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Perfil de pacientes tratados com cateteres de aspiração de trombos durante intervenção coronária percutânea primária

Resumos

INTRODUÇÃO: Os benefícios da utilização de cateteres de aspiração de trombos durante intervenção coronária percutânea (ICP) primária, com obtenção de melhor fluxo coronário e perfusão miocárdica e redução da mortalidade tardia, já estão estabelecidos na literatura. No entanto, seu uso na prática clínica parece não estar aplicado a todos os pacientes. Procuramos saber quais variáveis clínicas e angiográficas têm norteado a indicação desses dispositivos na ICP primária em nosso meio. MÉTODOS: No período de agosto de 2006 a novembro de 2010, 558 pacientes foram submetidos consecutivamente a ICP primária. Em 79 pacientes foram utilizados cateteres de aspiração de trombos (grupo 1), comparativamente a 479 pacientes nos quais esses dispositivos não foram aplicados (grupo 2). RESULTADOS: O grupo 1 apresentou predomínio de sexo masculino, tabagistas, infarto agudo do miocárdio (IAM) de maior extensão e lesões trombóticas. O uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa, da técnica de stent direto e de stents de maior diâmetro e a ocorrência de distúrbios de fluxo coronário transitórios também foram mais frequentes no grupo 1. A taxa de sucesso do procedimento foi alta (93,7% vs. 92,3%; P = 0,4) e similar entre os grupos. Na alta hospitalar, a incidência de eventos cardíacos e cerebrovasculares adversos maiores (6,3% vs. 6,5%; P = 0,6), óbito (5,1% vs. 3,8%; P = 0,58), acidente vascular cerebral (1,3% vs. 0,4%; P = 0,09) e reinfarto (0 vs. 2,3%; P = 0,17) não mostrou diferenças entre os grupos. CONCLUSÕES: Cateteres de aspiração de trombos têm sido utilizados em 15% das ICPs primárias, geralmente nos IAM de maior extensão e com maior carga trombótica. Apesar da maior gravidade clínico-angiográfica desses pacientes, o sucesso do procedimento é alto e semelhante ao dos demais pacientes de menor risco.

Trombectomia; Infarto do miocárdio; Angioplastia; Stents


BACKGROUND: The benefits of using thrombus aspiration catheters during primary percutaneous coronary intervention (PCI), to obtain better coronary flow and myocardial perfusion and reducing late mortality are established in the literature. However, in the clinical practice it does not seem to be used for all patients. We tried to determine what clinical and angiographic variables have led to the indication of these devices in primary PCI at our institution. METHODS: From August 2006 to November 2010, 558 patients were consecutively submitted to primary PCI. Thrombus aspiration catheters were used in 79 patients (group 1), who were compared to 479 patients who did not use these devices (group 2). RESULTS: Group 1 showed a prevalence of males, smokers, large acute myocardial infarctions (AMI) and thrombotic lesions. The use of glycoprotein IIb/IIIa inhibitors, direct stenting and larger diameter stents and the presence of transient coronary flow disturbances were also more frequent in group 1. Procedure success rate was high (93.7% vs. 92.3%; P = 0.4) and it was similar between groups. At hospital discharge, the incidence of major adverse cardiac and cerebrovascular events (6.3% vs. 6.5%; P = 0.6), death (5.1% vs. 3.8%; P = 0.58), stroke (1.3% vs. 0.4%; P = 0.09), reinfarction (0 vs. 2.3%; P = 0.17) was not different between groups. CONCLUSIONS: Thrombus aspiration catheters have been used in 15% of primary PCIs, usually in AMIs with greater extension and thrombotic burden. Despite the more severe clinical-angiographic profile of these patients the success rate is high and similar to that of low-risk patients.

Thrombectomy; Myocardial infarction; Angioplasty; Stents


ARTIGO ORIGINAL

Perfil de pacientes tratados com cateteres de aspiração de trombos durante intervenção coronária percutânea primária

Roberto Simões de Almeida; Marcelo José de Carvalho Cantarelli; Hélio José Castello Jr.; Silvio Gioppato; Rosaly Gonçalves; Evandro Karlo Pracchia Ribeiro; João Batista de Freitas Guimarães; Julio Cesar Francisco Vardi; Patricia Teixeira da Silva; Marcelo Mendes Farinazzo; Fábio Peixoto Ganassin; Leonardo dos Santos Coelho

Hospital Bandeirantes - São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Roberto Simões de Almeida. Rua Barão de Iguape, 209 - Liberdade São Paulo, SP, Brasil - CEP 01507-000 E-mail: robertocardiologia@hotmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: Os benefícios da utilização de cateteres de aspiração de trombos durante intervenção coronária percutânea (ICP) primária, com obtenção de melhor fluxo coronário e perfusão miocárdica e redução da mortalidade tardia, já estão estabelecidos na literatura. No entanto, seu uso na prática clínica parece não estar aplicado a todos os pacientes. Procuramos saber quais variáveis clínicas e angiográficas têm norteado a indicação desses dispositivos na ICP primária em nosso meio.

MÉTODOS: No período de agosto de 2006 a novembro de 2010, 558 pacientes foram submetidos consecutivamente a ICP primária. Em 79 pacientes foram utilizados cateteres de aspiração de trombos (grupo 1), comparativamente a 479 pacientes nos quais esses dispositivos não foram aplicados (grupo 2).

RESULTADOS: O grupo 1 apresentou predomínio de sexo masculino, tabagistas, infarto agudo do miocárdio (IAM) de maior extensão e lesões trombóticas. O uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa, da técnica de stent direto e de stents de maior diâmetro e a ocorrência de distúrbios de fluxo coronário transitórios também foram mais frequentes no grupo 1. A taxa de sucesso do procedimento foi alta (93,7% vs. 92,3%; P = 0,4) e similar entre os grupos. Na alta hospitalar, a incidência de eventos cardíacos e cerebrovasculares adversos maiores (6,3% vs. 6,5%; P = 0,6), óbito (5,1% vs. 3,8%; P = 0,58), acidente vascular cerebral (1,3% vs. 0,4%; P = 0,09) e reinfarto (0 vs. 2,3%; P = 0,17) não mostrou diferenças entre os grupos.

CONCLUSÕES: Cateteres de aspiração de trombos têm sido utilizados em 15% das ICPs primárias, geralmente nos IAM de maior extensão e com maior carga trombótica. Apesar da maior gravidade clínico-angiográfica desses pacientes, o sucesso do procedimento é alto e semelhante ao dos demais pacientes de menor risco.

DESCRITORES: Trombectomia. Infarto do miocárdio. Angioplastia. Stents

ABSTRACT

BACKGROUND: The benefits of using thrombus aspiration catheters during primary percutaneous coronary intervention (PCI), to obtain better coronary flow and myocardial perfusion and reducing late mortality are established in the literature. However, in the clinical practice it does not seem to be used for all patients. We tried to determine what clinical and angiographic variables have led to the indication of these devices in primary PCI at our institution.

METHODS: From August 2006 to November 2010, 558 patients were consecutively submitted to primary PCI. Thrombus aspiration catheters were used in 79 patients (group 1), who were compared to 479 patients who did not use these devices (group 2).

RESULTS: Group 1 showed a prevalence of males, smokers, large acute myocardial infarctions (AMI) and thrombotic lesions. The use of glycoprotein IIb/IIIa inhibitors, direct stenting and larger diameter stents and the presence of transient coronary flow disturbances were also more frequent in group 1. Procedure success rate was high (93.7% vs. 92.3%; P = 0.4) and it was similar between groups. At hospital discharge, the incidence of major adverse cardiac and cerebrovascular events (6.3% vs. 6.5%; P = 0.6), death (5.1% vs. 3.8%; P = 0.58), stroke (1.3% vs. 0.4%; P = 0.09), reinfarction (0 vs. 2.3%; P = 0.17) was not different between groups.

CONCLUSIONS: Thrombus aspiration catheters have been used in 15% of primary PCIs, usually in AMIs with greater extension and thrombotic burden. Despite the more severe clinical-angiographic profile of these patients the success rate is high and similar to that of low-risk patients.

DESCRIPTORS: Thrombectomy. Myocardial infarction. Angioplasty. Stents

A intervenção coronária percutânea (ICP) primária é tratamento de escolha no infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnivelamento do segmento ST, desde que disponível para ser realizada precocemente, por sua capacidade em restabelecer o fluxo coronário epicárdico normal em mais de 90% dos pacientes, reduzindo a mortalidade e as taxas de isquemia recorrente e reinfarto, com mínimo risco de complicações hemorrágicas graves.1-3

A abordagem intervencionista da placa aterotrombótica com o uso de fios-guia, cateteres-balão e stents durante a ICP primária pode levar ao deslocamento ou à fragmentação do trombo, com consequente embolização para os ramos coronários distais.4 Esse fato, observado em 15,2% dos procedimentos, está relacionado a fluxo coronário diminuído, ocorrência de no/slow-reflow, menor taxa de resolução de segmento ST, maior elevação enzimática, pior função ventricular e maior mortalidade a longo prazo.5-7

Os dispositivos de aspiração intracoronários, introduzidos na última década, exibem as modalidades de aspiração mecânica ou manual do trombo coronário e são utilizados na ICP primária. O primeiro modelo utiliza motorização mecânica a baixas rotações e o segundo usa aspiração por meio de seringa, e têm sido cada vez mais utilizados para a realização da trombectomia, resultando em melhor fluxo e perfusão miocárdica imediatos pós-procedimento.7,8 Redução de morte ou morte e reinfarto têm sido relatados com o uso dos dispositivos manuais de aspiração em estudos randomizados e controlados, com seguimento de 8 meses a 24 meses após IAM.9-11 Com os cateteres mecânicos, esse benefício foi demonstrado também aos 30 dias após IAM em um grande estudo recentemente publicado.12

Apesar dos benefícios já bem estabelecidos na literatura e grau de recomendação IIa, nível de evidência B, nas diretrizes atuais, seu uso na prática clínica ainda não está aplicado irrestritamente a todos os pacientes submetidos a ICP primária.1,13,14 Procuramos, neste registro, caracterizar o perfil de pacientes tratados com esses dispositivos durante a ICP primária em nosso meio.

MÉTODOS

Pacientes

No período de agosto de 2006 a novembro de 2010, foram realizadas 558 intervenções coronárias percutâneas primárias consecutivas no Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Bandeirantes (São Paulo, SP). Foram utilizados cateteres de aspiração de trombos em 79 desses procedimentos (grupo 1), que foram comparados aos 479 procedimentos nos quais esses dispositivos não foram aplicados (grupo 2).

Os dados foram coletados prospectivamente e armazenados em um banco de dados informatizado.

Analisamos as características clínicas, angiográficas e relacionadas ao procedimento, as taxas de sucesso e a evolução clínica até a alta hospitalar.

Intervenção coronária percutânea

As intervenções foram realizadas, em quase sua totalidade, por via femoral, sendo utilizada a via radial ou braquial como opção em poucos casos. A técnica e a escolha do material durante o procedimento ficaram a cargo dos operadores, assim como a necessidade do uso de cateteres de aspiração e de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa. Para a trombectomia ou tromboaspiração, todos os dispositivos utilizados foram os de aspiração manual com seringa, das marcas Pronto® e Pronto® V3 (Vascular Solutions, Minneapolis, Estados Unidos), Diver™ (Invatec, Brescia, Itália) ou Export® (Medtronic, Minneapolis, Estados Unidos). Foi utilizada no início do procedimento heparina não-fracionada na dose de 70 U/kg a 100 U/kg (50 U/kg a 70 U/Kg nos casos do uso concomitante dos inibidores da glicoproteína IIb/IIIa). O no/slow-reflow foi abordado farmacologicamente com a administração intracoronária de adenosina e/ou mononitrato de isossorbida associada aos inibidores da glicoproteína IIb/IIIa. Todos os pacientes receberam terapia antiplaquetária dupla, com ácido acetilsalicílico (dose de ataque de 200 mg e de manutenção de 100 mg/dia) e clopidogrel (dose de ataque de 300-600 mg e de manutenção de 75 mg/dia) ou ticlopidina (250 mg a cada 12 horas). Os introdutores femorais foram retirados quatro horas após a administração da dose da heparina. Os introdutores radiais foram retirados imediatamente após o término do procedimento.

Análise angiográfica e definições

As análises foram realizadas em pelo menos duas projeções ortogonais por operadores experientes com uso de angiografia quantitativa digital. Neste estudo foram utilizados os mesmos critérios angiográficos da Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC) da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista. Para o tipo de lesão utilizamos os critérios do American College of Cardiology e da American Heart Association.15 Foram consideradas lesões longas as com comprimento acima de 20 mm. Para a classificação do fluxo coronário pré e pós-procedimento foi utilizada a classificação de TIMI.16 O sucesso do procedimento foi definido como obtenção de sucesso angiográfico (estenose residual < 30% com fluxo TIMI 3) e ausência de eventos cardiovasculares e cerebrovasculares adversos maiores (ECCAM), compreendendo morte, reinfarto, acidente vascular cerebral (AVC) e cirurgia de revascularização miocárdica de emergência.1 O reinfarto foi definido pela presença de alterações eletrocardiográficas (novo supradesnivelamento do segmento ST ou novas ondas Q) e/ou evidência angiográfica de oclusão do vaso-alvo. Foi considerada cirurgia de revascularização miocárdica de emergência aquela realizada imediatamente após a intervenção coronária percutânea. Foram consideradas para análise a mortalidade geral (óbito por qualquer causa) e a mortalidade cardíaca (choque cardiogênico, insuficiência cardíaca, IAM, ruptura cardíaca, arritmia e morte súbita) no período hospitalar.

Análise estatística

Os dados armazenados em banco de dados com base Oracle foram plotados em planilhas Excel e analisados em programa estatístico SPSS versão 15.0. As variáveis contínuas foram expressas em média ± desvio padrão e as variáveis categóricas, em percentis. As associações entre as variáveis contínuas foram avaliadas pelo teste t de Student e ANOVA. As associações entre as variáveis categóricas foram avaliadas pelo teste qui-quadrado ou teste exato de Fischer nas tabelas de dimensão 2 x 2. Nas tabelas de maior dimensão, foram aplicados o teste qui-quadrado ou teste da razão de verossimilhança (G). Foi adotado nível de significância de P < 0,05.

RESULTADOS

As características clínicas dos dois grupos estão apresentadas na Tabela 1.

O uso de cateteres de aspiração ocorreu em 14,1% dos procedimentos de ICP primária, constituindo a amostra do grupo 1. Esse grupo apresentou maior número de pacientes do sexo masculino (84,8% vs. 71,2%; P = 0,01) e de tabagistas (39,2% vs. 25,3%; P = 0,01) em relação ao grupo 2. Não ocorreram diferenças entre os grupos em relação à idade, à presença de hipertensão arterial, diabetes melito ou dislipidemia, aos antecedentes de infarto do miocárdio prévio, ICP ou cirurgia de revascularização miocárdica prévia, à localização eletrocardiográfica do infarto, e à classe funcional Killip.

As características angiográficas e dos procedimentos estão apresentadas nas Tabela 2 e 3.

O grupo 1 apresentou creatina quinase fração MB (CK-MB) pré-ICP mais elevada (127,7 ng/ml vs. 85,3 ng/ml; P = 0,01). Nesse grupo também foi maior a ocorrência de lesões trombóticas (65,6% vs. 34,4%; P < 0,001), o uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa (48,1% vs. 30,7%; P = 0,001), e a utilização da técnica de implante direto de stent (54,4% vs. 41,5%; P = 0,02), assim como foi maior o diâmetro das próteses implantadas (3,3 ± 0,6 mm vs. 3,1 ± 0,6 mm; P < 0,001). Distúrbios de fluxo (no/slow-reflow) transitórios durante a ICP (16,8% vs. 6,7%; P < 0,001) foram mais frequentes no grupo 1.

Não ocorreram diferenças entre os grupos em relação ao vaso-alvo, à extensão e à complexidade da doença coronária, ao grau de circulação colateral, ao fluxo coronário (TIMI) pré-procedimento, ao tempo porta-balão (56,9 ± 110,1 minutos vs. 69,6 ± 138,3 minutos; P = 0,6) e ao sucesso do procedimento (93,7% vs. 92,3%; P = 0,4). Apesar da maior ocorrência de no/slow-reflow transitórios no grupo 1, esses fenômenos foram farmacologicamente contornados com sucesso, de tal maneira que o fluxo TIMI pós-procedimento não mostrou diferença entre os grupos (91,3% vs. 90,7% para os grupos 1 e 2, respectivamente; P = 0,576).

Os desfechos hospitalares (Tabela 4) da ICP primária não mostraram diferenças entre os grupos quanto à ocorrência de ECCAM (6,3% vs. 6,5%; P = 0,6), mortalidade hospitalar (5,1% vs. 3,8%; P = 0,58), AVC (1,3% vs. 0,4%; P = 0,09) e reinfarto (0 vs. 2,3%; P = 0,17). Não ocorreram cirurgias de revascularização miocárdica de emergência nos dois grupos.

DISCUSSÃO

A presença de trombos acarreta resultados subótimos na ICP, em decorrência do deslocamento e da fragmentação que levam à macro ou à microembolização distal. A macroembolização é definida como um defeito de enchimento distal com interrupção abrupta em um dos ramos da artéria coronária periférica do vaso relacionado ao infarto, distal ao local da angioplastia. A microembolização resulta em disfunção microvascular, avaliada por ecocardiografia com microbolhas na área de risco após a ICP primária. Esses eventos têm sido associados a fluxo TIMI < 3 e blush miocárdico reduzido, a despeito da artéria reaberta (fenômeno de no/slow-reflow), menor taxa de resolução de segmento ST, maior elevação enzimática, menor fração de ejeção ventricular esquerda, e taxas mais altas de mortalidade a longo prazo.4-6,17

A trombectomia, ou remoção mecânica do trombo da artéria coronária, pode melhorar o prognóstico após o IAM, já que, em teoria, pode reduzir as chances de embolização distal do trombo e suas consequências fatais. Resulta em melhor fluxo e perfusão miocárdica imediatos, redução do tamanho do infarto e lesão microvascular (enzimático e por ressonância magnética), resolução mais rápida da elevação do segmento ST e maior blush miocárdico, principalmente com o uso dos dispositivos manuais de aspiração.18-20 Alguns estudos randomizados e controlados têm ainda mostrado redução de morte ou morte e reinfarto em pacientes com seguimento tardio de 8 meses a 24 meses após o IAM.9-11

Há controvérsias, porém, quanto à aplicabilidade dos dispositivos de aspiração, se irrestrita ou para grupos clínico-angiográficos específicos. O estudo randomizado Impact of Thrombectomy with EXPort Catheter in Infarct-Related Artery during Primary Percutaneous Coronary Intervention (EXPIRA) considerou a carga de trombo (classificação TIMI IIIA)21> 3 e o fluxo TIMI < 1 como critérios de inclusão, limitando suas conclusões a esse grupo específico de pacientes com IAM.10,18 Já o Thrombus Aspiration during Percutaneous coronary intervention in Acute myocardial infarction Study (TAPAS), o maior já realizado e com resultados mais consistentes a respeito da mortalidade tardia, incluiu pacientes com IAM sem restrições angiográficas.11 As variáveis clínicas ou angiográficas que melhor predizem os benefícios do uso da trombectomia ainda precisam ser definidas.

Em nosso registro, houve presença mais significativa de pacientes do sexo masculino e de tabagistas naqueles que utilizaram os dispositivos de aspiração. A relação íntima do tabagismo com fenômenos aterotrombóticos coronários pode explicar esse fato, já que há entre os tabagistas maior ocorrência de placas coronárias trombóticas.22 A maior elevação da CK-MB pré-intervenção mostra que a trombectomia foi realizada com maior frequência nos infartos mais extensos.

Dentre as características angiográficas a ocorrência de lesões com trombo foi, como esperado, maior nos pacientes em que se utilizaram os dispositivos de aspiração, independentemente do fluxo TIMI e da complexidade e extensão das lesões coronárias. A carga trombótica não foi quantificada, sendo apenas considerada a presença ou a suspeita angiográfica de trombos de maneira qualitativa. A maior taxa de uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa e de distúrbios de fluxo transitórios durante o procedimento (no/slow-reflow) sugere que a carga de trombos nesses pacientes era mais significativa. Uma grande carga trombótica prediz a ocorrência de eventos cardiovasculares adversos após a ICP primária, tanto na fase aguda como na fase tardia, dificultando a completa aposição das hastes do stent na parede do vaso, o que poderia predispor à trombose da prótese.23,24

Nos procedimentos realizados com o uso de dispositivos de aspiração, foi implantado um número maior de stents sem pré-dilatação com cateter-balão (técnica de stent direto). Isso pode ser explicado pelo fato de que, com o fluxo restaurado após a trombectomia, é possível identificar as características e a presença de calcificações, tortuosidades e extensão da obstrução, podendo-se dimensionar o stent a ser implantado sem necessidade da pré-dilatação, fato já observado em publicação prévia.25

Estudos observacionais têm demonstrado ainda, como desfecho favorável com trombectomia adjunta, o implante de stent mais curto que a lesão original com seu trombo.19 Em nosso estudo houve uma diferença em relação ao diâmetro: o grupo em que se utilizaram dispositivos de aspiração recebeu stents mais calibrosos. A interação do trombo com a produção de substâncias endoteliais vasoconstritoras, influenciando no calibre da artéria ao luminograma, poderia justificar esse achado.23

As taxas de sucesso do procedimento em ambos os grupos estudados foram elevadas e a incidência de ECCAM, reinfarto, AVC, cirurgia de revascularização miocárdica de emergência e óbito foram baixas e semelhantes entre os grupos.

Limitações do estudo

Reconhecemos, como limitações deste estudo, a análise retrospectiva dos dados entre duas coortes com variáveis clínicas não ajustadas, a não-disponibilidade de parâmetros para avaliação da perfusão miocárdica pós-aspiração (blush miocárdico, resolução do segmento ST), a ausência de seguimento tardio dos pacientes e sua realização em um único centro.

CONCLUSÃO

Os cateteres de aspiração de trombos foram utilizados em nosso serviço em aproximadamente 15% dos pacientes submetidos a ICP primária, geralmente nos infartos de maior extensão e com maior carga trombótica. Apesar da maior gravidade clínico-angiográfica desse grupo, o sucesso do procedimento foi alto e semelhante ao dos demais pacientes de menor risco.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 18/12/2011

Aceito em: 5/3/012

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  • Correspondência:
    Roberto Simões de Almeida.
    Rua Barão de Iguape, 209 - Liberdade
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      18 Dez 2011
    • Aceito
      05 Mar 2012
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