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Neuroimagem em doenças reumatológicas

De acordo com o American College of Rheumatology, embora as doenças reumatológicas sejam raras, um entre quatro americanos adultos tem sido diagnosticado com algum dos diversos tipos dessas doenças. O Centers for Disease Control, recentemente, previu que até o ano de 2040 cerca de 78 milhões de americanos adultos (26% da população) poderão ser diagnosticados com doença reumatológica. Das que têm manifestação no sistema nervoso central, a artrite reumatoide atinge, atualmente, cerca de 1,3 milhão de americanos adultos, e cerca de 200 mil a 300 mil são diagnosticados com lúpus eritematoso sistêmico (LES)(11 Jayatilleke A. Prevalence of rheumatic disease. [homepage on the Internet]. [cited 2018 Jul 8]. Available from: http://simpletasks.org/prevalence-of-rheumatic-disease/.
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).

Alterações neuropsiquiátricas são manifestações clínicas importantes associadas ao LES e o risco de evento cerebrovascular vem crescendo, sendo o acidente vascular encefálico isquêmico uma das mais graves complicações, com incidência variando de 3% a 20% nos primeiros cinco anos do diagnóstico dessa doença(22 De Amorim LC, Maia FM, Rodrigues CE, et al. Stroke in systemic lupus erythematosus and antiphospholipid syndrome: risk factors, clinical manifestations, neuroimaging, and treatment. Lupus. 2017;26:529-36.). O comprometimento neurológico no LES acarreta grande impacto na qualidade de vida e no resultado do acompanhamento desses pacientes, sendo os exames de neuroimagem, a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) de grande importância para o diagnóstico e monitoramento dos eventos vasculares isquêmicos(33 Govoni M, Bortoluzzi A, Padovan M, et al. The diagnosis and clinical management of the neuropsychiatric manifestations of lupus. J Autoimmun. 2016;74: 41-72.,44 Jafri K, Patterson SL, Lanata C. Central nervous system manifestations of systemic lupus erythematosus. Rheum Dis Clin North Am. 2017;43:531-45.). Os avanços e as diversas técnicas de RM têm permitido realizar avaliações cada vez mais precisas da estrutura, da perfusão e do metabolismo cerebral, facilitando a detecção e acompanhamento das lesões cerebrais nesses pacientes(55 Zardi EM, Giorgi C, Zardi DM. Diagnostic approach to neuropsychiatric lupus erythematosus: what should we do? Postgrad Med. 2018;1-12. doi: 10.1080/00325481.2018.1492309. [Epub ahead of print].
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).

As doenças reumatológicas apresentam quadros clínicos neurológicos diversos, como a encefalopatia posterior reversível, que pode ocorrer em pacientes com LES, notadamente em mulheres, com os seguintes fatores de risco: doença em atividade, comprometimento renal e hipertensão arterial sistêmica. As manifestações clínicas mais comuns são convulsões, cefaleia, alterações do estado mental, cegueira cortical, sinais clínicos de hipertensão, vômitos e déficits neurológicos. Nos exames de neuroimagem, o envolvimento é bilateral, mais comumente nos lobos occipitais e parietais. É necessário o controle da pressão arterial e das convulsões, e a revisão das drogas imunossupressoras tem mostrado bons resultados terapêuticos(66 Budhoo A, Mody GM. The spectrum of posterior reversible encephalopathy in systemic lupus erythematosus. Clin Rheumatol. 2015;34:2127-34.,77 Dhillon A, Velazquez C, Siva C. Rheumatologic diseases and posterior reversible encephalopathy syndrome: two case reports and review of the literature. Rheumatol Int. 2012;32:3707-13.).

A artrite reumatoide é uma doença crônica inflamatória multissistêmica com manifestações articulares e extra-articulares. Na artrite reumatoide, o deslocamento craniocervical ocorre em mais de 40% dos pacientes com doença grave, sendo fundamental o seu diagnóstico adequado, pela importância das potenciais complicações neurológicas. A neuroimagem é essencial para confirmar o diagnóstico e categorizar a gravidade da lesão, sendo muitas vezes necessário o tratamento cirúrgico, quando métodos mais conservadores como tração e imobilização externa não resolvem ou não estão indicados no caso. As manifestações intracranianas na artrite reumatoide são raras, podendo ocorrer leptomeningite, sendo primordial a avaliação por RM do crânio e a confirmação histológica por biópsia para confirmação diagnóstica(88 de Carvalho M, Swash M. Neurologic complications of craniovertebral dislocation. Handb Clin Neurol. 2014;119:435-48.,99 Cianfoni A, Falcone C, Faustini F, et al. Rheumatoid leptomeningitis: magnetic resonance imaging and pathologic findings-a case report. J Neuroimaging. 2010;20:192-4.).

O envolvimento do sistema nervoso central em pacientes com esclerodermia, que era considerado raro, tem sido cada vez mais reconhecido. Convulsões, cefaleia, comprometimento de pares cranianos, hemiparesia, distúrbios cognitivos e alterações neuropsiquiátricas têm sido descritos nesses pacientes. Na forma localizada da esclerodermia tem sido descrita a lesão "em golpe de sabre" na região frontoparietal, e a atrofia de estruturas musculares, cartilagem e ossos da face sugerem a possibilidade de síndrome de Parry-Romberg. Têm sido descritas, ainda, além de atrofia cerebral, calcificações intraparenquimatosas e lesões de substância branca, evidenciáveis por RM. O comprometimento do sistema nervoso periférico (com miopatia, neuropatia trigeminal e polineuropatia periférica) e autonômico (com envolvimento cardiovascular e do sistema digestório) predominam na esclerodermia sistêmica. O tratamento do comprometimento do sistema nervoso central varia caso a caso, sendo fundamental a suspeita diagnóstica e a utilização dos métodos de imagem(1010 Amaral TN, Peres FA, Lapa AT, et al. Neurologic involvement in scleroderma: a systematic review. Semin Arthritis Rheum. 2013;43:335-47.,1111 Pinho J, Rocha J, Sousa F, et al. Localized scleroderma en coup de sabre in the neurology clinic. Mult Scler Relat Disord. 2016;8:96-8.).

A doença de Behçet é outra desordem inflamatória crônica multissistêmica e nela o comprometimento neurológico (denominado como neuro-Behçet) manifesta-se clinicamente com cefaleia, disartria, ataxia e hemiparesia. A maioria desses pacientes apresenta envolvimento parenquimatoso afetando a região troncodiencefálica e há ainda uma forma extraparenquimatosa com trombose de seios venosos cerebrais e também envolvimento da medula espinal. A trombose venosa cerebral manifesta-se, nesses pacientes com neuro-Behçet, com síndrome de hipertensão intracraniana, sendo os locais mais afetados os seios sagital superior e transverso(1212 Uygunoglu U, Siva A. Behçet's syndrome and nervous system involvement. Curr Neurol Neurosci Rep. 2018;18:35.,1313 Aguiar de Sousa D, Mestre T, Ferro JM. Cerebral venous thrombosis in Behçet's disease: a systematic review. J Neurol. 2011;258:719-27.).

A espondilite anquilosante é uma doença reumatológica inflamatória que afeta principalmente o esqueleto axial. Com o desenvolvimento da doença, a coluna vertebral tende a ficar rígida, desenvolvendo secundariamente osteoporose, aumentando o risco de fraturas, mesmo com trauma leve, podendo desenvolver lesão medular em correspondência(1414 Isla Guerrero A, Mansilla Fernández B, Hernández Garcia B, et al. Surgical outcomes of traumatic cervical fractures in patients with ankylosing spondylitis. Neurocirugia (Astur). 2018;29:116-21.). Nesses pacientes com espondilite anquilosante e traumatismo é recomendada a avaliação com TC ou RM de toda a coluna vertebral, mesmo que os sintomas sejam leves.

Neste número da Radiologia Brasileira, o artigo "Espectro do envolvimento do sistema nervoso central em doenças reumatológicas: ensaio iconográfico"(1515 Vieira RM, Nascimento FBP, Barbosa Júnior AA, et al. Espectro do envolvimento do sistema nervoso central em doenças reumatológicas: ensaio iconográfico. Radiol Bras. 2018;51:262-7.) apresenta uma boa revisão dos principais achados dessas doenças e apresenta casos de dois hospitais terciários, com os principais achados neurradiológicos de RM e TC, contribuindo para alertar o médico radiologista sobre a importância de sempre procurar saber as indicações clínicas e as doenças de base dos pacientes que atendem. O não conhecimento de que essas doenças sistêmicas apresentam manifestações neurológicas pode confundir o médico radiologista e o médico assistente e retardar ou mesmo prejudicar a terapêutica mais adequada em cada caso.

REFERENCES

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    Zardi EM, Giorgi C, Zardi DM. Diagnostic approach to neuropsychiatric lupus erythematosus: what should we do? Postgrad Med. 2018;1-12. doi: 10.1080/00325481.2018.1492309. [Epub ahead of print].
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  • 6
    Budhoo A, Mody GM. The spectrum of posterior reversible encephalopathy in systemic lupus erythematosus. Clin Rheumatol. 2015;34:2127-34.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun-Aug 2018
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