The policy sciences: past, present, and future. In: PETERS, G; PIERRE, J. Handbook of public policy. London: SAGE, 2006. p. 31-48.
  • DEWEY, John. The reflex arc concept in psychology. The Psychological Review, v. 3, n. 4, p. 357-370, 1896.
  • DEWEY, John. The public and its problems. Carbondale: Illinois University Press, 1927.
  • DEWEY, John. Logic: the theory of inquiry. New York: Henry Holt, 1938.
  • DODGE, Jennifer. Anticipating the future in a violent field: an extension of Lasswell’s policy sciences. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 216-220, 2019.
  • DRYZEK, John; TORGERSON, D. Democracy and the policy sciences: a progress report. Policy Sciences, v. 26, n. 3, p. 127-137, 1993.
  • DUNN, William N. Pragmatism and the origins of the policy sciences: rediscovering Lasswell and the Chicago School. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.
  • EASTON, David. Harold Lasswell: policy scientist for a democratic society. Journal of Politics, n. 12, p. 450-477, 1950.
  • EASTON, David. The political system: an inquiry into the state of political science. New York: Alfred A. Knopf, 1953.
  • EULAU, Heinz. H. D. Lasswell’s developmental analysis. Political Research Quarterly, v. 11, p. 229-242, 1958.
  • EULAU, Heinz. The Hoover elite studies revisited. Social Science History, v. 1, n. 3, p. 392-400, 1977.
  • EULAU, Heinz; ZLOMKE, Susan. Harold D. Lasswell’s legacy to mainstream political science: a neglected agenda. Annual Review of Political Science, v. 2, n. 1, p. 75-89, 1999.
  • FARR, James; HACKER, Jacob; KAZEE, Nicole. The policy scientist of democracy: the discipline of Harold D. Lasswell. American Political Science Review, v. 100, n. 4, p. 579-587, 2006.
  • FISCHER, Frank. Politics, values and public policy: the problem of methodology. Boulder, Colo.: Westview Press, 1980.
  • FISCHER, Frank. Democracy and expertise: reorienting policy inquiry. Oxford: Oxford University Press, 2009.
  • FISCHER, Frank; MILLER, Gerald J.; SIDNEY, Mara S. Handbook of public policy analysis: theory, politics and methods. Nova York: CRC Press, 2007.
  • FISCHER, Frank; TORGERSON, Douglas; DURNOVA, Anna; ORSINI, Michael. Introduction to critical policy studies. In: FISCHER, Frank; TORGERSON, Douglas; DURNOVA, Anna; ORSINI, Michael. Handbook of critical policy studies. Cheltenham: Edward Elgar, 2015a. p. 1-24.
  • FISCHER, Frank; TORGERSON, Douglas; DURNOVA, Anna; ORSINI, Michael. Handbook of critical policy studies. Cheltenham: Edward Elgar, 2015b.
  • HORWITZ, R. Scientific propaganda: Harold D. Lasswell. In: STORING, H. J. Essays on the Scientific Study of Politics. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1962. p. 225-304.
  • KAPLAN, Abraham. The conduct of inquiry: methodology for behavioral science. Chandler Publishing Co., 1964.
  • LASCOUMES, Pierre; LE GALÈS, Patrick. Sociologie de l’action publique. Paris: Armand Collin, 2007.
  • LASSWELL, Harold. D. Memorandum: personal policy objectives, on the policy sciences. Policy Sciences, v. 36, n. 1, p. 71-98, 1943.
  • LASSWELL, Harold. The analysis of political behaviour: an empirical approach. London: Routledge and Kegan Paul Ltd., 1948.
  • LASSWELL, Harold. The policy orientation. In: LASSWELL, H.D.; LERNER, D. The policy sciences: recent developments in scope and method. Stanford: Stanford University Press, 1951. p. 3-15.
  • LASSWELL, Harold. The decision process: seven categories of functional analysis. College Park: University of Maryland Press, 1956a.
  • LASSWELL, Harold. The political science of science: an inquiry into the possible reconciliation of mastery and freedom. American Political Science Review. v. 50, n. 4, p. 961-979, 1956b.
  • LASSWELL, Harold. Technique of decision seminars. Midwest Journal of Political Science, v. 4, n. 3, p. 213-236, 1960.
  • LASSWELL, Harold. The future of political science. New York: Atherton Press, 1963.
  • LASSWELL, Harold. The emerging conception of the policy science. Policy Sciences, v. 1, p. 03-14, 1970.
  • LASSWELL, Harold. A pre-view of policy sciences. New York: American Elsevier, 1971.
  • LASSWELL, Harold; KAPLAN, Abraham. Power and society. New Haven: Yale Un. Press, 1950.
  • LASSWELL, Harold; MCDOUGAL, Myres. Legal education and public policy: professional training in the public interest. The Yale Law Journal. v. 52, n. 2, p. 533-561, 1943.
  • LERNER, Daniel; LASSWELL, Harold. The policy sciences: recent developments in scope and method. Stanford: Stanford University Press, 1951.
  • LINDBLOM, Charles E. The science of “muddling through”. Public Administration Review, v. 19, n. 2, p. 79-88, 1959.
  • LIPPMANN, Walter. The phantom public. Harcourt: Brace, 1925.
  • MAJONE, Giandomenico. Evidence, argument and persuasion in the policy process. New Haven, CT: Yale University Press, 1989.
  • MORAN, Michael; REIN, Martin; GOODIN, Robert (orgs.). The Oxford handbook of public policy. Oxford: Oxford University Press, 2006.
  • PETERS, Guy; PIERRE John (orgs.). Handbook of public policy. London: SAGE Publications, 2006.
  • SABATIER, Paul; JENKINS-SMITH Hank. The advocacy coalition framework: an assessment. In: SABATIER, Paul. (eds.). Theories of the policy process. Boulder, CO: Westview Press, 1999. p. 117-166.
  • SABATIER, Paul. The need for better theories. In: SABATIER, P. (ed.). Theories of the policy process. Boulder, CO: Westview Press, 1999. p. 3-17.
  • SABATIER, Paul; WEIBLE, Christopher M. Theory of the policy process. Boulder: Westview Press, 2007.
  • SARETZKI, Thomas. Habermas, critical theory and public policy. In: FISCHER, F; TORGERSON, D.; DURNOVA, A.; ORSINI, M. Handbook of critical policy studies. Cheltenham: Edward Elgar, 2015. p. 67-91.
  • SIMON, Herbert A. Administrative behavior: a study of decision-making processes in administrative organization. New York: Macmillan, 1947.
  • SIMON, Herbert A. Administrative behavior: a study of decision-making processes. Administrative Organization. 3 ed. New York: The Free Press, 1976.
  • STONE, Deborah. Policy paradox and political reason. Glenview: Scott Foresman, 1988.
  • STRASSHEIM, H. Lasswell’s legacy revisited: critical perspectives on psychological and behavioral public policy. Critical Policy Studies, v. 13, n. 2, p. 221-225, 2019.
  • TORGERSON, Douglas. Contextual orientation in policy analysis: the contribution of Harold D. Lasswell. Policy Sciences, v.18, n. 3, p. 241-261, 1985.
  • TORGERSON, Douglas. Origins of the policy orientation: the aesthetic dimension in Lasswell’s political vision. History of Political Thought, v. 11, n. 2, p. 339-351, 1990.
  • TORGERSON, Douglas. Policy analysis and public life: the restoration of Phronēsis? In: FARR, J; DRYZEK, J; LEONARD, S. Political science in history: research programs and political traditions. Cambridge: Cambridge University Press, 1995. p. 225-252.
  • TORGERSON, Douglas. Harold D. Lasswell and critical policy studies: the threats and temptations of power. In: FISCHER, F; TORGERSON, D.; DURNOVA, A.; ORSINI, M. Handbook of critical policy studies. Cheltenham: Edward Elgar, 2015. p. 27-46.
  • TORGERSON, Douglas. Lasswell in the long glass: a “mirror” for critical policy studies. Critical Policy Studies, v. 13, n. 1, p. 122-130, 2018.
  • TORGERSON, Douglas. The policy sciences of Harold Lasswell: contextual orientation and the critical dimension. Cheltenham: Elgar Publishing, 2024.
  • TRIBE, Laurence. Policy Science: analysis or ideology? Philosophy & Public Affairs, v. 1, n. 2, p. 66-110, 1972.
  • TURNBULL, Nick. Harold Lasswell’s “problem orientation” for the policy sciences. Critical Policy Analysis, v. 2, n. 1, p. 72-91, 2008.
  • WEIBLE, Christopher M; CAIRNEY, Paul; YORDY, Jill. A diamond in the rough: digging up and polishing Harold D. Lasswell’s decision functions. Policy Sciences, v. 55, n. 1, p. 209-222, 2022.
  • WOLPERT, John F. Book review: Language of politics. Harold D. Lasswell, Nathan Leites. Ethics, v. 60, n. 1, p. 69-71, 1949.
  • WRIGHT, Quincy. Book review: The policy sciences: recent developments in scope and method by Daniel Lerner, Harold D. Lasswell. American Political Science, v. 46, n. 1, p. 234-238, 1952.
  • ZITTOUN, Philippe. The political process of policymaking: a pragmatic approach to public policy. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2014.
  • ZITTOUN, Philippe. The two Lasswells: implications for critical policy studies, Critical Policy Studies. v. 13, n. 2, p. 211-215, 2019.
  • 3
    De fato, dez anos depois, não havia sequer uma grande universidade nos Estados Unidos que não oferecesse ao menos um curso de formação em análise de políticas públicas (De Leon, 1988DE LEON, Peter. Advice and consent: the development of the policy sciences. New York: Russell Sage Foundation, 1988.).
  • 4
    Alguns dos movimentos de revisão do campo também resultaram em importantes compêndios, como o Handbook of Public Policy Analysis: Theory, Politics, and Methods, organizado por Frank Fischer, Gerald J. Miller e Mara S. Sidney (2007)FISCHER, Frank; MILLER, Gerald J.; SIDNEY, Mara S. Handbook of public policy analysis: theory, politics and methods. Nova York: CRC Press, 2007.; o Handbook of Public Policy, organizado por Guy Peters, e John Pierre (2006)PETERS, Guy; PIERRE John (orgs.). Handbook of public policy. London: SAGE Publications, 2006.; o The Oxford Handbook of Public Policy, organizado por Michael Moran, Martin Rein, Robert E. Goodin (2006)MORAN, Michael; REIN, Martin; GOODIN, Robert (orgs.). The Oxford handbook of public policy. Oxford: Oxford University Press, 2006.; do Routledge Handbook of Public Policy, organizado por Eduardo Araral Jr., Scott Fritzen, Michael Howlett, M. Ramesh e Xun Wu (2013)ARARAL, Eduardo; FRITZEN, Scott; HOWLETT, Michael; RAMESH, M.; WU, Xun (orgs.). Routledge handbook of public policy. London: Routledge Taylor e Francis, 2013.; e o Handbook of Critical Policy Studies, organizado por Frank Fischer, Douglas Torgerson, Anna Durnová e Michael Orsini (2015b)FISCHER, Frank; TORGERSON, Douglas; DURNOVA, Anna; ORSINI, Michael. Handbook of critical policy studies. Cheltenham: Edward Elgar, 2015b.; e o The SAGE Handbook of Political Science, organizado por Dirk Berg-Schlosser, Bertrand Badie e Leonardo Morlino (2020)BERG-SCHLOSSER, Dirk; BADIE, Bertrand; MORLINO, Leonardo (orgs.). The SAGE handbook of political science. Beverly Hills: Sage, 2020..
  • 5
    De acordo com a reformulação mais popular, em Technique of Decision Seminar (Lasswell, 1963LASSWELL, Harold. The future of political science. New York: Atherton Press, 1963.), as fases e seus objetivos eram os seguintes: (1) prescrição (voltada para a formulação de regras gerais de autoridade e conduta); (2) inteligência (produção de informações e interpretações para uso dos policy makers); (3) recomendação (promoção ativa das alternativas de solução de políticas públicas); (4) invocação (aplicação provisória em uma espécie de piloto); (5) aplicação (detalhamento final acerca de prescrições iniciais e definição dos casos em que a solução será aplicada); (6) avaliação (prévia à aplicação, de viabilidade dos resultados pretendidos em relação aos objetivos prescritos); e (7) conclusão (finalização das prescrições e arranjos finais).
  • 6
    A saber: riqueza, poder, respeito, retidão, habilidade, bem-estar, iluminação e afeto (Lasswell, 1956aLASSWELL, Harold. The decision process: seven categories of functional analysis. College Park: University of Maryland Press, 1956a., p. 13). Observação: Lasswell, 1956aLASSWELL, Harold. The decision process: seven categories of functional analysis. College Park: University of Maryland Press, 1956a., modificado em 1971, p. 18.
  • 7
    O fio de reconstrução que será utilizado aqui tem como foco as obras mais emblemáticas e recorrentes nas fundamentações teóricas dos trabalhos que compreendem esta nova agenda, não conseguindo abarcar, portanto, aquelas que apresentaram novas ideias a partir de uma crítica à Lasswell, tais como: Lindblom (1959)LINDBLOM, Charles E. The science of “muddling through”. Public Administration Review, v. 19, n. 2, p. 79-88, 1959., com seu modelo de racionalidade incremental; Sabatier e Jenkins-Smith (1999)SABATIER, Paul; JENKINS-SMITH Hank. The advocacy coalition framework: an assessment. In: SABATIER, Paul. (eds.). Theories of the policy process. Boulder, CO: Westview Press, 1999. p. 117-166. e Sabatier (1999)SABATIER, Paul. The need for better theories. In: SABATIER, P. (ed.). Theories of the policy process. Boulder, CO: Westview Press, 1999. p. 3-17., que justificam seu novos quadros de análise (Advocacy Coalition Framework) a partir de uma crítica à estreiteza lasswelliana na compreensão da complexidade das relações intergovernamentais (Sabatier; Weible, 2007SABATIER, Paul; WEIBLE, Christopher M. Theory of the policy process. Boulder: Westview Press, 2007.); dentre muitos outros.
  • 8
    Sua leitura sobre a obra de Lasswell será fundamental em sua definição de política como um sistema de “alocação autorizada de valores para toda a sociedade” (Easton, 1953EASTON, David. The political system: an inquiry into the state of political science. New York: Alfred A. Knopf, 1953., p. 129), bem como na compreensão de disputa política como uma disputa por valores escassos também presentes na sociedade, também influenciando o campo de estudos em políticas públicas.
  • 9
    Como exemplo inicial, ele argumenta que o esforço do duplo construto em compreender e moldar o comportamento da tomada de decisão, por exemplo, “nada mais era do conectar declarações de valor ou preferência, declarações de fato e declarações de expectativa” (Eulau, 1958EULAU, Heinz. H. D. Lasswell’s developmental analysis. Political Research Quarterly, v. 11, p. 229-242, 1958., p. 230), embora poucos tivessem compreendido tal modelagem.
  • 10
    “Alguns saudaram o cientista de políticas da democracia; outros viram uma figura contraditória, ao mesmo tempo positivista e carregada de valores, elitista e democrática, heróica e implausível” (Farr, Hacker e Kazee, 2006FARR, James; HACKER, Jacob; KAZEE, Nicole. The policy scientist of democracy: the discipline of Harold D. Lasswell. American Political Science Review, v. 100, n. 4, p. 579-587, 2006., p. 579).
  • 11
    Lasswell, 1956aLASSWELL, Harold. The decision process: seven categories of functional analysis. College Park: University of Maryland Press, 1956a., modificado em 1971, p. 18.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2023
  • Aceito
    18 Dez 2023
Universidade de Brasília. Instituto de Ciência Política Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília, Campus Universitário Darcy Ribeiro - Gleba A Asa Norte, 70904-970 Brasília - DF Brasil, Tel.: (55 61) 3107-0777 , Cel.: (55 61) 3107 0780 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbcp@unb.br