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Efeitos do aumento de pressão positiva ao final da expiração sobre a microcirculação sublingual em pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo

Resumo

Objetivo:

O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto do aumento de pressão positiva no fim da expiração (PEEP) sobre a microcirculação sublingual.

Métodos:

Os pacientes adultos que foram sedados, sob ventilação mecânica, com diagnóstico de choque circulatório e síndrome do desconforto respiratório agudo foram incluídos. O nível da PEEP foi estabelecido para obter uma pressão de platô de 30 cmH2O e depois mantido nesse nível por 20 minutos. As variáveis de microcirculação (obtida por microscopia de vídeo) e hemodinâmica foram registradas na fase basal e comparadas com aquelas no fim de 20 min.

Resultados:

Doze pacientes foram incluídos. Em geral, os parâmetros da microcirculação não apresentaram alterações significativas após o aumento da PEEP. Porém, houve considerável variabilidade interindividual. Houve uma correlação negativa, moderada, entre as alterações no escore de De Backer (r = -0,58, p = 0,048), na densidade total do vaso (r = -0,60, p = 0,039) e nos valores basais. As alterações na densidade total do vaso (r = 0,54, p = 0,07) e na densidade do vaso perfundido (r = 0,52, p = 0,08) apresentaram tendência de correlação com as alterações na pressão arterial média.

Conclusão:

Em geral, os parâmetros da microcirculação não apresentaram alterações significativas após o aumento da PEEP. No entanto, individualmente, essa resposta foi heterogênea. As alterações nos parâmetros da microcirculação puderam ser correlacionadas com os valores basais e alterações na pressão arterial média.

PALAVRAS-CHAVE
Síndrome do desconforto respiratório do adulto; Pressão positiva expiratória final; Microcirculação; Hemodinâmica; Choque; Ventiladores mecânicos

Abstract

Objective:

The aim of this study was to evaluate the impact of increased positive end-expiratory pressure on the sublingual microcirculation.

Methods:

Adult patients who were sedated, under mechanical ventilation, and had a diagnosis of circulatory shock and acute respiratory distress syndrome were included. The positive end-expiratory pressure level was settled to obtain a plateau pressure of 30 cm H2O and then maintained at this level for 20 minutes. Microcirculatory (obtained by videomicroscopy) and hemodynamic variables were collected at baseline and compared with those at the end of 20 min.

Results:

Twelve patients were enrolled. Overall, the microcirculation parameters did not significantly change after increasing the positive end-expiratory pressure. However, there was considerable interindividual variability. There was a negative, moderate correlation between the changes in the De Backer score (r = -0.58, p = 0.048), total vessel density (r = -0.60, p = 0.039) and baseline values. The changes in total vessel density (r = 0.54, p = 0.07) and perfused vessel density (r = 0.52, p = 0.08) trended toward correlating with the changes in the mean arterial pressure.

Conclusion:

Overall, the microcirculation parameters did not significantly change after increasing the positive end-expiratory pressure. However, at individual level, such response was heterogeneous. The changes in the microcirculation parameters could be correlated with the baseline values and changes in the mean arterial pressure.

KEYWORDS
Adult respiratory distress syndrome; Positive end-expiratory pressure; Microcirculation; Hemodynamics; Shock; Mechanical ventilators

Introdução

Em pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), moderada ou grave, uma estratégia de ventilação com base em níveis mais altos em vez de mais baixos da pressão positiva no fim da expiração (PEEP) é recomendada.11 Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, et al. Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock, 2012. Intensive Care Med. 2013;39:165-228.,22 Briel M, Meade M, Mercat A, et al. Higher vs lower positive end-expiratory pressure in patients with acute lung injury and acute respiratory distress syndrome: systematic review and meta-analysis. JAMA. 2010;303:865-73. A PEEP resulta em recrutamento alveolar, redução do shunt e aumento da pressão parcial de oxigênio (PaO2).22 Briel M, Meade M, Mercat A, et al. Higher vs lower positive end-expiratory pressure in patients with acute lung injury and acute respiratory distress syndrome: systematic review and meta-analysis. JAMA. 2010;303:865-73. No entanto, os efeitos extrapulmonares de uma PEEP elevada podem limitar essa abordagem. Os efeitos sobre a hemodinâmica e o fluxo sanguíneo regional são as principais preocupações.33 De Backer D. The effects of positive end-expiratory pressure on the splanchnic circulation. Intensive Care Med. 2000;26:361-3.

O objetivo final das intervenções respiratórias e hemodinâmicas é restaurar uma perfusão tecidual eficaz e fornecer oxigênio para manter o metabolismo celular. Portanto, a avaliação da microcirculação pode melhorar a nossa compreensão dos efeitos das terapias, além de restaurar a hemodinâmica sistêmica.44 Harrois A, Dupic L, Duranteau J. Targeting the microcirculation in resuscitation of acutely unwell patients. Curr Opin Crit Care. 2011;17:303-7. Alterações no fluxo sanguíneo microvascular são mecanismos subjacentes que estão envolvidos no desenvolvimento de disfunção de múltiplos órgãos e, eventualmente, morte.55 De Backer D, Orbegozo Cortes D, Donadello K, et al. Pathophysiology of microcirculatory dysfunction and the pathogenesis of septic shock. Virulence. 2014;5:73-9. Vários estudos mostraram que alterações graves e persistentes na microcirculação são fortes preditivos do desfecho.66 De Backer D, Creteur J, Dubois MJ, et al. Microvascular alterations in patients with acute severe heart failure and cardiogenic shock. Am Heart J. 2004;147:91-9.

7 Trzeciak S, Dellinger RP, Parrillo JE, et al. Early microcirculatory perfusion derangements in patients with severe sepsis and septic shock: relationship to hemodynamics, oxygen transport, and survival. Ann Emerg Med. 2007;49:88-98, 98.e81-2.

8 Jhanji S, Lee C, Watson D, et al. Microvascular flow and tissue oxygenation after major abdominal surgery: association with post-operative complications. Intensive Care Med. 2009;35:671-7.
-99 De Backer D, Creteur J, Preiser JC, et al. Microvascular blood flow is altered in patients with sepsis. Am J Respir Crit Care Med. 2002;166:98-104. Alterações na microcirculação podem estar presentes mesmo quando os parâmetros hemodinâmicos globais são aprimorados.1010 Sakr Y, Dubois MJ, De Backer D, et al. Persistent microcirculatory alterations are associated with organ failure and death in patients with septic shock. Crit Care Med. 2004;32:1825-31. Esses achados sugerem que objetivar a microcirculação é uma abordagem lógica para as intervenções que visam a melhorar a perfusão tecidual.44 Harrois A, Dupic L, Duranteau J. Targeting the microcirculation in resuscitation of acutely unwell patients. Curr Opin Crit Care. 2011;17:303-7.

Estudos clínicos que investigam as alterações de perfusão regional induzidas pela PEEP com o uso de diferentes ferramentas tiveram como foco a área esplâncnica e apresentaram resultados conflitantes.1111 Trager K, Radermacher P, Georgieff M. PEEP and hepatic metabolic performance in septic shock. Intensive Care Med. 1996;22:1274-5.

12 Bruhn A, Hernandez G, Bugedo G, et al. Effects of positive end-expiratory pressure on gastric mucosal perfusion in acute respiratory distress syndrome. Crit Care. 2004;8:R306-11.
-1313 Kiefer P, Nunes S, Kosonen P, et al. Effect of positive end-expiratory pressure on splanchnic perfusion in acute lung injury. Intensive Care Med. 2000;26:376-83. Como os efeitos microcirculatórios da PEEP não foram estabelecidos, o objetivo deste estudo foi avaliar o impacto do aumento dos níveis da PEEP sobre os parâmetros da microcirculação sublingual com o uso de videomicroscopia.

Métodos

Este estudo foi feito em uma unidade de terapia intensiva (UTI) mista, com 35 leitos, de um hospital universitário entre julho de 2011 e outubro de 2012. O Comitê de Ética local aprovou o estudo e os parentes mais próximos dos pacientes assinaram os termos de consentimento informado para permitir a coleta de dados.

Os pacientes adultos com SDRA que foram mecanicamente ventilados com uma pressão de platô ≤ 25 cm H2O e PEEP ≤ 10 cm H2O, bem como com uma indicação de aumento da PEEP pelo médico responsável, foram incluídos. Todos os pacientes recebiam sedação com grau 6 na escala de Ramsay, haviam desenvolvido choque circulatório com necessidade de vasopressor e monitoração hemodinâmica com cateter de artéria pulmonar e cateter arterial. SDRA foi definida de acordo com a Conferência de Consenso.1414 Ranieri VM, Rubenfeld GD, Thompson BT, et al. Acute respiratory distress syndrome: the Berlin Definition. JAMA. 2012;307:2526-33. Os critérios de exclusão foram gravidez, hipertensão intracraniana, síndrome de compartimento abdominal e lesões orais. Também excluímos os pacientes nos quais a principal causa de choque circulatório foi sangramento ativo (suspeito ou confirmado) ou choque cardiogênico, o qual foi definido como um índice cardíaco (IC) < 1,8 L.min-1.m-2 sem suporte e pressão de oclusão da artéria pulmonar ≥ 18 mmHg.

Intervenções

Os pacientes selecionados foram ventilados mecanicamente (Vela, Viasys, Palm Springs, CA, EUA), com o modo volume controlado. O volume corrente foi ajustado para 6 mL·kg-1 (com base no peso corporal previsto do paciente) e não houve alterações nos outros parâmetros ventilatórios. A complacência estática do sistema respiratório foi calculada após uma pausa inspiratória de 2 segundos (s). Cada paciente foi observado por 10 minutos (min) antes das alterações na PEEP para garantir que não houvesse variações significativas nos parâmetros hemodinâmicos e ventilatórios. O nível da PEEP foi então aumentado para obter uma pressão de platô de 30 cmH2O (medida após uma pausa inspiratória de 2 s). A PEEP foi mantida a esses níveis por 20 min. Durante o período de estudo, as doses dos agentes sedativos, inotrópicos e vasopressores permaneceram constantes. Caso houvesse uma queda da pressão arterial média (PAM) abaixo de 65 mmHg, do IC abaixo de 50% ou da oximetria de pulso abaixo de 90% durante esse período de observação, a intervenção seria interrompida. Após o protocolo, o médico responsável ajustou o nível da PEEP.

Os parâmetros hemodinâmicos, ventilatórios e microcirculatórios foram medidos na fase basal (T0) e imediatamente após o período de 20 min (T1). O IC foi medido com a técnica de termodiluição semicontínua, que considerou a média dos valores de quatro mensurações consecutivas na tela do monitor Vigilance® (Edwards Lifesciences, Irvine, CA, EUA) em modo STAT. Todas as pressões foram determinadas no fim da expiração com o nível de referência zero estabelecido do quarto ao quinto espaço intercostal ao longo da linha axilar média.

Avaliamos a rede microvascular sublingual com o método de imagem Sidestream Dark Field (SDF) (Microscan; MicroVision Medical, Amsterdam, Holanda). Resumidamente, o Microscan é um sistema portátil de videomicroscopia que ilumina o tecido de interesse com uma luz verde estroboscópica (530 nm) que emite diodos. A hemoglobina absorve a luz de comprimento de onda de 530 nm, que, por sua vez, é capturada via um guia de luz da sonda de imagem e uma câmara de dispositivo de carga acoplada. As imagens claras do fluxo de hemácias são retratadas como glóbulos escuros em movimento no lúmen dos vasos sanguíneos contra um fundo branco/acinzentado. As técnicas recomendadas para garantir imagens de alta qualidade foram adotadas.1515 De Backer D, Hollenberg S, Boerma C, et al. How to evaluate the microcirculation: report of a round table conference. Crit Care. 2007;11:R101. Após a remoção de saliva e secreções orais, a sonda foi aplicada sobre a mucosa. Em cada momento estabelecido, três vídeos foram gravados em diferentes locais na base da língua, durante pelo menos 10 s por local. Atenção especial foi dedicada para evitar artefatos de pressão mediante observação do fluxo em andamento nos microvasos maiores. Todos os vídeos foram obtidos com o programa AVA 3.0® (Microvision Medical, Amsterdam, Holanda), consideraram-se para as análises os vasos com diâmetro inferior a 20 µm (pequenos vasos). A sequência inteira foi usada para distinguir as características semiquantitativas do fluxo sanguíneo microvascular, especialmente a presença de fluxo interrompido ou intermitente. A sequência distingue entre ausência de fluxo (0), fluxo intermitente (1), fluxo lento (2) e o fluxo contínuo (3). Um valor foi atribuído para cada vaso. Após a estabilização das imagens com o programa AVA 3.0, determinamos o índice de fluxo microcirculatório (MFI), a densidade total do vaso (TVD), a proporção de vasos perfundidos (PPV), o escore de De Backer e a densidade do vaso perfundido (PVD), como previamente descrito.1515 De Backer D, Hollenberg S, Boerma C, et al. How to evaluate the microcirculation: report of a round table conference. Crit Care. 2007;11:R101. Os pesquisadores (ATB e NFN), cegados para o estudo, analisaram todas as imagens em ordem randomizada.

Análise estatística

A nossa proposição foi uma redução média de 0,5 e um desvio padrão da diferença de 0,5 no MFI após um aumento da PEEP para calcular o tamanho da amostra necessário para comparar duas amostras pareadas (nível de significância de 5% e poder de 80%). O tamanho necessário da amostra foi de 10 pacientes e, para corrigir o potencial de distribuição não paramétrica da variável, ajustamos o tamanho da amostra para 12 pacientes.

Os dados foram expressos em números (%) ou medianas e intervalos interquartis (percentil 25 a 75). Testes não paramétricos foram usados devido ao pequeno tamanho da amostra. As variáveis hemodinâmicas, respiratórias e microcirculatórias foram comparadas em T0 e T1 com o teste de Wilcoxon pareado. Análises adicionais foram feitas para testar a correlação linear entre as variáveis microcirculatórias na fase basal e suas alterações após o aumento da PEEP (ΔMFI, ΔTVD, ΔPPV, ΔPVD e escore de ΔDe Backer), com o teste de correlação de Spearman.

Usamos o programa estatístico SPSS versão 17.0 para Windows (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Os resultados com valores de p < 0,05 foram considerados significativos. Para o cálculo do tamanho da amostra, o programa MedCalc 14.12.0 (MedCalc Software bvba, Bélgica) foi usado.

Resultados

Doze pacientes com SDRA e choque circulatório, com média de 68 anos (50,25-76,50), foram incluídos. Choque séptico foi a causa mais comum de admissão em UTI. Os principais dados clínicos são apresentados na tabela 1.

Tabela 1
Características dos pacientes

O aumento médio dos níveis da PEEP para atingir uma pressão de platô de 30 cm H2O foi de 7,5 (6,0-10,0) cm H2O. Após o aumento da PEEP, dez pacientes apresentaram queda do IC e nove da PAM. Aumentar os níveis da PEEP levou a um aumento significativo da PaO2 (p = 0,05); porém, houve uma redução significativa da oferta de oxigênio (p = 0,01). As variáveis hemodinâmicas e respiratórias são apresentadas na tabela 2.

Tabela 2
Alterações das variáveis hemodinâmicas, respiratórias e metabólicas após uma alteração da PEEP

Em geral, os parâmetros da microcirculação não variaram de forma significativa após um aumento da PEEP (tabela 3). No entanto, houve uma considerável variabilidade interindividual. As alterações individuais nos parâmetros da microcirculação são apresentadas na figura 1. Dois pacientes apresentaram quedas dramáticas na PPV. Esses pacientes também apresentaram redução importante do IC e da PAM.

Tabela 3
Alterações nas variáveis da microcirculação após uma alteração na PEEP

Figura 1
Comportamento individual dos parâmetros microvasculares sublinguais (T0, fase basal; T1, após o aumento da PEEP; MFI, índice de fluxo da microcirculação; TVD, densidade total do vaso; PPV, proporção de vasos perfundidos; PVD, densidade dos vasos perfundidos).

Houve uma correlação negativa, moderada, entre ΔDe Backer (r = -0,58, p = 0,048) e ΔTVD (r = -0,60, p = 0,039) e seus valores basais. Esse não foi o caso de ΔMFI (r = -0,29, p = 0,36) ou ΔPPV (r = -0,48, p = 0,12). Houve uma tendência de correlação negativa entre ΔPVD (r = -0,57, p = 0,05) e o valor basal. Curiosamente, ΔTVD (r = 0,54, p = 0,07) e ΔPVD (r = 0,52, p = 0,08) apresentaram tendência de correlação com as alterações da PAM. Nenhuma outra correlação foi observada entre as alterações nos parâmetros da microcirculação e as alterações na hemodinâmica sistêmica ou alterações nos níveis da PEEP.

Discussão

Descobrimos que houve variação considerável nas respostas individuais da microcirculação sublingual aos aumentos na PEEP, embora não tenha havido alterações globais. As alterações induzidas pela PEEP nos parâmetros da microcirculação se correlacionaram com os valores basais nos escores da TVD e de De Backer. Além disso, houve uma tendência de correlação entre as alterações na PAM e as alterações na PVD e TVD.

Em geral, não houve alteração significativa nos parâmetros da microcirculação após o aumento da PEEP. Porém, a variabilidade interindividual considerável sugere a necessidade de estudos adicionais que visam a compreender os fatores que influenciam as variações individuais da resposta. Os mecanismos envolvidos nas alterações da microcirculação após o aumento da PEEP provavelmente incluíram outros fatores além da hemodinâmica sistêmica. Os papéis da pressão intraabdominal,1616 Maddison L, Karjagin J, Buldakov M, et al. Sublingual microcirculation in patients with intra-abdominal hypertension: a pilot study in 15 critically ill patients. J Crit Care. 2014;29, 183.e181-6. da atividade neuro-humoral,1717 Nanas S, Magder S. Adaptations of the peripheral circulation to PEEP. Am Rev Respir Dis. 1992;146:688-93. dos sinais metabólicos dependentes de oxigênio,1818 Orbegozo Cortes D, Puflea F, Donadello K, et al. Normobaric hyperoxia alters the microcirculation in healthy volunteers. Microvasc Res. 2014;98c:23-8. do potencial efeito do aumento dos níveis da PEEP sobre a pressão venosa central1919 Vellinga NA, Ince C, Boerma EC. Elevated central venous pressure is associated with impairment of microcirculatory blood flow in sepsis: a hypothesis generating post hoc analysis. BMC Anesthesiol. 2013;13:17. e das alterações induzidas pela sepse no fluxo sanguíneo dos órgãos não podem ser negligenciados.2020 Bersten AD, Gnidec AA, Rutledge FS, et al. Hyperdynamic sepsis modifies a PEEP-mediated redistribution in organ blood flows. Am Rev Respir Dis. 1990;141(Pt 1):1198-208. O controle do fluxo sanguíneo na microcirculação é um fenômeno muito complexo e as respostas altamente heterogêneos em nível de paciente em nosso estudo poderiam ser explicadas pelas interações de múltiplos fatores.2121 Fry BC, Roy TK, Secomb TW. Capillary recruitment in a theoretical model for blood flow regulation in heterogeneous microvessel networks. Physiol Rep. 2013;1:e00050.

Nosso estudo foi o primeiro a avaliar as respostas da microcirculação sublingual aos aumentos na PEEP. Porém, estudos anteriores examinaram os efeitos da PEEP sobre a perfusão regional com outras ferramentas. Bruhn et al. mostraram que uma PEEP de 10-20 cmH2O não afetou a perfusão da mucosa gástrica medida por tonometria gástrica e foi hemodinamicamente tolerada na maioria dos pacientes com SDRA incluídos no estudo.1212 Bruhn A, Hernandez G, Bugedo G, et al. Effects of positive end-expiratory pressure on gastric mucosal perfusion in acute respiratory distress syndrome. Crit Care. 2004;8:R306-11. Kiefer et al. relataram que um aumento da PEEP de 5 cmH2O não teve um efeito consistente sobre o fluxo sanguíneo esplâncnico e o metabolismo quando o índice cardíaco estava estável.1313 Kiefer P, Nunes S, Kosonen P, et al. Effect of positive end-expiratory pressure on splanchnic perfusion in acute lung injury. Intensive Care Med. 2000;26:376-83. Em outro estudo, no entanto, aumentos de 5 a 15 cmH2O dos níveis da PEEP induziram um decréscimo do débito cardíaco com queda concomitante da saturação de O2 na veia hepática e da produção hepática de glicose.1111 Trager K, Radermacher P, Georgieff M. PEEP and hepatic metabolic performance in septic shock. Intensive Care Med. 1996;22:1274-5. Dados de estudos experimentais sugerem que o efeito da PEEP sobre o sangue esplâncnico depende da dose e que geralmente pode ser revertido com a manutenção da hemodinâmica sistêmica.33 De Backer D. The effects of positive end-expiratory pressure on the splanchnic circulation. Intensive Care Med. 2000;26:361-3.,2222 Putensen C, Wrigge H, Hering R. The effects of mechanical ventilation on the gut and abdomen. Curr Opin Crit Care. 2006;12:160-5.

Infelizmente, o pequeno tamanho de nossa amostra não permite análises estatísticas adicionais para determinar o comportamento da microcirculação no subgrupo de pacientes com comprometimento hemodinâmico. Contudo, observamos uma tendência na correlação entre as alterações da PAM e da microcirculação sublingual; os pacientes com redução da PAM após um aumento da PEEP apresentaram redução da perfusão microvascular. A grande maioria dos estudos com videomicroscopia para avaliar intervenções terapêuticas relatou que os efeitos da microcirculação sublingual foram relativamente independentes dos efeitos sistêmicos.88 Jhanji S, Lee C, Watson D, et al. Microvascular flow and tissue oxygenation after major abdominal surgery: association with post-operative complications. Intensive Care Med. 2009;35:671-7.,2323 Dubin A, Pozo MO, Casabella CA, et al. Increasing arterial blood pressure with norepinephrine does not improve microcirculatory blood flow: a prospective study. Crit Care. 2009;13:R92.,2424 De Backer D, Creteur J, Dubois MJ, et al. The effects of dobutamine on microcirculatory alterations in patients with septic shock are independent of its systemic effects. Crit Care Med. 2006;34:403-8. Porém, algumas evidências sugerem que a microcirculação não é totalmente dissociada da hemodinâmica sistêmica e alterações na perfusão da microcirculação podem corresponder a alterações na PAM.2323 Dubin A, Pozo MO, Casabella CA, et al. Increasing arterial blood pressure with norepinephrine does not improve microcirculatory blood flow: a prospective study. Crit Care. 2009;13:R92.,2525 Silva S, Teboul JL. Defining the adequate arterial pressure target during septic shock: not a 'micro' issue but the microcirculation can help. Crit Care. 2011;15:1004.

26 Thooft A, Favory R, Salgado DR, et al. Effects of changes in arterial pressure on organ perfusion during septic shock. Crit Care. 2011;15:R222.
-2727 Pottecher J, Deruddre S, Teboul JL, et al. Both passive leg raising and intravascular volume expansion improve sublingual microcirculatory perfusion in severe sepsis and septic shock patients. Intensive Care Med. 2010;36:1867-74. Vale mencionar que não descobrimos qualquer correlação entre as alterações no índice cardíaco e as alterações nas variáveis microcirculatórias.

Não podemos descartar a possibilidade de que as alterações entre as mensurações podem ser variações aleatórias associadas à técnica SDF ou um fenômeno estatístico.2828 Linden A. Assessing regression to the mean effects in health care initiatives. BMC Med Res Methodol. 2013;13:119. Porém, a correlação negativa entre as variáveis microcirculatórias e seus valores basais foi significativa para TVD e escore de De Backer e tendeu a ser significativa para PVD. Curiosamente, alguns estudos relataram que essas alterações podem estar correlacionadas com os valores basais. Na sepse, a resposta da microcirculação à noradrenalina depende do estado microcirculatório basal; a densidade dos capilares perfundidos melhorou nos pacientes que apresentaram perfusão sublingual alterada na fase basal.2323 Dubin A, Pozo MO, Casabella CA, et al. Increasing arterial blood pressure with norepinephrine does not improve microcirculatory blood flow: a prospective study. Crit Care. 2009;13:R92. O aumento do fluxo sanguíneo microcirculatório foi inversamente correlacionado com os níveis basais nos pacientes com choque séptico após 12 horas de hemofiltração de alto volume.2929 Ruiz C, Hernandez G, Godoy C, et al. Sublingual microcirculatory changes during high-volume hemofiltration in hyperdynamic septic shock patients. Crit Care. 2010;14:R170. A alteração na perfusão capilar após a transfusão de hemácias foi correlacionada com a perfusão capilar basal e melhorou nos pacientes com perfusão capilar alterada na fase basal.3030 Sakr Y, Chierego M, Piagnerelli M, et al. Microvascular response to red blood cell transfusion in patients with severe sepsis. Crit Care Med. 2007;35:1639-44. Nossos resultados estão de acordo com os desses estudos e sugerem que o fluxo sanguíneo da microcirculação melhorou nos pacientes com perfusão sublingual mais baixa na fase basal, enquanto diminuiu nos pacientes com fluxo sanguíneo microvascular maior. Esses resultados precisam ser confirmados por estudos adicionais.

Nosso estudo tem outras limitações além do pequeno tamanho da amostra. O período de estudo foi curto e avaliamos a microcirculação sublingual em apenas um momento após os aumentos da PEEP. Portanto, os resultados não podem ser extrapolados para alterações prolongadas da PEEP. Nosso estudo também não contou com um grupo controle e, por fim, não avaliamos o impacto da elevação gradual da PEEP e usamos um valor variável de PEEP.

Conclusão

Houve uma variação considerável nas respostas individuais da microcirculação sublingual ao aumento da PEEP, embora não tenha havido alterações globais nos parâmetros microcirculatórios sublinguais. Porém, as alterações na perfusão da microcirculação podem estar correlacionadas com os valores basais e alterações na PAM.

  • Financiamento
    Este estudo foi totalmente subsidiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp - 2010/50096-6).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2015
  • Aceito
    05 Out 2015
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