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Sedação com dexmedetomidina e remifentanil em anestesia local para monitoração intraoperatória da fala: um relato de caso

Resumo

Justificativa e objetivos

Alguns procedimentos cirúrgicos requerem que o paciente se mantenha consciente no intraoperatório, como as laringoplastias, para que a monitoração da voz seja feita. Optamos pelo uso de dexmedetomidina e remifentanil por serem fármacos que proporcionam adequada colaboração do paciente com fácil despertar, são rapidamente eliminados do organismo.

Relato de caso

Paciente com queixa de disfonia por paralisia de corda vocal unilateral após realização de tireoidectomia. O procedimento foi realizado com anestesia local associada à sedação com dexmedetomidina e remifentanil. A paciente ficou estável e colaborativa durante toda a operação, sem períodos de dessaturação e com rápido despertar pós-operatório.

Conclusão

Dexmedetomidina e remifentanil podem ser utilizados para sedação com grande segurança, mas isso não dispensa a necessidade do cuidado por um anestesiologista em tempo integral durante o procedimento.

PALAVRAS-CHAVE
Laringoplastia; Dexmedetomidina; Remifentanil

Abstract

Background and objective

Some surgical procedures such as laryngoplasty require patients to remain conscious during the intraoperative phase in order to enable speech monitoring. Dexmedetomidine and remifentanil were used in this study, since they promote appropriate patient collaboration with facilitated awakening, and are rapidly eliminated.

Case report

The patient complained of dysphonia, which had resulted from unilateral vocal fold paralysis after previous thyroidectomy. The surgical treatment was performed under local anesthesia in association with sedation using dexmedetomidine and remifentanil. The patient was stable and cooperative during the entire intraoperative period, without desaturation and with rapid postoperative awakening.

Conclusion

Dexmedetomidine and remifentanil can be used for safe sedation; however, the presence of an anesthesiologist is required during the entire intraoperative period.

KEYWORDS
Laryngoplasty; Dexmedetomidine; Remifentanil

Introdução

A laringoplastia é um procedimento cirúrgico feito para tratar a disfonia relacionada à insuficiência glótica. O procedimento apresenta um potencial álgico relativamente baixo, mas requer monitoração intraoperatória de fala. No passado, esse procedimento era feito apenas com anestesia local, o que causava um desconforto considerável para o paciente e prejudicava o procedimento cirúrgico.11 Jense RJ, Souter K, Davies J, et al. Dexmedetomidine sedation for laryngeal framework surgery. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2008;117:659-64.,22 Kukida A, Fujimoto Y, Shimoyama K, et al. Dexmedetomidine is useful for sedation during laryngoplasty with voice monitoring. Masui. 2014;63:431-4. Este relato de caso descreve o uso de sedação com dexmedetomidina e remifentanil em associação com anestesia local em laringoplastia.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 50 anos, 59 kg de peso, 1,64 m de altura, estado físico ASA II, com refluxo gastroesofágico (prescrição de 40 mg de omeprazole), ex- fumante (fumou por 30 anos), indicada para laringoplastia devido à paralisia paramediana da prega vocal direita. A avaliação pré-anestesia foi feita um dia antes da cirurgia e a história clínica da paciente revelou tireoidectomia feita 20 anos antes do procedimento atual, que resultou em disfonia pós-operatória. Os resultados anteriores do exame otorrinolaringológico revelaram paralisia da prega vocal direita, além de edema de Reinke e leucoplaquia da prega vocal esquerda. Exames anatomopatológicos descartaram malignidade. Exames laboratoriais apresentaram resultados normais e espirometria indicou um padrão de ventilação ligeiramente obstruído com resposta broncodilatadora. A paciente estava ansiosa e preocupada quando chegou à sala de operações, mas também cooperativa. Monitoração contínua com ECG foi feita, além de oximetria de pulso e pressão arterial não invasiva. A frequência cardíaca era de 82 bpm, pressão arterial de 130 × 70 mmHg, SpO2 de 97% e ritmo sinusal normal. A punção venosa foi então feita com um cateter 20 G em dorso da mão direita.

A equipe cirúrgica solicitou que a paciente fosse mantida desperta para que pudesse conversar durante o procedimento cirúrgico. A equipe decidiu por anestesia local no pescoço e sedação. A paciente foi colaborativa e permitiu o uso da técnica escolhida. A sedação foi então iniciada com dexmedetomidina em dose de indução de 1 µg.kg−1 durante 15 minutos (min), seguida de uma dose de 0,2–0,7 µg.kg−1.h−1 associada a 0,05 µg.kg−1.min−1 de remifentanil, ambas administradas via bomba de infusão contínua. No momento em que a paciente ficou suficientemente sonolenta, a anestesia local foi feita pelo cirurgião na região anterior do pescoço com lidocaína a 2% e ropivacaína a 0,5%. Uma cânula nasal forneceu oxigênio a 100% (3 L.min−1) durante todo o procedimento.

Quando o cirurgião requisitou que a paciente estivesse acordada e falando, a dose do anestésico foi diminuída e a paciente chamada verbalmente. Rapidamente acordou e cumpriu todas as ordens necessárias. Dessaturações ou reclamações álgicas não foram observadas durante o procedimento e os sinais vitais (pressão arterial e frequência cardíaca) permaneceram estáveis, semelhantes aos valores basais. Infusão lenta de tramadol (100 mg), dipirona (2 g) e ondansetrona (8 mg), diluídos em solução salina a 0,9%, foi usada para analgesia e antiemese no pós-operatório.

A duração da cirurgia foi de 75 minutos e a paciente acordou antes de deixar a sala de operações. A paciente foi transferida para a sala de recuperação pós-anestesia, com oxigênio (2 L.min−1) fornecido via cânula, onde permaneceu por 40 minutos; posteriormente foi transferida para a enfermaria, sem queixa álgica ou emética, não dispneica e respirava ar ambiente. A paciente recebeu alta hospitalar no dia seguinte.

Discussão e conclusão

A base cirúrgica fisiológica foi a medialização da prega vocal paralisada para estabelecer o contato normal entre ambas as pregas e fechar o espaço entre elas. Portanto, as pregas vocais devem ser constantemente visualizadas durante a cirurgia, especialmente durante a fonação, para determinar o seu posicionamento ideal.33 Abdelmalak B, Gutenberg L, Lorenz RR, et al. Dexmedetomidine supplemented with local anesthesia for awake laryngoplasty. J Clin Anesth. 2009;21:442-43.

Para tanto, o paciente deve estar responsivo e colaborativo sempre que solicitado a falar. O uso de sedativos tradicionais, como midazolam, fentanil, propofol e droperidol, pode levar à sedação excessiva, ao comprometimento da colaboração do paciente e à depressão respiratória.33 Abdelmalak B, Gutenberg L, Lorenz RR, et al. Dexmedetomidine supplemented with local anesthesia for awake laryngoplasty. J Clin Anesth. 2009;21:442-43.

Dexmedetomidina é um alfa-2 agonista não seletivo, com seletividade de 1:1.600 entre α1:α2. Promove sedação com rápido despertar após a interrupção da infusão e resulta em mínima depressão respiratória com analgesia, estado ansiolítico, amnésia e simpatólise.33 Abdelmalak B, Gutenberg L, Lorenz RR, et al. Dexmedetomidine supplemented with local anesthesia for awake laryngoplasty. J Clin Anesth. 2009;21:442-43.,44 Reves JG, Glas PSA, Lubasky DA, et al. Intravenous anesthetics. In: Miller RD, editor. Miller anesthesia. 7th ed. Elsevier; 2014. p. 791-807. Os principais alvos da ação são o locus coeruleus e a medula espinhal. Seus efeitos são rapidamente revertidos por α2-antagonistas; por exemplo, atipamezole.44 Reves JG, Glas PSA, Lubasky DA, et al. Intravenous anesthetics. In: Miller RD, editor. Miller anesthesia. 7th ed. Elsevier; 2014. p. 791-807.

Remifentanil é um opioide com semelhante concentração dos ingredientes ativos e meia-vida ultracurta (t½ β: 5–8 min) em comparação com fentanil. É usado em anestesia geral em associação com hipnóticos e em sedação. Remifentanil aumenta o risco de depressão respiratória semelhante a outros opioides e, portanto, não tem sido rotineiramente usado como medicamento para sedação; porém, doses baixas podem ser usadas para sedação segura (0.05–0,1 µg.kg−1.min−1). Devido à sua rápida eliminação (diferente de outros opioides), outros analgésicos são necessários para analgesia pós-operatória.55 Fukuda K. Opioids. In: Miller RD, editor. Miller anesthesia. 7th ed. Elsevier; 2014. p. 751-7.

Portanto, a laringoplastia pode ser feita de forma segura com anestesia local e sedação com dexmedetomidina e remifentanil, embora ainda seja importante fornecer oxigênio ao paciente e proporcionar uma monitoração eficiente, além de ter a presença de um anestesiologista na sala de operações durante todo o procedimento.

References

  • 1
    Jense RJ, Souter K, Davies J, et al. Dexmedetomidine sedation for laryngeal framework surgery. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2008;117:659-64.
  • 2
    Kukida A, Fujimoto Y, Shimoyama K, et al. Dexmedetomidine is useful for sedation during laryngoplasty with voice monitoring. Masui. 2014;63:431-4.
  • 3
    Abdelmalak B, Gutenberg L, Lorenz RR, et al. Dexmedetomidine supplemented with local anesthesia for awake laryngoplasty. J Clin Anesth. 2009;21:442-43.
  • 4
    Reves JG, Glas PSA, Lubasky DA, et al. Intravenous anesthetics. In: Miller RD, editor. Miller anesthesia. 7th ed. Elsevier; 2014. p. 791-807.
  • 5
    Fukuda K. Opioids. In: Miller RD, editor. Miller anesthesia. 7th ed. Elsevier; 2014. p. 751-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2018

Histórico

  • Recebido
    3 Mar 2017
  • Aceito
    29 Set 2017
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