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A Linguagem das Coisas

RESENHAS BIBLIOGRÁFICAS:

A Linguagem das Coisas

Mery Blanck* * Endereço: Mery Blanck Rua Olavo Bilac, 283, Porto Alegre/RS, 90040-310.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – EA/UFRGS - Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: merymrmb@gmail.com

"Nunca possuímos tantas coisas como hoje, mesmo que as utilizemos cada vez menos.

As casas em que passamos tão pouco tempo são repletas de objetos"

(Sudjic, 2010, p. 5).

Deyan Sudjic, Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010. 224p. ISBN: 978-85-98078-76-2

Assim inicia o livro de Deyan Sudjic, diretor do Design Museum de Londres e crítico de design. É, sem dúvida, um expert no assunto que, neste livro A Linguagem das Coisas, apresenta uma visão atordoante de um mundo mergulhado em objetos. Evidentemente, esta não é uma percepção nova, o que é novo é a visão crítica da escala do desperdício de recursos na produção de objetos para que supram o impulso desenfreado de aquisição do que é novo e atraente, característico de nossa sociedade contemporânea.

Certamente, já experimentamos a sensação de observar que a proliferação atual de consumo de bens, há muito, já ultrapassou qualquer necessidade humana de consumo, crescendo em uma velocidade tão impressionante, que toda a pretensão de utilidade foi deixada para trás, restando apenas mercadorias como símbolos delas próprias, ou melhor, como símbolos do que lhes desejamos atribuir. Esse entendimento o autor relata sem pudor em seu livro, descrevendo passagens em que ele próprio se vê envolvido pelo poder do design, adquirindo e enfarando-se dos objetos tão rapidamente quanto qualquer um de nós. A diferença, talvez, seja a consciência com a qual ele relata a situação, ou melhor, o autor declara sua mea-culpa, descrevendo não apenas seu fascínio, mas também a consequente vergonha em sucumbir à atração fácil que a fábrica do querer, segundo ele diz, exerce sobre a sociedade.

A constatação do autor é a de que usamos design não apenas para suprir necessidades, mas para sedimentar, cada vez mais, as bases de uma sociedade regulada por moda, aparência e ostentação, na qual a fugaz satisfação da aquisição é causa e consequência direta da rapidez da obsolescência de nosso desejo. Mas, apesar da visão crítica sobre sedução, manipulação e posse, seu livro não é amargo, é estritamente honesto e, principalmente, real: disseca nossa vinculação contemporânea com os objetos, o marketing e o design, e afirma que a relação com nossas posses nunca é direta, mas uma mescla de racionalidade e inocência. A ideia, segundo ele, é a de que os objetos, longe de serem inocentes, são interessantes demais para serem ignorados.

A Linguagem das Coisas sintetiza a visão de Sudjic em cinco capítulos: Linguagem, O Design e seus Arquétipos, Luxo, Moda, Arte. Sua abordagem é provocativa, mas também espirituosa e elegante: prolifera, em toda narrativa, a argumentação consistente, embasada em extraordinário domínio do assunto. Entretanto, para analisar este livro, é necessária sua compreensão de forma multidimensional, por meio de aspectos sociais, psicológicos e econômicos, em nível de complexidade que exige a leitura cuidadosa ou, mesmo, a repetição desta. A Linguagem das Coisas é um livro denso de informações e análises, que possibilita a experimentação de um novo insight em cada avanço das páginas, seja pelas inter-relações expostas, seja pela constatação da realidade descrita ali.

Por que consumimos? Necessidade? Sedução velada dos mecanismos econômicos? Indução psicológica? Pressão social? Ou, por não termos opção outra que não seja consumir?

Certamente, vivemos na sociedade da comunicação, onde nunca antes houve tal profusão de informação à nossa disposição; o que gera, provavelmente, um aumento de nossas necessidades e desejos. Mas, também, designers transformaram-se em mecanismos de manufatura destes desejos por objetos dos quais nem sabíamos da existência. Todavia observamos, de forma concomitante, que a reação dos verdadeiros designers em um mundo, no qual seus talentos são desvalorizados pela oferta massiva, parece ele optar por dois caminhos: o da produção de um número muito reduzido de produtos de altíssima qualidade e preço, ou, de forma mais interessante: o do questionamento da real necessidade de se desenvolver sempre novos produtos, ao invés do simples refinar, quando necessário, daqueles já existentes.

Em outro ponto, ao abordar o luxo, sugerindo que sua maior expressão poderia dar-se por meio da opção tranquilizadora de não se viver com tanto; provocativamente o autor induz a uma reflexão profunda sobre a singularidade de tal decisão em nosso mundo contemporâneo. A dificuldade, neste cenário, é imaginar como os indivíduos aceitariam a substituição de uma comunicação de imagem pessoal, enormemente facilitada pelo uso de signos dos objetos, por uma comunicação intelectualmente mais elaborada, desprovida deles. Mas luxo, talvez, seja não precisar comprar.

A conclusão por detrás do argumento de A Linguagem das Coisas reside na ideia de que a relação produção-consumo, chegado um ponto de exaustão, tenderá a alterar-se dramaticamente, propiciando o surgimento de nova lógica econômica. Isto ocorrerá tanto pela própria transformação da economia global que, pressionada talvez pela estratégia invasiva de produção e oferta chinesas, buscará alternativas de sustentação; como em função do apelo social crescente de conscientização no uso de recursos naturais às organizações produtivas, haja vista o novo conceito de ecologia industrial.

O desafio de oferecer objetos com requisitos suficientes para serem considerados especiais pelas massas de consumo aumenta em intervalos cada vez menores; as fábricas de luxo, moda, arte e design parecem enfrentar o encontro de seu limite, em futuro ainda impossível de ser delineado, mas que se caracterizará, certamente, pela limitação de recursos, sua substituição e por novas formas de expressão econômica.

Finalizando, ao relacionar todos os conceitos abordados a uma mesma força motriz, o autor insinua a presença de um objetivo primordial de manipulação das formas de expressão contemporâneas, por meio do design, objetivando prioritariamente impulsionar o consumo e a alta lucratividade, em detrimento da oferta de utilidade ou da satisfação de real necessidade e desejo. Em outras palavras, o fim da inocência e de qualquer resquício de espontaneidade nos processos de comunicação das organizações com a sociedade.

De qualquer maneira, o que se pode concluir, concordando ou não com a visão do autor, mas parafraseando-o, é que o livro de Sudjic é interessante demais para ser ignorado; logo, importante como leitura, para todos aqueles que atuam no mercado de bens e serviços, e fundamental como orientador de uma análise social contemporânea de nosso insustentável estilo de vida.

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    Endereço: Mery Blanck
    Rua Olavo Bilac, 283, Porto Alegre/RS, 90040-310.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2011
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