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Zetaplastia: estudo comparativo entre o alongamento teórico versus prático

RESUMO

Introdução:

O estudo do alongamento final produzido por zetaplastias com ângulos de 45, 60, 75 e 90 graus na pele do abdome inferior de cadáveres frescos foi comparado com os dados matemáticos teóricos apresentados pela literatura.

Métodos:

Foram realizadas quatro zetaplastias com ramos principais e secundários de 2 cm cada um deles e ângulos de 45, 60, 75 e 90 graus na pele do abdome inferior de 11 cadáveres frescos para avaliar o alongamento final produzido.

Resultados:

A média dos alongamentos para os respectivos ângulos foi inferior ao encontrado na literatura, com valor de p < 0,01.

Conclusão:

Existiu diferença significativa entre os valores da literatura e os encontrados no presente estudo.

Descritores:
Retalhos cirúrgicos; Pesquisa comparativa da efetividade; Medidas métodos e teorias; Estudo comparativo; Modelos teóricos; Abdome.

ABSTRACT

Introduction:

The study of the final elongation values produced by 45º, 60º, 75º, and 90º-angle z-plasties performed on the skin of the lower abdomen of fresh cadavers were compared with the theoretical mathematical data published in the literature.

Methods:

Four z-plasties with 2-cm main and secondary branches each, and with 45º, 60º, 75º, and 90º angles were performed on the skin of the lower abdomen in 11 fresh cadavers to evaluate the final elongation produced.

Results:

The mean elongation at their respective angles was lower than that found in the literature, with a p value of <0.01.

Conclusion:

The elongation values obtained from the present study showed a significant difference from the published values.

Keywords:
Surgical flaps; Comparative research on effectiveness; Measures methods and theories; Comparative study; Theoretical models; Abdomen.

INTRODUÇÃO

A zetaplastia é uma técnica cirúrgica utilizada na correção de cicatrizes inestéticas. O objetivo principal é promover o alongamento da cicatriz produzindo uma linha quebrada, utilizada em contraturas cicatriciais e cirurgias reparadoras11 Amaral AB, Rosique RG. Correção das cicatrizes. In: Melega JM, Viterbo F, Mendes FH, eds. Cirurgia plástica: os princípios e a atualidade. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p. 143-9.. O princípio básico consiste em dois retalhos triangulares adjacentes, formando um Z, que são interpolados para realizar a zetaplastia.

A primeira descrição de uma zetaplastia na literatura foi feita por Horner22 Pacheco A, Webser R, Terres M, Netto R. Princípios da utilização de retalhos cutâneos e fasciocutâneos. In: Carreirão S, ed. Cirurgia plástica para a formação do especialista. São Paulo: Atheneu; 2011. p. 117-8., em 1837. Segundo Borges33 Cárdenas HV. Z-Plastia e w-plastia no tratamento de cicatrizes inestéticas: revisão bibliográfica [Monografia]. Niterói: Universidade Federal Fluminense; 2005. p. 6-49., a cicatriz após a zetaplastia é dividida em compartimentos menores que resultam em uma força de contratura inferior à da cicatriz linear inicial. Os estudos de trigonometria de McGregor44 Jackson IT. Considerações Gerais. In: Jackson IT, ed. Retalhos locais na reconstrução de cabeça e pescoço. Rio de Janeiro: DiLivros; 2015. p. 26-7. relatam que, ao aumentar o ângulo do Z, o alongamento da cicatriz final também aumenta.

De acordocom Cárdenas55 Lynch JB. Retalhos. In: Brown DL, Borschel GH, eds. Manual de cirurgia plástica de Michigan. Rio de Janeiro: DiLivros; 2006. p.27-9., oalongamentoproduzido pela zetaplastia é determinado matematicamente em percentuais por meio do alongamento linear. Os ângulos de 45, 60, 75 e 90 graus têm um alongamento matemático teórico final de 50%, 75%, 100% e 120%, respectivamente66 Lorenz P, Bari AS. Prevenção de cicatriz, tratamento e correção. In: Neligan PC, Gurtner GC, eds. Cirurgia Plástica: Princípios. Rio de Janeiro: Elsevier; 2015.. No entanto, segundo Basci & Gosman77 Basci D, Gosman AA. Fundamentos dos retalhos. In: Janis JE, ed. Cirurgia plástica princípios básicos. Rio de Janeiro: DiLivros; 2015. p. 32-33., estima-se que o alongamento final resultante na pele humana seja 55% a 84% inferior ao estimado.

OBJETIVO

O objetivo deste trabalho foi comparar o alongamento final obtido por meio de zetaplastias com ângulos de 45, 60, 75 e 90 graus na pele do cadáver fresco com os dados matemáticos teóricos presentes na literatura atual.

MÉTODOS

Zetaplastias com ângulos de 45, 60, 75 e 90 graus foram realizadas em cadáveres frescos provenientes do Universidade de São Paulo Serviço de Verificação de Óbito da Capital São Paulo (SVOC-USP), no período de junho de 2014 a dezembro de 2015. Foram selecionados 11 cadáveres, com idades variando de 32 a 75 anos, média de 56 anos, sendo cinco do sexo feminino e seis do sexo masculino. Autorização para estudo em cadáver pelos ofícios 42/2014 e 05/2015 do SVOC-USP.

A linha média abdominal foi desenhada a partir do apêndice xifoide até a sínfise púbica. Sobre a linha média abdominal, foi demarcado um ponto distando 20 cm do apêndice xifoide. Neste ponto, perpendicular e centralizada na linha média abdominal, foi desenhada outra linha pontilhada de 20 cm (Figura 1A e 1B).

Figura 1
A: Linha média abdominal xifopúbica; B: Linha pontilhada perpendicular à linha média abdominal.

Sobre a linha pontilhada, foram feitas quatro zetaplastias com ângulos de abertura de 45, 60, 75 e 90 graus (Figura 2). As zetaplastias foram desenhadas equidistantes entre si 4 cm, com ramos principais de 2 cm. Os dois ramos secundários são resultantes da aplicação do mesmo ângulo de abertura nas extremidades do ramo principal e medem 2 cm cada um deles. A exatidão do ângulo empregado em cada zetaplastia foi conferida pelo uso de régua milimetrada e transferidor.

Figura 2
Disposição dos ângulos no abdômen inferior.

Após o traçado das quatro zetaplastias, no mesmo cadáver, sobre a linha perpendicular à linha mediana foram feitas incisões envolvendo a espessura da pele (Figura 3A e 3B). Os retalhos triangulares assim formados foram elevados sem o tecido subcutâneo, interpolados e suturados.

Figura 3
A e B: Retalhos de pele triangulares.

Com o uso de régua milimetrada, o alongamento inicial foi determinado pelo comprimento do ramo principal antes da zetaplastia, e o alongamento final foi determinado pelo comprimento do ramo principal formado após a realização da zetaplastia (Figura 4A e 4B).

Figura 4
A e B: Alongamento final após interpolação dos retalhos triangulares para o ângulo de 45º graus.

O alongamento inicial foi transportado 7 cm acima da linha perpendicular para que as distorções do tecido após a zetaplastia não interfiram na medição do alongamento resultante (Figuras 5A, 5B, 6A, 6B, 7A e 7B).

Figura 5
A e B: Alongamento final após interpolação dos retalhos triangulares para o ângulo de 60º graus.

Figura 6
A e B: Alongamento final após interpolação dos retalhos triangulares para o ângulo de 75º graus.

Figura 7
A e B: Alongamento final após interpolação dos retalhos triangulares para o ângulo de 90º graus.

Os dados entre a medida final e a medida inicial foram submetidos à análise estatística pelo teste de Intervalo de Confiança (IC) para as médias, considerando o nível de significância de p < 0,05. Para comparar o alongamento aferido neste estudo com os dados teóricos, fizemos uma Análise de Variância com Medidas Repetidas (ANOVA).

RESULTADOS

Os alongamentos finais produzidos após a transposição dos retalhos triangulares são inferiores aos dados matemáticos teóricos apresentados para as zetaplastias na literatura (Tabela 1). Todos os ângulos estudados foram submetidos ao teste t-student e resultaram em p < 0,01. A Tabela 2 mostra a distribuição dos alongamentos produzidos pela aplicação dos ângulos nos 11 cadáveres.

Tabela 1
Ganhos da zetaplastia em comprimento.
Tabela 2
Alongamento (A) final após transposição retalhos triangulares na zetaplastia com ramos principais e secundários de 2 cm.

A média do alongamento para o ângulo de 45º foi de 21,4%, com intervalo de confiança (IC95%) entre 18,3% a 24,4%. O ângulo de 60º teve média de alongamento de 34,09%, o IC variou entre 27,9% a 40,3%. O ângulo de 75º resultou numa média de alongamento de 52,3%, com IC de 39,4% a 65,1%. A média do alongamento do ângulo de 90º foi de 74,1%, com IC e 55,1% a 93,1%.

O teste comparativo ANOVA resultou em p = 0,0135 para p < 0,05, indicando que ocorreu diferença significativa entre as médias dos ângulos obtidos e os valores teóricos. O método de Tukey confirmou esse dado com p < 0,05 para cada ângulo.

DISCUSSÃO

Os valores matemáticos da literatura não levam em consideração as propriedades físicas da pele. As variações na espessura, no número de anexos e na redundância de tecido adjacente à zetaplastia também podem alterar a interpolação dos retalhos triangulares. O processo de maturação cicatricial como característica individual também não pôde ser reproduzido neste estudo, pois foi realizado na pele normal de cadáveres frescos.

O ângulo de 45 graus teve média de alongamento final inferior em relação aos cálculos matemáticos da literatura com média de 21,4%, sendo que o esperado seria de 50%88 Torres FC, Mauad Junior RJ. Princípios gerais da cicatrização das feridas e suturas de pele. In: Carreirão S, ed. Cirurgia plástica para a formação do especialista. São Paulo: Atheneu; 2011. p. 3-13.. Mesmo os dados práticos apresentados por Basci & Gosman77 Basci D, Gosman AA. Fundamentos dos retalhos. In: Janis JE, ed. Cirurgia plástica princípios básicos. Rio de Janeiro: DiLivros; 2015. p. 32-33., que estimam um alongamento entre 55% a 84% dos cálculos matemáticos apresentados pela literatura, não coincidem com a prática em cadáveres.

Levando em consideração que o alongamento para o ângulo de 60 graus é de 75%99 Anger J, Sertorio CB. Avaliação das medidas do alongamento do lábio nas queiloplastias com plástica em Z no tratamento das fissuras labiopalatais unilaterais. Rev Bras Cir Plást. 2006;21(3):133-9., o mesmo ângulo no cadáver fresco teve uma média de alongamento de 34,9%. A média do alongamento foi inferior aos cálculos matemáticos e aos dados práticos definidos por Basci & Gosman77 Basci D, Gosman AA. Fundamentos dos retalhos. In: Janis JE, ed. Cirurgia plástica princípios básicos. Rio de Janeiro: DiLivros; 2015. p. 32-33..

O ângulo de 75 graus se comporta de maneira similar, tendo sua porcentagem calculada em 100%1010 Thorne CH. Princípios e técnicas em cirurgia plástica. In: Thorne CH, Ed. Grabb & Smith Cirurgia Plástica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007, p.13., sendo que a média do alongamento no cadáver fresco ficou em 52,3%. Este valor está discretamente abaixo do mínimo de 55% determinados por Basci & Gosman77 Basci D, Gosman AA. Fundamentos dos retalhos. In: Janis JE, ed. Cirurgia plástica princípios básicos. Rio de Janeiro: DiLivros; 2015. p. 32-33..

A porcentagem matemática estima em 120%1111 Krish A, Schindler E. Application possibilities of symmetrical and asymmetrical serial Z plasty for correction of facial and neck scars. Laryngol Rhinol Otol (Sttuttg). 1981;60(6):318-20. o alongamento produzido pelo ângulo de 90 graus, superior ao encontrado neste estudo onde a média para o ângulo de 90 graus foi de 74,1%. Este foi o único ângulo coincidente com o intervalo preconizado por Basci & Gosman77 Basci D, Gosman AA. Fundamentos dos retalhos. In: Janis JE, ed. Cirurgia plástica princípios básicos. Rio de Janeiro: DiLivros; 2015. p. 32-33..

O teste comparativo ANOVA encontrou diferença significativa entre os resultados na comparação entre os ângulos e os dados matemáticos, demonstrando que os dados da literatura não são concordantes com os dados encontrados no cadáver fresco.

O alongamento final obtido no cadáver fresco para as zetaplastias com ângulos de 45,60, 75 e 90 graus teve, neste estudo, valores inferiores aos cálculos matemáticos encontrados na literatura.

CONCLUSÃO

A zetaplastia, realizada na pele do abdome inferior do cadáver fresco, tem a média de alongamento final inferior aos cálculos matemáticos teóricos apresentados na literatura, em relação aos ângulos de 45, 60, 75 e 90 graus. A análise estatística dos dados, feita com o uso do IC 95% e dos testes t-student e ANOVA, mostrou diferença significativa entre os valores apresentados na literatura com as médias obtidas neste estudo.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Amaral AB, Rosique RG. Correção das cicatrizes. In: Melega JM, Viterbo F, Mendes FH, eds. Cirurgia plástica: os princípios e a atualidade. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p. 143-9.
  • 2
    Pacheco A, Webser R, Terres M, Netto R. Princípios da utilização de retalhos cutâneos e fasciocutâneos. In: Carreirão S, ed. Cirurgia plástica para a formação do especialista. São Paulo: Atheneu; 2011. p. 117-8.
  • 3
    Cárdenas HV. Z-Plastia e w-plastia no tratamento de cicatrizes inestéticas: revisão bibliográfica [Monografia]. Niterói: Universidade Federal Fluminense; 2005. p. 6-49.
  • 4
    Jackson IT. Considerações Gerais. In: Jackson IT, ed. Retalhos locais na reconstrução de cabeça e pescoço. Rio de Janeiro: DiLivros; 2015. p. 26-7.
  • 5
    Lynch JB. Retalhos. In: Brown DL, Borschel GH, eds. Manual de cirurgia plástica de Michigan. Rio de Janeiro: DiLivros; 2006. p.27-9.
  • 6
    Lorenz P, Bari AS. Prevenção de cicatriz, tratamento e correção. In: Neligan PC, Gurtner GC, eds. Cirurgia Plástica: Princípios. Rio de Janeiro: Elsevier; 2015.
  • 7
    Basci D, Gosman AA. Fundamentos dos retalhos. In: Janis JE, ed. Cirurgia plástica princípios básicos. Rio de Janeiro: DiLivros; 2015. p. 32-33.
  • 8
    Torres FC, Mauad Junior RJ. Princípios gerais da cicatrização das feridas e suturas de pele. In: Carreirão S, ed. Cirurgia plástica para a formação do especialista. São Paulo: Atheneu; 2011. p. 3-13.
  • 9
    Anger J, Sertorio CB. Avaliação das medidas do alongamento do lábio nas queiloplastias com plástica em Z no tratamento das fissuras labiopalatais unilaterais. Rev Bras Cir Plást. 2006;21(3):133-9.
  • 10
    Thorne CH. Princípios e técnicas em cirurgia plástica. In: Thorne CH, Ed. Grabb & Smith Cirurgia Plástica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007, p.13.
  • 11
    Krish A, Schindler E. Application possibilities of symmetrical and asymmetrical serial Z plasty for correction of facial and neck scars. Laryngol Rhinol Otol (Sttuttg). 1981;60(6):318-20.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2016

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2016
  • Aceito
    30 Out 2016
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