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Hidropisia fetal em recém-nascido com citomegalia congênita

Discussão de caso

HIDROPISIA FETAL EM RECÉM-NASCIDO COM CITOMEGALIA CONGÊNITA

Recém-nascido (RN) de parto cesárea, sexo feminino, branco, peso de nascimento de 920 gramas e Apgar 2/7/7 nos 1º., 5º. e 10o. minutos de vida respectivamente. Mãe com 19 anos, primigesta, idade gestacional pela data da última menstruação de 27 2/7 semanas, portadora de hepatite B e doença hipertensiva específica da gestação. A gravidez foi gemelar, tendo o primeiro gemelar nascido com hidropisia fetal grave indo a óbito com 20 horas de vida. O segundo gemelar foi classificado como pré-termo de muito muito baixo peso (MMBP) e apresentava também ao nascimento hidropisia fetal acompanhada de derrame pericárdico. Foi encaminhado com uma hora de vida para a Unidade de Cuidados Intensivos Neonatal (UCINE) do Instituto da Criança ¾ HCFMUSP. À admissão, o RN apresentava-se em mau estado geral, descorado +++/4+, taquicárdico, taquipnéico, fígado palpável a 4cm do rebordo costal direito e baço a 2cm do rebordo costal esquerdo, além de microcefalia. Inicialmente o RN recebeu concentrado de hemácias (15ml/Kg), plaquetas (1 unidade), albumina (1g/Kg) e furosemida para sua estabilização hemodinâmica. Devido ao quadro clínico do paciente foi realizada pesquisa laboratorial para as infecções congênitas do grupo TORCHS (toxoplasmose, rubéola, citomegalovirus, herpes simples, sífilis, e hepatite vírus B e HIV). O resultado foi negativo para todas estas infecções, exceto pela presença de anticorpos da classe IgG anticitomegalovírus que estavam presentes com título de 148 UA/ml e anti-IgM negativo. A sorologia materna para CMV foi positiva com título de 195,20 UA/ml. Diante destes resultados laboratoriais, foi realizada no quinto dia de vida do RN a reação em cadeia da polimerase (PCR) na urina para o citomegalovírus tendo sido positiva. A ultra-sonografia de crânio evidenciou a presença de pequenas imagens hiperecogênicas puntiformes talâmicas e periventriculares e a tomografia computadorizada demonstrou calcificações intracranianas esparsas. A pesquisa para parvovírus B19 não foi possível de ser realizada. Devido ao quadro clínico sintomático e diagnóstico laboratorial de citomegalia congênita, foi introduzido durante sua evolução terapêutica com ganciclovir, na dose de 7,5mg/Kg/dia, tendo recebido durante 14 dias. Após esse período foi iniciado esquema de manutenção, na dose de 10mg/Kg/dia, três vezes por semana, o qual foi mantido durante 90 dias. Os exames de controle da PCR para o CMV realizados no sangue e na urina durante todo o tratamento com o ganciclovir permaneceram positivos, porém após três meses de tratamento com este fármaco, a PCR para CMV realizada no sangue do RN negativou, ou seja, não houve amplificação na amostra de DNA extraída do sangue periférico, não detectando a presença de CMV ¾ DNA dentro dos leucócitos.

Durante sua permanência na UCINE, a criança evoluiu com persistência do canal arterial tendo realizado cirurgia corretiva. Desenvolveu ainda sepse e displasia broncopulmonar complicada com hipertensão pulmonar, necessitando de ventilação mecânica por tempo prolongado, vindo a receber alta com nove meses de idade, estando no momento em acompanhamento clínico.

A infecção intra-uterina pelo CMV é uma das mais freqüentes infecções congênitas de transmissão transplacentária hematogênica. Sua incidência varia de 0,2% a 2,4% de todos os nascidos vivos sendo a grande maioria das crianças assintomática ao nascimento. Cerca de 5% ou menos dos RN infectados apresentam a doença na sua forma sintomática com comprometimento generalizado, principalmente neurológico (microcefalia, hidrocefalia com calcificações intracranianas) ocular (co- riorretinite) e auditivo (surdez sensorioneural), além de manifestações clínicas viscerais cujos sinais e sintomas clínicos mais freqüentes são: retardo de crescimento intra-uterino, anemia, trombocitopenia, hepato-esplenomegalia icterícia colestática e mais raramente hidropisia fetal, a qual pode estar presente em outras condições patológicas, como doenças cardíacas congênitas, doença adenomatoide cística pulmonar e infecções intra-uterinas como sífilis, doença de Chagas, infecção pelo Parvovirus B19. A detecção de ácido nucléico viral pela reação da Polimerase (amplificação do DNA viral) em várias amostras de urina da paciente nos permitiu definir o diagnóstico de citomegalia congênita. Embora não tenha sido possível saber a causa de óbito do primeiro gemelar que era hidrópico, apresentamos o segundo gemelar que apesar da gravidade da infecção congênita pelo CMV, e da prematuridade extrema com várias complicações clínicas, sobreviveu estando em acompanhamento clínico. Acreditamos que a evolução favorável da infecção pelo CMV do paciente possa também estar relacionada ao tratamento prolongado com ganciclovir, medicamento que tem sido utilizado para o tratamento da infecção congênita sintomática pelo CMV.

FLÁVIO ADOLFO COSTA VAZ

EDNA M. ALBUQUERQUE DINIZ

TRABALHO REALIZADO NA UNIDADE DE CUIDADOS INTENSIVOS NEONATAL DO INSTITUTO DA CRIANÇA HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DA USP ¾ SÃO PAULO ¾ SP

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jan 2003
  • Data do Fascículo
    Dez 2002
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