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A diferenciação ideológica na política externa partidária eleitoral: PSDB, PT e MDB (1994-2018)

Ideological differentiation in electoral party foreign policy manifestos: PSDB, PT and MDB (1994-2018)

Resumo

O artigo tem como objetivo explorar as posições políticas, partidárias e ideológicas que PSDB, PT e MDB atribuíram à proposta de política externa em seus programas eleitorais entre 1994 e 2018. A hipótese é que, contrariando a literatura, a política externa é utilizada como meio de diferenciação ideológica na campanha eleitoral. Para analisar os programas partidários foi adaptado o método elaborado pelo Manifesto Research Group, que possibilita a codificação de unidades textuais em valores numéricos numa escala ideológica esquerda-direita. Os resultados indicam que a política externa eleitoral do PSDB é inclinada à centro-direita, a do PT é consolidada à esquerda e a do MDB se comporta como o esperado de uma política pública de um partido centrista. Portanto, as conclusões apontam que, de fato, a política externa, como as demais políticas públicas, sofre diferenciação eleitoral através de posicionamentos políticos e ideológicos vinculados ao partido de origem.

Palavras-chave:
Partidos; Política Externa; Programas Eleitorais; Posições Ideológicas

Abstract

The article aims to explore the political, partisan and ideological positions that PSDB, PT and MDB have attributed to their foreign policy propositions in their electoral manifestos between 1994 and 2018. The hypothesis is that, contrary to the literature, foreign policy is used as means of ideological differentiation in electoral campaigns. In order to analyze the party programs, the Manifesto Research Group method, which allows the codification of textual units in numerical values on a left-right ideological scale, was adapted. The results indicate that, despite few ideological variations, the PSDB’s electoral foreign policy is center-right inclined, the PT’s is consolidated on the left and the MDB’s behaves as one would expect for a public policy from a centrist party. Therefore, the conclusions indicate that, like other public policies, foreign policy indeed undergoes electoral differentiation as a result of the political and ideological positions tied to their home party.

Keywords:
Parties; Foreign Policy; Electoral Manifestos; Ideological Positions

Introdução

No ciclo eleitoral presidencial de 2018 pôde-se testemunhar que a política externa fez parte da disputa presidencial. A promessa de uma virada na política externa brasileira com abandono de estratégias de composição com países do Sul, vistas como bolivarianismo, e alinhamento com a política norte-americana fizeram parte da campanha eleitoral vencedora de Jair Bolsonaro (PSL). Esse tema, no entanto, nem sempre foi considerado uma área relevante na interlocução dos partidos políticos brasileiros com seus eleitores em campanhas presidenciais.

A política externa, como outras políticas públicas, pode ser relacionada a ideologias e posições partidárias através da diferenciação de políticas. Downs (1999DOWNS, Anthony. Uma teoria econômica da democracia. Tradução de Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999.) explica a necessidade da adesão de partidos políticos a ideologias, mesmo que os fins dos partidos sejam apenas ganhar eleições. Posições ideológicas e consistência temporal fornecem aos eleitores atalhos informacionais que permitem a eles tanto diminuir incertezas sobre posições futuras de um partido, quanto diminuir custos informacionais presentes sobre temas que têm pouco conhecimento. Esses atalhos informacionais permitem ao eleitor calcular o diferencial da utilidade que esperam receber caso cada partido se torne governo e tomar a decisão sobre quem apoiar. O campo da política externa pode servir ao processo eleitoral de diferenciação ideológica e construção de políticas e assim ocorre na maior parte dos países. No Brasil, a existência de um órgão antigo, tradicional e hierárquico como o Itamaraty parecia tornar a política externa insulada, um tema apartado da disputa político-eleitoral. Como será mostrado, isso não exime a política externa de ser discutida nas campanhas eleitorais brasileiras. Por ser um órgão do executivo, o Ministério das Relações Exteriores está sujeito ao recrutamento e influência ideológica que cabe ao partido vencedor das eleições.

Ao poder executivo compete a maior responsabilidade da formulação e execução da política externa, desde as relações diplomáticas rotineiras com outros Estados até a realização de tratados e acordos internacionais. Isto é, no Brasil a política externa é inteiramente responsabilidade do presidente da república, que direciona suas orientações ao Ministério das Relações Exteriores para executá-las. Ao poder legislativo compete uma função de oversight sobre as ações do poder executivo e a ratificação de tratados. Dessa maneira, é de se esperar que os partidos brasileiros que revelem alguma preocupação e atenção à política externa sejam principalmente os que ocupam a presidência da república ou possuem chances reais de ocupá-la.

Apesar disso, o consenso indicado pela literatura até então é a de que a política externa não é peça relevante nas competições eleitorais presidenciais no Brasil. Onuki e Oliveira (2006)ONUKI, Janina; OLIVEIRA, Amâncio Jorge de. Eleições, política externa e integração regional. Revista de Sociologia Política, v. 27, p.145-155, 2005. argumentam que a política externa não assume caráter central nas eleições brasileiras, pois ela não constitui um fator determinante direto do voto do eleitor. Os autores explicam que isso acontece porque a política externa não é um tema politizado na sociedade brasileira (ONUKI; OLIVEIRA, 2006ONUKI, Janina; OLIVEIRA, Amâncio Jorge de. Eleições, política externa e integração regional. Revista de Sociologia Política, v. 27, p.145-155, 2005.). Essa posição tem sido revista. Os mesmos autores apontam que nos governos brasileiros das últimas duas décadas também há crescente polarização política na área das relações internacionais, na medida em que ocorre a “consolidação dos impactos distributivos gerados pelas decisões do Executivo na área externa e o fato de a política externa ser um campo afeito à demarcação de posições políticas, sem que isso implique os mesmos custos de outras políticas domésticas” (OLIVEIRA; ONUKI, 2010OLIVEIRA, Amâncio Jorge de; ONUKI, Janina. Eleições, partidos políticos e política externa no Brasil. Revista Política Hoje, v. 19, n. 1, p.144-185, 2010.).

Este artigo argumenta que a política externa está presente no debate eleitoral presidencial no Brasil. Isto é, a política exterior também funciona como um instrumento de diferenciação eleitoral, partidária e ideológica. Apesar da importância do ponto de vista do eleitor, o artigo se debruça sobre a perspectiva dos partidos, considerando-se que partidos e eleitorado funcionam num sistema de responsividade onde o primeiro depende da aprovação do segundo para cumprir suas funções. O objetivo, dessa forma, é mostrar que os partidos brasileiros utilizam posicionamentos nesse campo político como forma clara de diferenciação ideológica no processo eleitoral.

Por isso, investiga-se as diferenças de posicionamentos partidários sobre a política externa dos três últimos partidos que ocuparam a presidência da república até 2018: o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). O marco temporal escolhido para início do recorte são as eleições presidenciais de 1994, pois além de inaugurar a polarização eleitoral PT-PSDB - predominante no cenário eleitoral brasileiro por mais de duas décadas - foram concomitantes com o processo de negociação e assinatura do Protocolo de Ouro Preto que institucionalizou o Mercado Comum do Sul (Mercosul) - principal eixo da inserção internacional praticada pela política externa brasileira. O recorte da pesquisa se estende até o fim do governo emedebista em dezembro de 2018. A intenção é verificar a existência de uma relação ideológica de política externa entre os posicionamentos partidários de forma quantitativa - tanto durante o período em que ocuparam a presidência da república como os períodos em que foram oposição. Para isso, são analisadas as linhas diretivas e proposições institucionais, com suas variações ou constâncias, apresentadas nos programas de governo propostos pelos três partidos (PSDB, PT e MDB) durante os processos eleitorais em relação à condução da política externa do país.

Assim, este artigo é composto por três seções além desta introdução. Na próxima seção, discute-se a escolha por uma adaptação do método elaborado pelo Manifesto Research Group. Esse método permite a avaliação e codificação de programas partidários em valores numa escala política esquerda-direita, viabilizando a observação de variações de posicionamento político em relação à política externa dos partidos estudados. Na seção seguinte, são apresentados os resultados da análise dos programas partidários de política externa dos três partidos. A última seção do artigo é dedicada às considerações finais sobre os resultados e as principais contribuições da pesquisa.

Método de mensuração dos programas partidários

O método proposto para realizar a análise de conteúdo parte do pressuposto de que para compreender o posicionamento em política externa dos principais partidos do Brasil é preciso conhecer as suas preferências políticas expressas. Para isso, é necessário, mensurar os posicionamentos partidários com a finalidade de estabelecer um parâmetro de comparação, tanto interpartidário quanto intrapartidário, nos oito períodos eleitorais presidenciais e trocas de governos do recorte temporal (1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014, 20163 3 O ano de 2016 não corresponde às eleições presidenciais brasileiras, porém caracterizou a troca de governo pelo processo de impedimento e remoção da presidente Dilma Rousseff (PT) e a posse de Michel Temer (MDB). e 2018).

Comparar o posicionamento de atores políticos em eixos como ideologia ou governismo é uma tarefa metodologicamente complexa. Vários métodos vêm sendo utilizados para identificar posições ideológicas de parlamentares ou partidos. Poole e Rosenthal (1997POOLE, Keith T.; ROSENTHAL, Howard. Congress: a political-economic history of roll call voting. Oxford: Oxford University Press, 1997.) consolidaram a análise de votações no parlamento como forma de mensurar posições ideais de atores envolvidos nos processos decisórios. Além deles, outros pesquisadores utilizam pesquisas de opinião pública (surveys), dados de doações para campanhas e financiamento eleitoral (BONICA, 2013BONICA, Adam. Mapping the ideological marketplace. American Journal of Political Science, v. 58, n. 2, p.367-386, 2013.) ou usam redes sociais, como o Twitter (SOUZA; GRAÇA; SILVA, 2017SOUZA, Rafael Martins de; GRAÇA, Luís Felipe Guedes da; SILVA, Ralph dos Santos. Politics on the web: using twitter to estimate the ideological positions of Brazilian representatives. Brazilian Political Science Review, v. 11, n. 3, p.1-26, 2017.) para estimar as posições ideológicas de legisladores. Power e Zucco (2011POWER, Timothy; ZUCCO, Cesar. Brazilian Legislatives Surveys [online]. 2011. Disponível em: Disponível em: https://dataverse.harvard.edu/dataset.xhtml?persistentId=hdl:1902.1/14970 . Acesso em: 17 out. 2018.
https://dataverse.harvard.edu/dataset.xh...
) desenvolveram um método para mensurar posições ideológicas de partidos políticos através de pesquisa de opinião parlamentar. Os autores calculam um índice que indica a distância ideológica no espectro político entre partidos baseado na percepção de deputados entrevistados. Todos são métodos robustos que agregam abrangentes visões sobre políticas. Porém, nenhum traz a possibilidade da observação de dados desagregados com foco na política externa, como é o objetivo do trabalho.

Observar os documentos produzidos pelos partidos para as campanhas eleitorais permite buscar responder melhor as questões levantadas. O estudo de manifestos políticos, como são denominados na Europa, ou de programas eleitorais ou planos de governo, como são mais conhecidos no Brasil, agrega o posicionamento de partidos políticos. Além de serem os agentes da representação nas democracias modernas, os partidos são responsáveis pela transposição das preferências populares em políticas públicas. Ao apresentar suas escolhas e propostas numa eleição e sendo aprovadas pelo voto popular, eles as carregam para a definição de suas agendas e as incorporam nos processos de tomada de decisão (VOLKENS et al., 2013, p. 280VOLKENS, Andrea et al. Mapping policy preferences from texts: statistical solutions for manifesto analysts. Oxford: Oxford University Press , 2013.).

Os programas partidários eleitorais abordam uma ampla gama de tópicos que refletem a agenda prioritária de um governo para um período específico. Também, na maioria dos casos, o programa eleitoral é ratificado por uma convenção partidária, legitimando-o como programa partidário e direção a ser seguida em conjunto. Por fim, os programas partidários eleitorais são emitidos a cada ciclo eleitoral, permitindo a observação de mudanças em posições partidárias através do tempo. Por isso, mesmo que os programas partidários não sejam profusamente lidos e estudados pelos eleitores na consideração de seu voto, estão presentes e suas propostas elegem prioridades políticas e de alocação de recursos, servindo como condutoras das campanhas eleitorais pelos candidatos e pela mídia (VOLKENS et al., 2013VOLKENS, Andrea et al. Mapping policy preferences from texts: statistical solutions for manifesto analysts. Oxford: Oxford University Press , 2013., p. 53-4).

A abordagem escolhida para a realização desta pesquisa, é a de que os partidos competem enfatizando temas diferentes. Cada partido seleciona algumas questões de uma agenda, em geral pontos em que o partido tem melhor desempenho e maior credibilidade, para concentrar sua atenção nas campanhas, formular propostas e priorizar políticas. A diferenciação partidária ocorre através da proeminência atribuída a cada questão de política externa inserida naquilo que cada partido oferece ao eleitorado como o conjunto de suas preferências políticas.

Para mensurar quantitativamente os posicionamentos dos partidos brasileiros através de seus programas eleitorais, foi utilizado o método elaborado pelo Manifesto Research Group, projeto iniciado em 1979 e vinculado ao European Consortium for Political Research. Essa metodologia já foi aplicada aos manifestos partidários de mais de 50 países e produziu um grande banco de dados mantido pelo Comparative Manifesto Project (CMP). O método consiste na análise de conteúdo dos programas partidários, na quantificação proporcional de cada categoria designada, no cálculo individual das posições observadas e, posteriormente, na comparação dos resultados. Assim, os indicadores construídos pelo método se mostram sensíveis à posição defendida pelo partido e a pessoa candidata presidencial.

Ao relacionar partidos sob uma métrica comum de codificação de seus programas e agrupá-los numa escala esquerda-direita criada com categorias ideológicas, permite-se criar e testar teorias gerais sobre o comportamento partidário. Assim é possível comparar os posicionamentos partidários em períodos diferentes.

Outras fontes poderiam ser utilizadas para estimar a posição ideológica da política exterior dos três partidos, como a opinião pública, percepção de especialistas ou através da classificação de políticas implementadas pelos partidos no governo. A escolha por programas partidários é reforçada por Bräuninger (2005BRÄUNINGER, Thomas. A partisan model of government expenditure. Public Choice, v. 125, n. 3-4, p. 409-429, 2005.) que analisou os níveis de despesa pública em relação à alternância partidária no governo de 19 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 1971 a 1999 sob o prisma de diferentes variáveis. Ao final, constatou que não é a ideologia pela qual o partido se apresenta ou outras variáveis contingenciais que possuem um efeito significativo nos gastos públicos empreendidos, mas sim as preferências programáticas do governo declaradas em seus programas eleitorais. Este e outros argumentos já trazidos encorajaram o uso das posições políticas partidárias em questões específicas através da mensuração codificada dos programas partidários (VOLKENS et al., 2013VOLKENS, Andrea et al. Mapping policy preferences from texts: statistical solutions for manifesto analysts. Oxford: Oxford University Press , 2013., p. 12-30).

A adaptação do método neste trabalho consiste em fazê-lo funcionar apenas para uma área de interesse (política externa) e na escolha de variáveis categóricas que possuem o papel de definir a posição de um partido na escala esquerda-direita dentro da realidade brasileira. A partir daí, contabiliza-se a proporção de ideias e propostas contidas no texto programático dedicado a cada categoria e a cada polo ideológico, numa escala de -100 a +100, em que um texto que hipoteticamente fosse inteiramente dedicado a categorias de esquerda equivaleria a -100 e um texto somente contendo categorias de direita teria um valor de +100. Finalmente, subtrai-se o valor encontrado de categorias de esquerda do valor encontrado de categorias de direita para posicionar o partido na escala esquerda-direita (VOLKENS et al., 2013VOLKENS, Andrea et al. Mapping policy preferences from texts: statistical solutions for manifesto analysts. Oxford: Oxford University Press , 2013., p. 34-35). Para estabelecer uma referência ideológica aos números encontrados, define-se que um programa de política externa que tenha obtido um valor entre -100 e -50 se refere à esquerda; um programa com valor entre -50 e 0, à centro-esquerda; entre 0 e +50, à centro-direita; e entre +50 e +100, à direita. O Projeto Manifesto considera que para suavizar qualquer distorção específica de determinadas eleições é recomendável estudar pelo menos três eleições de um partido para resultar uma análise mais justa. (VOLKENS et al., 2013VOLKENS, Andrea et al. Mapping policy preferences from texts: statistical solutions for manifesto analysts. Oxford: Oxford University Press , 2013., p. 34-5). Neste trabalho são analisados sete ciclos eleitorais presidenciais.

A proposta permite que haja a possibilidade de que nem sempre os programas eleitorais sejam ideologicamente compatíveis com a autodenominação dos próprios partidos políticos. É habitual no cotidiano democrático que partidos adotem políticas divergentes de suas ideologias originais num processo decorrente de fatores exógenos ou endógenos, como contexto econômico ou troca de poder interpartidária. Porém, as incoerências ideológicas são características de períodos pontuais e tendem a ser redirecionadas no próximo ciclo eleitoral (KLINGEMANN et al., 2006KLINGEMANN, Hans-Dieter et al. Mapping policy preferences II: estimates for parties, electors, and governments in Eastern Europe, Europe Union, and OECD 1990-2003. New York: Oxford University Press Inc, 2006., p. 109). São justamente esses movimentos ideológicos através do tempo e em situações diferentes do pêndulo situação-oposição que se busca observar nos programas dos partidos em questão.

Conforme Tarouco (2011TAROUCO, Gabriela da Silva. Brazilian parties according to their manifestos: political identity and programmatic emphases. Brazilian Political Science Review, v. 5, n. 1, p.54-76, 2011.), a análise de conteúdo funciona como um método de tratamento quantitativo a dados qualitativos. Isso porque o método consiste em classificar uma grande quantidade de unidades textuais - decompostas do texto original - em categorias, consoantes seus significados, para produzir inferências válidas do texto através de sua quantificação (TAROUCO, 2011TAROUCO, Gabriela da Silva. Brazilian parties according to their manifestos: political identity and programmatic emphases. Brazilian Political Science Review, v. 5, n. 1, p.54-76, 2011., p. 58). Uma unidade textual, para o método aplicado, é um conjunto de palavras que contém apenas uma ideia política. Muitas vezes um período textual ou um argumento político pode conter mais de uma ideia política. Nestes casos, o período ou argumento é dividido em mais de uma unidade textual que deve encerrar somente uma ideia ou proposta política (KLINGEMANN et al., 2006KLINGEMANN, Hans-Dieter et al. Mapping policy preferences II: estimates for parties, electors, and governments in Eastern Europe, Europe Union, and OECD 1990-2003. New York: Oxford University Press Inc, 2006., p. 166).

Um dos pontos fortes do método elaborado pelo Projeto Manifesto é justamente a sua flexibilidade para adequar-se a diferentes países com realidades próprias. As categorias de classificação das unidades textuais podem ser combinadas e recombinadas, criadas e excluídas, de acordo com a relevância no país e nos períodos analisados (VOLKENS et al., 2013VOLKENS, Andrea et al. Mapping policy preferences from texts: statistical solutions for manifesto analysts. Oxford: Oxford University Press , 2013., p. 54). Essa plasticidade do método é empregada neste trabalho ao adaptar tanto o espectro particular da política exterior vis-à-vis a amplitude geral dos programas partidários, quanto as categorias de política exterior a serem consideradas no âmbito brasileiro e sul-americano.

A escala esquerda-direita no método original padrão é medida com base em 56 categorias de políticas combinadas em variados domínios de ação e partilhadas aproximadamente pela metade em categorias mutuamente exclusivas de esquerda e direita (KLINGEMANN et al., 2006KLINGEMANN, Hans-Dieter et al. Mapping policy preferences II: estimates for parties, electors, and governments in Eastern Europe, Europe Union, and OECD 1990-2003. New York: Oxford University Press Inc, 2006., p. 89, 154-63, 168-9). Essa característica faz com que as mesmas categorias possam ser encontradas em partidos de espectros diferentes. Neste trabalho, em específico, pretende-se estudar apenas o domínio das relações exteriores dos programas eleitorais de PSDB, PT e MDB. Para isso, é primordial adequar as categorias de codificação. Dessa maneira, elegeu-se como categorias relevantes para a definição da política exterior e discriminação entre as políticas partidárias, a partir dos próprios programas partidários, os posicionamentos rotulados a seguir, sob o ponto de vista de quatro esferas pivô, decompostas em 10 pontos, das relações exteriores brasileiras e mundiais nas últimas décadas (Inserção Internacional, Inserção Regional, Economia e Belicismo):

1) Relação com os Estados Unidos

Sempre há menções específicas às relações especiais com alguns países que assinalam o perfil de política externa em voga no país estudado. No caso do Brasil, os Estados Unidos historicamente ocupam este espaço qualificado em razão de sua importância na formação socioideológica da política brasileira (AMORIM NETO, 2011AMORIM NETO, Octavio. De Dutra a Lula: a condução e os determinantes da política externa brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011., p. 6-7, 48, 144-5). A política externa brasileira, como examinada por Hirst (2009HIRST, Monica. Brasil-Estados Unidos: desencontros e afinidades. Rio de Janeiro: FVC Editora, 2009.), é interpretada por paradigmas de alinhamento e autonomia, em relação à aproximação ou ao distanciamento entre Brasília e Washington. Portanto, a presença de uma relação especial positiva ou negativa com os Estados Unidos está vinculada a relações de alinhamento ideológico ou autonomia da política externa, isto é, quando a relação é positiva traduz-se em uma política de direita e quando é negativa, de esquerda.

2) Relação com os países desenvolvidos

Também conhecidos como parceiros tradicionais do comércio brasileiro. Os principais são União Europeia, Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA) e Japão. Somente uma relação de proximidade com estes países não caracteriza a política externa como direita, afinal o Brasil deve comercializar com todos os países sem discriminação, como trazem os princípios das relações exteriores brasileiras. No entanto, explicitar uma relação de preferência a comercializar com esses países em detrimento de países em desenvolvimento caracteriza um elemento da direita e o contrário, da esquerda.

3) Relação com os países em desenvolvimento

O estreitamento ou afrouxamento dos vínculos com países semelhantes ao nível de desenvolvimento brasileiro ou inferior também sempre qualificou as posições tomadas pela política exterior do país em diversas questões. Esse tipo de relacionamento é conhecido como Cooperação Sul-Sul e permite a abertura de intercâmbio entre países em desenvolvimento nas mais diversas esferas. Explicitar preferência às relações com países da África e Oriente Médio são características de uma política exterior de esquerda e o contrário da direita. A presença de posições favoráveis às relações com países em desenvolvimento também está relacionada ao paradigma de autonomia (HIRST, 2009HIRST, Monica. Brasil-Estados Unidos: desencontros e afinidades. Rio de Janeiro: FVC Editora, 2009.).

4) Relação com a América do Sul

Desde os anos 1980, o Brasil aproxima-se diplomaticamente de seus vizinhos por variados fatores e objetivos. Ante à perspectiva da política externa, essa relação está principalmente delineada por uma estratégia da esquerda de aumentar a influência político-econômica do Brasil vis-à-vis a dos Estados Unidos em sua região e o certificar como líder regional perante o cenário internacional (MALAMUD, 2011MALAMUD, Andrés. A leader without followers?: the growing divergence between the regional and global performance of Brazilian foreign policy. Latin American Politics and Society, v. 3, n. 53, p.1-24, 2011., p. 4-7) (OLIVEIRA; ONUKI, 2000OLIVEIRA, Amâncio Jorge de; ONUKI, Janina. Brasil, Mercosul e a segurança regional. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 43, n. 2, p.108-129, 2000., p. 113-5). A presença de uma relação especial positiva com os demais países da América do Sul estaria vinculada a essa estratégia da esquerda e o contrário, da direita.

5) Preferência ao multilateralismo

As relações internacionais entre Estados podem se dar bilateralmente (entre dois Estados) ou multilateralmente (entre mais de dois Estados, geralmente através de organizações internacionais, regionais ou foros multilaterais). As negociações comerciais multilaterais privilegiam a integração regional, enquanto negociações bilaterais privilegiam interesses nacionais específicos. A disposição da política externa brasileira de participar do sistema multilateral de comércio e na distribuição de poder dos organismos internacionais financeiros nos últimos anos (característica da esquerda) minimizou a relevância e o prestígio do bilateralismo (resgatado pela direita recentemente) (CERVO; BUENO, 2002CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do brasil. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002., p. 477-8).

6) Integração sul-americana

Definida pela intenção de executar e aprofundar a integração econômica e política dos países da América do Sul, particularmente do Cone Sul, mas também de todo o subcontinente, através de instituições e organizações internacionais ou aperfeiçoamento de órgãos existentes com finalidade de integrar mercados e sociedades, e, por este aspecto de integração societal futura, é considerado uma característica demarcada pelo campo da esquerda e o contrário, da direita.

7) Militarização das fronteiras

A necessidade de manter ou aumentar a presença das Forças Armadas nas fronteiras secas brasileiras, especialmente na região amazônica, e a utilização do aparato militar para se defender de ameaças originárias de países vizinhos é uma característica majoritariamente da direita. A esquerda, geralmente, realiza menções favoráveis à concertação militar com todos os países sul-americanos, através do Conselho de Defesa da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), o qual incentivou o Brasil a atualizar durante os governos petistas a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional.

8) Participação no Sistema Internacional

A necessidade de cooperação internacional para o planejamento e a negociação da alocação de recursos globais (financeiros, econômicos, naturais, tecnológicos, laborais, humanitários), mas principalmente a adesão às normas e à divisão do poder prevalente do Sistema Internacional é uma característica da direita. Enquanto a esquerda faz menções favoráveis à autonomia regional. É também uma constante na esquerda a busca por atenuar assimetrias de poder nos organismos internacionais por meio de reformas nas normas e instituições internacionais.

9) Mercosul como união aduaneira

O processo de integração regional é definido por estágios. No primeiro, área de livre-comércio, extingue-se tarifas e quotas de preferência na importação ou exportação de produtos entre os países. No segundo, união aduaneira, atribui-se uma tarifa externa comum (TEC) entre os países e outras medidas para conformar uma política comercial externa comum. O Mercosul atualmente é uma união aduaneira, mas alguns partidos de direita da região desejam reverter esse status com o objetivo de realizar políticas comerciais independentes, enquanto a esquerda deseja manter a união aduaneira.

10) Mercosul social

Menções favoráveis a expandir a agenda e as ações do Mercosul, naturalmente comerciais e econômicas, para atuações político-sociais. Estas compreendem a integração política, por meio de democratização da política externa e das decisões mercosulinas, e a realização de políticas sociais em todos os países do bloco através de, por exemplo, mecanismos de compensação para os Estados mais pobres - uma esfera priorizada pela esquerda, enquanto a direita geralmente não faz menções a essa esfera.

As categorias estabelecidas acima como base de análise das relações exteriores propostas por cada partido estão elencadas no Quadro 1:

Quadro 1.
Codificação das Categorias de Análise

A política externa partidária pelos programas eleitorais

Esta seção traz a análise das propostas relacionadas à política externa nos programas partidários de PSDB, PT e MDB lançados nas competições eleitorais para a presidência da república do Brasil. Ciclo a ciclo, são examinados os programas eleitorais para apurar se os partidos utilizaram a política externa como meio de diferenciação partidária ao tentar conquistar votos e para encontrar padrões ideológicos partidários que permitam previsibilidade no posicionamento eleitoral dos três partidos. A Tabela 1 resume os resultados dos 17 programas de governo analisados, os quais são mais detalhados nas próximas subseções:

Tabela 1.
Mensuração dos Programas Partidários na Escala Esquerda-Direita (1994-2018)

A política externa nos programas do PSDB (1994-2018)

A Figura 1 apresenta os dados dos totais de políticas de direita e de esquerda de cada campanha do PSDB entre 1994 e 2018.

Figura 1.
Políticas de Direita e Esquerda do PSDB por ciclo eleitoral

Na primeira campanha de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, o PSDB adotou tom mais à direita em sua proposta de política externa. O partido se posicionou firmemente a favor da abertura comercial e inserção do país na nova ordem internacional que se formava. Além disso, o PSDB defendia lutar contra o protecionismo e adequar a legislação nacional às normas do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) - acordo predecessor da OMC - aumentar a participação do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), priorizar o comércio com a União Europeia e o NAFTA e negociar um acordo de livre-comércio em todo o continente americano. Medidas essas, que contribuíram para o programa de política externa ter um valor final à direita na escala. Algumas medidas de esquerda que contrabalancearam o plano foram a defesa do multilateralismo e o grande incentivo à integração sul-americana, acompanhado à adesão da TEC e de políticas comerciais comuns no Mercosul (CARDOSO, 1994CARDOSO, Fernando Henrique. Mãos à obra Brasil: proposta de governo. Brasília: S. Ed., 1994, p. 77-89).

Já o segundo programa partidário de Fernando Henrique Cardoso, após ter cumprido seu primeiro mandato presidencial, é responsável pelo maior salto valorativo entre programas do PSDB com um claro movimento à esquerda. A principal razão para tal reposicionamento da política externa de Cardoso está relacionada ao atraso das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e a postura adotada pelos Estados Unidos nessa matéria, contrária aos interesses do Mercosul. Esse é o principal destaque no programa peessedebista de 1998: a busca por relações hemisféricas equilibradas, defender firmemente a posição brasileira nesse assunto, consolidar institucionalmente o Mercosul e a união aduaneira no bloco, além de estreitar laços com países em desenvolvimento e abrir espaços para estes em arenas de negociação internacionais. Posições que garantiram esse ser o único projeto de política externa do PSDB enquadrado no lado esquerdo da escala política (CARDOSO, 1998CARDOSO, Fernando Henrique. Avança, Brasil: proposta de governo. Brasília: S. Ed. , 1998, p. 17-52).

Na campanha de 2002, com a candidatura de José Serra, o PSDB caminha em direção ao centro. Um dos motivos para o deslocamento é a coligação com o MDB, partido de centro no sistema partidário brasileiro. A proposta era continuar com postura cautelosa nas negociações da ALCA, combater o unilateralismo norte-americano nos centros de decisão e reivindicar reformas democratizantes nos órgãos internacionais por maior participação de países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, defendia flexibilizar a união aduaneira do Mercosul para um retorno à zona de livre-comércio, possibilitando a formulação de acordos comerciais bilaterais com terceiros, privilegiar a Organização dos Estados Americanos (OEA) como principal foro multilateral regional e, com isso, convergir às posturas estadunidenses em relação ao continente, incluindo a necessidade de destacar as Forças Armadas para defender a fronteira colombiana, dentro da nova política americana de Guerra às Drogas (COLIGAÇÃO GRANDE ALIANÇA, 2002COLIGAÇÃO GRANDE ALIANÇA. Trabalho e progresso para todos: programa do governo José Serra. Brasília: S. Ed. , 2002., p. 11-72).

No ciclo eleitoral seguinte, em 2006, o PSDB caminha levemente à direita, com a candidatura de Geraldo Alckmin. As propostas apresentadas pelo candidato podem ser consideradas de centro-direita ao aliar propostas de alinhamento aos países desenvolvidos sem deixar os países em desenvolvimento de lado. Alckmin impulsiona a integração física de infraestrutura, energia e transportes mercosulina e propõe ampliar o comércio Sul-Sul praticado pelo primeiro governo de Lula. Porém, também é favorável a refletir sobre a união aduaneira no Mercosul em prol das negociações bilaterais com países da região e de outras regiões, intensificar relações com economias do centro dinâmico global, dar prioridade à adesão do Brasil na OCDE em vez de reivindicar uma reforma no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e cooperar militarmente com as Forças Armadas de nações amigas para combater ameaças vindas de nossos vizinhos nas fronteiras amazônicas. Por fim, Alckmin e o PSDB propõem retomar as negociações da ALCA com os Estados Unidos, após o governo Lula dá-las por encerradas em 2005 (COLIGAÇÃO POR UM BRASIL DECENTE, 2006COLIGAÇÃO POR UM BRASIL DECENTE. Programa de governo: Geraldo Alckmin. Brasília: S. Ed. , 2006., p. 141-53).

Na segunda candidatura de José Serra em 2010, o peessedebista continua a tendência do partido em caminhar à direita de forma mais acelerada. Serra abandona o neodesenvolvimentismo já posto em prática por Lula e propõe que a política externa “retorne ao seu leito normal sem buscar protagonismos no sistema internacional” (COLIGAÇÃO O BRASIL PODE MAIS, 2010COLIGAÇÃO O BRASIL PODE MAIS. Programa de governo José Serra: uma agenda para o desenvolvimento sustentável do Brasil. Brasília: S. Ed., 2010, p. 164). Mesmo dando prioridade à integração de infraestrutura e energia no Mercosul, a candidatura advoga por um Mercosul de livre-comércio apenas, que permita negociações bilaterais. Serra considera sensato também trabalhar pelas reformas em organismos internacionais, principalmente o Conselho de Segurança da ONU, sem, contudo, reivindicar um assento permanente para o Brasil (COLIGAÇÃO O BRASIL PODE MAIS, 2010COLIGAÇÃO O BRASIL PODE MAIS. Programa de governo José Serra: uma agenda para o desenvolvimento sustentável do Brasil. Brasília: S. Ed., 2010, p. 164-9).

A campanha eleitoral de Aécio Neves em 2014 segue a tendência do partido de caminhar mais à direita. Com poucas propostas consideradas de esquerda, o programa tende a consolidar o PSDB como polo de propostas de direita na política externa. Em 2014, o PSDB volta a propor a integração total do Brasil às cadeias globais de valor e à competição internacional, reexaminar o Mercosul como união aduaneira e privilegiar o livre-comércio para realizar acordos comerciais bilaterais, com atenção especial à Europa e aos Estados Unidos. Além disso, propõe revisar a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional promulgados pelos governos Lula e Dilma do PT, afastando a cooperação militar com países vizinhos sul-americanos e aproximando-a das “nações amigas” (COLIGAÇÃO MUDA BRASIL, 2014COLIGAÇÃO MUDA BRASIL. Plano de governo: Aécio Neves - PSDB. Brasília: S. Ed., 2014. , p. 32-56).

No último ciclo eleitoral analisado, na campanha de 2018 com a segunda candidatura de Geraldo Alckmin, o PSDB recua sua política externa da trajetória à direita e retorna à centro-direita. O partido persiste nas propostas de abrir a economia brasileira para os fluxos dinâmicos do comércio mundial, recuar o Mercosul para área de livre-comércio, avançar negociações comerciais bilaterais com terceiros, apoiar o ingresso do Brasil à OCDE e reavaliar a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional. Além disso, agrega reavaliar a participação brasileira na UNASUL e no seu Conselho de Defesa Sul-Americano e na Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), todos organismos regionais impulsionados pelo governo petista de Lula. Propõe também negociar adesão à Parceira Transpacífico (TPP), acordo de livre-comércio entre os Estados Unidos e alguns países americanos de sua influência com países asiáticos e oceânicos. Dentre as políticas de esquerda de Alckmin em 2018, que o situam na centro-direita, podem-se destacar as propostas de diversificação das relações com países em desenvolvimento, iniciar contato com países africanos para realizar acordos comerciais via Mercosul, ampliar a participação global de foros alternativos como os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS) e o G20, ademais da contínua proposta peessedebista de aprofundar a integração física de infraestrutura e energia no Mercosul (COLIGAÇÃO PARA UNIR O BRASIL, 2018COLIGAÇÃO PARA UNIR O BRASIL. Geraldo Alckmin: programa de governo. Brasília: S. Ed., 2018, p. 68-71).

Ao tomar os sete ciclos eleitorais como perspectiva, o que pode ser melhor observado no gráfico da Figura 2, que usa a escala proposta pelo CMP para comparar programas, a política externa do PSDB possui uma inclinação à direita da escala política (demarcada pela linha de tendência no gráfico) pontuando consistentemente neste polo. Cinco de seus sete programas de política externa são positivos na escala esquerda-direita. Somente dois deles, 1998 e 2002, não seguem o mesmo padrão, sendo que o primeiro pode ser considerado um projeto de centro-esquerda e o segundo, de centro.

Figura 2.
Gráfico do Posicionamento Político da Política Externa do PSDB (1994-2018)

Como mostra a linha de tendência, o PSDB tem cada vez mais um posicionamento de sua política externa à direita, tendo sua máxima expressão na campanha de Aécio Neves em 2014, também como tentativa de se diferenciar das gestões petistas alvos de uma grande investigação de corrupção (Operação Lava Jato) que mobilizou o país. A campanha de Geraldo Alckmin à presidência em 2018, com uma inflexão em direção ao centro nessa área, pode ser entendida como uma redefinição de interesses e posicionamentos do próprio PSDB - ao procurar uma alternativa ao centro em oposição à candidatura de Jair Bolsonaro - ou pela extensa coligação ao centro formada durante essa eleição, com outras 8 siglas partidárias. É possível observar também, na Figura 1, que a partir de 2002 o partido tende a abandonar mais propostas de esquerda do que adicionar políticas de direita, comportamento que pode explicar o movimento resultante à direita como resultado do processo de diferenciação com o PT, o qual sempre propôs mais políticas de esquerda. A média aritmética dos sete programas partidários do PSDB resulta em +15,71, apontando para uma política externa peessedebista de centro-direita.

A política externa nos programas do PT (1994-2018)

A Figura 3 apresenta os dados dos totais de políticas de direita e de esquerda de cada campanha do PT entre 1994 e 2018.

Figura 3.
Políticas de Direita e Esquerda do PT por ciclo eleitoral

Na primeira campanha petista analisada, de 1994, com Lula candidato pela segunda vez ao Planalto, o PT firmou a posição de sua política externa à esquerda. Como visto na Figura 3, a vasta maioria de políticas propostas pelo partido na área está situada no espectro esquerdo da escala. O partido apresenta posições fortes como a integração do Brasil no mundo de forma soberana, reestruturação econômica mundial em prol dos países do Sul, rompimento do alinhamento automático com os EUA e relações igualitárias com o NAFTA, a União Europeia e o Japão. Além de já defender a cooperação Sul-Sul, a integração continental da América do Sul e repensar a presença e a autonomia estratégica do Brasil nas relações de força no continente sul-americano. Para o Mercosul, incentiva a adesão de uma tarifa externa comum e, por conseguinte, a união aduaneira, a qual seria adotada pelo governo Cardoso em 1995. Ademais, revisar o Mercosul para adicionar as dimensões política e social em sua formação. No campo da direita, o PT prometia aderir progressivamente às normas comerciais internacionais do GATT e não conceder subsídios a produtores exportadores, contudo, defendia taxas e barreiras alfandegárias temporárias para a proteção de produtos brasileiros (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1994PARTIDO DOS TRABALHADORES. Uma revolução democrática no Brasil: bases do programa de governo. Brasília: S. Ed., 1994, p. 6-144).

Em 1998, na terceira tentativa de Luiz Inácio Lula da Silva, o PT apresentou um programa de política externa extremamente enxuto, sem muitos detalhamentos, mas definitivamente inclinado à esquerda. Com apenas seis unidades textuais de análise, todas desse espectro da política, pode-se perceber o início de uma tendência da política externa petista. As principais propostas continuam sendo a alteração das relações desiguais da ordem internacional, o fortalecimento com os países do Sul - especialmente América Latina e África Meridional - e aprofundar a integração do Mercosul através da concertação de políticas comerciais (COLIGAÇÃO UNIÃO DO POVO - MUDA BRASIL, 1998COLIGAÇÃO UNIÃO DO POVO - MUDA BRASIL. União do povo - muda Brasil: diretrizes do programa de governo. Brasília: S. Ed., 1998, p. 12).

A primeira tentativa bem-sucedida do PT para a presidência da república, com Lula da Silva, em 2002, demonstrou também o primeiro pequeno recuo da política externa petista em direção ao centro. Durante toda a campanha de 2002, o PT buscou sinalizar que o partido tinha decidido por uma guinada ideológica mais ao centro, de caráter reformista, em busca de demostrar credibilidade à mídia e ao sistema financeiro para ocupar o governo federal. Entre as propostas apresentadas, quase a totalidade traz continuidade em relação aos anos anteriores, como corrigir desníveis das relações com os EUA, manter relações equilibradas com NAFTA, União Europeia e Japão, democratizar organismos multilaterais, construir relações comerciais e econômicas com mais países africanos, realizar um pacto regional de integração na América do Sul, incentivar a convergência de políticas comerciais no Mercosul e rechaçar a assinatura da ALCA. As políticas que resultaram numa posição à esquerda mais amenizada são as promessas de manter um relacionamento comercial sólido e sadio com os EUA e outros grandes países (COLIGAÇÃO LULA PRESIDENTE, 2002COLIGAÇÃO LULA PRESIDENTE. Um Brasil para todos: programa de governo 2002. Brasília: S. Ed. . 2002, p. 6-7).

Na campanha de reeleição de Lula, em 2006, a política externa do PT chega à centro-esquerda do espectro político. Nesse ciclo eleitoral, ao mesmo tempo em que propõe privilegiar a integração sul-americana, articular a indústria bélica nacional com a dos países vizinhos, fortalecer as relações Sul-Sul e adotar medidas comerciais contra a concorrência dos produtos estrangeiros, o PT também aposta fortemente na ampliação dos mercados desenvolvidos, como os EUA, a Europa e países asiáticos, para os produtos brasileiros (COLIGAÇÃO A FORÇA DO POVO, 2006COLIGAÇÃO A FORÇA DO POVO. Lula presidente: programa de governo 2007/2010. Brasília: S. Ed., 2006, p. 14-26).

Em 2010, com a candidatura de Dilma Rousseff, a política externa do PT continua sua guinada ao centro, porém sem deixar a centro-esquerda. Apesar de apresentar propostas para promover a solidariedade entre os países pobres e em desenvolvimento, priorizar a integração latino-americana, consolidar a nova Política Nacional de Defesa aprovada em 2009 e ser fiel ao multilateralismo, o programa de política externa de Rousseff também defende, pela primeira vez na proposta petista, realizar relações bilaterais com os países desenvolvidos ou através do G20, portanto relativizando a importância da plataforma mercosulina (COLIGAÇÃO PARA O BRASIL SEGUIR MUDANDO, 2010COLIGAÇÃO PARA O BRASIL SEGUIR MUDANDO. Os 13 compromissos de Dilma Rousseff para debate na sociedade brasileira. Brasília: S. Ed., 2010., p. 7-17).

Na tentativa de reeleição de Dilma Rousseff, bem-sucedida em 2014, o programa de política externa se redireciona novamente à esquerda, entretanto no limite da centro-esquerda. Sem muitas mudanças programáticas em relação ao ciclo anterior, o que possibilitou a afirmação desse posicionamento petista foram as propostas de dar prioridade à América do Sul, Latina e Caribe, à integração financeira, energética e de infraestrutura sul-americana e a preservação do multilateralismo, principalmente nos foros que representam a democratização do sistema internacional, como os BRICS (COLIGAÇÃO COM A FORÇA DO POVO, 2014COLIGAÇÃO COM A FORÇA DO POVO. Mais mudanças, mais futuro: programa de governo Dilma Rousseff - 2014. Brasília: S. Ed. , 2014, p. 40).

Já no último ciclo sob análise, com a candidatura de Fernando Haddad em 2018, o PT obtém seu maior salto valorativo no programa de política externa entre ciclos. De -50 em 2014, o programa de política externa salta a -100, tal qual demonstrado na Tabela 1. Mesmo apresentando uma quantidade menor de propostas na área, o programa não indica nenhuma política considerada de direita, repetindo o feito da campanha de Lula da Silva em 1998. Ao voltar-se à esquerda, o PT enfatiza propostas e preocupações desse espectro político, como a retomada da integração latino-americana, a consolidação da CELAC, o aprofundamento da cooperação Sul-Sul com países africanos e árabes, a promoção do desenvolvimento da infraestrutura no Mercosul e de instrumentos alternativos de financiamento como o Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM) e o banco dos BRICS (COLIGAÇÃO O POVO FELIZ DE NOVO, 2018COLIGAÇÃO O POVO FELIZ DE NOVO. Plano de governo 2019-2022: presidente Haddad é Lula. Brasília: S. Ed. , 2018., p. 11).

Ao analisar os sete programas partidários de política externa do PT conjuntamente, como considerado no gráfico presente na Figura 4, constata-se um posicionamento partidário à esquerda nessa área. Todos os programas de política externa petistas de 1994 a 2018 possuem valor abaixo de zero na escala esquerda-direita.

Figura 4.
Gráfico do posicionamento Político da Política Externa do PT (1994-2018)

Percebe-se que 1998, 2010 e 2018 são ciclos-chave no programa de política externa do PT, pois representam os valores de máxima representação à esquerda (-100) e à direita (-20) do partido, como também, apontam redirecionamentos nos anos que os seguem imediatamente, com exceção de 2018, por enquanto. Nota-se também, uma modesta linha de tendência apontando para a direita, resultante dos movimentos ocorridos entre 1998 e 2010, período prévio e posterior da ascensão do PT ao governo federal. Similarmente à política econômica e a outras, dessa forma, a política externa do PT também caminhou ao centro na campanha vitoriosa de 2002. A partir de 2010, contudo, é possível identificar um forte redirecionamento do programa de política externa petista à esquerda, semelhante ao movimento observado entre 1994 e 1998. A média aritmética dos sete programas de política externa do partido resulta em -64, um valor que consolida a proposta petista de política externa no campo da esquerda do espectro político.

A política externa nos programas do MDB (1994-2018)

A Figura 5 apresenta os dados dos totais de políticas de direita e de esquerda de cada campanha do MDB entre 1994 e 2018.

Figura 5.
Políticas de Direita e Esquerda do MDB por ciclo eleitoral

O MDB, pelo seu caráter cêntrico, não disputou todas as eleições presidenciais do período com candidatos próprios. Em alguns ciclos o partido apoiou a candidatura dos principais partidos da polarização e em outros se absteve de posicionamento prévio. Durante o período estudado, o MDB lançou candidatura própria somente em 1994 e em 2018. Isso implicaria em possuir somente dois programas eleitorais com 24 anos de diferença entre eles para análise. O método do Projeto Manifesto, no entanto, aconselha a avaliação de que os partidos em coligações partidárias também respondem pelos planos de governo da coligação. Essa perspectiva acrescenta mais três programas eleitorais para a análise da política externa emedebista: os planos de governo do PSDB de 2002 e os do PT de 2010 e 2014. Serão consideradas as duas modalidades de análise, uma em que são consideradas as coligações e outra apenas com os programas partidários independentes.

Na campanha de 1994, o MDB lançou a candidatura de Orestes Quércia para a presidência da república. Seu plano de governo divulgado foi consideravelmente abreviado e o programa de política externa, ainda mais sucinto. Com apenas três propostas de políticas nessa área, poder-se-ia contestar a capacidade de expressar a real tendência política do partido à época. No entanto, as três políticas apresentadas são claramente um indício da inclinação à esquerda na política externa peemedebista do período, demonstrada na Tabela 1. Pois, além de defender maior aproximação com os países vizinhos sul-americanos e a consolidação do Mercosul, o partido também propunha a criação de um Merconorte, o qual seria uma área de livre-comércio no norte da América do Sul, agregando Brasil, Peru, Bolívia, Venezuela, Colômbia, Suriname e as Guianas, num só mercado comercial (COLIGAÇÃO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL, 1994COLIGAÇÃO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL. Desenvolvimento com justiça social: é tempo de o Brasil voltar a crescer. Brasília: S. Ed., 1994, p. 2).

Após sair derrotado das urnas presidenciais em 1994, o MDB ficou 24 anos, ou cinco ciclos eleitorais, sem lançar candidato próprio. Porém, nesse meio tempo, aderiu às campanhas de José Serra do PSDB em 2002 e de Dilma Rousseff do PT em 2010 e 2014, ao indicar candidatos a vice-presidente nessas chapas. Foi com seu vice-presidente eleito em 2014 que o MDB voltou ao comando do país em 2016, através do processo de impedimento movido contra a presidente Dilma Rousseff do PT. Antes disso, em 2015, quando o ambiente político se tornou propício a uma troca de governo, o MDB, por meio de sua Fundação Ulysses Guimarães e aprovado pela cúpula do partido, lança o documento intitulado Uma Ponte para o Futuro. Esse documento - um plano de governo peemedebista, propriamente falando - corresponde a todas as intenções que um plano de governo eleitoral possui ao demonstrar previamente à posse de um novo governo suas propostas e intenções de políticas a serem elaboradas, demonstrando para o mercado, a imprensa e a opinião pública como um hipotético governo MDB tomaria forma.

Ao se considerar esse documento como um plano de governo da candidatura de Michel Temer, vice-presidente, este demonstra uma política externa muito diferente da qual foi eleita na chapa petista que compunha. Como observado na Tabela 1, o programa de política externa de Temer avançou consistentemente à direita em comparação com o de Rousseff. Dentre as políticas propostas, um retorno à ideia de abertura comercial brasileira, de realizar a “plena inserção da economia nacional no comércio internacional”, alinhar normas comerciais aos padrões internacionais e buscar acordos comercias com os Estados Unidos, a União Europeia e países asiáticos com ou sem a parceria do Mercosul (FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES, 2015FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES. Uma ponte para o futuro. Brasília: S. Ed., 2015., p. 18).

Na esteira do governo Temer, o MDB decide voltar a lançar candidatura própria na disputa eleitoral presidencial em 2018 com Henrique Meirelles de cabeça de chapa. Poucas mudanças em política externa são notadas em relação à postura do partido em 2015. Entretanto, há um recuo ao centro no último programa emedebista, configurando-o como centro-direita, visto na Tabela 1. Apesar de defender que o Mercosul retorne à categoria de livre-mercado, negociar a adesão brasileira à OCDE e trabalhar mais com os parceiros tradicionais do Brasil, o MDB ressalta a prioridade na negociação com a União Europeia via Mercosul e a importância de trabalhar com novos atores no sistema internacional, como os BRICS (COLIGAÇÃO ESSA É A SOLUÇÃO, 2018COLIGAÇÃO ESSA É A SOLUÇÃO. Pacto pela confiança: programa de governo da Coligação Essa é a Solução. Brasília: S. Ed., 2019, p. 9-21).

Ao se considerar todos os programas de política externa do MDB, vislumbrados no gráfico da Figura 6, percebe-se uma descontinuidade temporal esperada de um partido de centro num sistema multipartidário. Com apenas três programas partidários próprios lançados nos últimos sete ciclos eleitorais, o MDB demonstra também uma grande disparidade de políticas entre o primeiro programa analisado, claramente de esquerda, e os dois últimos, de direita e centro-direita.

Figura 6.
Gráfico do Posicionamento Político da Política Externa do MDB (1994-2018) (Sem Coligações)

Há uma forte e evidente linha de tendência apontando à direita, resultante da drástica transição de programas entre 1994 e 2015, apesar da considerável distância temporal entre eles, de 21 anos.

Figura 7.
Gráfico do Posicionamento Político da Política Externa do MDB (1994-2018) (Com Coligações)

Ao se considerar também os programas partidários em que o MDB formou coligação eleitoral, como sugerido pelo método do Projeto Manifesto, e exibido no gráfico da Figura 7, é possível ter uma noção mais precisa das movimentações ideológicas realizadas pelo MDB no período analisado. Com a adição de três ciclos eleitorais, evidencia-se o caráter centrista do partido. É possível identificar que, em quatro dos seis programas em que o MDB participou, o elemento centrista está presente: um de centro (2002), dois de centro-esquerda (2010 e 2014) e um de centro-direita (2018). Os dois programas não centristas também demonstram um certo equilíbrio: um de esquerda (1994) e um de direita (2015). As médias aritméticas também reafirmam o rótulo centrista ao MDB: a média dos programas exclusivamente emedebistas é de +0,67, enquanto a média de todos os programas nos quais participou é de -11,33; valores muito próximos ao centro político representado pelo zero. É importante ressaltar que um partido de centro num sistema multipartidário não necessariamente se isenta de posições ideológicas, sendo mais comum que o partido assuma posições vinculadas ao partido com prospecção de assumir o poder. Por isso, são observadas posições emedebistas à esquerda e à direita da escala, conforme as concertações partidárias realizadas ao longo do período. A linha de tendência continua indicando uma inclinação à direita, mas essa tendência também foi registrada nos planos de governo de política externa de PSDB e PT, sinalizando uma tendência do próprio sistema partidário brasileiro.

A política externa eleitoral sob o pêndulo situação-oposição (1994-2018)

Os resultados dessa seção permitem alguns comentários em relação às questões que inspiraram a pesquisa. A primeira delas é a de que os três principais partidos do sistema partidário brasileiro nesse período definitivamente não negligenciaram a política externa nos seus programas partidários nos ciclos eleitorais presidenciais de 1994 a 2018. Foram identificadas propostas e políticas para a área em todos os 17 programas partidários analisados. Mesmo os programas mais curtos, de até cinco páginas, reservam uma área textual dedicada apenas à política externa e, em muitos casos, as propostas da área transbordam para outras áreas dos planos de governo. Fator que destoa do argumento de Onuki e Oliveira (2006)ONUKI, Janina; OLIVEIRA, Amâncio Jorge de. Eleições, política externa e integração regional. Revista de Sociologia Política, v. 27, p.145-155, 2005. de que os partidos políticos brasileiros não consideram a política externa como central nas suas propostas de governo. A política externa não assume primazia na campanha eleitoral em relação às outras políticas, mas não é ignorada pelos partidos em nenhum momento do período estudado.

Quanto à relevância das propostas de política externa na decisão do voto do eleitor, apontada como ausente por Onuki e Oliveira (2006)ONUKI, Janina; OLIVEIRA, Amâncio Jorge de. Eleições, política externa e integração regional. Revista de Sociologia Política, v. 27, p.145-155, 2005., não pode ser testada pelo desenho dessa pesquisa. No entanto, o seu papel na campanha eleitoral também não pode ser descartado completamente, uma vez que a política externa se mostra presente nas discussões partidárias e, mais do que isso, mostrou-se que há diferenciação de políticas efetuadas pelos partidos nessa área. Como abordado por Downs (1999DOWNS, Anthony. Uma teoria econômica da democracia. Tradução de Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999.), a diferenciação de políticas em qualquer área é uma necessidade compartilhada pelos partidos políticos para incentivar e direcionar votos durante as disputas eleitorais. Pelos resultados obtidos na análise, os partidos brasileiros que ocuparam a presidência nesse ínterim diferenciaram suas propostas de política externa, dando ao eleitor opções diferentes e previsibilidade sobre as decisões a serem tomadas pelo governo.

Figura 8.
Gráfico do Posicionamento Político da Política Externa de PSDB, PT e MDB (1994-2018)

Ao avaliar a série de programas partidários de política externa de PSDB, PT e MDB entre 1994 e 2018 conjuntamente, como no gráfico da Figura 8, alguns apontamentos se colocam. O primeiro deles é a definida diferença que há entre as propostas eleitorais de política externa entre PSDB e PT em todas as competições analisadas. De fato, em nenhuma das ocasiões pode-se presumir posições semelhantes no campo entre os dois principais partidos no período, dado que em nenhum momento as linhas ideológicas desses partidos se sobrepõem. A maior aproximação numérica entre PSDB e PT deu-se em 2006, ainda assim, com uma considerável diferença. Dois movimentos entre PT e PSDB são identificáveis: entre 1994 e 2006, iniciam altamente polarizados e vão convergindo nos ciclos posteriores até o patamar obtido em 2006; após este ciclo, dão início a um movimento de polarização até chegar à maior diferença entre PSDB e PT, alcançada em 2018.

Nota-se também que os dois partidos se movem seguindo um padrão. Na maioria das vezes caminham à direita ou à esquerda sincronicamente, o que aponta para um realinhamento em função de causas externas ou das posições do país no sistema internacional. A única exceção é 2014, ano em que o PSDB se volta à direita e o PT, à esquerda, demarcando forte polarização na política externa da época, causada pela adesão da Venezuela ao Mercosul e pelas díspares posições dos partidos em relação ao regime político daquele país. Este ponto de divergência provoca os dois partidos a reagirem nos planos de política externa, acentuando as diferenças e marcando posições opositoras em quase todas as políticas apresentadas na área. Essa constatação confirma o que Oliveira e Onuki (2010OLIVEIRA, Amâncio Jorge de; ONUKI, Janina. Eleições, partidos políticos e política externa no Brasil. Revista Política Hoje, v. 19, n. 1, p.144-185, 2010.) perceberam ao relatar um aumento da polarização da disputa esquerda-direita também na política externa.

São notórias, também, as alterações em posicionamentos defendidos pelo PSDB em relação à integração econômica na América do Sul. Enquanto no governo, o PSDB defendia o aprofundamento da integração regional através do Mercosul com a implantação da tarifa externa comum e de políticas comerciais comuns, objetivando a união aduaneira e a adesão de mais sócios sul-americanos ao bloco. Já na oposição, o PSDB passou a se opor à adesão de novos membros ao Mercosul e transformou em uma bandeira partidária a defesa da flexibilização mercosulina para um retorno total à zona de livre-comércio, criticando veementemente o PT por defender as mesmas políticas em relação ao Mercosul que o PSDB defendeu sob o governo de Fernando Henrique Cardoso. Essa posição ocupa cada vez mais espaço no programa peessedebista, ciclo após ciclo, afirmando sua política externa também como reação à postura defendida pelo PT.

Assim como, o posicionamento em relação à ALCA registrou mudanças acentuadas no PSDB. Se, em 1994, o partido se demonstrava disposto a negociar com os Estados Unidos acerca de um acordo comercial hemisférico, essa postura mudaria já em 1998, num momento em que ficam claras as intenções assimétricas estadunidenses. Esse posicionamento é repetido em 2002, porém em 2006, a candidatura de Geraldo Alckmin propõe a retomada das negociações da ALCA com os Estados Unidos. Não parece existir outras razões para tal posição senão a oposição ao PT para defender essa proposta, uma vez que a diplomacia brasileira sob o governo Lula da Silva havia encerrado as negociações com os Estados Unidos em 2005, a fim de privilegiar a integração sul-americana. A partir de 2010, o PSDB não se refere mais à ALCA.

Em relação a esses dois assuntos, a política externa petista nunca mudou de posicionamento. Desde 1994, o PT é contrário às negociações da ALCA e favorável à consolidação da união aduaneira no Mercosul. No entanto, uma das posturas um tanto flexíveis do PT perceptíveis em seus programas partidários é o seu discurso ante a hegemonia estadunidense. Em 1994, o partido defendia o rompimento do alinhamento automático com os Estados Unidos, já em 2002, suaviza o discurso e promete corrigir desníveis nas relações com os Estados Unidos. Uma vez que o PT ascende à presidência da república o discurso se atenua ainda mais. Em 2006, promete ampliar o acesso dos produtos brasileiros ao mercado norte-americano, em 2010, propõe manter as tradicionais relações com o país e, em 2014, considera as relações com os Estados Unidos de grande relevância para o Brasil. Ao passo que, ao retornar para a oposição, o PT inclui no seu programa de 2018 a superação da hegemonia norte-americana no sistema internacional.

No tocante ao MDB, além do que já foi comentado anteriormente, constata-se a total afluência entre a proposta de política externa do PSDB em 2014 e a do MDB em 2015, salientada pelo mesmo valor numérico na escala esquerda-direita obtido pelas propostas dos dois partidos. Não coincidentemente, o governo emedebista entrega a condução da política externa ao PSDB em 2016 - ano em que ascendeu ao poder - até o fim do seu governo, em 2018.

Outro elemento a ser destacado através dos resultados das análises é a de que existem outros fatores que influenciam as posições tomadas na política externa pelos partidos políticos. Esses fatores podem ser externos ao sistema partidário uma vez que conjunturas internacionais foram apontadas como parte nas mudanças de política externa observadas no período. A análise dos programas partidários demonstrou que uma dessas importantes mudanças - a virada à esquerda do PSDB em 1998 - foi produto direto das negociações da ALCA entre os governos brasileiro e estadunidense. Enquanto que o governo Dilma Rousseff deixa de estimular o Mercosul no início do seu governo em função das crises econômicas presentes nos países-membros.

Considerações finais

Este artigo se propôs a investigar as diferenças entre os posicionamentos partidários de PSDB, PT e MDB sobre a política externa entre as campanhas presidenciais de 1994 e 2018, com a intenção de examinar relações ideológicas nas políticas propostas por partido para a área. Além disso, apontar variações dos posicionamentos políticos no tempo e de acordo com o pêndulo situação-oposição. A partir disso, foram oferecidas contribuições originais ao estudo de partidos políticos e sua relação com a política externa no Brasil, por meio da análise e codificação de um conjunto de 17 programas eleitorais de PSDB, PT e MDB. A permissível adaptação do método elaborado pelo Manifesto Research Group propiciou a análise realizada no trabalho e as principais partes do seu produto, as deduções oriundas da análise, são delineadas a seguir.

Quanto ao primeiro objetivo do trabalho, ficou constatada a relevância conferida à política externa pelos três partidos estudados no período. Ao se avaliar as médias da quantidade de políticas propostas por partido, o PSDB foi o que mais elencou propostas em seu programa com uma média de 16,7 propostas por plano de governo. Enquanto o PT apresentou uma média de 10,3 e o MDB de 3,3 (sem coligações) e 8,5 (com coligações). Além de identificar propostas de política externa apresentadas por todos os partidos em todos os ciclos eleitorais analisados, foi possível aferir uma importante diferenciação ideológica entre as propostas de PT e PSDB acerca do tema e isso está relacionado ao segundo objetivo do trabalho: comprovar posicionamentos ideológicos coerentes em cada partido. Conferiu-se, no período analisado, que a política externa proposta pelo PSDB é majoritariamente de centro-direita; a política externa proposta pelo PT é majoritariamente de esquerda; e a política externa do MDB segue as características esperadas de qualquer política de um partido de centro inerente a um sistema multipartidário cêntrico. Ambas constatações ratificam a hipótese inicial do trabalho de que a política externa participa da disputa eleitoral presidencial brasileira como marcadora de diferenciação ideológica partidária, assim como as demais políticas.

É possível também registrar, ao analisar a política externa conduzida pelos governos de turno após a redemocratização, três mudanças ideológicas, assumindo-se que os governos Collor (1990-1992) e Franco (1992-1994) representaram um período de ajustamento. Não coincidentemente, as mudanças de ideologia na política externa pós-redemocratização acontecem simultaneamente às mudanças de partidos na presidência da república. A análise demonstrou que o PSDB possui uma política externa de centro-direita, o PT possui uma política externa de esquerda e que o MDB assumiu a política externa do PSDB durante o seu governo. Dessa forma, o período pós-redemocratização trouxe três mudanças ideológicas na condução da política externa em 28 anos. Ao se comparar com o período anterior à redemocratização, desde 1902, a política externa brasileira também registrou três mudanças, segundo Hirst (2009HIRST, Monica. Brasil-Estados Unidos: desencontros e afinidades. Rio de Janeiro: FVC Editora, 2009.). Isto quer dizer que o país em 88 anos registrou a mesma movimentação paradigmática na política externa que nos últimos 28 anos após a redemocratização, como aventado no início do artigo. Essa observação indica que as posições ideológicas são relevantes na disputa eleitoral brasileira atual e que a política externa também o é.

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  • CARDOSO, Fernando Henrique. Avança, Brasil: proposta de governo. Brasília: S. Ed. , 1998
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  • COLIGAÇÃO COM A FORÇA DO POVO. Mais mudanças, mais futuro: programa de governo Dilma Rousseff - 2014. Brasília: S. Ed. , 2014
  • COLIGAÇÃO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL. Desenvolvimento com justiça social: é tempo de o Brasil voltar a crescer Brasília: S. Ed., 1994
  • COLIGAÇÃO ESSA É A SOLUÇÃO. Pacto pela confiança: programa de governo da Coligação Essa é a Solução. Brasília: S. Ed., 2019
  • COLIGAÇÃO GRANDE ALIANÇA. Trabalho e progresso para todos: programa do governo José Serra. Brasília: S. Ed. , 2002.
  • COLIGAÇÃO LULA PRESIDENTE. Um Brasil para todos: programa de governo 2002. Brasília: S. Ed. . 2002
  • COLIGAÇÃO MUDA BRASIL. Plano de governo: Aécio Neves - PSDB. Brasília: S. Ed., 2014.
  • COLIGAÇÃO O BRASIL PODE MAIS. Programa de governo José Serra: uma agenda para o desenvolvimento sustentável do Brasil. Brasília: S. Ed., 2010
  • COLIGAÇÃO O POVO FELIZ DE NOVO. Plano de governo 2019-2022: presidente Haddad é Lula. Brasília: S. Ed. , 2018.
  • COLIGAÇÃO PARA O BRASIL SEGUIR MUDANDO. Os 13 compromissos de Dilma Rousseff para debate na sociedade brasileira. Brasília: S. Ed., 2010.
  • COLIGAÇÃO PARA UNIR O BRASIL. Geraldo Alckmin: programa de governo. Brasília: S. Ed., 2018
  • COLIGAÇÃO POR UM BRASIL DECENTE. Programa de governo: Geraldo Alckmin. Brasília: S. Ed. , 2006.
  • COLIGAÇÃO UNIÃO DO POVO - MUDA BRASIL. União do povo - muda Brasil: diretrizes do programa de governo. Brasília: S. Ed., 1998
  • FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES. Uma ponte para o futuro. Brasília: S. Ed., 2015.
  • PARTIDO DOS TRABALHADORES. Uma revolução democrática no Brasil: bases do programa de governo. Brasília: S. Ed., 1994
  • 3
    O ano de 2016 não corresponde às eleições presidenciais brasileiras, porém caracterizou a troca de governo pelo processo de impedimento e remoção da presidente Dilma Rousseff (PT) e a posse de Michel Temer (MDB).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    23 Set 2019
  • Aceito
    21 Jan 2020
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