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BIG DATA E DISRUPÇÕES NOS MODELOS DE NEGÓCIOS

O HYPE DAS TECNOLOGIAS EMERGENTES

Muitos são os desafios que impedem o aproveitamento dos benefícios das tecnologias emergentes mais recentes. Se fosse simples, todas as empresas o fariam, e a vantagem competitiva desapareceria facilmente. Na verdade, é extremamente difícil e desafiador para as empresas criarem valor com tecnologias emergentes. Todos os anos, a Gartner, empresa de consultoria respeitada, analisa as tecnologias mais recentes e emergentes e utiliza o seu conceito de ciclo de hype para explicar o caminho que as tecnologias tomam. O ciclo consiste em cinco fases: (i) a fase de ativação tecnológica: a invenção de novas tecnologias, que ocorre em um laboratório de pesquisa, geralmente em uma universidade (hoje em dia, a maioria das empresas terceiriza suas pesquisas mais importantes para as universidades); ii) a fase de auge das expectativas inflacionadas: a tecnologia é discutida pelas empresas em conferências e na imprensa. Fala-se muito da nova tecnologia, mas ninguém a utilizou ainda. São lançados projetos de P&D; iii) a fase de desilusão: verifica-se que a tecnologia não é tão útil quanto se pensava; iv) a fase de declive de esclarecimento: é explorada a valiosa fusão entre negócios e tecnologia; (v) a fase de patamar da produtividade: fica claro como as empresas podem usar a tecnologia para criar valor. No ciclo de hype das tecnologias emergentes da Gartner (2019)Gartner. (2019). Hype cycle of emerging technologies 2019. Retrieved from https://www.gartner.com/en/documents/3956015/hype-cycle-for-emerging-technologies-2019
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, tecnologias como biorrobôs, realidade aumentada na nuvem, web descentralizada, aprendizado de máquina adaptativo, impressão 3D em nanoescala e 5G são revisadas e posicionadas nas primeiras fases. A Gartner espera que essas tecnologias atinjam o patamar da produtividade dentro de 5 a 10 anos.

Duas observações importantes devem ser feitas. Em primeiro lugar, as tecnologias mais novas gerarão enormes quantidades de dados, tanto em um nível molecular quanto no nível de objetos individuais e seres humanos, e dispositivos (coisas) e seres humanos interligados incorporados em complexas redes comerciais, logísticas e financeiras. Em segundo lugar, para as empresas, seria sensato abordar essas tecnologias emergentes a partir de uma perspectiva de "detecção - armazenamento de dados - análise e resposta - aprendizagem". Do ponto de vista empresarial, o ciclo detectar-guardar-analisar-responder-e-aprender precisa estar conectado ao ciclo de hype das tecnologias emergentes. Completar o ciclo de "detecção-armazenamento de dados-análise e resposta-aprendizagem" é um fator crítico de sucesso para as empresas. No entanto, como de costume, há complicações; neste caso, duas. A primeira é que mais dados implicam mais ruído. É muito desafiador distinguir sinal de ruído (Silver, 2015Silver, N. (2015). The signal and the noise: Why so many predictions fail, but some don't. New York, NY: Penguin Books.). A segunda complicação é que os dados são gerados não apenas dentro das aplicações da empresa, mas também em aplicações executadas em conjunto com vários parceiros de negócios nos chamados ecossistemas de negócios; Porter e Heppelmann (2014)Porter, M. E., & Heppelmann, J. E. (2014). How smart, connected products are transforming competition. Harvard Business Review. Retrieved from https://hbr.org/2014/11/how-smart-connected-products-are-transforming-competition
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chamariam essas aplicações de negócios de "sistema de sistemas". Portanto, a propriedade e a legalidade dos dados tornam-se um fator crucial que pode impedir que as tecnologias atinjam o patamar da produtividade.

COMO GANHAR A CORRIDA POR DADOS?

Muitas empresas estão cientes do valor potencial das tecnologias emergentes e da transformação digital que precisam conduzir. No entanto, tal como referido anteriormente, não é fácil transformar empresas em empresas digitais. O MIT Center for Information Systems Research (CISR) tem uma longa tradição de pesquisa na análise e explicação dos chamados fatores críticos de sucesso, um termo cunhado na década de 1980 por Jack Rockart, o primeiro diretor de pesquisa do CISR. Suas últimas pesquisas mostram que as capacidades organizacionais impulsionam o sucesso mais do que a tecnologia. No seu livro Leading digital: Turning technology into business transformation, Westerman, Bonnet e McAfee (2014)Westerman, G. Bonnet, D., & McAfee, A. (2014). Leading digital: Turning technology into business transformation. Cambridge, UK: Harvard Business Review Press . analisaram o desempenho de 400 empresas em todo o mundo. Eles distinguiram quatro clusters (iniciantes, fashionistas, conservadores e mestres digitais) que se distinguem pelas capacidades que incorporam. Liderança digital refere-se ao desenvolvimento de capacidades que permitirão a concepção e implementação de aplicações de negócios úteis (O QUE) e aquelas que permitirão a transformação (COMO). O primeiro grupo, os recursos digitais, permite a criação de uma experiência de cliente atrativa, explorando o poder das operações principais e reinventando modelos de negócios. O segundo grupo, capacidades de liderança, refere-se à concepção de uma visão digital, envolvendo a organização em ampla escala, guiando a transformação e construindo capacidades de liderança tecnológica. Os recursos digitais e de liderança são condições necessárias para atingir níveis mais altos de desempenho da empresa. As empresas que incorporam essas capacidades têm um desempenho excepcionalmente melhor, tanto em termos de geração de receita quanto de lucratividade e avaliação de mercado. Os programas de transformação digital são cruciais para a sobrevivência das empresas. Veja-se, por exemplo, o Royal Philips, conglomerado estabelecido, centenário e com resultados decrescentes. Com um novo CEO em 2011, a empresa estabeleceu um programa de transformação digital, chamado Accelerate, que criou uma base para que a empresa se tornasse digitalmente habilitada, deixando de oferecer orientação de produtos, e para oferecer serviços de software (Mocker, Ross, & Heck, 2014Mocker, M., Ross, J. W., & van Heck, E. (2014). Transforming Royal Philips: Seeking Local Relevance While Leveraging Global Scale. In MIT Sloan CISR Working Paper No. 394, February 2014. Cambridge, USA: MIT Sloan Centre for Information Systems of Research (CISR).). Um componente crucial da transformação foi eliminar a complexidade não recompensada do processo e simplificar processos, papéis e sistemas em todo o mundo. Em contrapartida, a transformação estimulou a recompensa da complexidade do produto, como soluções integradas de saúde com componentes avançados de varredura, análise de decisão e inteligência artificial. Recentemente, Peter Weill e Stefanie Woerner (2018)Weill, P., & Woerner, S. (2018). What's your digital business model? Six Questions to help you build the next-generation enterprise. Cambridge, UK: Harvard Business Review Press. publicaram a última pesquisa do CISR em seu livro What's your digital business model? Six questions to help you build the next-generation enterprise. Eles enfatizam que a transformação digital não se trata de tecnologia, mas sim de mudança. Eles distinguem quatro modelos de negócio baseados em dimensões de design de negócio (cadeia de valor versus ecossistema) e conhecimento do cliente final (parcial versus completo), a saber: fornecedor, omnichannel, produtor modular e impulsionador do ecossistema. Os impulsionadores de ecossistema superam todos os outros modelos de negócios.

QUAL É O VALOR DO NEGÓCIO E PARA QUEM?

Existem três motivos fundamentais para as empresas criarem valor empresarial:

Para criar negócios mais eficientes - os recursos são usados de uma maneira melhor.

Para criar negócios que sejam mais eficazes - os clientes finais são servidos de uma maneira melhor.

Para criar novos modelos de negócio - novos modelos de negócio geram valor sustentável.

Nessas três estratégias de criação de valor, o uso de Big Data e análises avançadas desempenha um papel crucial. Primeiro, veja-se, por exemplo, a eficiência do varejista na entrega da última milha de pacotes que os clientes compram on-line. Albert Heijn, um grande varejista na Europa, sentiu a necessidade de redesenhar o seu processo de entrega de última milha. Surgiu com uma abordagem inteligente que combinava os dados das chamadas on-line recebidas para entrega com o preço das faixas horárias para entrega e o agrupamento eficiente de entregas em caminhões que serviam a mesma área (Agatz, Campbell, Fleischmann, & Savelsbergh, 2011Agatz, N., Campbell, A., Fleischmann, M., & Savelsbergh, M. (2011). Time slot management in attended home delivery. Transportation Science, 45(3), 435-449. doi:10.1287/trsc.1100.0346
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). O resultado foi uma maior utilização da capacidade dos caminhões e um número menor de quilômetros, reduzindo a pegada de carbono das entregas de última milha nas cidades.

Em segundo lugar, a Royal FloraHolland, líder mundial no cultivo de flores e plantas, está se transformando para se tornar um impulsionador de ecossistema mais eficaz no mundo da floricultura. Uma maneira é redesenhar os mercados de leilões de flores e aumentar o número de leiloeiros com capacidades analíticas avançadas. Os seus clientes, neste caso, atacadistas e varejistas profissionais, obterão os produtos certos pelo preço certo no momento certo. Devido à perecibilidade das flores, o tempo é uma fonte crucial de valor. Com base na análise de milhões de transações, eles criaram um sistema avançado de suporte à decisão que permite aos leiloeiros tomar melhores decisões e equilibrar a receita com o tempo de resposta (Lu, Gupta, Ketter, & Heck, 2019Lu, Y., Gupta, A., Ketter, W., & van Heck, E. (2019). Dynamic decision making in sequential business-to-business auctions: A structural econometric approach. Management Science, 65(8), 3853-3876. doi:10.1287/mnsc.2018.3118
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).

Em terceiro lugar, a estratégia mais desafiadora é criar negócios. A Car2Go, empresa de aluguel e partilha de automóveis, opera em nível internacional e aluga automóveis a clientes. Em cidades como Nova Iorque, Amsterdã e Stuttgart, é possível pegar um carro na rua e deixá-lo em qualquer lugar. Um projeto-piloto com carros elétricos em San Diego, Amsterdã e Stuttgart mostrou o potencial de um novo modelo de negócio usando carros elétricos. Com a ajuda de algoritmos avançados e diferentes conjuntos de dados, como clima, preços locais de eletricidade em curto prazo e demanda de aluguel de carros, a frota de carros elétricos pode simular uma usina de energia virtual (Kahlen, Ketter, & Dalen, 2018Kahlen, M. T., Ketter, W., & van Dalen, J. (2018). Electric vehicle virtual power plant dilemma: Grid balancing versus customer mobility. Production and Operations Management, 27(11), 2054-2070. doi:10.1111/poms.12876
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). As baterias combinadas desses carros elétricos podem armazenar a eletricidade gerada pelo sol e pelo vento, que são fornecedores de energia renovável. Em dias nublados e/ou fechados, a eletricidade armazenada nas baterias elétricas de automóveis pode ser vendida ao público em geral por meio da rede inteligente. Assim, a Car2Go poderá mudar o seu modelo de negócio, de uma empresa de "aluguel de automóveis" para uma empresa de "aluguel de automóveis e armazenamento e venda de eletricidade".

QUAIS SÃO OS DESAFIOS TRANSFORMACIONAIS?

A transformação digital impõe muitos desafios, e, hoje em dia, a maioria das empresas enfrenta esses desafios. O primeiro é que a maioria das empresas não tem uma plataforma digitalizada comum. Elas têm uma infinidade de aplicações e sistemas que foram construídos com tecnologia e software relativamente desatualizados, como as aplicações de planejamento de recursos empresariais. A transformação para acesso em tempo real a enormes conjuntos de dados com recursos avançados de aprendizagem humana e de máquina levará algum tempo e esforço.

O segundo desafio é como os funcionários são capazes de trabalhar com os novos recursos avançados de inteligência de máquina. Os funcionários estão envolvidos na transformação ou se sentem ameaçados, acreditando que os robôs assumirão suas funções? Na maioria das organizações, os usuários de tecnologia não podem ou não se envolverão na transformação.

O terceiro desafio é a falta de liderança digital por parte da diretoria da empresa. A maior parte dos membros do conselho não tem conhecimento digital e, portanto, tem dificuldade de criar uma visão e missão para a empresa que seja sustentável em um mundo digitalizado. A falta de compromisso do conselho com a transformação é geralmente um sinal para o resto da empresa desacelerar o ritmo da mudança. O quarto desafio diz respeito à ética dos dados, à privacidade e à responsabilidade pelos algoritmos. As empresas adquirem dados detalhados sobre as preferências dos seus clientes. Os magnatas da tecnologia digital, como Alibaba, Amazon, Apple, Facebook, Google, Microsoft, Samsung e Tencent, reúnem dados muito detalhados sobre cada aspecto do ciclo de vida de seus clientes. Quando combinadas com ferramentas avançadas de autoaprendizagem, essas bases de dados criam poder de dados e estimulam uma discussão importante sobre as regras e responsabilidades das empresas. Quem é responsável quando as empresas criam algoritmos que discriminam funcionários ou clientes? A quem pertencem os dados gerados pelos clientes? Em maio de 2018, a União Europeia implementou um novo regulamento, denominado Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (General Data Protection Regulation), que proporciona proteção de dados e privacidade a todos os cidadãos da União Europeia e do Espaço Econômico Europeu, incluindo a transferência de dados pessoais fora do espaço europeu. Já nos outros lugares do mundo, a maior parte dos cidadãos não está protegida.

REFERENCES

  • Agatz, N., Campbell, A., Fleischmann, M., & Savelsbergh, M. (2011). Time slot management in attended home delivery. Transportation Science, 45(3), 435-449. doi:10.1287/trsc.1100.0346
    » https://doi.org/10.1287/trsc.1100.0346
  • Gartner. (2019). Hype cycle of emerging technologies 2019 Retrieved from https://www.gartner.com/en/documents/3956015/hype-cycle-for-emerging-technologies-2019
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  • Kahlen, M. T., Ketter, W., & van Dalen, J. (2018). Electric vehicle virtual power plant dilemma: Grid balancing versus customer mobility. Production and Operations Management, 27(11), 2054-2070. doi:10.1111/poms.12876
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  • Lu, Y., Gupta, A., Ketter, W., & van Heck, E. (2019). Dynamic decision making in sequential business-to-business auctions: A structural econometric approach. Management Science, 65(8), 3853-3876. doi:10.1287/mnsc.2018.3118
    » https://doi.org/10.1287/mnsc.2018.3118
  • Mocker, M., Ross, J. W., & van Heck, E. (2014). Transforming Royal Philips: Seeking Local Relevance While Leveraging Global Scale. In MIT Sloan CISR Working Paper No. 394, February 2014 Cambridge, USA: MIT Sloan Centre for Information Systems of Research (CISR).
  • Porter, M. E., & Heppelmann, J. E. (2014). How smart, connected products are transforming competition. Harvard Business Review Retrieved from https://hbr.org/2014/11/how-smart-connected-products-are-transforming-competition
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  • Silver, N. (2015). The signal and the noise: Why so many predictions fail, but some don't. New York, NY: Penguin Books.
  • Weill, P., & Woerner, S. (2018). What's your digital business model? Six Questions to help you build the next-generation enterprise Cambridge, UK: Harvard Business Review Press.
  • Westerman, G. Bonnet, D., & McAfee, A. (2014). Leading digital: Turning technology into business transformation Cambridge, UK: Harvard Business Review Press .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2019
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