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Além da recanalização do vaso culpado no infarto com supradesnivelamento do segmento ST

EDITORIAL

Além da recanalização do vaso culpado no infarto com supradesnivelamento do segmento ST

Anibal P. AbelinI; Alexandre QuadrosII

IAluno do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Cardiologia da Fundação Universitária de Cardiologia. Porto Alegre, RS, Brasil

IICoordenador de Pesquisa do Serviço de Hemodinâmica do Instituto de Cardiologia da Fundação Universitária de Cardiologia. Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Alexandre Quadros. R. Costa 30/com 212 - Menino Deus Porto Alegre, RS, Brasil - CEP 90110-270 E-mail: alesq@terra.com.br

O objetivo principal da intervenção coronária percutânea (ICP) primária é reestabelecer a patência da artéria relacionada ao infarto e obter a reperfusão em nível microvascular o mais rapidamente possível após o início dos sintomas.1 A avaliação angiográfica do fluxo miocárdico é feita pelo fluxo TIMI, porém até metade dos pacientes com fluxo TIMI 3, após a ICP primária, não alcança reperfusão em nível microvascular.2,3 Uma ferramenta útil, simples e de baixo custo para avaliar a reperfusão em nível microvascular é a análise da resolução do segmento ST no eletrocardiograma (ECG) após a terapia de reperfusão nos pacientes com infarto com supradesnivelamento do segmento ST (IMCSST), recomendada pelas diretrizes americana, europeia e brasileira.4-9 Utilizada inicialmente para avaliar reperfusão após trombólise e guiar a realização de ICP de resgate, a análise da resolução do segmento ST auxilia a reclassificar o risco do paciente, principalmente naqueles com fluxo TIMI 3 pós-ICP primária.4,6,10-12

Nesta edição, Andrade et al.13 avaliaram 61 pacientes submetidos à ICP primária entre março de 2012 e julho de 2013, comparando suas características clínicas e angiográficas em relação à resolução ou não do segmento ST, que ocorreu em um terço dos casos. O grupo de pacientes sem resolução do segmento ST apresentou maior frequência cardíaca, maior prevalência de diabetes mellitus, maior prevalência de insuficiência renal crônica e tendência a maior tempo de isquemia, sendo que a mortalidade foi maior nesses pacientes. Embora o número reduzido de pacientes tenha impedido análise multivariada mais robusta, esta é uma importante iniciativa em busca de um resultado mais elaborado de um desfecho emprestado de fácil obtenção e de baixo custo, ressaltando que outros estudos, semelhantes a este, são escassos em nosso meio.

A análise da resolução do segmento ST é realizada por meio da comparação do ECG realizado entre 60 e 90 minutos após a terapia de reperfusão e o ECG basal, obtido no diagnóstico do IMCSST. A análise por meio do cálculo da soma da elevação do segmento ST nas derivações relacionadas ao infarto ou pela resolução na derivação com maior elevação do segmento ST, conforme descrito a seguir, são as metodologias mais citadas na literatura:14,15

- soma da elevação do segmento ST: a elevação do segmento ST é medida no ponto J (20 ms após o mesmo) e a soma é realizada conforme a localização do IMCSST. Para infarto de parede anterior, é realizada a soma da elevação do segmento ST nas derivações V1 a V6, I e aVL. Para infarto de parede inferior, é realizada a soma da elevação do segmento ST nas derivações II, III, aVF, V5 e V6. O percentual de resolução da soma das elevações do segmento ST, a partir do ECG basal, comparado ao ECG pós-reperfusão, pode ser analisado em duas ou três categorias, sendo 50% o ponto de corte para duas categorias (resolução completa ≥ 50% e ausência de resolução < 50%) e 70% o ponto de corte para três categorias (resolução completa ≥ 70%, resolução parcial 30 a < 70% e ausência de resolução < 30%);5,14

- resolução do segmento ST na derivação com maior elevação: é calculada a partir do porcentual de redução da elevação do segmento ST a partir do ECG basal, comparado ao ECG pós-reperfusão, na derivação com maior elevação do segmento ST basal. Analisada em duas categorias (resolução completa ≥ 50% e ausência de resolução < 50%) ou em três categorias (resolução completa ≥ 70%, resolução parcial 30 a < 70% e ausência de resolução < 30%).15

Recentemente, Buller et al.11 compararam prospectivamente seis métodos para calcular a resolução do segmento ST em uma coorte de 4.866 pacientes submetidos a ICP primária. Dentre as metodologias avaliadas, a análise isolada da derivação com maior elevação residual do segmento ST no ECG pós-ICP primária apresentou capacidade prognóstica no mínimo equivalente a metodologias mais complexas, além de prescindir da análise do ECG basal. Pacientes com elevação residual do segmento ST ≥ 2 mm apresentaram maior risco de eventos cardiovasculares em 90 dias, enquanto que pacientes com 1 a < 2 mm apresentaram risco intermediário de eventos. O achado de elevação residual do segmento ST < 1 mm identificou pacientes com baixo risco de eventos, independentemente do fluxo TIMI pós-ICP primária.

Em resumo, a análise da resolução do segmento ST é um importante indicador prognóstico na era da moderna ICP primária, além de uma importante ferramenta de pesquisa na avaliação do resultado desses procedimentos. Na prática clínica diária, tem sido frequentemente subutilizada, provavelmente pela falta de intervenções baseadas em evidências, que possam ser adotadas naqueles pacientes com resolução parcial do segmento ST. Novas modalidades terapêuticas, para limitar a extensão do infarto, diminuir a lesão de reperfusão e minimizar os efeitos deletérios causados pela microembolia distal, espasmo difuso e inflamação, permanecem como importantes objetivos a serem perseguidos nos pacientes submetidos à ICP primária.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 16/9/2013

Aceito em: 16/9/2013

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  • Endereço para correspondência:
    Alexandre Quadros. R. Costa
    30/com 212 - Menino Deus
    Porto Alegre, RS, Brasil - CEP 90110-270
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      2013
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