Acessibilidade / Reportar erro

Stents farmacológicos sem polímero: um InVEST(A)imento para o futuro?

EDITORIAL

Stents farmacológicos sem polímero: um InVEST(A)imento para o futuro?

Robert A. Byrne; Adnan Kastrati

Deutsches Herzzentrum and Technische Universität - Munique, Alemanha

Correspondência Correspondência: Adnan Kastrati Deutsches Herzzentrum, Technische Universität Lazarettstrasse 36 Munich, Germany - 80636 E-mail: kastrati@dhm.mhn.de

A trombose de stent coronariano é mais bem classificada de acordo com o momento em que ocorre após a intervenção. A trombose precoce do stent (< 28 dias) normalmente está relacionada tanto a características da lesão e do procedimento como a resposta individual à terapia antiplaquetária. Além da complexidade das lesões tratadas, sua incidência provavelmente não é afetada pela utilização dos stents farmacológicos. A trombose tardia do stent (> 28 dias), por outro lado, parece estar vinculada a um processo de cicatrização arterial tardio e sua incidência pode estar relacionada ao tipo de stent implantado. Enquanto a etiologia dessa cicatrização tardia é multifatorial, a persistência de um polímero permanente na artéria coronária após o desempenho de sua função (isto é, o controle da liberação de medicamento) pode desempenhar papel central nesse cenário1.

Para solucionar essa questão, avanços significativos já foram obtidos no desenvolvimento de plataformas de stents farmacológicos sem polímero permanente. O principal desafio associado a essas novas tecnologias de stents reside na conservação da eficácia antirreestenótica ideal, processo fortemente relacionado ao controle da cinética de liberação do medicamento ativo. Entre as abordagens potenciais exploradas até o momento, temos: uso de polímero absorvível2,3; substituição por outros veículos mais biocompatíveis (por exemplo, a hidroxiapatita); uso de métodos mecânicos sem polímero para incorporar e retardar a liberação do medicamento (stents com superfície microporosa, reservatórios de medicamento)4,5; e compensação da perda da eficácia antirreestenótica, com a incorporação de um segundo medicamento ativo direcionado para atuar em um elemento adicional da cascata da resposta reestenótica (por exemplo, probucol6, estrogênio7, pimecrolimus8).

A publicação de Chamié et al.9 é o estudo mais recente realizado por um grupo de pesquisa que tem desenvolvido stents farmacológicos desde o início da criação dessa tecnologia. O stent VESTAsync descrito pelos investigadores é uma notável aquisição para a próxima geração de stents farmacológicos. Entre seus três principais componentes, a estrutura do stent (aço inoxidável 316 L com hastes finas) e o agente ativo (sirolimus) são elementos amplamente comprovados nas plataformas de stents farmacológicos contemporâneos. A nanocobertura de hidroxiapatita microporosa, por outro lado, é um novo componente dos stents. A hidroxiapatita, uma forma natural de apatita de cálcio, tem a fórmula química Ca10(PO4)6(OH)2. Está presente em até 70% do tecido ósseo, é um dos principais componentes do esmalte do dente e também tem papel importante na calcificação vascular. Sua biocompatibilidade foi extensivamente comprovada em cirurgia ortopédica e odontológica. Além de permitir a incorporação do medicamento, também está associada a efeitos antitrombóticos e anti-inflamatórios10. Enquanto seu papel como componente de stents farmacológicos parece promissor, a experiência a longo prazo com seu uso em próteses vasculares continua limitada. Outro aspecto notável da plataforma do VESTAsync é o uso de uma dose de sirolimus substancialmente menor (55 µm/cm2). Apesar de seu índice terapêutico relativamente amplo, o uso de dosagens menores do sirolimus pode facilitar melhor reendotelização11. Na verdade, a cinética de liberação de um medicamento pode ser mais importante para a eficácia que sua dose total.

Especificamente em termos de eficácia antirreestenótica, o VESTAsync parece estar associado a perda luminal tardia aos 4 meses de aproximadamente 0,30 mm, que é a faixa de variação do stent farmacológico Taxus, se levarmos em consideração as características da lesão tratada12. Pode-se esperar que esse grau de perda luminal tardia seja um pouco maior à medida que a complexidade da lesão aumenta13. Em termos de comparação com o Cypher, o VESTAsync está associado a menor extensão da supressão de hiper plasia neointimal após 4 e 12 meses (embora as razões para os achados não sejam estatisticamente significantes, pelo pequeno tamanho da amostra). Isso está mais provavelmente relacionado à cinética menos favorável de liberação de sirolimus nos primeiros 10 dias (vide Figura 4 de Chamié et al.9). Embora o stent VESTAsync leve mais tempo para liberar 80% de sua carga de medicamento (60 dias, em comparação com 30 dias do Cypher), metade do medicamento é liberado dentro dos 10 primeiros dias. No estudo randomizado ISAR-TEST-3 aconteceu um fenômeno semelhante: a liberação mais rápida de sirolimus nos 10 primeiros dias resultou em menor eficácia de desempenho comparativamente ao stent Cypher, enquanto o retardamento da liberação de sirolimus (por meio da incorporação de um polímero biodegradável) resultou em eficácia antirreestenótica similar à do Cypher (Figura 1)2.


Observa-se certo grau de perda luminal tardia contínua após 4 meses com os dois stents. Embora pequena em termos absolutos, essa perda luminal tardia é sem dúvida uma característica da tecnologia dos stents farmacológicos, não observada na era dos stents convencionais. Assim, em uma grande coorte de pacientes tratados com stents farmacológicos com lesão de morfologia complexa, por exemplo, observamos perda luminal tardia média adicional de 0,12 mm entre 6-8 meses e 2 anos14. Isso pode ser considerado como mais uma evidência indireta de cicatrização tardia. A inflamação persistente da parede do vaso é a força motriz por trás da hiperplasia neointimal progressiva. É interessante observar, nesse estudo, que esse efeito pareceu ser atenuado nas plataformas sem polímero durável. Também vale mencionar a desconexão entre a perda luminal tardia angiográfica e o porcentual de obstrução intimal intrastent (%IH) obtida pelo ultrassom intracoronariano, fato que talvez possa ser mais bem interpretado em face dos recentes relatos de Lasave et al.15, sugerindo ser a perda tardia um preditor mais preciso da revascularização da lesão-alvo que o %IH. Outros relatos sugerem correlação modesta entre as medidas angiográficas e ultrassonográficas da reestenose16.

Várias limitações devem ser reconhecidas ao discutirmos a generalização dos achados atuais desse estudo. Em primeiro lugar, embora a escolha do stent Cypher como grupo controle possa ser particularmente pertinente em face de sua excelente e amplamente comprovada eficácia antirreestenótica, a comparação é limitada por não ser randomizada e pelas falhas inerentes ao uso de um grupo controle histórico. Em segundo lugar, as lesões estudadas são lesões sem maior complexidade. Os achados descritos podem ser considerados prova de eficácia em condições ideais, ao invés de eficácia clínica em situações do mundo real. A confirmação da eficácia antirreestenótica em grande número de pacientes com lesões complexas do mundo real determinará o papel desse stent no arsenal futuro do cardiologista intervencionista. Em terceiro lugar, embora a segurança a longo prazo seja a principal motivação por trás do desenvolvimento de uma tecnologia como essa, este relato não trata dessa questão. Os resultados mais interessantes serão os de grandes coortes de pacientes com acompanhamento clínico superior a 2 anos. Contudo, mesmo em se considerando a supressão marginalmente inferior da hiperplasia neointimal com o VESTAsync quando comparado aos atuais líderes do mercado, o ganho potencial em termos de maior segurança a longo prazo (e uma duração potencialmente menor da terapia antiplaquetária dupla) é interessante e pode demonstrar ser uma melhor opção para pacientes e médicos.

Os stents farmacológicos são certamente uma tecnologia em progresso permanente. A maior eficácia antirreestenótica associada aos stents farmacológicos dá mais espaço de manobra em comparação com os stents convencionais em termos dos ajustes para melhorar os resultados tanto para o paciente como para o operador. Embora as plataformas sem polímeros tenham potencial para melhorar os resultados de segurança em comparação à primeira geração de stents farmacológicos, ainda há muitas alternativas a serem exploradas antes que possamos ficar totalmente satisfeitos com a tecnologia contemporânea de stents.

AGRADECIMENTOS

Robert A. Byrne agradece o auxílio recebido por meio de uma Bolsa de Pesquisa em Aterotrombose oferecida pela Sociedade Europeia de Cardiologia.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declararam inexistência de conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 12/3/2009

Aceito em: 13/3/2009

Ver artigo relacionado na página 20

  • 1. Luscher TF, Steffel J, Eberli FR, Joner M, Nakazawa G, Tanner FC, et al. Drug-eluting stent and coronary thrombosis: biological mechanisms and clinical implications. Circulation. 2007;115(8):1051-8.
  • 2. Mehilli J, Byrne RA, Wieczorek A, Iijima R, Schulz S, Bruskina O, et al. Randomized trial of three rapamycin-eluting stents with different coating strategies for the reduction of coronary restenosis. Eur Heart J. 2008;29(16):1975-82.
  • 3. Windecker S, Serruys PW, Wandel S, Buszman P, Trznadel S, Linke A, et al. Biolimus-eluting stent with biodegradable polymer versus sirolimus-eluting stent with durable polymer for coronary revascularisation (LEADERS): a randomised non-inferiority trial. Lancet. 2008;372(9644):1163-73.
  • 4. Hausleiter J, Kastrati A, Wessely R, Dibra A, Mehilli J, Schratzenstaller T, et al. Prevention of restenosis by a novel drug-eluting stent system with a dose-adjustable, polymer-free, on-site stent coating. Eur Heart J. 2005;26(15):1475-81.
  • 5. Serruys PW, Sianos G, Abizaid A, Aoki J, den Heijer P, Bonnier H, et al. The effect of variable dose and release kinetics on neointimal hyperplasia using a novel paclitaxeleluting stent platform: the Paclitaxel In-Stent Controlled Elution Study (PISCES). J Am Coll Cardiol. 2005;46(2):253-60.
  • 6. Byrne RA, Mehilli J, Iijima R, Schulz S, Pache J, Seyfarth M, et al. A polymer-free dual drug-eluting stent in patients with coronary artery disease: a randomized trial vs. polymer-based drug-eluting stents. Eur Heart J. 2009. doi:10.1093/eurheartj/ehp044
  • 7. Adriaenssens T, Mehilli J, Wessely R, Ndrepepa G, Seyfarth M, Wieczorek A, et al. Does addition of estradiol improve the efficacy of a rapamycin-eluting stent? Results of the ISAR-PEACE randomized trial. J Am Coll Cardiol. 2007;49(12):1265-71.
  • 8. Verheye S. Randomized, multi-center evaluation of the pimecrolimus-eluting and the dual pimecrolimus/paclitaxeleluting coronary stent system in patients with de novo lesions of the native coronary arteries: GENESIS trial 6 month results. J Am Coll Cardiol. 2008;51:B8.
  • 9. Chamié D, Costa Jr JR, Abizaid A, Silva JFA, Feres F, Mattos LA, et al. Stents liberadores de sirolimus com e sem cobertura polimérica: análise seriada com angiografia e ultrassom intracoronariano tridimensional. Rev Bras Cardiol Invas. 2009;17(1):20-30.
  • 10. Mani G, Feldman MD, Patel D, Agrawal CM. Coronary stents: a materials perspective. Biomaterials. 2007;28(9):1689-710.
  • 11. Joner M, Nakazawa G, Finn AV, Quee SC, Coleman L, Acampado E, et al. Endothelial cell recovery between comparator polymer-based drug-eluting stents. J Am Coll Cardiol. 2008;52(5):333-42.
  • 12. Grube E, Silber S, Hauptmann KE, Mueller R, Buellesfeld L, Gerckens U, et al. TAXUS I: six- and twelve-month results from a randomized, double-blind trial on a slow-release paclitaxel-eluting stent for de novo coronary lesions. Circulation. 2003;107(1):38-42.
  • 13. Stone GW, Ellis SG, Cannon L, Mann JT, Greenberg JD, Spriggs D, et al. Comparison of a polymer-based paclitaxeleluting stent with a bare metal stent in patients with complex coronary artery disease: a randomized controlled trial. JAMA. 2005;294(10):1215-23.
  • 14. Byrne RA, Iijima R, Mehilli J, Pinieck S, Bruskina O, Schomig A, et al. Durability of anti-restenotic efficacy in drug-eluting stents with and without permanent polymer. J Am Coll Cardiol Interv. (in press).
  • 15. Lasave LI, Costa Jr JR, Costa R, Abizaid A, Feres F, Staico R, et al. Correlation between quantitative angiographic and intravascular ultrasound parameters in patients treated with sirolimus analogous-eluting stents. Int J Cardiovasc Imaging. 2009. doi:10.1007/s10554-009-9431-8
  • 16. Escolar E, Mintz GS, Popma J, Michalek A, Kim SW, Mandinov L, et al. Meta-analysis of angiographic versus intravascular ultrasound parameters of drug-eluting stent efficacy (from TAXUS IV, V, and VI). Am J Cardiol. 2007;100(4):621-6.
  • Correspondência:

    Adnan Kastrati
    Deutsches Herzzentrum, Technische Universität
    Lazarettstrasse 36
    Munich, Germany - 80636
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2009
    Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbhci@sbhci.org.br