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A formação de consultores de organização

NOTAS E COMENTÁRIOS

A formação de consultores de organização

Estevam de Toledo

Consultor de organização da Belgo-Mineira Sistemas Ltda

1. INTRODUÇÃO

As contribuições de assessores externos, geralmente denominados consultores de organização, ocorrem de forma variada no âmbito das organizações.

Aumentar a eficácia do sistema de operações de vôo de uma empresa aérea, reformular a estrutura administrativa de uma instituição do setor público, ajudar na concepção e execução de um plano de marketing para uma empresa de prestação de serviços, todos estes são apenas alguns exemplos de demandas com as quais se deparam os consultores de organizações. E um recente relatório de pesquisa da Fundação Getúlio Vargas1 1 Sette Torres, O. L. Incorporação de inovações através de empresas deconsultoria. Relatório de pesquisa. São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, 1980. revela que o tempo de permanência dos consultores junto às organizações-clientes é bem superior à média de quatro meses encontrada em pesquisa anterior.

O trabalho dos consultores de organização pode ser visto sob diferentes enfoques. Poderemos visualizá-lo por áreas,2 2 Kubr, M. Management consulting: a guide to the profession. Geneve, International Labour Office. Geneve. 1978. e então teríamos: consultoria em administração geral, consultoria em administração financeira, consultoria em administração de marketing, consultoria em administração da produção, consultoria de sistemas e processamento de dados, consultoria em administração de pessoal, e consultoria em administração de pequenas empresas. Poderemos visualizá-lo por etapas3 3 . Mello, F.A. DO uma opção integradora. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1978. do processo de consultoria, e poderíamos então ordená-las de forma lógica: contato, contrato, entrada, coleta de dados, diagnóstico, planejamento das intervenções, ação, acompanhamento e avaliação, e saída. Estes são enfoques bastante genéricos, e seria preferível apreciarmos a abordagem proposta por Turner,4 4 . Turner, Arthur N. Consulting is more than giving advice. In: Harvard Business Review. Sep./Oct. 1982, p. 120 - 9. um conceituado estudioso do mundo da consultoria. Turner prefere falar de objetivos fundamentais da consultoria. Ao fazê-lo, parece clarear o espectro do trabalho dos consultores de organização. Para ele, os objetivos da consultoria são oito, tal como se seguem:

a) promover informações a um cliente;

b) resolver os problemas de um cliente;

c) realizar diagnóstico que pode gerar a redefinição do problema;

d) fazer recomendações baseadas no diagnóstico;

e) prover assistência na implementação das recomendações;

f) conseguir consenso e comprometimento em torno da ação corretiva;

g) facilitar a aprendizagem do cliente, isto é, ensinar o cliente como resolver problemas semelhantes no futuro;

h) promover de forma permanente a efetividade organizacional.

Além destes enfoques, aqui considerados para fins didáticos, é possível também afirmar que os consultores são tidos como responsáveis pelo aporte5 5 . Wells, Ronald G. What every manager should know about management consultants. In: Personnel Journal. 148:142-8, Feb. 1983. de algumas contribuições realmente críticas para o mundo das organizações. Citem-se, dentre elas, a objetividade, as habilidades de análise, o conhecimento especializado e a rapidez na aceleração do processo de mudança. De fato, a experiência anterior diversificada, a postura de neutralidade que geralmente assumem, e as credenciais obtidas junto à gerência de topo colocam os consultores em posição privilegiada enquanto agentes de mudança nas organizações. Não que tudo isto não seja encontrado no grupo de assessores internos. Aliás, a tendência mais recente é a de se promover a integração dos consultores externos com os assessores internos, hoje textualmente denominados consultores internos. Esta, por exemplo, foi uma das recomendações explícitas feitas por ocasião do Seminário Utilização Eficaz da Consultoria de Organização,6 6 . Associação Brasileira de Consultores de Organização. Utilização Eficaz da Consultoria de Organização. Anais do seminário. Rio de Janeiro, 1978. promovido pela Associação Brasileira de Consultores de Organização (ABCO).

O volume de trabalhos na área de consultoria de organizações parece-nos também um aspecto relevante a ser considerado nesta introdução ao tema da formação de consultores de organização. Estimativas com despesas de consultoria nos EUA7 7 . Tasca, Anthony J. Developing internal consultants. In: Training and Development Journal. Dec. 1979, p. 34 - 8. mostram que só o governo americano aplica bilhões de dólares com transações nesta área. No Brasil, a menos que estejamos desinformados, não se tem notícia de estimativas relacionadas com o volume de transações nesta área. De qualquer forma, lá como cá, a efetividade dos projetos de consultoria varia numa escala que vai do fracasso ao sucesso total.

Claro está que a competência dos consultores é fator preponderante para o sucesso ou insucesso em um projeto de consultoria. E isto realça a importância a ser dada às iniciativas voltadas para a formação de consultores. Mas pode-se perguntar se a efetividade dos projetos de consultoria deve ser reduzida unicamente àperformance do consultor. Se aguçarmos o nosso olho crítico, veremos que a efetividade de um projeto de consultoria depende sobretudo da interação de performance de duas figuras: a do consultor e a do cliente. Neste sentido, Anthony Jay8 8 . Jay, Anthony. Rate yourself as a client. In: Harvard Business Review, p. 84 -92. July/Aug. 1977. 10. Kubr, M. op, cit. chama-nos a atenção para o que ele denomina de sete pecados capitais de ambos, cliente e consultor.

Os pecados capitais do consultor seriam:

1. Aplicar fórmulas já desgastadas e soluções livrescas, ao invés de estudar o problema de mente aberta. Isto significa ajustar o problema do cliente à sua capacidade técnica, no lugar de ajustar sua capacidade técnica ao problema do cliente.

2. Usar um consultor de alto nível para vender o serviço e em seguida entregar o trabalho a pessoas inexperientes e mal supervisionadas.

3. Usar o nome do cliente sem a sua devida permissão.

4. Comprometer-se em demasia, por falta de maturidade emocional, e não saber recusar ofertas de trabalho, mesmo percebendo que elas se desdobrarão de form perigosa.

5. Criticar e desprestigiar os assessores do cliente ao conversar com executivos da alta direção, ou criticar os executivos quando em contato com os assessores.

6. Desenvolver trabalhos para o cliente, que poderiam ser desenvolvidos tão bem e por preço até inferior pelos próprios assessores do cliente.

7. Não revelar que uma outra organização cujos produtos ou serviços estão sendo recomendados está-lhe dando uma comissão ou lhe pagando uma taxa de assistência permanente.

Os pecados capitais do cliente seriam:

1. Fracassar na definição de suas necessidades para si mesmo, para só então poder solicitar de forma efetiva a ajuda do consultor para encontrar o problema e a solução.

2. Mudar o rumo de suas decisões baseado apenas em crítica eventual e não-fundamentada, formulada por colegas ou amigos.

3. Reagir à crítica de superiores colocando a culpa no consultor, muito embora eles tenham aprovado o que o consultor esteja realizando:

4. Não explicitar de forma aberta os reais aborrecimentos e críticas em relação ao consultor: encerrar os serviços de consultoria sem sinais prévios, ou não ter a coragem de encerrá-los quando necessário.

5. Interferir e realizar adivinhações em assuntos que são de competência do consultor e não do cliente.

6. Definir a responsabilidade do trabalho do consultor de forma tal que os envolvidos se organizem e captem os dividendos, em caso de sucesso, e evitem a culpa, caso o projeto falhe.

7. Contratar o consultor em projeto pequeno, bem definido, e depois tentar explorá-lo "informalmente", solicitando assessoria gratuita relacionada com a ampla gama de problemas não-pertinentes.

Os sete pecados capitais dos consultores provavelmente fazem parte das preocupações de órgãos que zelam pelo enobrecimento das atividades de consultoria. Mas a consultoria é uma atividade não-regulamentada. Assim, pertencer aos quadros do Instituto Brasileiro de Consultores de Organização (IBCO), no Brasil, ou à Association of Management Consultants (AMC) nos EUA, não assegurará de forma plena a excelência de performance do consultor. Afinal, há os que não pertencem e nem por isto fracassam; pelo contrário, são por vezes tidos como excelentes e plenamente recomendáveis.

A propósito, o IBCO vem realizando trabalho significativo nesta área. A julgar pelos anais do Seminário promovido pela extinta ABCO, e sem pretendermos reduzir a missão do IBCO a apenas estas duas preocupações:

a) estimular a formação de consultores com habilidades para considerar tanto as variáveis técnicas, quanto comportamentais envolvidas numa intervenção;

b) incentivar e buscar o apoio governamental para um trabalho sério e profundo de desenvolvimento de tecnologia nacional e estimular o cuidado necessário na transposição de modelos importados, que, antes de sua aplicação, devem ser objeto de cuidadoso trabalho de adaptação à nossa realidade.

2. A EFETIVIDADE DOS PROGRAMAS DE FORMAÇÃO DE CONSULTORES

Falávamos anteriormente que a efetividade dos projetos de consultoria é resultante sobretudo da interação das performances de duas figuras: a do consultor e a do cliente. Já a efetividade de um programa de formação de consultores poderá ser resultante da otimização de três fatores: do conteéúdo programático, do desempenho do instrutor e da qualidade dos indivíduos convidados a participar.

O conteúdo programático deverá ser definido sobretudo em função dos objetivos estabelecidos. O desempenho dos instrutores deverá inspirar-se nos princípios e técnicas próprios da educação ou treinamento de adultos. E a qualidade dos indivíduos convidados a participar leva-nos a considerar os aspectos referentes às características pessoais dos participantes.

Este tema tem sido discutido em muitos encontros e conferências. Recente publicação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revela que "a conclusão foi a mesma de qualquer outra profissão que tenha tentado definir o perfil do candidato ideal. Não existe esse ideal com que comparar todos os principiantes, mas já certos traços comuns que afetam o sucesso do trabalho de consultoria e a satisfação profissional do consultor. Na consultoria de organização dá-se particular importância a habilidades na áreas comportamental, de comunicar-se e de ajudar outras pessoas a compreender a necessidade da mudança e a forma de implementá-la". Assim, maturidade emocional, autoconfiança, entusiasmo, imaginação criativa, habilidades em comunicação e persuasão, independência, todas estas são características desejáveis em participantes em programas de formação de consultores.

Não podemos esquecer, por outro lado, que estas características poderão ser desenvolvidas por ocasião do programa de formação. O seu desenvolvimento vem explicitado muitas vezes sob a forma de desenvolvimento de habilidades. Mas aqui talvez fosse interessante evitarmos um enfoque da formação de consultores do tipo "em bloco". Afinal, tal como em toda e qualquer atividade, poderemos ter consultores em diferentes estágios de carreira. Examinemos, a propósito, o quadro-matriz que nos é proposto por Milan Kubr. Nele podemos notar a existência de cinco diferentes níveis, seus respectivos títulos, funções e outros requisitos.

O exame deste quadro-matriz poderá levar-nos à conclusão de que os programas para formação de consultores deverão ser diferenciados, dependendo do nível em que se encontrem os participantes.

Visto sob o ângulo das habilidades, tentemos identificar aquelas que seriam necessárias a um grupo de novos consultores. Segundo Milan Kubr, os objetivos relacionados com a aquisição de habilidades poderiam ser assim formulados:

Objetivo geral

Assegurar que o consultor possua habilidade e autoconfiança para desenvolver trabalhos de consultoria em sua área de administração.

Objetivos específicos

1. Assegurar que o consultor possa investigar uma situação existente e projetar melhorias.

2. Assegurar que ele possa obter aprovação para as suas recomendações de mudanças, tanto face à face, como por escrito, e que possa implementá-las satisfatoriamente.

3. Assegurar proficiência em sua área ou disciplina.

4. Provar aos seus superiores que ele é capaz de trabalhar independentemente e sob pressão dentro dos padrões desejados.

Por outro lado, claro está que a formação de consultores não pode ser restrita a iniciativas típicas de sala de aula. A integração destas aos trabalhos de campo, devidamente supervisionados - sobretudo para o caso de novos consultores - se constituirá em abordagem bastante adequada. Aqui haverá, portanto, bastante espaço para as modalidades de orientação e aprendizagem através da ação. E nesta linha de raciocínios seria indispensável, também, a leitura de periódicos e a filiação a órgãos especializados, tais como o IBCO, no Brasil. Estaríamos então no campo do autodesenvolvimento, o que mereceria uma abordagem à parte.

3. LINHAS GERAIS DE ALGUNS PROGRAMAS

No Brasil, os programas de formação de consultores de organização são realizados no âmbito da extensão universitária, no âmbito denominado ensino livro, ou como parte de programas internos de capacitação das organizações. Examinemos, a título de exploração, as linhas gerais de alguns destes programas.

Certo programa acelerado, de 32 horas, anuncia os seguintes conteúdos:

• caracterização do trabalho de consultoria;

• perfil do consultor de organização;

• caracterização do cliente;

• estratégias de atuação;

• técnicas de atuação;

• síntese e avaliação final.

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Uma iniciativa do Serviço Nacional do Comércio (Senac) DR - MG, denomina Lacon - Laboratório de Consultoria, conseguiu reunir, em atividade tipicamente interempresarial, um grupo variado, de natureza interdisciplinar, composto por administradores, psicólogos, pedagogos e sociólogos, ligados a organizações comerciais, industriais, bancárias e públicas. A metodologia básica consistia de estudo em grupo, bem semelhante ao modelo sueco denominado "círculo de estudos", centrada nas obras de Schein, Walton, Lawrence & Lorsch, e Beckhard. Em fase posterior, o grupo dedicou-se também à análise e absorção dos conteúdos de um programa desenvolvido pela ODA - uma empresa de consultoria da Califórnia, EUA - e aplicado no Brasil de forma intensiva junto a um dos ministérios do governo brasileiro. O programa da ODA, destina-se a treinar consultores nos princípios e práticas da consultoria de organização, incluindo processos de consultoria e o papel do consultor; teorias e estratégias de mudança planejada; princípios e metodologias de aprendizado baseados na experiência; técnicas de avaliação; e autodesenvolvimento do praticante de DO.

Depara-se também, por vezes, com programas denominados fechados, que podem fazer parte de um trabalho maior. Este foi o caso de um programa desenvolvido na área siderúrgica. A tarefa do consultor externo consistia em formar consultores internos que atuariam em um programa de desenvolvimento gerencial junto à empresa cliente. Tratava-se aqui, por outro lado, de uma intervenção por vezes denominada de modelo internalizante, já que a missão do consultor externo consistia em construir com os consultores internos uma metodologia de desenvolvimento de equipes, ferramenta básica para seus trabalhos posteriores. Uma estratégia aliás interessante, e altamente adequada para a integração consultor externo/consultor interno.

Feitas estas reflexões - que mais se assemelham a um trabalho de jornalismo pedagógico - parece-nos correto afirmar que o tema de formação de consultores precisa ser mais sistematicamente pesquisado. Sobretudo no que concerne à validação dos programas, ou seja, pesquisas relacionadas com coleta de evidências de performance no trabalho dos egressos de programas de formação de consultores. Neste sentido, esperamos que as idéias contidas neste texto possam ser de alguma ajuda para aqueles que irão assumir o preenchimento desta lacuna significativa nos estudos sobre consultoria de organização.

  • 1 Sette Torres, O. L. Incorporação de inovações através de empresas deconsultoria. Relatório de pesquisa. São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, 1980.
  • 2 Kubr, M. Management consulting: a guide to the profession. Geneve, International Labour Office. Geneve. 1978.
  • 3. Mello, F.A. DO uma opção integradora. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1978.
  • 6. Associação Brasileira de Consultores de Organização. Utilização Eficaz da Consultoria de Organização. Anais do seminário. Rio de Janeiro, 1978.
  • 1
    Sette Torres, O. L. Incorporação de inovações através de empresas deconsultoria. Relatório de pesquisa. São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, 1980.
  • 2
    Kubr, M.
    Management consulting: a guide to the profession. Geneve, International Labour Office. Geneve. 1978.
  • 3
    . Mello, F.A.
    DO uma opção integradora. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1978.
  • 4
    . Turner, Arthur N. Consulting is more than giving advice. In:
    Harvard Business Review. Sep./Oct. 1982, p. 120 - 9.
  • 5
    . Wells, Ronald G. What every manager should know about management consultants. In:
    Personnel Journal. 148:142-8, Feb. 1983.
  • 6
    . Associação Brasileira de Consultores de Organização. Utilização Eficaz da Consultoria de Organização.
    Anais do seminário. Rio de Janeiro, 1978.
  • 7
    . Tasca, Anthony J. Developing internal consultants. In:
    Training and Development Journal. Dec. 1979, p. 34 - 8.
  • 8
    . Jay, Anthony. Rate yourself as a client. In:
    Harvard Business Review, p. 84 -92. July/Aug. 1977.
    10. Kubr, M. op, cit.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1986
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