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Termo de consentimento e análise de material biológico armazenado

Resumos

OBJETIVO: Relatar uma experiência envolvendo a obtenção de termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) para estudo retrospectivo realizado no Instituto Nacional de Câncer (INCA). O mesmo envolvia a revisão de prontuários e a análise de blocos de parafina de pacientes com câncer de cólon operados entre 2000 e 2004. Respeitando a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e a determinação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do INCA, buscou-se obter o consentimento informado. MÉTODOS: Nas consultas agendadas, conseguiu-se aplicar o termo a apenas quatro pacientes, durante três meses. Foram enviadas então pelo correio duas cópias do TCLE, juntamente com um sumário e um envelope selado para o re-envio aos pesquisadores. Antes da postagem, tentou-se contato telefônico. RESULTADOS: Obteve-se retorno de 115 dos 155 TCLE enviados (74%). Dentre as respostas recebidas, 111 consentiram participar do estudo, houve uma recusa e foi informado que três pacientes haviam falecido. O tempo entre o envio da correspondência e o recebimento da resposta variou entre 2 e 89 dias (mediana: 10 dias). Houve sucesso no contato telefônico com 60 dos 160 pacientes (37,5%). Para os que já haviam falecido e para os que não retornaram o TCLE, o CEP aprovou a dispensa do mesmo. O custo final do envio dos envelopes foi de R$1.004,40. CONCLUSÃO: A busca de comunicação telefônica e postal com pacientes para a obtenção de TCLE de estudo clínico retrospectivo é factível. A maioria respondeu ao contato e consentiu participar. Há, porém, custos e riscos agregados que não podem ser desprezados.

Consentimento esclarecido; Termos de consentimento; Bioética; Pesquisa biomédica


OBJECTIVE: To present practical experience in obtaining consent form (CF) for a study performed at the "Instituto Nacional de Câncer" involving research on stored biologic samples from patients operated for colon cancer from 2000 to 2004. According to the Brazilian National Health Council resolution nº196/96, researchers must make every effort to obtain consent from patients participating in clinical studies, which is reinforced by the Research Ethics Committee (REC). METHODS: After attempting phone contact, two copies and a synopsis of the CF were posted to each patient, with a stampedreturn envelope. RESULTS: 160 patients were included in the study. The attempt of phone contact was successful with 60 of them (37.5%). The consent form was mailed to 155 patients: 115 posted it back (74%) Three patients had already passed away, 111 accepted and one refused to participate. The median time between posting and receiving the CF back was 10 days (interval: 2-89). The REC waived the requirement of CF for those who died and for the ones who did not reply. The final cost for sending the CF was R$1,004.40. CONCLUSION: Obtaining consent by postal and phone communication for retrospective genetic research with stored tissue samples is feasible. Most responded to contact and consented to participate, but there were costs and risks that cannot be neglected.

Consent forms; Informed consent; Biomedical research; Bioethics


ARTIGO ORIGINAL

Termo de consentimento e análise de material biológico armazenado

Consent procedures and research on stored biological samples

Cristiano Guedes DuqueI,* * Correspondência: Praça da Cruz Vermelha, 23 - 8º andar -Sala 40 - Centro Rio de Janeiro - RJ CEP: 20230-130 Tel/fax (21) 2506-6025/6024 ; Daniela Maria de Paula RamalhoII; José Cláudio Casali-da-RochaIII

IOncologista clínico - médico oncologista do Instituto Nacional de Câncer - INCA MS/HC1, Rio de Janeiro, RJ

IIMestre em Ciências pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e gerente de dados do Centro de Pesquisas do Instituto Nacional de Câncer (INCA), Rio de Janeiro, RJ

IIIDoutor em Oncologia pela Fundação Antônio Prudente; pós-doutorado pelo St Jude Children's Research Hospital e pesquisador sênior do Instituto Nacional de Câncer - INCA, Banco Nacional de Tumores e DNA (BNT), Centro de Pesquisas, Instituto Nacional de Câncer (INCA), Rio de Janeiro, RJ

RESUMO

OBJETIVO: Relatar uma experiência envolvendo a obtenção de termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) para estudo retrospectivo realizado no Instituto Nacional de Câncer (INCA). O mesmo envolvia a revisão de prontuários e a análise de blocos de parafina de pacientes com câncer de cólon operados entre 2000 e 2004. Respeitando a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e a determinação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do INCA, buscou-se obter o consentimento informado.

MÉTODOS: Nas consultas agendadas, conseguiu-se aplicar o termo a apenas quatro pacientes, durante três meses. Foram enviadas então pelo correio duas cópias do TCLE, juntamente com um sumário e um envelope selado para o re-envio aos pesquisadores. Antes da postagem, tentou-se contato telefônico.

RESULTADOS: Obteve-se retorno de 115 dos 155 TCLE enviados (74%). Dentre as respostas recebidas, 111 consentiram participar do estudo, houve uma recusa e foi informado que três pacientes haviam falecido. O tempo entre o envio da correspondência e o recebimento da resposta variou entre 2 e 89 dias (mediana: 10 dias). Houve sucesso no contato telefônico com 60 dos 160 pacientes (37,5%). Para os que já haviam falecido e para os que não retornaram o TCLE, o CEP aprovou a dispensa do mesmo. O custo final do envio dos envelopes foi de R$1.004,40.

CONCLUSÃO: A busca de comunicação telefônica e postal com pacientes para a obtenção de TCLE de estudo clínico retrospectivo é factível. A maioria respondeu ao contato e consentiu participar. Há, porém, custos e riscos agregados que não podem ser desprezados.

Unitermos: Consentimento esclarecido. Termos de consentimento. Bioética. Pesquisa biomédica.

SUMMARY

OBJECTIVE: To present practical experience in obtaining consent form (CF) for a study performed at the "Instituto Nacional de Câncer" involving research on stored biologic samples from patients operated for colon cancer from 2000 to 2004. According to the Brazilian National Health Council resolution nº196/96, researchers must make every effort to obtain consent from patients participating in clinical studies, which is reinforced by the Research Ethics Committee (REC).

METHODS: After attempting phone contact, two copies and a synopsis of the CF were posted to each patient, with a stampedreturn envelope.

RESULTS: 160 patients were included in the study. The attempt of phone contact was successful with 60 of them (37.5%). The consent form was mailed to 155 patients: 115 posted it back (74%) Three patients had already passed away, 111 accepted and one refused to participate. The median time between posting and receiving the CF back was 10 days (interval: 2-89). The REC waived the requirement of CF for those who died and for the ones who did not reply. The final cost for sending the CF was R$1,004.40.

CONCLUSION: Obtaining consent by postal and phone communication for retrospective genetic research with stored tissue samples is feasible. Most responded to contact and consented to participate, but there were costs and risks that cannot be neglected.

Key words: Consent forms. Informed consent. Biomedical research. Bioethics.

Introdução

Os ensaios clínicos são considerados hoje elementos essenciais para o desenvolvimento científico e tecnológico na área da saúde, garantindo que as decisões sobre prevenção e tratamento sejam pautadas por evidências bem fundamentadas. A pesquisa clínica envolvendo seres humanos constitui ferramenta imprescindível para este avanço. Todavia, a sua realização pelos profissionais de saúde possui várias implicações éticas.

A fim de normatizar os princípios da ética em pesquisa, foram elaborados documentos que tornaram-se referência mundial no assunto: o Código de Nuremberg, em 1947, após a Segunda Guerra Mundial1; a Declaração de Helsinque, publicada em 1964 pela Associação Médica Mundial2-7 e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, da UNESCO8.

No Brasil, a aprovação da resolução196/96 pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS)9 representou um marco na regulamentação dos aspectos éticos da pesquisa clínica. A mesma estabeleceu as diretrizes e normas a serem consideradas ao elaborar-se o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Por exemplo, as informações devem ser sempre transmitidas em linguagem acessível aos participantes.

Desta forma, o TCLE é parte indissociável da pesquisa clínica envolvendo seres humanos em nosso país. Todavia, são escassas as publicações sobre a prática de sua obtenção, especialmente em estudos que implicam a análise de material biológico armazenado.

Objetivo

O presente relato tem como objetivo descrever uma experiência prática envolvendo a obtenção de termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) para um estudo de pesquisa retrospectivo que foi desenvolvido no Instituto Nacional de Câncer (INCA). O mesmo previa a análise molecular de material armazenado em blocos de parafina de pacientes com câncer de cólon submetidos a cirurgia entre 2000 e 2004. Além disso, seria necessário fazer a revisão dos prontuários. A sua realização foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do INCA (registro número 022/07), assim como o TCLE específico. Respeitando então a resolução 196/96 do CNS e a determinação do CEP, buscou-se obter o consentimento informado dos pacientes envolvidos.

Métodos

Para fazer o levantamento dos pacientes a serem incluídos no estudo, utilizaram-se os dados do Serviço Hospitalar de Informações (INCA, Registro Hospitalar do Hospital do Câncer). Após a revisão dos prontuários, 185 foram considerados elegíveis, sendo que destes 21 já haviam falecido (Figura 1).


Iniciou-se a busca pelos TCLE em setembro de 2008. Utilizando o sistema Absolute (INCA), pesquisaram-se as consultas marcadas na sessão de Cirurgia de Abdome, onde estas pessoas são, via de regra, acompanhadas. No período de outubro a dezembro de 2008, foi aplicado o TCLE, nos dias das consultas já agendadas, a quatro delas.

Foi organizada então uma lista contendo nome, matrícula hospitalar, endereço e telefone dos pacientes. O primeiro contato tentado foi telefônico, com intuito de confirmar o endereço e atualizar os dados de história familiar de câncer. A seguir, elaborou-se um sumário, apresentando e resumindo o termo de consentimento. O mesmo foi postado aos pacientes, juntamente duas cópias do TCLE e um envelope selado para o re-envio aos pesquisadores. No sumário, era solicitado que a correspondência fosse enviada de volta mesmo no caso da não concordância em participar do estudo, deixando tal decisão assinalada.

Registrou-se a cada etapa o número de pacientes alcançados e suas respostas em consentir ou não a participação no estudo. Foi criado um campo específico para a inserção destas informações no banco de dados (MSAccess® v2003). Foram arquivados os comentários por escrito enviados espontaneamente. As análises estatísticas foram realizadas no programa R v2.9.0.

Resultados

Houve sucesso no contato telefônico com 60 dos 160 pacientes (37,5%). Desta maneira, soube-se que quatro deles haviam falecido e que um reside no exterior, informações que não constavam nos prontuários (Figura 1).

Dos 155 TCLE enviados, obteve-se o retorno de 115 (74%), sendo que, 111 consentiram participar no estudo e houve uma recusa. Descobriu-se, por meio de resposta via postal e telefonema dos familiares, que mais três pacientes haviam falecido. O tempo entre o envio da correspondência e o recebimento da resposta variou entre 2 e 89 dias [mediana dez, média 18 dias, intervalo de confiança (IC) 95% 14 -22], considerando-se um seguimento mediano de 331 dias (média 323 dias, IC 95% 314 -331).

Dois pacientes procuraram o endereço do remetente (Centro de Pesquisa Clínica do INCA) pessoalmente para a entrega do TCLE em vez de postar. O pesquisador atendeu três telefonemas após o envio dos termos, sendo dois para esclarecer dúvidas e outro de familiares para informar óbito. Foram recebidas junto com o TCLE seis mensagens escritas, todas de pacientes ou familiares que aceitaram participar do estudo. O conteúdo constava de agradecimentos pelo tratamento recebido na Instituição(4), referências religiosas (1), informação de óbito de paciente (2) e solicitação de informações sobre os resultados da pesquisa e sobre a hereditariedade do tumor (1). Não houve comentários negativos a respeito da pesquisa, mesmo no único termo em que se foi recusado o consentimento.

O custo final para o envio das correspondências foi de R$1.004,40 (R$6,20 por paciente). Tal despesa deveu-se à compra de envelopes e selos e à realização de cópias xerox. Para o contato telefônico, foi utilizada a estrutura da Instituição, não sendo possível assim estimar os gastos.

O CEP aprovou a dispensa do TCLE tanto para aqueles pacientes que não o retornaram como para os que foram a óbito. Durante a fase dos telefonemas, foi fornecido aos pesquisadores o endereço eletrônico (e-mail) do paciente que reside no exterior para o envio de arquivo contendo o TCLE. Pouco dias depois, uma cópia digitalizada do termo, com a assinatura concordando em participar do estudo, foi recebida de volta via internet. Submeteu-se ao CEP a validação deste TCLE, que foi aceita.

A Figura 1 mostra a sequência em que se desenvolveu o estudo. Já as Tabelas 1 e 2 apresentam, de forma resumida, a situação final. Nestas podem ser verificados o total de pacientes incluídos, de óbitos, de termos considerados necessários e obtidos, além do método de obtenção e a resposta dos pacientes.

Discussão

Uma vez aprovada pelo CEP, a primeira etapa desta pesquisa foi a seleção dos pacientes, realizada mediante a revisão dos prontuários. Neste momento, foi possível excluir aqueles que apresentaram tumores de características diferentes das estabelecidas nos critérios de inclusão e teve-se ciência de quais já haviam falecido. Durante esta revisão, obteve-se ainda o endereço e o telefone dos pacientes, a fim de se iniciar a busca pelos TCLE. Embora tal etapa possa parecer trivial, nunca é demais lembrar que o prontuário constitui um documento cujo manuseio merece o máximo de cuidado, em conformidade com as disposições presentes nos Códigos Penal10, Civil11, de Defesa do Consumidor12 e de Ética Médica13, além da própria Constituição Brasileira14.

A execução desta pesquisa demandou a busca de consentimento de pacientes que já haviam, em sua maioria, concluído seus tratamentos. Assim sendo, apenas quatro termos foram obtidos pessoalmente, num período de três meses, durante as consultas já agendadas pela rotina do Hospital. O seguimento de tais pacientes no INCA é realizado da seguinte maneira: a partir do segundo ou terceiro ano da cirurgia, o controle é anual. Sendo que, a partir do quinto ano, os que se encontram sem recorrência recebem alta. Desta forma, a maior parte deles já não estava mais em acompanhamento, uma vez que se iniciou em outubro de 2008 a busca do TCLE de pacientes tratados entre 2000 e 2004.

Fez-se necessário então encontrar outro método para requerer os consentimentos. Optou-se pelo contato por telefone e correio.

A postagem de correspondência para a obtenção de TCLE é uma prática já relatada por outros autores. Vermeulen et al15(2009) descrevem o seu emprego em pesquisa realizada na Holanda em que se analisava material biológico arquivado por 10 anos. Houve retorno de 90% dos 132 termos, sendo que os mesmos foram enviados mais de uma vez, se necessário. Para aqueles que ainda assim não respondiam, foi feito também contato telefônico. Furness et al16 (2004) postaram TCLE a 495 pacientes que foram submetidos a transplante renal seguido de biopsia no Reino Unido, obtendo o retorno de 68% deles. O presente estudo realizado no INCA, que envolvia pacientes com câncer de cólon tratados há pelo menos quatro anos, obteve uma taxa de retorno, após tentativas de contato telefônico e postal, de 112 dos 152 que estavam vivos e sem consetimento assinado (73,6%). Não foram encontrados, após revisão de literatura, dados brasileiros que pudessem servir de comparação. Da mesma forma, não há referências quanto ao tempo para o retorno dos envelopes, que variou de dois a 89 dias, com mediana de dez dias. Este tempo encontrado, assim como o custo, também podem servir de parâmetro para outras pesquisas que busquem obter TCLE por contato postal.

Todavia, além da taxa de retorno, outros aspectos referentes à obtenção do consentimento pelo correio merecem ser analisados. A sua utilização praticamente eliminou o contato pessoal do pesquisador com os sujeitos de pesquisa. Pode-se então indagar se, por este motivo, alguns deles não teriam deixado de esclarecer suas dúvidas. De acordo com Concone17 (2008), esta etapa é fundamental para que o consentimento seja considerado de fato livre e informado. Não raramente o grau de dificuldade para compreender o TCLE é incompatível com a escolaridade de nossa população18. Infelizmente este estudo não teve como objetivo avaliar o grau de entendimento do TCLE. Por outro lado, a ausência da interação face a face talvez tenha minimizado a chance de coação, que algumas vezes pode ocorrer, ainda que involuntariamente.19,20 De toda forma, alguns pacientes chegaram a fazer contato com os investigadores, seja comparecendo à instituição, telefonando para os mesmos ou enviando mensagens escritas.

O envio de termos de consentimento pelo correio pode, ainda, apresentar outros riscos. Alguns pacientes provavelmente não gostariam de receber em sua casa uma correspondência contando sobre seu tratamento médico. Mesmo que se optasse por não enviar o TCLE, um simples telefonema, telegrama ou convocação proveniente do Instituto Nacional de Câncer já remeteria ao tipo de doença tratada.

Cabe então mais uma reflexão: os chamados sujeitos de pesquisa do presente estudo são pessoas que receberam um diagnóstico de neoplasia maligna e que sobreviveram a uma cirurgia de grande porte, que foi muitas vezes complementada pela quimioterapia. A seguir, têm que conviver com o risco de recidiva do câncer. Alguns distúrbios psicológicos podem ocorrer de forma marcante neste grupo de pacientes, como ansiedade, depressão e transtorno de stress pós-traumático21. Qualquer que fosse o método escolhido para que essas pessoas dissessem se gostariam ou não de participar do estudo, não seria possível evitar que elas se remetessem à doença e ao tratamento. Não haveria ainda como prever se essas lembranças trariam ou não algum grau de desajuste emocional.

Alguns autores sugerem que, considerando estes possíveis riscos e as altíssimas taxas de consentimento obtidas, seria válido, em certas situações, abdicar do TCLE.16,22 Os mesmos argumentam ainda que a realização destas pesquisas podem implicar na obtenção de avanços que beneficiarão toda a sociedade e que os riscos são mínimos, caso o material biológico seja utilizado para os fins previamente especificados.

A responsabilidade de julgar cada caso e definir os possíveis riscos provenientes tanto do uso do material biológico como do ato de pedir o consentimento ou deixar de fazê-lo cabe, sem dúvida alguma, aos CEP. Para isto, os mesmos devem, sempre procurando defender os interesses dos pacientes, reportar-se à resolução número 196/96 do CNS e aos documentos internacionais em que esta se fundamentou. Entre seus princípios, cabe destacar o direito de autonomia dos sujeitos de pesquisa. Além disto, não se pode esquecer que o uso indiscriminado de material biológico pode ter desdobramentos atemorizantes, como, em casos extremos, a comercialização de partes do corpo humano.23

De qualquer forma, é fundamental procurar maneiras de amenizar possíveis danos psicológicos ao se tentar obter o consentimento. O envio do TCLE, mesmo sem sucesso no contato telefônico prévio, como foi feito para alguns pacientes deste estudo, não parece ser apropriado, uma vez que pode expor inadvertidamente informações pessoais.

Em relação à postura do CEP do INCA, o mesmo exigiu a obtenção do TCLE, baseado na resolução número 196/96 do CNS. A mesma resolução diz que, "nos casos em que seja impossível registrar o consentimento livre e esclarecido, tal fato deve ser devidamente documentado, com explicação das causas da impossibilidade, e parecer do Comitê de Ética em Pesquisa". Este foi o argumento utilizado pelos pesquisadores ao solicitar a dispensa do TCLE para os pacientes falecidos e para os quais não se conseguiu contato telefônico e postal.

Deve-se por fim destacar que foram obtidas, com as buscas dos TCLE, informações importantes sobre o desfecho dos pacientes. Foram sete os óbitos quem não estavam registrados em prontuário, ou 25% do total. Ademais, a perda de amostragem devido ao não consentimento foi praticamente desprezível.

Conclusão

A busca de comunicação telefônica e postal com pacientes para a obtenção de TCLE de estudo clínico retrospectivo que envolve a análise de material biológico é factível. A maioria respondeu ao contato e consentiu participar. Há, porém, custos e riscos agregados que não podem ser desprezados. Desta forma, os CEP, ao exigirem o consentimento informado, devem ter preocupação especial quanto aos métodos a serem utilizados para a sua busca. Recomenda-se evitar envio de correspondência sem a autorização prévia dos sujeitos de pesquisa.

Agradecimentos

Dra. Raquel Guimarães, Dra. Adriana Scheliga, Isabele Small, Priscila Povedano, Flávia Garcia, Rosane Martins,Analice Rossi, Daniela Freire, Eduardo Vichi, Centro de Pesquisas /INCA e COAD/INCA.

Artigo recebido: 10/05/10

Aceito para publicação: 11/07/10

Conflito de interesse: não há

Trabalho realizado no Instituto Nacional de Câncer - INCA - MS/HC1, Rio de Janeiro, RJ

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    Correspondência: Praça da Cruz Vermelha, 23 - 8º andar -Sala 40 - Centro Rio de Janeiro - RJ CEP: 20230-130 Tel/fax (21) 2506-6025/6024
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Aceito
      11 Jul 2010
    • Recebido
      10 Maio 2010
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