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Vigilância fetal anteparto

Diretrizes

Obstetrícia

VIGILÂNCIA FETAL ANTEPARTO

Boletim Prático do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG)* * ACOG practice bulletin/International Journal of Gynecology & Obstetrics 68 (2000) 175-186.

A meta da vigilância fetal anteparto é prevenir o óbito fetal. Entre as técnicas para executá-la, destaca-se a monitorização da freqüência cardíaca fetal (FCF) que se aplica há mais de 30 anos. Mais recentemente, a ultra-sonografia, permitindo a avaliação de outras variáveis biofísicas do feto (perfil biofísico fetal), e a dopplervelocimetria têm sido usadas para avaliar o bem-estar fetal. Entre os métodos clínicos desponta a percepção materna dos movimentos corpóreos fetais (MF) tendo por base a correlação entre a diminuição destes e a morte fetal.

A avaliação da FCF se faz pelo método cardiotocográfico aplicado de duas formas distintas: a basal ("nonstress test") com a opção da estimulação vibro-acústica e a estressante com a indução de contrações uterinas (estimulação papilar ou ocitocina endovenosa). A primeira (basal) tem a preferência por sua rapidez e simplicidade, apesar de oferecer menor preditibilidade. O perfil biofísico fetal (PBF) associa o método cardiotocográfico com o ultra-sonográfico com o qual são avaliados mais quatro variáveis: movimentos respiratórios fetais, movimentos corpóreos, tônus e volume de líquido amniótico. A técnica dopplervelocimétrica, apesar de ser ampla, o ACOG cita apenas a avaliação das artérias umbilicais, dando ênfase aos casos que evoluem com ausência de fluxo diastólico e fluxo reverso.

Alguns tópicos que merecem sert discutidos:

a) Quando indicar a vigilância fetal anteparto?

Condições maternas: síndromes hipertensivas, Diabetes tipo I, nefropatia crônica, Doenças cardíacas cianóticas, hemoglobinopatias (SS, CC, talassemia S), Lúpus, Síndrome Antifosfolípides, hipertireoidismo.

Condições relacionadas à gestação: pré-eclampsia, diminuição de MF, oligoidrâmnio, poliidrâmnio, crescimento intra-uterino restrito, gestação prolongada, aloimunização, perda fetal anterior sem causa aparente, gestação múltiplas (crescimento discrepante).

b) Quando iniciar?

Modelos teóricos ou os estudos clínicos com grandes casuísticas sugerem segurança para a maioria dos casos com início da vigilância fetal com 32-34 semanas. Entretanto, para gestantes com doenças graves os testes devem ser iniciados tão precoce quanto 26-28 semanas.

c) Qual a freqüência dos testes?

Na imensa maioria dos casos um teste semanal é suficiente para que se evitem os decessos fetais. Porém, em presença de riscos maiores (gestação pós-termo, diabetes tipo I, crescimento restrito grave, pré-eclampsia grave) é conveniente a execução de dois testes semanais.

d) Qual é a garantia de um teste normal?

A confiabilidade de um teste demonstrada por meio das taxas de falsos negativos: CTG basal é 1,9 por 1000; a CTG com estresse é de 0,8 por 1000 assim como o PBF. Portanto, o valor de predição de um resultado negativo para a CTG basal é de 99,8% e mais do que 99,9% para CTG com estresse e PBF. Neste tópico, convém lembrar a importância de se cotejar os resultados dos testes com a condição materna.

e) O que fazer diante de testes anormais ?

Considerar sempre a possibilidade de se tratar de um teste falso positivo. Certas condições transitórias maternas (corrigíveis) são causas freqüentes destes resultados. As taxas de falsos positivos, em contraste com as de falsos negativos, não são estimadas considerando-se a natimortalidade. Levam-se em conta novos exames ou resultados de outros testes mais precisos realizados no período anteparto ou na avaliação dos exames realizados no intraparto e do recém-nascido. Por exemplo, 90% de CTGs basais anormais têm testes com estresse negativos. Esta é a razão de se introduzir o conceito do uso de métodos progressivamente mais complexos em subseqüência às alterações verificadas nos testes mais simples. Tal postura visa evitar a prematuridade iatrogênica, uma complicação importante resultante de condutas intempestivas. Assim, o escore 6 no PBF em fetos de termo indica resolução da gestação, enquanto que nos prematuros indica repetição do exame no mesmo dia ou em 24 horas. Nos casos em que os resultados são definitivamente anormais, na ausência de contra-indicações obstétricas, pode-se indicar a indução do parto com a monitoração contínua da FCF e contrações uterinas.

f) Quando o oligoidrâmnio indica parto imediato?

Utilizando-se da ultra-sonografia, o oligoidrâmnio pode ser definido de duas formas diferentes: bolsão vertical menor de 2 cm ou índice de líquido amniótico (ILA) menor que 5 cm. Em ausência de malformações fetais, principalmente as renais, e rotura prematura das membranas ovulares, invariavelmente indica redistribuição seletiva do débito cardíaco em resposta à hipoxemia fetal. Em gestações pós-termo é prudente se indicar o parto em função das complicações associadas a esta condição mórbida (eliminação de mecônio espesso). Entretanto, em outras situações de menor risco, convém considerar outras variáveis tais como as condições cervicais e condições maternas, com o intuito de se obter parto por vias naturais. Assumindo-se a conduta expectante, a vigilância fetal freqüente é impositiva.

g) Qual é o papel da dopplervelocimetria?

A utilização da dopplervelocimetria das artérias umbilicais é tida como vantajosa nos casos que evoluem com restrição do crescimento intra-uterino. As vantagens descritas se referem a menor intervenção obstétrica, incluindo: período de internação hospitalar menor, freqüência menor de indução do parto, menores taxas de cesáreas de emergência, necessidade de menor número de CTGs. Não foram observados benefícios em outras condições patológicas tais como: gestação pós-termo, diabetes, lúpus, síndrome antifosfolípide. A dopplervelocimetria das artérias umbilicais não é recomendada como rastreamento do comprometimento fetal na população obstétrica em geral.

Por outro lado, a vigilância da hemodinâmica fetal por meio da avaliação da centralização da circulação fetal fazendo uso da dopplervelocimetria da artéria cerebral média, segundo o ACOG, não demonstra nenhum benefício aos resultados perinatais devendo ser considerado ainda investigacional.

Comentário

A vigilância do bem-estar fetal, embora não seja matéria nova, constitui sempre tema de muito interesse, impulsionada pela notável evolução tecnológica observada em décadas recentes. Muitos autores, tendo por base convicções próprias, sem o abrigo de pesquisas clínicas convincentes, hiperdimensionam o valor da técnica dopplervelocimétrica determinando de forma precipitada novas condutas frente aos seus resultados, principalmente aqui no Brasil. Este Boletim Prático do ACOG vem, oportunamente, subsidiado em consensos anteriores, oferecer respostas claras a vários questionamentos que se enfrentam na abordagem de gestantes de alto risco, quando se enfoca o tema vigilância da vitalidade do feto. De relevo, a mensagem a respeito da restrita utilização da dopplervelocimetria das artérias umbilicais e duvidoso valor da artéria cerebral média, na avaliação do bem-estar fetal, desmistifica a famosa "centralização" da circulação fetal, tida por aqueles incautos como indicativa de parto prematuro terapêutico.

SEIZO MIYADAHIRA

Referência

  • *
    ACOG practice bulletin/International Journal of Gynecology & Obstetrics 68 (2000) 175-186.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jul 2001
    • Data do Fascículo
      Jun 2001
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