Acessibilidade / Reportar erro

PENSAR DESDE A AMÉRICA LATINA EM DIÁLOGO COM A ORGANIZAÇÃO DAS LUTAS SOCIAIS DESCOLONIAIS: EXPLORANDO POSSIBILIDADES

Pensar desde América Latina en diálogo con la organización de las luchas sociales descoloniales: Explorando posibilidades

RESUMO

A proposição sobre pensar os Estudos Organizacionais desde a América Latina (AL) tem como premissa reconhecer que a epistemologia é política e que há uma epistemologia da dominação inseparável de seu fundamento material. O texto faz uma discussão sobre o significado da AL, defendendo que ela é simultaneamente um espaço geopolítico e uma categoria de análise. Em seguida, realiza uma aproximação aos Estudos Organizacionais na AL desde o contexto brasileiro. Por fim, destaca a importância de um conhecimento fundado em uma ética crítica que contribua para tornar visíveis processos organizacionais que confrontam as múltiplas expressões concretas da colonialidade e que, ao mesmo tempo, seja relevante para as comunidades e coletivos em luta.

PALAVRAS-CHAVE
América Latina; lutas sociais; colonialidade; ética crítica; Estudos Organizacionais

RESUMEN

La proposición de pensar los estudios organizacionales desde América Latina (AL) tiene como premisa reconocer que la epistemología es política y que hay una epistemología de la dominación inseparable de su fundamento material. El texto plantea una discusión sobre el significado de AL, defendiendo que esta es simultaneamente un espacio geopolítico y una categoría de análisis. Después, realiza una aproximación a los estudios organizacionales en AL desde el contexto brasileño. Fianalmente, destaca la importancia de un conocimiento fundado en una ética crítica con aportes para hacer visibles procesos organizacionales que confrontan las múltiples expresiones concretas de la colonialidad y que, al mismo tiempo, sea relevante para las comunidades y colectivos en lucha.

PALABRAS CLAVE
América Latina; luchas sociales; colonialidad; ética crítica; Estudios Organizacionales

ABSTRACT

The proposition of thinking about the Organizational Studies from Latin America (LA) is based on the acknowledgement that epistemology is political and that there exists an epistemology of domination inseparable from its material foundation. First, this essay discusses the meaning of LA, arguing that it is both a geopolitical space and a category of analysis. Then, it analyzes Organizational Studies in LA from a Brazilian perspective. Finally, it emphasizes the importance of knowledge based on a critical ethics that contributes towards making organizational processes that confront the multiple concrete expressions of coloniality visible, which is also relevant to struggling communities and collectives.

KEYWORDS
Latin America; social struggles; coloniality; critical ethics; Organizational Studies

INTRODUÇÃO

A proposição sobre pensar os Estudos Organizacionais (EO) desde a América Latina (AL) se inspira no trabalho de Bautista (2014)Bautista, J. J. (2014). ¿Qué significa pensar desde América Latina? Madrid: Akal.. Sua premissa básica refere-se a nos conhecermos considerando a relação entre os fatos da dominação e a produção de conhecimento, entre uma forma de relação social e sua forma cognitiva pertinente e, dessa maneira, reconhecer que a epistemologia é política e que há uma epistemologia da dominação inseparável de seu fundamento material.

No entanto, não basta afirmar a AL como lócus de enunciação, adotando a expressão utilizada por Mignolo (2008)Mignolo, W. (2008). The geopolitics of knowledge and the colonial difference. In M. Moraña, E. Dussel & C. A. Jáuregui (Eds.), Coloniality at large: Latin America and the postcolonial debate (pp. 125-258). Durham, UK: Duke University Press. e que se refere principalmente aos espaços geoculturais e ideológicos nos quais os discursos são enunciados. Mendieta (2008)Mendieta, E. (2008). Remapping Latin American studies: Postcolonialism, subaltern studies, post-occidentalism and globalization. In M. Moraña, E. Dussel & C. A. Jáuregui (Eds.), Coloniality at large: Latin America and the postcolonial debate (pp. 286-306). Durham, UK: Duke University Press. amplia essa noção ao indicar que a produção de conhecimento sempre se vincula a um imaginário espacial que, simultaneamente, expressa seu lócus de enunciação e projeta uma certa imagem do planeta, do espaço global, e da pólis. Além disso, defende que se deve explicitar a relação entre razão e estrutura social, deixando claro o critério normativo e a que coletivos sociais ou instituições o conhecimento se destina, ou seja, esclarecendo as consequências políticas de um projeto epistemológico.

Trazer essas proposições para a redação deste ensaio nos obriga a explicitar que adotamos um princípio ético-material como fundamento normativo em nosso trabalho como docentes e pesquisadores, assim como em nossa ação como seres políticos. Nos termos desenvolvidos por Dussel (2001)Dussel, E. (2001). Hacia una filosofía política crítica. Barcelona, España: Desclée de Brouwer., “todo aquele que atue eticamente deve produzir, reproduzir e desenvolver a vida humana em comunidade” (p. 74), tendo como referência última toda a humanidade e toda a vida no planeta, isto é, “com pretensão de verdade prática universal". Esse princípio é desenvolvido a partir da constatação e elaboração temática de uma negatividade que é o fato do “não-poder-viver dos oprimidos, explorados, das vítimas”, e de uma interpelação para que nos coloquemos efetiva e praticamente junto a esses e “não apenas em posição observacional participativa [...], mas como comilitantes que entram no horizonte prático das vítimas (negatividade-material) a quem decidem servir por meio de um programa de pesquisa científico-crítico (explicativo das 'causas' da sua negatividade)” (Dussel, 2001Dussel, E. (2001). Hacia una filosofía política crítica. Barcelona, España: Desclée de Brouwer., p. 286). Voltaremos a esse autor e a suas proposições mais adiante. Por hora, a intenção é explicitar a atitude ético-política que orienta nosso trabalho.

Para encerrar estes esclarecimentos introdutórios, falta explicitar nosso lócus de enunciação em termos da área que se denomina Estudos Organizacionais (EO) e à qual nos vinculamos desde uma posição que objetiva ser coerente com o princípio ético-material que adotamos e com os compromissos que ele exige. Nesse sentido, tomamos como tema de estudo os processos organizacionais de lutas sociais em defesa da vida e de modos de vida em relação com a natureza. Defendemos a legitimidade dessa escolha e destacamos a contribuição específica que podemos realizar a partir de um olhar orientado aos fenômenos organizacionais, mas com diálogos marcadamente interdisciplinares e reconhecendo que não são poucas as dificuldades de fazê-lo em uma área cada vez mais dominada pelo management.

Sendo assim, quando nos referimos a produzir conhecimento nos EO desde a AL, estamos interessados em explorar possibilidades de fazê-lo em acordo com Rauber (2004Rauber, I. (2004). La transformación social en el siglo XXI: Camino de reformas o de revolución. Pasado y Presente, XXI, 1-26. Recuperado de http://www.rebelion.org/docs/511.pdf
http://www.rebelion.org/docs/511.pdf...
, p. 12), para quem a organização em processos orgânico-políticos não se sobrepõe aos sujeitos da ação transformadora, além de fazer parte do processo de produção de coletivos plurais nos quais práticas que confrontam a dominação e superam a alienação são formadas e estabelecidas. Estamos interessados no que está acontecendo na realidade em que estamos imersos e convencidos de que não é possível entender a pletora de processos organizacionais protagonizados por esses coletivos sem articular o conhecimento que é teoricamente elaborado com aquele que emerge desde baixo e que fica, na maior parte das situações, restrito a esses processos e espaços de luta (Misoczky, Dornelas Camara & Böhm, 2017Misoczky, M. C., Dornelas Camara, G. & Böhm, S. (2017). Organizational practices of social movements and popular struggles: Understanding the power of organizing from below.Qualitative Research in Organizations and Management, 12(4), 250-261. doi:10.1108/QROM-09-2017-1567
https://doi.org/10.1108/QROM-09-2017-156...
).

Trata-se, portanto, de prestar atenção não apenas às reivindicações em torno das quais a luta ou o movimento se organiza, mas também às suas práticas pré-figurativas. Essa noção apareceu nos movimentos por justiça social europeus e norte-americanos dos anos 1960 e 1970 para descrever como suas práticas incluíam a coerência entre organização e propósitos políticos (Gorz, 1968Gorz, A. (1968). The way forward. New Left Review, I(52), 47-66. Recuperado de https://newleftreview.org/issues/I52/articles/andre-gorz-the-way-forward
https://newleftreview.org/issues/I52/art...
; Boggs, 1977Boggs, C. (1977). Marxism, Prefigurative Communism and the Problem of Workers’ Control, Radical America, 11(6), 99-122. Recuperado de https://libcom.org/library/marxism-prefigurative-communism-problem-workers-control-carl-boggs
https://libcom.org/library/marxism-prefi...
). Em nosso contexto, essa lógica foi apropriada por Tragtenberg (1986)Tragtenberg, M. (1986). Reflexões sobre o socialismo. São Paulo, SP: Moderna. ao abordar a organização das lutas operárias e nelas identificar relações horizontalizadas que negavam o verticalismo (seja do Estado, do partido ou do sindicato) na socialização da luta e da existência em comum. Para ele, esses processos se opõem à socialização capitalista, realizada a partir das cúpulas dirigentes, centralizadora e alienadora do trabalhador. O sentido de pré-figuração se inscreve na possibilidade de, ao organizar a luta, experenciar, simultaneamente, sociabilidades que se configuram como alternativas àquelas que definem e são indispensáveis à reprodução da ordem opressora e excludente.

Podemos, agora, introduzir as partes que compõem este texto. Na sequência fazemos uma discussão sobre o significado de AL, defendendo que ela é simultaneamente um espaço geopolítico e uma categoria de análise. Essa é a maior parte deste ensaio e se justifica porque, como se verá na seção que segue e no qual realizamos uma aproximação aos EO na AL, ainda que desde o contexto brasileiro, seguimos falando de AL sem explicitarmos ao que nos referimos. Para encerrar, realizamos uma explicitação sobre as possibilidades de estudar a organização de lutas sociais que confrotam facticamente as colonialidades do poder e do saber.

AMÉRICA LATINA: ESPAÇO GEOPOLÍTICO E CATEGORIA DE ANÁLISE

Segundo Brandalise (2013)Brandalise, C. (2013). O conceito de América Latina: Hispano-americanos e a panlatinidade europeia. Cuadernos del CILHA, 4(18), 74-106. Recuperado de https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/95149/000917575.pdf?sequence=1
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/hand...
, o enunciado AL surgiu em meados do século XIX, na reflexão de intelectuais da região diante do temor de uma expansão imperialista dos Estados Unidos pelo subcontinente e, ao mesmo tempo, reticente quanto à influência europeia. Ainda que alguns autores atribuam a criação da expressão Amerique Latine a Napoleão III, em sua intenção de ampliar os domínios franceses no subcontinente, para Ardao (1980)Ardao, A. (1980). Génesis de la idea y el nombre de América Latina. Caracas, Venezuela: Centro Romulo Gallegos. e Mix Rojas (1991)Mix Rojas, M. M. (1991). Los cien nombres de América: eso que descubrió Colón. Barcelona: Lumen., o emprego do termo AL decorre de uma consciência latino-americana surgida a partir da antítese saxão/latino e na perspectiva de uma autoidentificação cultural e política, ao mesmo tempo anti-imperialista e anticolonialista (Brandalise, 2013Brandalise, C. (2013). O conceito de América Latina: Hispano-americanos e a panlatinidade europeia. Cuadernos del CILHA, 4(18), 74-106. Recuperado de https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/95149/000917575.pdf?sequence=1
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/hand...
).

O poema Las dos Américas, de Torres Caicedo (1857)Torres Caicedo, J. M. (1857). Las dos Américas. El correo de ultramar, 16. Retrieved from http://www.filosofia.org/hem/185/18570215.htm
http://www.filosofia.org/hem/185/1857021...
, oferece indicações sobre o clima intelectual da época. Em outro registro, o ensaio Nuestra América de Martí (1891), afirma a AL em contraposição às ameaças imperialistas, defendendo a necessidade de assumirmos as culturas autóctones como parte de nossas raízes e organizarmos a vida material e cultural a partir de nossas próprias condições (Rodríguez, 2016). Suas ideias desenvolveram-se desde o princípio “para nossa vida, nossas leis” (Martí, 2010Martí, J. (2010) Obras completas: Edición crítica. Buenos Aires, Argentina, e La Habana, Cuba: CLACSO e Centro de Estudios Martinianos., p. 170). O enunciado AL surgiu e desenvolveu-se, então, no contexto de relações políticas e econômicas de dominação que não eram apenas locais, mas mundiais, e que levaram à constituição de frentes teóricas e práticas, simultaneamente, anticolonialistas e anti-imperialistas. Tais processos de reconhecimento mútuo, diante do império, já produziam um sentido de AL que expressa mais do que uma posição geográfica ou uma ou outra apropriação linguística.

Esse registro histórico evidencia que não podemos entender a AL senão na sua relação com as macrocategorias Norte e Sul (Roig, 2008Roig, A. A. (2008). El pensamiento latinoamericano y su aventura. Buenos Aires, Argentina: El Andariego.) e no que elas condensam de elementos políticos, culturais e econômicos. Assim, não podemos evitar a referência à práxis geopolítica. Seguimos a definição de León (2017)León, E. H. (2017). Praxis espacial en América Latina: Lo geopolítico puesto en cuestión. Ciudad de México, México: EPC/Itaca., para quem, em um sentido mais geral e abstrato, “geopolítica é a capacidade humana de intervir nas ordens espaciais e territoriais que regem a vida em sociedade” (p.14). Ainda em sentido amplo, “o geopolítico, na AL, é a práxis espacial historicamente vigente em sua forma unitária e em cada um dos processos que contém” (p. 15). Essa práxis pode ser metodologicamente separada em três dimensões que se articulam constante e contraditoriamente: do poder, do conhecimento, das lutas e resistências.

Para avançar nesse raciocínio, é necessário trazer uma definição de categoria, explicando que, ao utilizarmos esse termo, nos referimos a um ordenamento do pensamento teórico que surge da realidade, mas não se confunde com ela ao reconstituí-la em uma ordem abstrata. Surge, portanto, da própria realidade, e não das ideias. Assim, as determinações do real são momentos da existência que, abstraídos no processo analítico, se expressam em definições de determinações abstratas, como conceitos, e em instrumentos de mediações interpretativas, como categorias (Dussel, 2012Dussel, E. (2012). A produção teórica de Marx: Um comentário aos Grundrisse. São Paulo, SP: Expressão Popular.).

Em nosso entendimento, é imprescindível articular o geopolítico com o categorial, ou seja, com o tratamento de AL como mediação interpretativa abstraída da realidade para, retornando a ela, explicá-la. Para tanto, é necessário compreender o geopolítico e o categorial em suas mútuas determinações. Iniciamos com o tema da geopolítica do poder em articulação com a geopolítica do conhecimento retomando o trabalho seminal de Aníbal Quijano: um texto publicado originalmente em 1972, no contexto da celebração dos 500 anos da invasão da América. Em suas palavras: “A globalização em curso é, em primeiro lugar, a culminação de um processo que começou com a constituição da América e do capitalismo colonial/moderno e eurocentrado como um novo padrão de poder mundial” (Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 117-142). Buenos Aires, Argentina: Clacso., p. 117). Em um texto anterior, Quijano (1991)Quijano, A. (1991). América: El capitalismo y la modernidad nascieron el mismo día. Revista del Centro de Educación y Cultura, 10, 42-57. havia introduzido o conceito de colonialidade para referir-se às estruturas de controle e hegemonia que emergiram do colonialismo, mas estão presentes ainda hoje. Ou seja, colonialidade expressa a expansão trans-histórica da dominação colonial e seus efeitos contemporâneos.

Para Quijano (2005)Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 117-142). Buenos Aires, Argentina: Clacso., “a América constitui-se como o primeiro espaço/tempo de um padrão de poder de vocação mundial e, desse modo e por isso, como a primeira identidade da modernidade” (p. 117) com base em dois eixos fundamentais. Um eixo foi a ideia de raça: “uma supostamente distinta estrutura biológica que situava a uns em situação natural de inferioridade em relação a outros” (p. 117). Com base nela, os conquistadores classificaram a população da América e, mais tarde, do mundo. Outro eixo foi a “articulação de todas as formas históricas de controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos, em torno do capital e do mercado mundial” (p. 118). O autor usa o termo América, mas está, de maneira evidente, referindo-se ao processo de invasão e colonização ibérica da AL e de parte do Caribe. Nessa América, portanto, iniciou-se um universo inteiro de novos materiais e relações intersubjetivas que é expressado por meio do conceito de modernidade, para referir-se a mudanças nas dimensões materiais das relações sociais e também em todas dimensões da existência social. Destacamos que, nessas proposições, há uma conexão entre modernidade e capitalismo, porque as determinações capitalistas “exigiam, no mesmo movimento histórico, que esses processos sociais, materiais e intersubjetivos não tivessem lugar exceto dentro de relações sociais de exploração e de dominação” (Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 117-142). Buenos Aires, Argentina: Clacso., p. 125).

Em síntese, colonialidade é um neologismo que dá sentido a um aspecto constitutivo da modernidade, e de sua expressão econômica (o capitalismo), que não pode ser pensado fora do padrão eurocêntrico de conhecimento e de sua pretensão de universalidade. Esse aporte aponta em duas direções simultâneas: uma é analítica - o conceito de colonialidade abre espaço para “a reconstrução e restituição de histórias silenciadas, subjetividades reprimidas, conhecimento e linguagens subalternizadas”; outra é programática - indica a necessidade de descolonializar o poder e o conhecimento (Mignolo, 2018Mignolo, W. (2007). Delinking: The rhetoric of modernity, the logic of coloniality and the grammar of de-coloniality. Cultural Studies, 21(2-3), 449-514. doi:10.1080/09502380601162647
https://doi.org/10.1080/0950238060116264...
, p. 451).

Enrique Dussel compartilha com Quijano a interpretação de que a modernidade nasce com a constituição do Atlântico tropical como eixo geopolítico mundial, quando se originam simultaneamente os aspectos de um mesmo fenômeno mencionados na sequência: (a) politicamente - a colonialidade que se inicia como processo mundial com a invasão da AL em 1492; (b) geopoliticamente - o deslocamento da centralidade do mundo mediterrâneo para o Atlântico com o começo do poder hispano e português e o deslocamento do império otomano; (c) economicamente - o capitalismo a partir do mercantilismo e da acumulação originária com a exploração das minas na AL, de produtos tropicais e da escravidão; (d) culturalmente - o eurocentrismo que torna fetichista a vida cotidiana europeia e todas as ciências sociais modernas; (e) antropológica e ontologicamente - a instauração do ego narcisista e competitivo das relações humanas de dominação que cria uma ética, uma política, uma estética, uma psicanálise edípica e, por isso, conforma dentro de sua modalidade própria o gênero (como patriarcado), a raça (como superioridade branca), e outras relações humanas de submissão e exploração; (f) cosmologicamente - a interpretação científica, tecnológica e cotidiana da natureza como um objeto infinitamente explorável, em oposição à atitude respeitosa de algumas culturas originais.

De acordo com o relato do próprio Dussel (2018)Dussel, E. (2018). Transmodernity and interculturality: An interpretation from the Philosophy of Liberation. In A. A. Vallega & R. Grasfoguel (Eds.), Anti-cartesian mediations and transmodernity from the perspectives of Philosophy of Liberation (pp. 29-61). The Hague, The Netherlands: Amrit., ao realizar essa construção, ele se perguntava sobre o significado de AL. Em busca de respostas, reconstruiu a presença de traços bizantinos e muçulmanos na história ibérica. Reconheceu, então, que o horizonte histórico-cultural da AL se relaciona com histórias, povos e mitos excluídos ou subalternizados nas narrativas da modernidade europeia, e propôs a interpretação desse processo a partir da noção de ‘exterioridade’. Porém, essa constatação mostrou-se insuficiente para explicar processos que não apenas apagam culturas e histórias, mas também impactam negativamente a produção e reprodução da vida. O encontro com as proposições iniciais, em Prebisch (1950)Prebisch, R. (1950). The economic development of Latin America and its principal problems. New York, USA: United Nation Department of Economic Affairs. Recuperado de https://repositorio.cepal.org//handle/11362/29973
https://repositorio.cepal.org//handle/11...
, do que viria a ser um amplo conjunto teórico sobre a dependência lhe permitiu reconhecer, para além da dimensão cultural, o fato da dominação e da exploração em sua dimensão econômica. Chegou, assim, aos fundamentos de sua Filosofia da Libertação, que incluem os condicionamentos culturais, mas, e principalmente, adotam “a perspectiva dos interesses de determinadas classes, grupos, gêneros, raças etc.” (Dussel, 2018Dussel, E. (2018). Transmodernity and interculturality: An interpretation from the Philosophy of Liberation. In A. A. Vallega & R. Grasfoguel (Eds.), Anti-cartesian mediations and transmodernity from the perspectives of Philosophy of Liberation (pp. 29-61). The Hague, The Netherlands: Amrit., p. 35). Nessa construção, ‘exterioridade’ ganha um sentido ampliado para enfatizar não apenas identidades localizadas silenciadas ou suprimidas, mas a experiência concreta de existir como exterioridade material e viva do sistema, incluindo o Outro do capital, o trabalho vivo que, ao vender-se, é explorado e que, antes de vender-se, é o nada para o capital (Dussel, 2008Dussel, E. (2008). Marx y la modernidad. La Paz, Bolívia: Rincón.). Trata-se, portanto, de uma filosofia elaborada a partir de uma interpelação que vem, “sincera e simplesmente, do rosto do pobre índio dominado, do mestiço oprimido, do povo latino-americano” (Dussel, 1973Dussel, E. (1973). Para una ética de la liberación latino-americana (Tomo I). Buenos Aires, Argentina: Siglo XXI., p. 162), mas que se constrói no diálogo intercultural e político com povos que também sofreram o poder econômico, político, militar e cultural dos países centrais hegemônicos.

Dussel (2013)Dussel, E. (2013). 16 tesis de economía política. Buenos Aires, Argentina: Docencia. nega a possibilidade de que a alternativa futura possa ser uma modernidade não capitalista, já que modernidade e capitalismo são dois aspectos do mesmo: “a modernidade é o todo, e o fundamento do aspecto particular no campo econômico consiste no sistema capitalista” (p. 360). Daí decorre a proposição de um mundo transmoderno que inclua uma episteme pluriversa. Transmodernidade é um projeto com pretensão de universalidade que se opõe ao capitalismo, ao patriarcado, ao imperialismo e à colonialidade, e que não emergirá desde a mesma modernidade eurocêntrica, ainda que se inspire em alguns aspectos da corrente crítica da modernidade europeia (Dussel, 2016Dussel, E. (2016). 14 tesis de ética: Hacia la esencia del pensamiento crítico. Madrid, España: Trotta.).

Essa episteme dialógica pluriversa, no entanto, não se baseia na moralidade procedimental da ética do discurso, na qual a materialidade empírica história é secundária ou irrelevante. Ela pressupõe, para além da moralidade formal, uma moralidade ética-material que determina o critério de verdade universal e concreto: a produção e reprodução da vida humana em comunidade (Dussel, 2004Dussel, E. (2004). La introducción de la transformación de la filosofía de K.-O. y la Filosofía de la Liberación: Reflexiones desde una perspectiva latinoamericana. In K.-O Apel & E. Dussel, Ética del discurso y ética de la liberación (pp. 73-125). Madrid, España: Trotta.). Trata-se, portanto, de um diálogo “entre os críticos criadores de suas próprias culturas” desde a exterioridade que não é pura negatividade, também é uma positividade distinta (Dussel, 2018Dussel, E. (2018). Transmodernity and interculturality: An interpretation from the Philosophy of Liberation. In A. A. Vallega & R. Grasfoguel (Eds.), Anti-cartesian mediations and transmodernity from the perspectives of Philosophy of Liberation (pp. 29-61). The Hague, The Netherlands: Amrit., p. 59). Algumas culturas indígenas latino-americanas, por exemplo, afirmam relações de respeito e pertencimento à natureza; assim como blocos sociais dos oprimidos, desde a exterioridade do capital, desenvolvem potências coletivas em processos que envolvem conscientização, organização e luta.

A transmodernidade, como possibilidade e projeto, emerge, portanto, das experiências positivas ancestrais e de experiências gestadas no seio das culturas coloniais e dos grupos dominados e excluídos; dos momentos e processos nos quais coletivos organizados em torno de temas de gênero, raça, modos de vida em sua relação com a natureza se descobrem como valiosos; das memórias, histórias, vitórias e heróis passados, e também de derrotas e recomeços; do compartilhamento dos avanços nas diversas frentes de luta para ir construindo uma nova humanidade pluriversa, “rica em semelhanças e diferenças analógicas, que evite a uniformidade unívoca da universalização de só uma cultura e a confrontação irreconciliável de todos contra todos” (Dussel, 2013Dussel, E. (2013). 16 tesis de economía política. Buenos Aires, Argentina: Docencia., p. 165). Uma humanidade que evite, também e por consequência lógica da normatividade de um princípio ético-material, o relativismo e o diálogo como um valor em si mesmo.

Em síntese, tanto Quijano quanto Dussel evidenciam a interdependência entre as dimensões do poder e do conhecimento. Nesse mesmo sentido, para Bautista (2014)Bautista, J. J. (2014). ¿Qué significa pensar desde América Latina? Madrid: Akal., pensar desde a AL não significa negar o prévio ou anterior, significa construir um marco categorial que permita “entender a especificidade dos problemas do subdesenvolvimento, da dependência, da opressão, do colonialismo, da miséria, da ignorância, da negação, do sofrimento e exclusão latino-americanos”. Trata-se, portanto, de “assumir o terreno político-econômico como acontecimento interpelador da razão que pensa o real e a si mesma, mas desde si mesma” (Bautista, 2014Bautista, J. J. (2014). ¿Qué significa pensar desde América Latina? Madrid: Akal., p. 25); de pensar “nossa própria condição como povos historicamente situados em uma série de encruzilhadas particulares” (Roig, 2008Roig, A. A. (2008). El pensamiento latinoamericano y su aventura. Buenos Aires, Argentina: El Andariego., p. 51)

Esses registros levam a que nos perguntemos sobre a relação entre as nações (Brasil, no nosso caso) e a AL, entre o nacional e o latino-americano. Em acordo com Roig (2008)Roig, A. A. (2008). El pensamiento latinoamericano y su aventura. Buenos Aires, Argentina: El Andariego., entendemos que o nacional não nos limita à nossa aldeia ou paróquia, já que, ao ser assumido concretamente, é a base indispensável para o universal. A nação é, claro, sinônimo de povo, classes sociais, etnias, gênero, juventude etc. É a partir dessa concretude que as lutas e os movimentos sociais se organizam em defesa da vida e de modos de vida em relação com a natureza. Portanto, dialetica e contraditoriamente, afirmar a AL como espaço de vida e como lócus de enunciação implica eliminar algumas diferenças e reconhecer outras. A consciência da diferença é o que permite dar sentido aos distintos modos de ser que coexistem na transmodernidade. No entanto, essa consciência não deveria incluir uma ênfase localista fora da história e da economia política. Podemos, em acordo com Roig (1999)Roig, A. A. (1999). Globalización y filosofía latinoamericana. In A. Rico & Y. Acosta (Comps.), Filosofía latinoamericana, globalización y democracia (pp. 29-49). Montevideo, Uruguay: Nordan-Comunidad., nos perguntar sobre os modos de objetivação mediante os quais os povos dos países que compõem a AL organizam e realizam sua vida social, assim como sua cultura material e simbólica, mas reconhecendo uma realidade atravessada por contradições e no marco de uma história latino-americana que é, ao mesmo tempo, compartilhada e conflitiva.

Dessa maneira, rejeitamos uma relação dicotômica ou hierarquizada entre o nacional e o latino-americano. Em contraposição, articulamos o tema do pensamento social de matriz nacional no contexto latino-americano. Antes, porém, um esclarecimento sobre o significado de pensamento social. Para Heredia (2010)Heredia, F. M. (2010). El ejercício de pensar. La Habana, Cuba: Editorial de Ciencias Sociales., o pensamento social “está vinculado às concepções mais gerais que se tenha da matéria social, desde os modos de apreender seu conhecimento e as normas, conceitos prévios e fronteiras que se colocam a esses processos intelectuais, aos pertencimentos ideológicos dos implicados” (p. 7). Marini (1994)Marini, R. M. (1994). Introducción: Las raíces del pensamiento latinoamericano. In R. M. Marini & M. Millán (Coords.), La teoría social latinoamericana: Los orígenes (Tomo I, pp.17-35). México, D. F., México: El Caballito., por sua vez, define pensamento social como a reflexão de uma sociedade sobre si mesma, como uma teorização voltada para assegurar uma determinada ordem das coisas a partir de um ponto de vista de classe. Na medida em que o sistema econômico se torna mais complexo e a contraposição de interesse, mais presente, o pensamento social torna-se contraditório, propiciando o surgimento de correntes divergentes.

Aceitando essas definições de pensamento social, recorremos, como ilustração, às contribuições de dois autores brasileiros que se dedicaram a pensar o Brasil pensando, simultaneamente, a AL: Manoel Bomfim e Darcy Ribeiro.

Bomfim (1993)Bomfim, M. (1993). América Latina: Males de origem. Rio de Janeiro, RJ: Topbooks., escrevendo no início do século XX, analisou e confrontou o modelo eurocêntrico de classificação sobre as sociedades latino-americanas como condição para entender a crítica que a historiagrafia brasileira fazia às características nacionais a partir da aceitação e propagação das ideias europeias sobre a região. Ou seja, buscou, nas proposições europeias sobre a AL, condições para compreender a produção de autores brasileiros sobre o Brasil. Assim, ao confrontar o discurso legitimador de interesses colonialistas europeus na AL, identificou os conteúdos biologicistas e racistas utilizados no tratamento da nacionalidade brasileira e identificou a maneira como as elites locais, as metrópoles coloniais e as potências imperialistas parasitavam as classes trabalhadoras brasileiras ao se apropriarem das riquezas por elas produzidas.

Com uma obra mais conhecida, Ribeiro (2001)Ribeiro, D. (2001). Somos todos culpados: Pequeno livro de frases e pensamentos de Darcy Ribeiro. Rio de Janeiro, RJ: Record. vinculava a possibilidade de um Brasil autônomo, soberano e independente, a um projeto articulado com o restante da AL. Em sua militância acadêmica e política para “passar o Brasil a limpo”, afirmava sermos nós, os latino-americanos, “povos ainda em luta para nos fazermos a nós mesmos” (p. 241). Defendendo a existência da AL como realidade geopolítica e como categoria interpretativa, reconhecia as diferenças entre um conteúdo luso-americano e um conteúdo hispano-americano fundadas “em uma pequena variação linguística que não chega a ser obstáculo para a comunicação, ainda que tendamos a exagerá-la” (Ribeiro, 1986Ribeiro, D. (1986). América Latina: A pátria grande. Rio de Janeiro, RJ: Ed. Guanabara., p. 12). Para esse autor, a expressão AL “alcança conotações altamente significativas na oposição entre anglo-americanos e latino-americanos, que, além de seus diversos conteúdos culturais, contrastam mais fortemente ainda quanto aos antagonismos socioeconômicos” (Ribeiro, 1986Ribeiro, D. (1986). América Latina: A pátria grande. Rio de Janeiro, RJ: Ed. Guanabara., p. 21).

Esperamos ter deixado claro que a postulação de pensar desde a AL não inclui concepções nativistas, originalistas ou culturalistas. Postula, sim, uma crítica ética cuja origem é a proximidade fundamental do sujeito ante o sujeito que revela a pessoa em sua realidade como tal, e não como mera coisa para o capital. Ser crítico, então, é recuperar o Outro e a Outra como distintos do sistema que os coisifica. Respeitar sua alteridade é a essência e a origem do crítico, do protesto e da rebelião contra os sistemas vigentes, frutos do processo de institucionalização da dominação (Dussel, 2016Dussel, E. (2016). 14 tesis de ética: Hacia la esencia del pensamiento crítico. Madrid, España: Trotta.). Não basta, portanto, narrar ou descrever processos, histórias ou fatos encobertos pelas histórias oficiais; é preciso produzir conhecimento de maneira que essas histórias apareçam com seu sentido real - de exclusão e dominação epistêmica, exploração econômica e exclusão social, massacre de povos e destruição da natureza e de modos de vida a ela associados.

Nesta seção, abordamos, de maneira relacional, o caráter geopolítico e categorial da AL, apresentando alguns elementos fundamentais para sua compreensão, evidenciando as dimensões da colonialidade do poder e do conhecimento. Após uma digressão, que se encontra na próxima seção, com foco nos EO na AL, retomaremos a dimensão das lutas sociais em sua relação com a colonialidade do poder e do saber.

PENSAR OS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS DESDE A AMÉRICA LATINA: UMA APROXIMAÇÃO A PARTIR DO CONTEXTO BRASILEIRO

Em 2008, a Divisão de Teorias Organizacionais da ANPAD, então coordenada por Roberto Costa Fachin, organizou um Painel Internacional com a participação de Eduardo Ibarra-Colado como painelista e Maria Ceci Misoczky como debatedora. O título da apresentação de Ibarra-Colado foi uma pergunta sobre se seria possível compreender e transformar os EO desde a AL e não morrer na tentativa. Passados mais de 10 anos daquele momento, pensamos que essa pergunta ainda tem vigência.

Em sua apresentação, Ibarra-Colado (2008)Ibarra-Colado, E. (2008, Setembro). ¿Cómo comprender y transformar los Estudios Organizacionales desde América Latina y no morir en el intento? Texto apresentado no Painel Internacional de Estudos Organizacionais no Trigésimo Segundo Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD), Rio de Janeiro, RJ. inicia constatando nossa incapacidade de estabelecer “um diálogo sistemático entre nossas próprias comunidades latino-americanas”, destacando “o paradoxo de uma região que se considera a si mesma como zona comum por seus laços históricos e culturais, mas que se encontra extremamente fragmentada e desconectada” (p. 1). Acrescentando:

Nossos referenciais comuns não têm sido nossas terras latino-americanas, nem tampouco os laços históricos ou a herança cultural compartilhada, ou os problemas comuns associados com nossa origem como espaço colonizado marcado pela exclusão. Não, nossos referenciais têm sido as teorias anglo-saxãs, suas revistas, seus congressos e a admiração que sentimos por seus personagens e obras; mas também tem sido a intenção negada ou não reconhecida, acaso inconsciente, de parecermos ou de chegarmos a ser como eles, de nos tornarmos expertos modernos em ‘organizações modernas’, para falar com eles de seus problemas como se fossem os nossos, para discutir com eles em seus termos como se fossem os nossos, para empregar como eles suas teorias e métodos como se fossem os nossos, para assumir, seguindo sempre a eles, suas próprias agendas de pesquisa como se fossem as nossa. (Ibarra-Colado, 2008Ibarra-Colado, E. (2008, Setembro). ¿Cómo comprender y transformar los Estudios Organizacionales desde América Latina y no morir en el intento? Texto apresentado no Painel Internacional de Estudos Organizacionais no Trigésimo Segundo Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD), Rio de Janeiro, RJ., p. 2)

Como indicação de caminhos para superar essa situação, Ibarra-Colado (2008)Ibarra-Colado, E. (2008, Setembro). ¿Cómo comprender y transformar los Estudios Organizacionales desde América Latina y no morir en el intento? Texto apresentado no Painel Internacional de Estudos Organizacionais no Trigésimo Segundo Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD), Rio de Janeiro, RJ. propôs que avançássemos a partir de uma tripla determinação: (i) que nos preocupemos “menos com teoria e mais com a realidade, já que a realidade é a fonte de produção da teoria”; (ii) que estejamos atualizados “não apenas com a mais recente literatura acadêmica, mas também com os problemas de nossas comunidades e nações”, escutando não apenas “os que sabem porque estudam, mas o que sabem porque o vivem”; e (iii) “sujarmos as mão com o trabalho de campo” para alimentar nossos ensaios e interpretações (pp. 9-10).

Ao realizar o debate, Misoczky (2008)Misoczky, M. C. (2008, setembro). Estudos organizacionais e pensamento social latino-americano. Apresentação realizada no Painel Internacional de Estudos Organizacionais no Trigésimo Segundo Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD), Rio de Janeiro, RJ. seguiu nessa mesma direção, acrescentando a dimensão institucional ao destacar que, nos EO brasileiros, a lógica predominante é a reprodução e tradução de ideias fora de lugar que se legitima por meio de “um circuito institucionalizado que dissemina um modelo de relação dependente e subordinada de nossa comunidade acadêmica com as comunidades dos países centrais” (p. 2).

Recuperando anotações realizadas nas manifestações do público após as duas apresentações, encontramos o registro de que a primeira pergunta foi exatamente se seria possível falar de AL como uma categoria própria, se ela não seria uma criação imposta desde outra realidade. Essa manifestação deu indícios de que, pelo menos até aquele momento, a AL, seja como categoria, seja como realidade geopolítica, tendia a ser menosprezada em sua relevância. Sublinhamos que não se trata de defender uma definição única de AL, ou mesmo contrapô-la a outra, mas de reconhecer que a própria existência da AL era negligenciada no contexto brasileiro da área.

Esse debate teve sequência dois anos depois, no espaço do Latin American-European Meeting on Organization Studies (Laemos) realizado em Buenos Aires, em um painel organizado por Miguel Imas. Possivelmente inspirada pelo debate ocorrido no painel do EnANPAD acima mencionado, Misoczky (2010aMisoczky, M. C. (2010a, abril). Can we speak of Latin America in the context of Latin American Organization Studies? Apresentação realizada no Painel sobre Diálogos entre América Latina e Europa no III Latin American and European Meeting on Organization Studies (Laemos), Buenos Aires, Argentina.) retomou o tema da AL como categoria forjada em um latino-americanismo que combatia o projeto pan-americanista do então presidente norte-americano James Monroe, que, em 1823, proferiu a famosa declaração “América para os americanos”, e que também combatia a subsequente ocupação, por tropas norte-americanas, do México, Cuba, Porto Rico e Panamá. Misoczky (2010a)Misoczky, M. C. (2010a, abril). Can we speak of Latin America in the context of Latin American Organization Studies? Apresentação realizada no Painel sobre Diálogos entre América Latina e Europa no III Latin American and European Meeting on Organization Studies (Laemos), Buenos Aires, Argentina. fez, então, uma distinção entre pan-americanismo e latino-americanismo, afirmando o caráter anti-imperialista desse último e terminando sua introdução com a afirmação de que, “apesar de falarmos diferentes línguas, nos entendemos entre outras razões porque compartilhamos a mesma inserção dependente no contexto das relações internacionais, assim como a mesma intensa contradição entre abundância e miséria material” (p. 4). Uma colocação feita a partir da plateia, que novamente encontramos em nossos registros, questionou se o Brasil poderia ser considerado parte da AL, complementada com o argumento do afastamento gerado pela língua.

Esses episódios ilustram que o tema da AL tem feito parte das reflexões de alguns pesquisadores e, inclusive, ocupado espaços em eventos acadêmicos há mais de 10 anos. Há, ainda, que mencionar o ano de 2006 como o momento no qual a produção de conhecimento a partir de nosso contexto de prática (Dussel & Ibarra-Colado, 2006Dussel, E., & Ibarra-Colado, E. (2006). Globalization, organization and the ethics of liberation. Organization, 13(4), 489-508. doi:10.1177/1350508406065852
https://doi.org/10.1177/1350508406065852...
; Misoczky, 2006Misoczky, M. C. (2006). Sobre o centro, a crítica e a busca da liberdade na práxis acadêmica. Cadernos EBAPE.BR, 4(3), 1-13, 2006. doi:10.1590/S1679-39512006000300002
https://doi.org/10.1590/S1679-3951200600...
) adentra formalmente nossa agenda, ainda que a partir de uma abordagem culturalista, de acordo com a interpretação crítica de Misoczky e Dornelas Camara (2015)Misoczky, M. C., & Dornelas Camara, G. (2015). Enrique Dussel: Contribuições para a crítica ética e radical nos estudos organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, 13(2), 286-314. doi:10.1590/1679-395115875
https://doi.org/10.1590/1679-395115875...
. Há, também, que mencionar um conjunto de trabalhos que se propõem a pensar a AL desde a perspectiva do management e dos negócios, entre os quais destacamos as publicações de Guedes e Faria (2010)Guedes, A. L., & Faria, A. (Orgs.). (2010). International management and international relations: A critical perspective from Latin America. London, UK: Routledge., Alcadipani e Reis Rosa (2011)Alcadipani, R. & Rosa, A. R. (2011). From global management to glocal management: Latin American perspectives as a counter-dominant management epistemology. Journal of the Administrative Sciences, 28(4), 453-466. doi:10.1002/cjas.165
https://doi.org/10.1002/cjas.165...
, e Alcadipani e Faria (2014)Alcadipani, R., & Faria, A. (2014). Fighting Latin American marginality in ‘international’ business. Critical Perspectives on International Business, 10(1-2), 107-117. doi:10.1108/cpoib-11-2013-0047.
https://doi.org/10.1108/cpoib-11-2013-00...
.

Por uma questão de reconhecimento, para além de qualquer ordenamento cronológico, é preciso valorizar a contribuição do Núcleo de Estudos de Administração Brasileira (Abras) desde 1988, coordenado por Paulo Emílio Matos Martins. Seu objetivo é estudar o “espaço-dinâmica organizacional” como “fenômeno histórico, político, econômico e cultural, isto é: como lócus de (re)produção do simbólico sobre o trabalho, seu sítio de ocorrência e sua gestão, tendo como referência teórica o pensamento social e os intérpretes do Brasil” (Núcleo Abras, 2019Núcleo Abras. (2019). Histórico. Recuperado de http://www.nucleoabras.com.br/historico.php
http://www.nucleoabras.com.br/historico....
). Esse programa de pesquisa de mais de 30 anos evidencia a possibilidade concreta de trazermos para os EO categorias interpretativas desenvolvidas desde nossa realidade. Além disso, o estudo de autores brasileiros que não dissociam o Brasil da AL levou à iniciativa de organizar, em parceria com outros grupos de pesquisa do Brasil e de outros países da região (principalmente do Equador), o Encuentro Administración y Pensamiento Latino-Americano que vem se realizando anualmente desde 2012.

Ainda no quesito eventos acadêmicos, em 2015, no III Congresso Brasileiro de Estudos Organizacionais, aconteceu a conferência “Os desafios da integração dos Estudos Organizacionais latino-americanos”, conduzida por Rodrigo Muñoz Grisales e Jorge Alberto Rosas Castro. Registramos, na dimensão institucional, o convênio, em vigência desde 2015, entre a Sociedade Brasileira de Estudos Organizacionais (SBEO), a Red de Postgrados de Investigación Latinos en Administración y Estudios Organizacionales (Red Pilares) e a Red Mexicana de Estudios Organizacionales (Remineo).

Esses encontros e aproximações institucionais culminaram com a constituição da Red de Estudios Organizacionales de Latinoamérica (REOL), formalizada em julho de 2019. Em sua carta de fundação, encontramos o reconhecimento de que, na AL, os EO têm se desenvolvido de maneira heterogênea e diversa, e a afirmação de que se faz necessária a “apropriação crítica para a realidade de nossa região, desde suas necessidades específicas” das “contribuições do conhecimento produzido em outras latitudes”, indo “mais além da simples reprodução do status quo ali originado (REOL, 2019, p. 1). Essa rede de redes e sociedades (inicialmente incluindo Red Argentina de Estudios Organizacionales, Red de Estudios Organizacionales de Colombia, Red Chilena de Estudios Organizacionales - Minga, Remineo e SBEO) realiza, em seu processo de constituição, um diagnóstico e propõe desafios:

Reconhecemos, também que a pluridisciplinariedade e a pluralidade paradigmática que caracterizam o campo têm estado historicamente condicionadas pelo colonialismo do saber [...] Até muito pouco tempo, centrávamos nossos olhares no norte global e pouco sabíamos da produção acadêmica dos países vizinhos. Muitas vezes, nos congregávamos em espaços acadêmicos oferecidos e organizados por fora de nossas regiões, e nos comunicávamos entre nós por seus intermediários. Hoje, ombro a ombro, sabemos que as diferenças em nossas trajetórias nacionais não constituem barreiras entre nós, são características específicas que podem se converter em contribuições e possibilidades de avançar e refletir e que, em vez de nos separarem, não farão mais que unir-nos. (REOL, 2019, p. 2)

Encontramos, nesse diagnóstico, ecos das palavras proferidas por Ibarra-Colado, em 2008Ibarra-Colado, E. (2008, Setembro). ¿Cómo comprender y transformar los Estudios Organizacionales desde América Latina y no morir en el intento? Texto apresentado no Painel Internacional de Estudos Organizacionais no Trigésimo Segundo Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD), Rio de Janeiro, RJ.. A novidade para enfrentar o desafio que continua sendo basicamente o mesmo, ainda que em outros termos, é o processo de organização desde o reconhecimento das diferenças e a constituição de espaços de articulação e compartilhamento em consonância com as proposições de Bautista (2014)Bautista, J. J. (2014). ¿Qué significa pensar desde América Latina? Madrid: Akal. acima mencionadas: não negar o prévio ou anterior, tampouco rechaçar teorizações ou autores do Norte, mas desenvolver teorias e marcos categoriais para entender nossas especificidades.

Claro, os EO constituem-se em uma área de conhecimento plural em cujo escopo encontramos projetos de diferentes conotações políticas com seus respectivos objetos de estudo, adotando distintas epistemologias e fundamentos teóricos. Esses projetos incluem variadas abordagens analíticas e propositivas à prática da Administração nas organizações e, em tempos de globalização extensiva, tendem a enfatizar o management em “sua posição intimidadora que pressupõe “superioridade epistêmica” a serviço de projetos que “envolvem transferências, extrações, e o ‘desenvolvimento’ de capital, pessoas, recursos e informações através de fronteiras” (Davis, 2018Davis, P. (2018). Globalization/Coloniality: A decolonial definition and diagnosis. Transmodernity: Journal of Peripheral Cultural Production of the Luso-Hispanic World, 8(4), 1-18. Recuperado de https://escholarship.org/uc/item/3xt7p9n6.
https://escholarship.org/uc/item/3xt7p9n...
, pp. 10-11). Também encontramos uma crítica interna ao management que compromete sua dimensão crítica pela impossibilidade lógica da negação de seu objeto, e se expressa pelo que se institucionalizou como Critical Management Studies.

Não cabe aqui retomar a já bem-estabelecida discussão, a partir de diferentes perspectivas, sobre o significado do management como instrumento de intervenção prático-operacional imbuído de uma dimensão ideológica (Boltanski & Chiapello, 2002Boltanski, L., & Chiapello, E. (2002). El nuevo espíritu del capitalismo. Madrid, España: Akal.; Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: Ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias & Letras.; Klikauer, 2013Klikauer, T. (2013). Managerialism: Critique of an ideology. New York, USA: Palgrave.; Parker, 2002Parker, M. (2002). Against management: Organization in the age of managerialism. Cambridge, Reino Unido: Polity Press.; Vizeu, 2010Vizeu, F. (2010). (Re)contando a velha história: Reflexões sobre a gênese do Management. RAC-Revista de Administração Contemporânea, 14(5), 780-797. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/rac/v14n5/v14n5a02
http://www.scielo.br/pdf/rac/v14n5/v14n5...
; entre outros). Cabe apenas mencionar que não se encontra ainda adequadamente desenvolvida uma crítica ao management desde uma perspectiva da descolonialização do poder e do saber. Fazê-lo implicaria negar o management, pois haveria que se reconhecer que ele é inerente à modernidade neoliberal, sendo uma construção que reflete o aperfeiçoamento do processo de abstração real levado a cabo a serviço do mercado, com uma ética própria implícita com base em uma concepção de ciência e racionalidade moderna e eurocêntrica. E, claro, a serviço da preservação e ampliação das relações de poder que se encontram consolidadas na divisão do trabalho no cenário mundial.

Como já tem sido amplamente registrado, a tradição crítica brasileira nos EO (Misoczky, Flores, & Goulart, 2015Misoczky, M. C., Flores, R. K., & Goulart, S. (2015). An anti-management statement in dialogue with critical Brazilian authors. RAE, 55, 130-138. doi: 10.1590/S0034-759020150203
https://doi.org/10.1590/S0034-7590201502...
; Paula, 2015Paula, A. P. P. de. (2015). Estudos criticados e pensadores nacionais. Cadernos Ebape.Br, 13(3), 410-413. doi:10.1590/1679-395149070
https://doi.org/10.1590/1679-395149070...
; Paula, Maranhão, & Barreto, 2010Paula, A. P. P. de., Maranhão, C., & Barreto, R. (2010) A tradição e a autonomia dos estudos organizacionais críticos no Brasil. RAE-Revista de Administração de Empresas, 50(1), 10-23. Doi: 10.1590/S0034-75902010000100002
https://doi.org/10.1590/S0034-7590201000...
) nos autoriza e, mesmo, nos provoca a ir além de uma crítica que se autolimita (Klikauer, 2015Klikauer, T. (2015). Critical management studies and critical theory: A review. Capital and Class, 39(2), 197-220. doi:10.1177/0309816815581773
https://doi.org/10.1177/0309816815581773...
) e valorizar os EO como um espaço no qual, apesar de sua crescente colonização pelo management, se encontra a possibilidade de trilhar caminhos a partir de uma crítica ética e desde a nossa realidade, levando em consideração as lutas contra negócios e tecnologias de gestão que impactam negativamente a produção e reprodução da vida e de modos de vida em relação com a natureza.

A DIMENSÃO DESCOLONIAL NAS LUTAS SOCIAIS E POSSIBILIDADES QUE SE ABREM PARA OS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS DESDE A AMÉRICA LATINA

Retomando as indicações de Bautista (2014)Bautista, J. J. (2014). ¿Qué significa pensar desde América Latina? Madrid: Akal., registradas anteriormente, pensar desde a AL implica também (e, por que não, principalmente?!) em “assumir o terreno político-econômico como acontecimento interpelador da razão que pensa o real” (p. 25) a partir de marcos categoriais que permitam entender nossas especificidades sem isolacionismos. Recuperando o que apresentamos nos itens anteriores, ressaltamos que adotamos uma perspectiva descolonial que, desde a tradição do pensamento social latino-americano, afirma que a modernidade se inicia com a invasão da América e, portanto, é indissociável do capitalismo. Nesse sentido, falar em descolonialidade implica incluir, para além da dimensão epistêmica, também a dimensão da vida concreta de comunidades, povos e coletivos sociais que a têm sob ameaça ou como uma impossibilidade prática. Essa escolha é fundamentada em um princípio ético-normativo material que nos obriga a abandonar qualquer posição de neutralidade em nossa área de estudo e assumir uma crítica que se faz em solidariedade ativa com aqueles que se organizam e lutam contra expressões concretas da colonialidade do poder mediadas pela colonialidade do saber.

Ao dirigir nosso olhar para esses fenômenos organizacionais, tomamos uma definição de organização que a afirma como “meio para realizar a ação libertadora através de processos e práticas territorializadas e orientadas pela razão estratégico-crítica” (Misoczky, 2010bMisoczky, M. C. (2010b). Das práticas não gerenciais de organizar à organização para a práxis da libertação. In M. C. Misoczky, R. K. Flores & J. Moraes (Eds.), Organização e práxis libertadora (pp. 13-56). Porto Alegre, RS: Dacasa., p. 50). A expressão razão estratégico-crítica refere-se a um dos princípios da ética da libertação desenvolvida por Dussel (2000)Dussel, E. (2000). Ética da libertação na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis, RJ: Vozes. e trata da factibilidade:

Quem projeta realizar ou transformar uma norma, ato, instituição, sistema de eticidade, etc., não pode deixar de considerar as condições de possibilidade de sua realização objetiva, materiais e formais, empíricas, técnicas, econômicas, políticas etc., de maneira que o ato seja possível levando em conta as leis da natureza em geral e humanas em particular. (p. 568)

Claro que esse princípio está subordinado às exigências de reprodução e desenvolvimento da vida em comunidade e da participação dos afetados nas decisões.

Entendemos que, como indica Hinkelammert (1977)Hinkelammert, F. (1977). Las armas ideológicas de la muerte. San José, El Salvador: DEI., o desenvolvimento de conceitos e categorias não apenas permite conhecer o novo, mas possibilita conceber outras realidades como possíveis e afirmar a existência de processos políticos e organizacionais transformadores a partir da possibilidade do vir a ser dessas outras realidades. Assim, uma definição de organização como a que mencionamos acima permite tornar visíveis esses processos a partir de suas próprias lógicas.

Se descolonialidade se refere à dissolução das estruturas de dominação e exploração moldadas pela colonialidade do poder, sua expressão nas lutas sociais implica negar a opressão e afirmar possibilidades de economias para a vida, bem como produzir indicações de políticas e processos organizacionais pré-figurativos de um mundo pluriverso e transmoderno. Novamente, pensar esses processos desde a AL não implica uma posição de isolacionismo ou de privilégio ontológico de nossa existência. Significa que essa é nossa realidade e que nosso fazer acadêmico ganha relevância quando contribuímos para iluminar o entendimento do que nela acontece, lembrando a indicação de Ibarra-Colado (2008)Ibarra-Colado, E. (2008, Setembro). ¿Cómo comprender y transformar los Estudios Organizacionales desde América Latina y no morir en el intento? Texto apresentado no Painel Internacional de Estudos Organizacionais no Trigésimo Segundo Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD), Rio de Janeiro, RJ. sobre a importância de estarmos atualizados com os problemas de nossas comunidades e nações, escutando os que sabem por que vivem.

Nos referimos, portanto, aos múltiplos processos organizados desde o querer viver que confrontam a destituição do Outro e a destruição da natureza, incluídos aí, por exemplo: (a) lutas antiextrativistas em defesa dos bens comuns que confrontam corporações transnacionais aliadas a governos nacionais e enfrentam tecnologias de gestão que visam destruir laços comunitários (como as práticas de responsabilidade social empresarial) afirmando seus modos de vida e, em muitas situações, valores ancestrais; (b) feminismos populares que, desde sua heterogeneidade e do confronto com o feminismo hegemônico ocidental moderno, “encontram pontos em comum em vozes que falam de vidas marginalizadas pelo racismo, pelo capitalismo e pelo heterossexismo” (Barroso, 2014Barroso, J. M. (2014). Feminismo decolonial: Una ruptura con la visión hegemónica eurocéntrica, racista y burguesa. Entrevista com Yuderkys Espinosa Miñoso. Iberoamérica Social: Revista-Rede de Estudos Sociais, III, 22-33. Recuperado de https://iberoamericasocial.com/feminismo-decolonial-una-ruptura-con-la-vision-hegemonica-eurocentrica-racista-y-burguesa/
https://iberoamericasocial.com/feminismo...
, [s/p]); e, também, (c) a luta cotidiana de povos e famílias pela reprodução da sua vida em comunidades pobres e mesmo em situação de rua, que desenvolvem formas de vida e estratégias organizadas de sobrevivência.

Enfim, referimo-nos a dialogar com o conhecimento que é produzido desde baixo em contextos específicos nos quais o sistema e seus instrumentos, a colonialidade do poder e do saber, são confrontados pelo bloco social dos oprimidos. Desde uma crítica ética ao sistema e seus instrumentos prático-operacionais, pensar em solidariedade com o povo-exterioridade do capital em sua imperiosa necessidade de organizar-se para produzir e reproduzir suas vidas em comunidade. Para pensar desde a AL, além de tomar nossos problemas reais como referência para a produção de conhecimento, é preciso entender os limites dos diálogos com as epistemologias eurocêntricas desde um ceticismo fundado nas experiências e vidas concretas de nossos povos e comunidades, com suas marcas culturais, políticas e econômicas.

Defendemos que esse fazer, que é simultaneamente acadêmico e político, explora e amplia possibilidades para produzir conhecimento nos EO indo além da crítica epistemológica à colonialidade do saber. Um conhecimento que contribua para tornar visíveis processos organizacionais que confrontam, no cotidiano, as múltiplas expressões concretas da colonialidade e que, ao mesmo tempo, seja relevante para as comunidades e coletivos em luta.

  • Avaliado pelo sistema double blind review.
  • Versão original

REFERÊNCIAS

  • Alcadipani, R., & Faria, A. (2014). Fighting Latin American marginality in ‘international’ business. Critical Perspectives on International Business, 10(1-2), 107-117. doi:10.1108/cpoib-11-2013-0047.
    » https://doi.org/10.1108/cpoib-11-2013-0047
  • Alcadipani, R. & Rosa, A. R. (2011). From global management to glocal management: Latin American perspectives as a counter-dominant management epistemology. Journal of the Administrative Sciences, 28(4), 453-466. doi:10.1002/cjas.165
    » https://doi.org/10.1002/cjas.165
  • Ardao, A. (1980). Génesis de la idea y el nombre de América Latina Caracas, Venezuela: Centro Romulo Gallegos.
  • Barroso, J. M. (2014). Feminismo decolonial: Una ruptura con la visión hegemónica eurocéntrica, racista y burguesa. Entrevista com Yuderkys Espinosa Miñoso. Iberoamérica Social: Revista-Rede de Estudos Sociais, III, 22-33. Recuperado de https://iberoamericasocial.com/feminismo-decolonial-una-ruptura-con-la-vision-hegemonica-eurocentrica-racista-y-burguesa/
    » https://iberoamericasocial.com/feminismo-decolonial-una-ruptura-con-la-vision-hegemonica-eurocentrica-racista-y-burguesa/
  • Bautista, J. J. (2014). ¿Qué significa pensar desde América Latina? Madrid: Akal.
  • Boggs, C. (1977). Marxism, Prefigurative Communism and the Problem of Workers’ Control, Radical America, 11(6), 99-122. Recuperado de https://libcom.org/library/marxism-prefigurative-communism-problem-workers-control-carl-boggs
    » https://libcom.org/library/marxism-prefigurative-communism-problem-workers-control-carl-boggs
  • Boltanski, L., & Chiapello, E. (2002). El nuevo espíritu del capitalismo Madrid, España: Akal.
  • Bomfim, M. (1993). América Latina: Males de origem Rio de Janeiro, RJ: Topbooks.
  • Brandalise, C. (2013). O conceito de América Latina: Hispano-americanos e a panlatinidade europeia. Cuadernos del CILHA, 4(18), 74-106. Recuperado de https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/95149/000917575.pdf?sequence=1
    » https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/95149/000917575.pdf?sequence=1
  • Davis, P. (2018). Globalization/Coloniality: A decolonial definition and diagnosis. Transmodernity: Journal of Peripheral Cultural Production of the Luso-Hispanic World, 8(4), 1-18. Recuperado de https://escholarship.org/uc/item/3xt7p9n6
    » https://escholarship.org/uc/item/3xt7p9n6
  • Dussel, E. (1973). Para una ética de la liberación latino-americana (Tomo I). Buenos Aires, Argentina: Siglo XXI.
  • Dussel, E. (2000). Ética da libertação na idade da globalização e da exclusão Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Dussel, E. (2001). Hacia una filosofía política crítica Barcelona, España: Desclée de Brouwer.
  • Dussel, E. (2004). La introducción de la transformación de la filosofía de K.-O. y la Filosofía de la Liberación: Reflexiones desde una perspectiva latinoamericana. In K.-O Apel & E. Dussel, Ética del discurso y ética de la liberación (pp. 73-125). Madrid, España: Trotta.
  • Dussel, E. (2008). Marx y la modernidad La Paz, Bolívia: Rincón.
  • Dussel, E. (2012). A produção teórica de Marx: Um comentário aos Grundrisse São Paulo, SP: Expressão Popular.
  • Dussel, E. (2013). 16 tesis de economía política Buenos Aires, Argentina: Docencia.
  • Dussel, E. (2016). 14 tesis de ética: Hacia la esencia del pensamiento crítico Madrid, España: Trotta.
  • Dussel, E. (2018). Transmodernity and interculturality: An interpretation from the Philosophy of Liberation. In A. A. Vallega & R. Grasfoguel (Eds.), Anti-cartesian mediations and transmodernity from the perspectives of Philosophy of Liberation (pp. 29-61). The Hague, The Netherlands: Amrit.
  • Dussel, E., & Ibarra-Colado, E. (2006). Globalization, organization and the ethics of liberation. Organization, 13(4), 489-508. doi:10.1177/1350508406065852
    » https://doi.org/10.1177/1350508406065852
  • Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: Ideologia, poder gerencialista e fragmentação social São Paulo, SP: Ideias & Letras.
  • Gorz, A. (1968). The way forward. New Left Review, I(52), 47-66. Recuperado de https://newleftreview.org/issues/I52/articles/andre-gorz-the-way-forward
    » https://newleftreview.org/issues/I52/articles/andre-gorz-the-way-forward
  • Guedes, A. L., & Faria, A. (Orgs.). (2010). International management and international relations: A critical perspective from Latin America London, UK: Routledge.
  • Heredia, F. M. (2010). El ejercício de pensar La Habana, Cuba: Editorial de Ciencias Sociales.
  • Hinkelammert, F. (1977). Las armas ideológicas de la muerte San José, El Salvador: DEI.
  • Ibarra-Colado, E. (2008, Setembro). ¿Cómo comprender y transformar los Estudios Organizacionales desde América Latina y no morir en el intento? Texto apresentado no Painel Internacional de Estudos Organizacionais no Trigésimo Segundo Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD), Rio de Janeiro, RJ.
  • Klikauer, T. (2013). Managerialism: Critique of an ideology New York, USA: Palgrave.
  • Klikauer, T. (2015). Critical management studies and critical theory: A review. Capital and Class, 39(2), 197-220. doi:10.1177/0309816815581773
    » https://doi.org/10.1177/0309816815581773
  • León, E. H. (2017). Praxis espacial en América Latina: Lo geopolítico puesto en cuestión Ciudad de México, México: EPC/Itaca.
  • Marini, R. M. (1994). Introducción: Las raíces del pensamiento latinoamericano. In R. M. Marini & M. Millán (Coords.), La teoría social latinoamericana: Los orígenes (Tomo I, pp.17-35). México, D. F., México: El Caballito.
  • Martí, J. (2010) Obras completas: Edición crítica Buenos Aires, Argentina, e La Habana, Cuba: CLACSO e Centro de Estudios Martinianos.
  • Mendieta, E. (2008). Remapping Latin American studies: Postcolonialism, subaltern studies, post-occidentalism and globalization. In M. Moraña, E. Dussel & C. A. Jáuregui (Eds.), Coloniality at large: Latin America and the postcolonial debate (pp. 286-306). Durham, UK: Duke University Press.
  • Mignolo, W. (2007). Delinking: The rhetoric of modernity, the logic of coloniality and the grammar of de-coloniality. Cultural Studies, 21(2-3), 449-514. doi:10.1080/09502380601162647
    » https://doi.org/10.1080/09502380601162647
  • Mignolo, W. (2008). The geopolitics of knowledge and the colonial difference. In M. Moraña, E. Dussel & C. A. Jáuregui (Eds.), Coloniality at large: Latin America and the postcolonial debate (pp. 125-258). Durham, UK: Duke University Press.
  • Misoczky, M. C. (2006). Sobre o centro, a crítica e a busca da liberdade na práxis acadêmica. Cadernos EBAPE.BR, 4(3), 1-13, 2006. doi:10.1590/S1679-39512006000300002
    » https://doi.org/10.1590/S1679-39512006000300002
  • Misoczky, M. C. (2008, setembro). Estudos organizacionais e pensamento social latino-americano Apresentação realizada no Painel Internacional de Estudos Organizacionais no Trigésimo Segundo Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD), Rio de Janeiro, RJ.
  • Misoczky, M. C. (2010a, abril). Can we speak of Latin America in the context of Latin American Organization Studies? Apresentação realizada no Painel sobre Diálogos entre América Latina e Europa no III Latin American and European Meeting on Organization Studies (Laemos), Buenos Aires, Argentina.
  • Misoczky, M. C. (2010b). Das práticas não gerenciais de organizar à organização para a práxis da libertação. In M. C. Misoczky, R. K. Flores & J. Moraes (Eds.), Organização e práxis libertadora (pp. 13-56). Porto Alegre, RS: Dacasa.
  • Misoczky, M. C., & Dornelas Camara, G. (2015). Enrique Dussel: Contribuições para a crítica ética e radical nos estudos organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, 13(2), 286-314. doi:10.1590/1679-395115875
    » https://doi.org/10.1590/1679-395115875
  • Misoczky, M. C., Dornelas Camara, G. & Böhm, S. (2017). Organizational practices of social movements and popular struggles: Understanding the power of organizing from below.Qualitative Research in Organizations and Management, 12(4), 250-261. doi:10.1108/QROM-09-2017-1567
    » https://doi.org/10.1108/QROM-09-2017-1567
  • Misoczky, M. C., Flores, R. K., & Goulart, S. (2015). An anti-management statement in dialogue with critical Brazilian authors. RAE, 55, 130-138. doi: 10.1590/S0034-759020150203
    » https://doi.org/10.1590/S0034-759020150203
  • Mix Rojas, M. M. (1991). Los cien nombres de América: eso que descubrió Colón Barcelona: Lumen.
  • Núcleo Abras. (2019). Histórico Recuperado de http://www.nucleoabras.com.br/historico.php
    » http://www.nucleoabras.com.br/historico.php
  • Paula, A. P. P. de. (2015). Estudos criticados e pensadores nacionais. Cadernos Ebape.Br, 13(3), 410-413. doi:10.1590/1679-395149070
    » https://doi.org/10.1590/1679-395149070
  • Paula, A. P. P. de., Maranhão, C., & Barreto, R. (2010) A tradição e a autonomia dos estudos organizacionais críticos no Brasil. RAE-Revista de Administração de Empresas, 50(1), 10-23. Doi: 10.1590/S0034-75902010000100002
    » https://doi.org/10.1590/S0034-75902010000100002
  • Parker, M. (2002). Against management: Organization in the age of managerialism Cambridge, Reino Unido: Polity Press.
  • Prebisch, R. (1950). The economic development of Latin America and its principal problems New York, USA: United Nation Department of Economic Affairs. Recuperado de https://repositorio.cepal.org//handle/11362/29973
    » https://repositorio.cepal.org//handle/11362/29973
  • Quijano, A. (1991). América: El capitalismo y la modernidad nascieron el mismo día. Revista del Centro de Educación y Cultura, 10, 42-57.
  • Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências sociais (pp. 117-142). Buenos Aires, Argentina: Clacso.
  • Rauber, I. (2004). La transformación social en el siglo XXI: Camino de reformas o de revolución. Pasado y Presente, XXI, 1-26. Recuperado de http://www.rebelion.org/docs/511.pdf
    » http://www.rebelion.org/docs/511.pdf
  • Red de Estudios Organizacionales de Latinoamérica. (2019, Julio). Carta de Fundación de la Red de Estudios Organizacionales de Latinoamérica (REOL) Documento presentado en el Primer Encuentro de la REOL, Medellín, Colombia.
  • Ribeiro, D. (1986). América Latina: A pátria grande Rio de Janeiro, RJ: Ed. Guanabara.
  • Ribeiro, D. (2001). Somos todos culpados: Pequeno livro de frases e pensamentos de Darcy Ribeiro Rio de Janeiro, RJ: Record.
  • Rodriguez, P. P. (2016). José Martí y su concepto del equilibrio del mundo. UH, 281, 180-188. Recuperado de http://scieloprueba.sld.cu/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0253-92762016000100015&lng=es&nrm=iso
    » http://scieloprueba.sld.cu/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0253-92762016000100015&lng=es&nrm=iso
  • Roig, A. A. (1999). Globalización y filosofía latinoamericana. In A. Rico & Y. Acosta (Comps.), Filosofía latinoamericana, globalización y democracia (pp. 29-49). Montevideo, Uruguay: Nordan-Comunidad.
  • Roig, A. A. (2008). El pensamiento latinoamericano y su aventura Buenos Aires, Argentina: El Andariego.
  • Torres Caicedo, J. M. (1857). Las dos Américas. El correo de ultramar, 16. Retrieved from http://www.filosofia.org/hem/185/18570215.htm
    » http://www.filosofia.org/hem/185/18570215.htm
  • Tragtenberg, M. (1986). Reflexões sobre o socialismo São Paulo, SP: Moderna.
  • Vizeu, F. (2010). (Re)contando a velha história: Reflexões sobre a gênese do Management. RAC-Revista de Administração Contemporânea, 14(5), 780-797. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/rac/v14n5/v14n5a02
    » http://www.scielo.br/pdf/rac/v14n5/v14n5a02

Editado por

Editores Científicos convidados: Diego Szlechter, Leonardo Solarte Pazos, Juliana Cristina Teixeira, Jorge Feregrino, Pablo Isla Madariaga e Rafael Alcadipani

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2019
  • Aceito
    14 Out 2019
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br