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Técnica moderna de lançamento de ações

ARTIGOS

Técnica moderna de lançamento de ações

Raymond Maurice Demolein

Diretor de Bastos & Demolein Ltda. (Câmbio e Títulos)

"Um dos meios de evitar que o Estado se torne senhor absoluto da produção industriai básica é a a tração do capital privado, dando-se condições às grandes, médias e pequenas poupanças para que participem, societariamente, dos grandes, médios e pequenos empreendimentos, e assim se expandam." - Luiz J. CABRAL DE MENEZES

A relação que se evidencia nos países livres, entre o desenvolvimento econômico e as dimensões do mercado de capitais seria de per si suficiente para aquilatar a importância de estimular o crescimento do mercado nacional de capitais, hoje ainda nitidamente retardado em relação ao progresso industrial e comercial do País no último decênio. É certo não poder existir mercado de capitais sem ter sido formada uma sólida base industrial; mas, o efeito de ação recíproca entre êsse mercado e o desenvolvimento econômico sugere que êste último poderá asfixiar-se se não houver ou uma estruturação paralela do mercado espontâneo ou uma participação governamental acompanhada de suas habituais e conhecidas conseqüências.

Assim, no momento em que o Brasil, tendo já formado uma estrutura industrial bastante desenvolvida, sofre uma crise decorrente de uma taxa de investimentos insuficiente para assegurar a continuidade de seu crescimento econômico, só se apresentariam três hipóteses para completar o nível anual dos investimentos necessários: recursos do Governo, recursos do exterior ou recursos do grande público brasileiro. E, sem por isso eliminar totalmente as duas primeiras hipóteses, não resta dúvida de que é a terceira a mais salutar para a economia brasileira e a mais construtiva sob o aspecto social.

Para isso, entretanto, é indispensável poderem as instituições já existentes, ligadas ao mercado de capitais, adaptarse às necessidades e circunstâncias próprias do nosso meio, abandonando umas o excessivo formalismo das bolsas européias, outras os métodos e conceitos americanos, certamente valiosos, mas inadaptáveis in totum ao Brasil, sem a devida consideração de fatores particulares ao nosso mercado, entre outros o modo de pensar, sentir e agir do investidor brasileiro.

MERCADO E REGULAMENTOS

Muito se tem falado e escrito sôbre democratização de capitais e muitas tentativas estão sendo feitas para regulamentar ou criar condições favoráveis a essa democratização nas empresas "fechadas". Parece, todavia, excessiva a tendência de regulamentar algo ainda incipiente. E chega a causar estranheza a preocupação em regulamentar rigidamente o mercado de ações nesses seus primeiros passos, quando só agora se cogita de regulamentar a incorporação de condomínios imobiliários, setor onde se inverteram economias populares em volume muitas vêzes superior.

É oportuno lembrar que a maior bolsa do mundo - o New York Stock Exchange, cuja origem remonta ao ano de 1792 - foi organizada como entidade privada, realizada por normas de natureza contratual, vindo a ser regulamentada por leis federais somente em 1934.

Mas, sem desmerecer diversas das medidas recentemente tomadas (como, por exemplo, a criação do conceito de "sociedade anônima aberta" e as vantagens fiscais a ela atribuídas), não deixa de causar preocupação a tendencia observada em certos círculos no sentido de regulamentar, excessiva e teoricamente, o nosso ainda inexperiente mercado de capitais.

Para quem não só conhece as práticas e os regulamentos americanos e europeus, mas possui também a vivencia diária das circunstâncias e peculiaridades do mercado brasileiro, são evidentes os perigos em querer implantar aqui legislações vigíveis apenas em mercados superdesenvolvidos. Por isso advogamos uma legislação a posteriori, a medida em que se desenvolva o mercado de capitais, e não essa que se faz a priori e que traz o risco de fixar condições irreais. Aliás, a regulamentação das letras de cambio - instituto puramente brasileiro - só veio a ser feita muito depois de seu aparecimento no mercado.

Na realidade - insistimos e o temos provado praticamente já existem regulamentações e condições gerais propícias à democratização do capital das emprêsas fechadas. E os dois fatores básicos necessários a qualquer mercado de capitais - segurança política e relativa estabilidade econômica - não são infelizmente suscetíveis de solução por um simples decreto.

A tendência do retorno à verdade contábil das emprêsas através das reavaliações e depreciações em bases mais reais, assim como a instituição dos fundos de indemzaçao trabalhista, foram o primeiro grande passo para o desenvolvimento do mercado de capitais, assim como o foi, também a diminuição do impacto da lei de lucros extraordinários à qual certamente se pode atribuir, em parte, a relativa estagnação do mercado de ações nos últimos anos. Pois como atrair investidores para participarem de sociedades fortemente oneradas ao ganharem anualmente mais de 30% de seus capitais e reservas numa inflaçao muito superior a essa taxa?

PROTEÇÃO AO INVESTIDOR

O problema atual não parece ser o de procurar regulamentar, minuciosamente, a atividade daqueles que já estão operando ou pretendem operar dentro de bases sadias no mercado brasileiro de ações: o que se torna indispensável é uma legislação básica tendente a coibir os abusos verificados nas emissões das ações feitas sem responsabilidade, que têm contribuído, sobremodo, para alijar do mercado-de-valôres numerosos investidores confiantes, mas inexperientes, ludibriados por promessas sem substância alguma. Nas circunstâncias atuais do mercado brasileiro seriam desejáveis apenas duas regulamentações de natureza genérica, abaixo indicadas, a fim de evitar lançamentos de ações perniciosos tanto para o investidor como para o próprio mercado real de ações, isso até que o desenvolvimento e o amadurecimento do mercado brasileiro viessem, paulatinamente, a exigir medidas especiais no tocante a emissões ao público:

• Proibição por tempo determinado, com sanções severas, de qualquer lançamento público (assim considerado aquêle que reunisse mais de 100 subscritores) de ações de companhias que não tenham pelo menos 5 anos de atividade com lucros anuais não inferiores a 20% do capital e reservas, exceto em casos especialíssimos contemplados pelas autoridades monetárias em razão de excecional interêsse para a economia do País.

• Severas penalidades para qualquer sociedade que ofereça ações ao público e seja responsável, direta ou indiretamente, pela apresentação, em folhetos informativos, de dados falsos sôbre o seu passado e sôbre possibilidades futuras não condizentes com a realidade.

No demais o desenvolvimento do mercado brasileiro de ações só depende do critério, do trabalho e da persistência dos elementos a êle ligados. Mas é curioso que na época atual apenas uma sociedade financeira se dedique no Brasil, com sucesso, ao lançamento público de ações, dentro de bases criteriosas e após estudos minuciosos, considerando -se que o mercado latente para colocação de novas ações - aliás, reclamadas pelas condições de bolsa e por todos aquêles que trabalham nesse setor - ainda seja muito grande.

O CONTATO COM O INVESTIDOR

Não se pode esperar, porém, que êsses compradores latentes se dirijam espontáneamente às bolsas oficiais de valores para absorverem novos lançamentos porventura ali oferecidos. O movimento de ações em bolsa concentra-se hoje no Rio de Janeiro e, em menor escala, em São Paulo. As demais bolsas brasileiras não apresentam movimento capaz de torná-las, de imediato, elementos ponderáveis no fomento à democratização de capital, salvo, eventualmente, para um ou outro título de prestígio local. Aliás, a função histórica das bolsas, ou de qualquer mercado especializado, consiste apenas em reunir, em momento e local convencionado, compradores e vendedores, ou séus intermediários, interessados em determinado objeto. O súbito aparecimento no mercado de um ou mais vendedores de um artigo nôvo não cria, evidentemente, um número correspondente de compradores sem que se proceda a alguma espécie de promoção de vendas ou, pelo menos, a um esclarecimento prévio da opinião pública sobre os méritos do nôvo artigo.

Em qualquer parte do mundo, mesmo em mercados mais evoluídos, o lançamento de novas ações ao público ainda é feito indo-se à procura do cliente, quer através de companhias financeiras especializadas, como sucede nos Estados Unidos, quer pela própria rêde bancária, como por exemplo na Europa, onde os bancos têm assumido grande parte do papel exercido nos Estados Unidos pelas companhias de investimentos.

As condições geográficas brasileiras, aliadas às deficiências do sistema de comunicações, tornaram o problema ainda mais complexo para os distribuidores de valores, com o conseqüente e inevitável aumento nos custos de distribuição.

Uma limitação do esforço de colocação nos mercados tradicionalmente mais ativos - Rio de Janeiro e São Paulo - certamente resolveria boa parte dos problemas materiais. Infelizmente, êsses mercados são também os mais solicitados por muitos outros investimentos - em particular pelo das letras de câmbio - e são também de espírito muito mais especulativo do que seria desejável para a difusão de novos títulos. E, finalmente, não parece indicado projetar-se o deesnvolvimento do mercado de ações contando-se apenas com a capacidade de poupança de dois centros populacionais que representam, embora grandes, pequena porção do potencial total.

Parece, assim, indispensável a formação de uma rêde nacional de agentes interessados nesse mercado, com estreitas interligações e animados pelo mesmo princípio de trabalho.

Contudo, a incerteza por parte dos distribuidores de ter constantemente novas ações de qualidade suficiente para serem oferecidas ao público torna extremamente perigosa a montagem de uma organização de vendas se não fôr alicerçada em negócios de maior continuidade.

Os estudos necessários, assim como a montagem de uma operação de lançamento de ações, podem levar vários meses e é indispensável que durante êsse tempo os intermediários possam contar com outras fontes de renda.

É também preciso considerar a necessidade do intermediário, de poder oferecer a seus clientes os mais variados tipos de investimentos no mercado mobiliário, desde letras de câmbio até fundos de investimentos, para assim atender às necessidades próprias e variáveis de cada cliente, de acordo com suas condições financeiras e seus projetos futuros.

A maior dificuldade do lançador de ações, porém, reside na escolha da sociedade cujas ações devam ser oferecidas aos investidores.

A maioria do público investidor ainda se deixa levar muito mais pelo nome da sociedade e pela idéia de solidez a êle ligada do que pelas condições de lucratividade da empresa. Bem sabem os lançadores, entretanto, que, embora o nome seja fator importante no sucesso de um lançamento, não é de per si suficiente para produzir uma inversão capaz de garantir no futuro a permanência da confiança do cliente em relação à sociedade financeira e, em conseqüência, em relação ao mercado de ações em geral.

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO PARA LANÇAMENTO DE AÇÕES

Outros devem ser os fatores determinantes da escolha e do preparo de um lançamento de ações, e dêles deve o lançador assegurar-se ao máximo a fim de não ver desmoronar-se, em pouco tempo, tôda a confiança que soube inspirar aos seus distribuidores e clientes, à custa de muito tempo e trabalho. Êsses fatores de escolha englobam-se, genèricamente, em três:

1.º) idoneidade moral dos dirigentes da emprêsa (demonstrada por clara definição dos objetivos a alcançar, bem como das medidas para tanto necessárias);

2.º) segurança-negociabilidade das ações;

3.º) valorização-rentabilidade das ações.

A. Idoneidade Moral

A idoneidade moral dos dirigentes da emprêsa não é, infelizmente, suscetível de expressão numérica e só a prática pode oferecer critérios, aliás subjetivos, de avaliação. O fato é que, em geral, são suficientes poucas horas para sentir a mentalidade reinante na emprêsa, particularmente para saber se existe a intenção verdadeira de admitir novos sócios, embora pequenos e anônimos, ou se a idéia do lançamento de ações foi encarada apenas como um expediente simplista para obter recursos não exigíveis a curto prazo e cujos titulares serão, certamente, relegados ao mais completo abandono.

O empresário sincero é aquele que deseja efetuar não apenas um, mas vários lançamentos de ações, assegurando-se, pelo tratamento honesto e pelo contato permanente com seus acionistas, uma fonte quase inesgotável de recursos. Claro que isso não se faz em poucos meses e com apenas um lançamento. Não se forma mercado algum - e muito menos o de ações - com uma única oferta. E o engano de algumas empresas, embora bem intencionadas, foi não terem compreendido êsse aspecto do mercado e não terem assegurado a continuidade do movimento iniciado para a verdadeira democratização de seus capitais.

Se é verdade que o investidor deve considerar a aplicação em ações como investimento a longo prazo (2 a 3 anos no mínimo), assim também deve considerar a emprêsa, e não lavar-se as mãos assim que terminado o primeiro lançamento, ao qual sucede, em geral, um segundo mal sucedido.

Aliás, a expressão "lançamento de ações", embora habitual, traduz de certa forma um pouco do espírito presente em certos "lançamentos", onde o objeto lançado e o lançador não têm nenhum contato posterior. Parece-nos, assim, muito mais próprio usar os têrmos "emissão de ações", justificados pela idéia do acompanhamento posterior ligada ao verbo.

Êsse aspecto, entre outros expostos a seguir, é que torna desejável a participação de uma organização especializada em emissões de ações, pois as diversas fases da introdução de uma ação nova no mercado são por demais complexas e demoradas para serem empreendidas, sem assistência especializada, por emprêsa fora do ramo.

Muitos empresários, ainda hoje, preferem efetuar o lançamento ou emissão de suas ações diretamente, quase sempre através de seus próprios vendedores, louvando-se nos laços comerciais e amistosos que mantenham com seus próprios clientes, ou ainda com seus funcionários, com resultados, por via de regra, surpreendentemente desanimadores. Muitos empresários chegam a considerar desprestígio que suas ações sejam oferecidas por organizações estranhas, sentimento êsse ainda plenamente justificado pela existência de emprêsas que se intitulam lançadoras de ações, com vendedores de "alta pressão" cuja ação nefasta vem solapando os frágeis alicerces do mercado de ações.

Todavia, não há motivo pelo qual os empresários deixem de cercar-se de tôdas as precauções na escolha de uma sociedade emitente de ações. Na realidade, qualquer relutância do empresário em entregar a especialistas a colocação de ações tem origem na imperfeita compreensão dtí mecanismo complexo e dos problemas técnicos e materiais que condicionam a consecução do verdadeiro objetivo final: ter nas bolsas oficiais de valores um mercado autêntico e firme para as ações da emprêsa, garantindo-se dessa forma a subscrição de futuros aumentos de capital e o conseqüente desenvolvimento da emprêsa.

Mercado firme pressupõe procura e oferta igualmente firmes e equilibradas. Na fase inicial a oferta será alimentada muito mais pela própria emprêsa do que pelos acionistas, por demais recentes para serem vendedores de vulto (naturalmente,, desde que satisfeitos com a inversão realizada). Quanto à procura, esta deverá ser fomentada pela própria emprêsa, sob a orientação da organização financeira, por meio de noticiários e comunicados que proporcionem ampla divulgação do andamento dos. negócios, sem deixar de aproveitar, continuamente, o concurso dos distribuidores iniciais de ações.

A emprêsa, agindo dessa forma, estará dando o primeiro grande passo na formação do conceito de segurança-negociabilidade, segundo fator na escolha de ações para lançamentos.

B. Segarança-Negociabilidade

Êsses dois fatores, de ordinário mencionados separadamente, foram aqui muito a propósito reunidos numa única expressão para melhor salientar a íntima relação entre êles existentes. Na realidade^ o investidor, cuja primeira preocupação é não perder seu capital, sente-se seguro a partir do momento em que adquire a certeza de poder desfazer-se de suas ações a qualquer momento e rápidamente, coisa que aliás só fará se premido por circunstâncias estranhas.

É, pois, de importância capital assegurar a negociabilidade do título, negociabilidade essa que só em raríssimas circunstâncias florescerá espontáneamente.

Nessa fase a sociedade financeira lançadora do título no mercado agirá de certa forma, como o fazem os specialistsda Bôlsa de Nova Iorque, adquirindo e vendendo o título por conta própria, quando êste fôr eventualmente oferecido ou solicitado em bôlsa, assegurando assim a desejada estabilidade do mercado.

Negociabilidade exprime-se, outrossim, em têrmos de rapidez e preço. Não basta, como pensam alguns empresários ao efetuarem lançamentos de ações, adquirir as ações com rapidez variável e por preço aproximado ao valor nominal. A negociabilidade das ações se traduz na possibilidade real de elas serem vendidas em 24 horas, a vista, por preço vizinho àquele que figura diàriamente nos boletins das bolsas, publicados pela imprensa.

O acima exposto sugere uma única conclusão: visto ser pràticamente nula, na fase inicial, a procura espontânea do título em bolsas, a sociedade lançadora deverá, em qualquer circunstância, adquirir imediatamente - e pelo preço do dia - as ações que forem oferecidas em bôlsa, contando com sua rêde de distribuidores para escoar as posições assim assumidas.

Essa operação de sustentação de mercado quase sempre foi realizada, no passado, por emprêsas lançadoras, durante a colocação pública do primeiro aumento de capital, com o fim de criar a imagem de um título fácilmente negociável. Mas é preciso reconhecer não ser verdadeira a imagem que se procura criar se a sustentação não fôr mantida por longo tempo após o lançamento. Porque, como já foi dito e como largamente ficou provado nos últimos dez anos, os novos lançamentos, por melhores que sejam, não são assimilados espontáneamente pelo mercado, só raramente encontrando negociabilidades em bôlsa, e por preços muito inferiores aos seus valores justos.

Essa característica do mercado brasileiro é, provavelmente, um dos motivos pelos quais não têm sido mais freqüentes as emissões de novas ações. E tudo indica que essa situação perdurará por longo tempo, por ter raízes em múltiplos fatores, entre os quais bastaria citar a estrutura de nossas bolsas, bem como as comissões vigentes, inteiramente desajustadas às condições do atual mercado de capitais.

Destarte, a possibilidade de criar um mercado de bôlsa para a nova ação - requisito indispensável para manter um grupo de acionistas satisfeitos e absorver futuros aumentos de capital sem que se repitam as dificuldades e os ônus da emissão inicial - deverá ser um dos aspectos principais a ser considerado pela sociedade financeira na seleção e no preparo de um lançamento de ações. Essa possibilidade depende essencialmente dos fatores que examinaremos a seguir, sem o que todo o esforço feito para a divulgação do título terá sido inútil.

C. Valorízação-Rentabilidade

A exemplo do tópico anterior, as expressões valorização e rentabilidade foram reunidas numa só por serem indissociáveis, a primeira sendo fruto da segunda.

A formação do conceito de segurança-negociabilidade tem por objeto satisfazer o investidor no tocante à sua segurança, dando-lhe possibilidade de negociação imediata do título. Não menos importante será, naturalmente, assegurar a satisfação do investidor enquanto fôr possuidor do título.

Essa satisfação está ligada a dois fatores: a valorização do título no mercado e as distribuições, em dinheiro ou ações, efetuadas pela sociedade.

O primeiro elemento - a valorização - depende evidentemente, em grande parte, do comportamento geral do mercado: se o investidor adquiriu a nova ação nas vésperas de uma queda generalizada dos preços dos títulos habitualmente negociadas em bôlsa, é pouco provável ficar satisfeito com sua aquisição, embora, ainda nesse caso, uma política sadia de sustentação do título possa diminuir os prejuízos, certamente maiores nos títulos de natureza especulativa. Em condições gerais de estabilidade ou ascensão dos preços, porém, a valorização do nôvo título será função exclusiva da lucratividade da emprêsa, razão pela qual foram unidas as expressões valorização e rentabilidade.

Lucratividade da emprêsa não é, ao contrário de um modo de ver infelizmente ainda generalizado, o quanto a emprêsa distribui anualmente em dinheiro. Lucratividade, vista pelo investidor, é quanto valem hoje Cr$ 100 mil aplicados há um ano atrás: em têrmos de emprêsa, sob o prisma mercado de capitais, é o saldo anual da conta de lucros e peidas, deduzidas, além das provisões e depreciações costumeiras, as participações da diretoria e das partes beneficiárias, se as houver.

Êsse conceito de lucro líquido ao acionista (e, em decorrência, do lucro por ação1 1 ) Lucro por ação é o lucro líquido dos acionistas dividido pelo número de ações autorizadas. ) é a pedra fundamental de toda a emissão de ações.

Nenhuma emissão de ações efetuada fora das condições mercadológicas gerais de rentabilidade - isto é, sem um lucro por ação competitivo - poderá sustentar-se em bôlsa, por mais publicidade e alarde que se façam em tôrno do título. O mercado de dinheiro é um mercado autêntico ao qual se aplica, mais que a qualquer outro, o velho preceito: "pode-se enganar a poucos por muito tempo; podese enganar a muitos por pouco tempo; mas, não se pode enganar a muitos por muito tempo".

E' verdade serem poucos, ainda, os investidores particulares familiarizados com o conceito do lucro por ação e a sua importância: mas a sociedade financeira não pode ignorar - ainda que seus clientes o ignorem - só terem êstes possibilidades de lucro condizentes com as condições gerais do mercado quando a emissão seja feita em bases de lucro por ação satisfatórias e competitivas com os demais títulos no mercado.

A experiência dos últimos 10 anos revela que todos 5S lançamentos efetuados em condições de rentabilidade incompatíveis com os níveis gerais do mercado foram prejudiciais para o público, para as emprêsas responsáveis e, sobretudo, para o mercado de capitais, do qual mais uma vez se afastaram, desgostosos, centenas de investidores.

O problema de determinação do preço de venda das novas ações em função da lucratividade da emprêsa é, em muitos casos, grande empecilho para a abertura, ao público, de uma sociedade anônima. Todo o empresário tem por sua própria emprêsa um aprêço muito natural, mas nem sempre compartilhado pelo público em geral. E muito empresário imbuído da solidez patrimonial e do crescimento de sua sociedade fica desagradàvelmente surprêso ao ser informado de só poder ser vendida sua ação por preço que considera muito aquém do seu justo valor. Nesse caso, aliás freqüente, não há solução, a não ser que o empresário compreenda realmente os dados que lhe são apresentados e concorde com êles.

O valor de uma ação não é fixado pela diretoria, mas sim pelo público, através das bolsas. Assim, à sociedade lançadora só compete prever, com sua experiência, o nível aproximado em que a nova ação virá a ser aceita pelo público, em função de seu prestígio, de seu histórico e de sua rentabilidade presente e previsível a curto prazo.

O exemplo abaixo é bastante elucidativo: trata-se de duas emissões oferecidas por sociedades de ramos similares, ambas com amplas informações e dirigidas por grupos de excelente conceito. O estudo das informações fornecidas sugere, de imediato, a seguinte comparação:

Mesmo sem considerar outros fatores como, por exemplo, o tipo da ação ou o nível médio de preços de ações de sociedades similares no mercado, é evidente ter a Sociedade B muito maiores probabilidades de ver suas ações aceitas pelo mercado. Nunca será demais insistir, portanto, sôbre os princípios que devem presidir emissões de ações, particularmente quanto à importância da rentabilidade. Desta depende a valorização do título e a sua aceitação, a mais curto ou a mais longo prazo, pelo mercado autêntico de bôlsa. Dessa negociabilidade depende o sentimento de segurança do investidor, sem o qual êste nunca faz aplicações.

CONCLUSÕES

O desenvolvimento do mercado de ações brasileiro só se fará a partir do momento em que o número de investidores satisfeitos com novas emissões passar a superar o número de descontentes inevitáveis. Muito embora tenha até hoje ocorrido o inverso, nem por isso se conclui que tôda a emissão nova seja prejudicial aos seus subscritores. Não há motivo para assim ser, desde que as sociedades financeiras responsáveis ou as próprias emprêsas tenham presentes alguns princípios elementares:

1.º) Um lançamento de ações não é uma operação única, mas sim um conjunto de operações que se podem estender por vários anos, visando a um objetivo final: a criação de um mercado bolsista autêntico.

2.º) Embora existam compradores latentes de novas emissões, êles precisam ser procurados individualmente, sendo ilusória, por enquanto, a tese da absorção de novas emissões através de sua simples oferta em bôlsa, sem que se provoque a procura correspondente.

3.º) Todo o sucesso presente e futuro de uma emissão está condicionado ao grau de rentabilidade em que fôr oferecida e à capacidade da sociedade em manter essa rentabilidade, pois dela depende, em última análise, a futura negociabilidade verdadeira do título.

4.º) Qualquer emissão efetuada fora das regras básicas de veracidade e idoneidade ou em condições de rentabilidade incompatíveis com os níveis gerais de mercado é, a longo prazo, destrutiva para todos os que dela participem e para o próprio mercado de capitais.

As considerações expostas no presente artigo refletem a realidade do mercado brasileiro de capitais nas circunstâncias hodiernas. Embora não sejam ideais as condições existentes, já permitem um trabalho construtivo para o qual devem cooperar todos os que se dedicam ao desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, sem distinções regionais ou de grupos. Às autoridade públicas responsáveis por êsse setor só compete, por enquanto, sanear e eliminar algumas das dificuldades, sobretudo fiscais, que ainda entravam o crescimento do mercado de títulos. Legislações mais específicas e regulamentos mais rígidos deverão ser fruto da prática e das peculiaridades próprias do mercado brasileiro, e não simples transplantação de regulamentos de comprovada eficiência em outros países, mas inaplicáveis, até maior amadurecimento, ao incipiente e frágil mercado nacional.

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    Lucro por ação é o lucro líquido dos acionistas dividido pelo número de ações autorizadas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1965
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