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Teia dos Povos: estratégias cosmopolíticas agroecológicas na formação de uma rede de autonomias no sul da Bahia

Teia dos povos: agroecological cosmopolitical strategies in the formation of a network of autonomies in southern Bahia

resumo

A Teia dos Povos é uma coalizão cosmopolítica que reúne camponeses, indígenas, quilombolas, pescadores, povos de terreiros e outros grupos residentes no Sul da Bahia em torno de iniciativas comuns, inicialmente em torno da agroecologia e, posteriormente, articulando alianças na defesa de territórios comunitários. A partir de elementos etnográficos e da compreensão da Teia como “think tank popular”, o artigo apresenta as ações e discussões ocorridas no âmbito dessa rede, considerando sua afinidade com ideais dos movimentos autônomos latino-americanos. O objetivo é entender como determinados conceitos e ideais de “autonomia” surgidos em países como o México operam na realidade brasileira, com seus alcances e limites. Ao mesmo tempo, demonstra-se como o ambiente intelectual da Teia é frutífero para o surgimento de concepções ontológico-políticas originais, a partir de reflexões sobre a agroecologia, o encontro dos povos afro e indígenas na região e outros elementos.

palavras-chave
Teia dos Povos; autonomia; agroecologia; cosmopolíticas

abstract

Teia dos Povos is a coalition that brings together peasants, indigenous population, quilombolas, fishermen/women, people from terreiros and other groups living in the southern area of Bahia. They are linked by common initiatives, initially around agroecology and, later, alliances in the defense of community territories. Based on ethnographic elements and the understanding of Teia as a “popular think tank”, the article presents a discussion about the actions and discussions that took place within this network, considering its affinity with the ideals of Latin American autonomous movements. It aims to understand how certain concepts and ideals of “autonomy” that emerged in countries like Mexico operate in the Brazilian reality, with its scope and limits. At the same time, it demonstrates how the intellectual environment of Teia dos Povos is fruitful for the emergence of original ontological-political conceptions, from reflections on agroecology, the meeting of Afro and indigenous peoples in the region and other elements.

Keywords
Teia dos Povos; autonomy; agroecology; territories; cosmopolitics

Introdução

Desde 2012, desenvolve-se, a partir das regiões Sul e Extremo Sul da Bahia, uma iniciativa de articulação em rede de movimentos sociais e comunitários locais, incluindo indígenas, quilombolas, pescadores, povos de terreiro, assentados ou acampados em luta pela reforma agrária, entre outros, denominada de Teia dos Povos. 1 1 Com menor intensidade, a rede também realizou articulações com grupos no Distrito Federal, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná, entre outros estados, para diferentes finalidades (visitas mútuas, participação em formações, cooperação técnica etc.) Essa articulação iniciou-se em torno da difusão de técnicas agroecológicas, a partir de um núcleo do Movimento dos Sem-Terra (MST) localizado no Assentamento Terra Vista (Arataca-BA) e rapidamente se desdobrou em diversas iniciativas de solidariedade mútua, incluindo mutirões, atos públicos, atividades de formação, ações de comunicação etc.

O objetivo deste artigo é entender de que maneira se instalou na Teia dos Povos a discussão sobre a “autonomia” e como as propostas da rede nesse âmbito podem ser relacionadas ao debate latino-americano sobre o tema. Entendo que tal análise nos permite pensar os limites e alcances da transposição de tais discussões para o cenário brasileiro, e simultaneamente confirma o potencial de geração de novas ontologias políticas nos territórios negros, indígenas e camponeses do continente que têm sido reconhecidos como “(redes de) autonomias comunitárias”. Proponho aqui partir da diferenciação entre autonomias e “autonomias”, aludindo à reflexão sobre a objetivação do termo “cultura” que foi proposta por autoras como Cunha (2009) e Gallois (2007). Ou seja, existem, há séculos, na América Latina, numerosas experiências históricas conduzidas por indígenas, negros, camponeses, em busca por autodeterminação, autogoverno, autodefesa etc., conhecidas sob as mais diversas denominações. Há, por outro lado, um conjunto de experiências específicas dessas mesmas populações, nas últimas décadas, que vêm se reconhecendo e sendo reconhecidas como “autonomias” (cf. López-Bárcenas, 2007LÓPEZBÁRCENAS, Alfredo. 2007. Autonomias Indígenas en América Latina. Oaxaca/México, Coapi/MC.; Pimentel, 2021aPIMENTEL, Spensy K. 2021a. Apresentação do dossiê “Autonomias indígenas, negras, camponesas: novas ontologias políticas na América Latina”. Tellus, ano 21, n. 46: 113-123. DOI: 10.20435/tellus.vi.819
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; Adamovsky et al., 2011 ADAMOVSKY, Ezequiel; ALBERTANI, Claudio; ARDITI, Benjamin; CECEÑA, Ana Esther; GUTIÉRREZ, Raquel; HOLLOWAY, John; BÁRCENAS, Francisco López; RIVAS, Gilberto López; MODONESI, Massimo; OUVIÑA, Hernán; REY, Mabel Thwaites; TISCHLER, Sergio; ZIBECHI, Raúl. 2011. Pensar las autonomias - alternativas de emancipación al capital y al Estado. Mexico: Sísifo/Bajotierra.). Tais experiências inspiraram e seguem inspirando um sem número de pesquisas nas Ciências Sociais.

O presente artigo se baseia numa convivência de pouco mais de quatro anos com iniciativas da Teia dos Povos, mesclando elementos de trabalho de campo etnográfico e de pesquisa-ação participante (Fals Borda, 1982; Brandão, s.d.BRANDÃO, Carlos R. (Sem data). Entre a observação participante e a pesquisa participante – memórias e imaginários ao redor de vivências com pesquisas entre “puras” “aplicadas” “etnográficas” e “participantes”. Disponível em: http://www.apartilhadavida.com.br. Acesso em: 01 fev. 2021
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). Este método complementa, aqui, o trabalho etnográfico - realizado sobretudo a partir de eventos produzidos pela Teia - em função de que as universidades da região também foram consideradas, ao longo dos anos, como “elos” relacionados à Teia, sendo chamadas a conectar-se com os núcleos ligados à rede a partir de ações de pesquisa e extensão. 2 2 Tal chamado concretizouse, por exemplo, com a participação de representantes da Teia dos Povos no Conselho Estratégico-Social (CES) da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), os quais, ao longo dos anos, apresentaram uma série de propostas para parceria com a instituição (cf. Menezes e Goes, 2020). O trabalho etnográfico conecta-se a observações recentes de autores como Latour, que entende como central, nessa tarefa, o “rastreamento de associações”, observando-se as “sucessões de associações entre elementos heterogêneos” ( 2008LATOUR, Bruno. 2008. Reensamblar lo Social - Una Introducción a la Teoría del Actor-Red. Buenos Aires, Manantial.: 19). 3 3 Para uma etnografia de um movimento baseado em assembleias comunitárias multilocais em diálogo com essas sugestões latourianas, ver Pimentel ( 2012a).

A Teia dos Povos articula, hoje, em maior ou menor grau, dezenas de diferentes grupos, entre assentamentos e acampamentos ligados a movimentos de agricultores sem terra - incluindo-se o MST, além de outros movimentos com expressão regional, como o Movimento de Luta pela Terra (MTL) e o Movimento Estadual dos Trabalhadores Assentados, Acampados e Quilombolas da Bahia (Ceta) -, além de indígenas Tupinambá de Olivença e Pataxó Hã-hã-hãe (Terra Indígena Caramuru-Paraguassu), quilombolas, pescadores, povos de terreiro (comunidades agregadas em torno de terreiros de candomblé que possuem reivindicações territoriais) e também estudantes e professores de universidades da região, bem como ativistas da área de comunicação agregados em torno da implantação de redes digitais livres e outros grupos urbanos ligados à economia solidária.

Existem diferentes graus de proximidade com a Teia - desde movimentos que apenas comparecem ocasionalmente às atividades promovidas, até os que efetivamente promovem, em seus territórios, atividades publicamente reconhecidas como da Teia. A rede não exige uma vinculação formal, nem tampouco exclusividade - pelo contrário, integrantes da coordenação frequentemente enfatizam que a Teia dos Povos não é um movimento, e que uma determinada comunidade não precisa abrir mão de se vincular a um dado movimento social para participar da rede.

Os coletivos e pessoas conectadas com a Teia são pensados a partir de duas categorias: núcleos e elos. Grosso modo, pode-se dizer que “núcleos” são as comunidades, grupos com alguma base territorial, onde os projetos discutidos na Teia são efetivamente implementados. Já os “elos” são grupos que apoiam o trabalho dos núcleos, sem necessariamente estar vinculados ao território: núcleos de pesquisa, organizações da sociedade civil, grupos de extensão rural etc. Recentemente, a coordenação da Teia tem enfatizado que os “elos” devem estar subordinados aos “núcleos” para evitar que a pauta da rede adquira uma dinâmica exógena, por assim dizer - determinada de fora para dentro. Com a preocupação de difundir de forma mais clara, para um público mais amplo, as ideias da Teia dos Povos em relação a tópicos como esse, tem havido um esforço recente de publicar registros por escrito (cf. Oliveira, 2020OLIVEIRA, Joelson F. 2020a. “Movimentos sociais e conhecimento”. In: TUGNY, Rosangela; GONÇALVES, Gustavo. (org.). Universidade popular e encontro de saberes. Salvador: EDUFBA, pp. 159-174.; Ferreira e Felício, 2021bPIMENTEL, Spensy K. 2021b. Teia dos Povos: afetos-encantos afro-indígenas-populares numa coalizão cosmopolítica. Tellus, ano 21, n. 46: 253-281. DOI: 10.20435/tellus. v21i46.795
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).

É em função dessas características da Teia que proponho compreender a rede ora como coalizão, ora como “think tank popular”. Embora, muitas vezes, ela sirva como palco de ações coletivas, também é frequente que sirva, na verdade, como inspiração para ações executadas em nível local. Nesse sentido, os encontros da Teia - jornadas, pré-jornadas - operam como “laboratórios de ideias” a partir dos quais, muitas vezes, os agricultores irão executar até mesmo individualmente, em suas casas, os planos traçados coletivamente. As transformações locais se articulam às ações regionais. Entendo ser importante apontar essa característica porque, afinal, nos últimos anos, tem-se discutido, no âmbito da antropologia, como pensar os interlocutores de pesquisa, nas comunidades, como “produtores de teoria” (Viveiros de Castro, 2004: 4). No âmbito da Teia dos Povos, diversos atores têm iniciado, nos últimos anos, carreira acadêmica, além de publicar obras como livros e filmes. Nesse sentido, sempre que possível, dialogarei com essas produções, utilizando minha experiência de campo de forma auxiliar, como apoio para uma contextualização etnográfica. Entendo que há uma demanda crescente dos acadêmicos negros e indígenas por esse reconhecimento de sua produção.

A iniciativa de criação da Teia está ligada à realização do evento conhecido como Jornadas de Agroecologia da Bahia, que chegou, em 2023, a sua sétima edição, realizada no Quilombo Conceição de Salinas, em Salinas de Margarida, às margens da Baía de Todos os Santos. As quatro versões iniciais do evento haviam sido realizadas no Assentamento Terra Vista, em Arataca (BA) - à beira da BR 101 e a poucos quilômetros de duas outras comunidades importantes na luta pela terra na região: a Terra Indígena dos Tupinambá da Serra do Padeiro e a Terra Indígena Caramuru-Paraguassu. A quinta edição foi realizada à beira-mar, na cidade de Porto Seguro, para afirmar o simbolismo de “retomar” o território invadido pelos portugueses há cinco séculos. A sexta, nas terras do povo Payayá, em Utinga, na Chapada Diamantina.

Os eventos incluem dezenas de diferentes atividades, desde o intercâmbio de técnicas, insumos e produtos relacionados à agroecologia - em particular os produtos orgânicos e as chamadas sementes crioulas -, até debates políticos, cursos e apresentações culturais, bem como cerimônias religiosas de matrizes negras e indígenas e outras manifestações espirituais. Numerosos vídeos gravados nas sete jornadas estão disponíveis na internet, particularmente no canal do YouTube da Teia dos Povos.

Se observarmos o conjunto das oficinas oferecidas aos agricultores que participaram da 5ª Jornada de Agroecologia, em 2017, podemos ter uma ideia da ampla gama de conhecimentos considerados bem-vindos pela Teia. As oficinas foram selecionadas pelo próprio comitê organizador da Teia, a partir de uma convocatória aberta, divulgada pela internet. Entre os temas escolhidos estiveram: fotografia, comunicação e internet, construção de fogões solares, compostagem, teatro do oprimido, cultivo de orgânicos em garrafas PET, confecção de iscas para captura de abelhas sem ferrão e com ferrão, educação ambiental, contação de histórias para crianças, armazenamento de sementes, teatro de bonecos, plantação de araruta etc.

Vinculado ao MST, o Assentamento Terra Vista tem 31 anos de existência e, há cerca de 25, iniciou sua transição rumo à agroecologia, desenvolvendo um projeto de cacau orgânico em áreas de agroflorestal, no chamado sistema “cabruca”. 4 4 Sobre a história do Terra Vista, há um trabalho produzido por uma das coordenadoras da Teia ( Santos, 2016). O sistema cabruca consiste, classicamente, no plantio de cacau sombreado em meio às árvores maiores da Mata Atlântica ( Piasentin, 2011). Frente às dificuldades trazidas pelo fungo vassourade- bruxa, desde os anos 80, foram introduzidas inovações tecnológicas como o cacau clonado. O cacau agroecológico, por sua vez, é apresentado como uma alternativa ao tradicional emprego massivo de agroquímicos que, segundo a hipótese do movimento agroecológico, fragiliza o sistema produtivo, além de deixá-lo insustentável. Importante observar que o cacau cabruca é um sistema “tradicional” na região, porém mais associado à agricultura “comercial”, como descreve Guimarães (2017). Nas comunidades tradicionais do Baixo Sul, por exemplo, predominam o que o autor entende como “agroflorestas de quase tudo”, em que o cacau tem papel secundário. Essa experiência tornou-se um modelo na região, somando-se a outra particularidade do Terra Vista, a ausência de uma divisão em lotes individuais, com uma titulação coletiva ( Geografar, s.d.GEOGRAFAR- Geografiados Assentamentos na Área Rural. (sem data). Projeto de Assentamento Terra Vista. Disponível em: https://geografar.ufba.br/projeto-deassentamento-terra-vista
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). Além de apontar, portanto, para a difusão de técnicas agroecológicas, a Teia dos Povos também passou a realizar eventos ligados à troca de sementes crioulas, associando-se, ainda, à ideia de soberania alimentar - que é pensada como uma superação e aprofundamento da ideia de segurança alimentar ( Coca, 2016COCA, Estevan L.F. 2016. 20 anos da proposta de soberania alimentar: construindo um regime alimentar alternativo. Revista NERA, ano 19, n. 32: 14-33. DOI: 10.47946/rnera.v0i32.4789.
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). Nesse sentido, a coalizão se alinha com diretrizes adotadas pela entidade que pode ser chamada de “hegemônica”, em termos de organização internacional de movimentos camponeses, a Via Campesina. Agroecologia e soberania alimentar são princípios caros à Via Campesina 5 5 Vide, por exemplo, este documento de 2012, resultante de ampla reunião convocada pela Via Campesina, o I Encontro Global sobre Agroecologia e Sementes Camponesas, em Surin (Tailândia): https://viacampesina.org/en/index.php/mainissues-mainmenu-27/sustainable-peasantsagriculture-mainmenu-42/1334-surin-declarationfirst-global-encounter-onagroecology-and-peasantseeds . Acesso em 03 fev. 2021. .

Vale observar que o MST, como um todo, passou a discutir a agroecologia por volta do final dos anos 90, aproximadamente no período em que o movimento fez seu ingresso oficial na Via Campesina. Um marco possível para pensar a difusão do pensamento agroecológico entre os sem-terra é a criação das Jornadas de Agroecologia do Paraná 6 6 Inspiração declarada para as Jornadas de Agroecologia da Bahia, segundo os integrantes mais antigos da Teia. As Jornadas do Paraná chegaram a sua 18ª edição em 2019. Para mais: https://jornadadeagroecologia.org.br/ Acesso em 14 maio 2021. , em 2001, mesma época em que se iniciavam, em diversas partes do país, experiências análogas à do Terra Vista ( Silva, 2011SILVA, Priscila G. 2011. A incorporação da agroecologia pelo MST: reflexões sobre o novo discurso e experiência prática. Niterói, dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense.).

Da autonomia às “autonomias”

Inicialmente constituída a partir do interesse entre as comunidades da região cacaueira pela difusão de técnicas agroecológicas aplicadas ao cacau e a recuperação florestal, sobretudo, a Teia dos Povos mostrou-se particularmente influenciada pelo movimento indígena ao aderir, em 2014, às ações de solidariedade e apoio aos Tupinambá da Serra do Padeiro e da região de Olivença, os quais, no período, sofreram grave assédio militar e policial quando a Polícia Federal passou a cumprir ordens de reintegração de posse em áreas que integram a Terra Indígena Tupinambá de Olivença. Diante da reação dos indígenas, o governo federal decretou caráter de Garantia de Lei e Ordem (GLO) para as operações, deslocando tropas militares para a região. Em março de 2014, a Teia integrou marcha de apoio aos Tupinambá, em ato que juntou mais de 40 entidades, nacionais e internacionais. 7 7 http://www.global.org.br/blog/carta-final-damarcha-dos-povos-dacabruca-e-da-mata-atlanticaem-defesa-das-terrassagradas-dos-tupinamba/ . Acesso em 03 fev 2021. Vale observar, ainda, que, desde o seu princípio, a articulação da Teia alcançava diversas figuras importantes da TI Caramuru-Paraguassu.

A carta da Jornada de Agroecologia de 2014 refletiu precisamente o momento marcado pelas ameaças e agressões aos povos indígenas, defendendo veementemente os processos demarcatórios de terras indígenas e outros territórios tradicionais, ao lado da já antiga luta pela reforma agrária e dos princípios da agroecologia (cf. Teia dos Povos, 2014TEIA DOS POVOS. 2014. Carta da III Jornada de Agroecologia da Bahia. Arataca, 2014. Disponível em < https://povosdamata.orgbr.>. Acesso em 30 ago. 2021.
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).

O documento é particularmente significativo - além desse diálogo marcante com o movimento indígena, o alargamento das alianças promovidas pela Teia se reflete na carta com a incorporação de temas como a reforma urbana, o feminismo, a espiritualidade negra e indígena, o combate ao chamado “capitalismo verde”, entre outros temas. Menciona, ainda, a ideia de descolonização e o conceito andino de “bem viver”: “Lutaremos sempre por uma educação descolonial, não patriarcal, antirracista e libertadora, que nos leve a concretizar o nosso Bem Viver” ( Teia dos Povos, 2014TEIA DOS POVOS. 2014. Carta da III Jornada de Agroecologia da Bahia. Arataca, 2014. Disponível em < https://povosdamata.orgbr.>. Acesso em 30 ago. 2021.
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).

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É possível encontrar um dos pontos de conexão entre a constituição da Teia dos Povos e os debates latino-americanos sobre as “autonomias” (cf. Lopez Barcenas, 2007LÓPEZBÁRCENAS, Alfredo. 2007. Autonomias Indígenas en América Latina. Oaxaca/México, Coapi/MC.; Baronnet et al. 2011 BARONNET, Bruno; MORA BAYO, Mariana; STAHLER-SHOLK, Richard. (org.). 2011. Luchas “muy otras” - zapatismo y autonomia em las comunidades autónomas de Chiapas. México, UAM/Ciesas/UAC.; Adamosvky et al., 2011 ADAMOVSKY, Ezequiel; ALBERTANI, Claudio; ARDITI, Benjamin; CECEÑA, Ana Esther; GUTIÉRREZ, Raquel; HOLLOWAY, John; BÁRCENAS, Francisco López; RIVAS, Gilberto López; MODONESI, Massimo; OUVIÑA, Hernán; REY, Mabel Thwaites; TISCHLER, Sergio; ZIBECHI, Raúl. 2011. Pensar las autonomias - alternativas de emancipación al capital y al Estado. Mexico: Sísifo/Bajotierra.) nesse impulso dado à solidariedade com os movimentos indígenas da região sul da Bahia, particularmente a partir de 2014. Tal momento corresponde a uma fase de acirramento das críticas de setores dos mais diversos movimentos sociais/populares às políticas praticadas pelos governos do PT e a um processo que já vinha sendo descrito havia alguns anos, uma espécie de fagocitose que o partido e suas administrações promoviam em relação aos movimentos sociais. 8 8 Essa crítica é ampla e tem muitas fontes. A título de exemplo, vide as reflexões de Druck sobre a Central Única dos Trabalhadores (2006) e, sobre o MST, Boito (2012) e Hilsenbeck Filho ( 2013).

Conforme é possível perceber no âmbito da Teia, esse desencanto com a tática de ocupar cargos comissionados ou eletivos a fim de, supostamente, viabilizar políticas como as ligadas à reforma agrária ou à garantia dos direitos indígenas está ligado ao fato de que, nessas posições, muitos dos ex-integrantes de movimentos passaram a ser considerados pouco sensíveis, “distantes” das reivindicações da base, além de terem adquirido um novo estilo de vida (por exemplo, isso inclui a compra de automóveis, casas e roupas com padrão utilizado pela elite econômica e política do país e que afastam essas pessoas de sua origem popular). Muitas vezes, segundo se verifica nessas narrativas, as pessoas postas nessas posições passaram a usar de seu poder para impor ideias às comunidades, em vez de acatar as decisões que delas emanam. Também sustentaram, perante os movimentos e comunidades, discursos sobre a “impossibilidade” de atender determinadas reivindicações, em nome de uma “governabilidade”, por exemplo.

Nesse sentido, em oposição a essa ideia de buscar ocupar cargos para viabilizar políticas, a forma de agir da Teia visa fortalecer os movimentos em sua base, para que, de forma coletiva, os grupos voltem a ter capacidade de, eventualmente, disputar uma agenda de governo, ao mesmo tempo em que reduzem sua dependência em relação às decisões dos “representantes”.

O impulso de criação da Teia parte de uma comunidade ligada ao MST, movimentobrasileiroquejáfoireconhecidocomoumdosmaioresda América Latina.

A crítica à fagocitose promovida pelos governos petistas, atropelando a autonomia do movimento, bem como ao desrespeito dos antigos companheiros a esse princípio do “mandar obedecendo” não é feita de forma abstrata ou distante. A Teia dos Povos surgiu em um estado governado pelo PT desde 2007, e onde determinadas ações políticas concretas foram efetivadas. Uma pesquisadora anteriormente conectada ao MST, Arlete Ramos dos Santos, hoje professora da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus, realizou ampla pesquisa sobre o processo a partir do qual o governo petista da Bahia atuou para minar a ação dos movimentos de luta pela terra, “pacificando” o Extremo Sul da Bahia por meio da instituição de “parcerias” com as comunidades, a fim de favorecer as grandes empresas multinacionais de papel e celulose implantadas na região. A autora denomina o processo de “reforma agrária do consenso” ( Santos, 2017SANTOS, Arlete R. 2017. Aliança (neo) desenvolvimentista e decadência ideológica no campo - movimentos sociais e reforma agrária do consenso. Curitiba: CRV. DOI: 10.24824/978854440986.2
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).

Concluído em 2011, após um longo período de debate público e ações diretas dos movimentos na região contra a implantação do chamado “deserto verde” que representa a monocultura do eucalipto, esse acordo conduzido pelo governo da Bahia, e que envolveu projetos na área de agroecologia, justamente, coincide com as origens da articulação que resultou na Teia dos Povos.

No sentido ora apontado, “autônomo”, no âmbito dos movimentos sociais, é um termo correlato a “independente”. Tal sentido é semelhante ao que o termo adquiria no debate mexicano nos anos 60 e 70, segundo apontam Bartra e Otero ( 2008BARTRA, Armando; OTERO, Gerardo. “Movimientos indígenas campesinos en México: la lucha por la tierra, la autonomía y la democracia”. 2008. In: MOYO, Sam; YEROS, Paris (Coord.). Recuperando la tierra. El resurgimiento de movimientos rurales en África, Asia y América Latina. Buenos Aires: CLACSO.). O termo já era utilizado desde os primeiros comunicados públicos do MST, em 1984, para indicar a necessidade de criação de um movimento que não se subordinasse aos sindicatos de trabalhadores rurais ou aos partidos políticos (cf. Stédile e Fernandes, 1999STÉDILE, João P.; FERNANDES, Bernardo M. 1999. Brava gente. A trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo.).

Esse nível de reflexão relaciona-se também ao intelectual mais comumente associado à origem da circulação do termo “autonomia” no meio da esquerda a partir da revista Socialismo ou Barbárie: Cornelius Castoriadis. O filósofo francês de origem grega, nos anos 50, propunha tal discussão durante o processo de reflexão crítica sobre as transformações na antiga União Soviética. Conforme comenta Mirtes Amorim:

A revista assumira uma crítica implacável à burocracia do partido bolchevique no poder e ao stalinismo na URSS, posição política que teria levado ao desvio da Revolução, e finalmente a um regime político totalitário, inaceitável ( Amorim, 2014AMORIM, Mirtes M. 2014. Castoriadis - projeto de uma sociedade autônoma e democrática. PIDCC, revista de propriedade intelectual, ano III, n. 6.: 132-139. DOI: 10.16928/2316-8080.V6N1p.132-139.
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Nesse sentido, é possível pensar que a assunção de um ponto de vista autonomista por parte dos movimentos sociais implica uma transformação ontológica, por assim dizer. Quando se deixa de focar na política da representação para focar na política da comunidade, é como se, no sentido vislumbrado por Wagner ( 1987WAGNER, Roy. 1987. “Figure-Ground Reversal among the Barok”. In: LINCOLN, Louise (ed.) Assemblage of Spirits: Idea and Image in New Ireland. New York: G. Braziller, pp. 56-62.), ou no que se observa na obra de Pierre Clastres ( 2003CLASTRES, Pierre. 2003 [1974]. A Sociedade Contra o Estado. Cosac Naify, São Paulo.), o coletivo passasse por uma inversão copernicana ou de figura e fundo. Não se trata mais do local como segmento do regional, por sua vez segmento do nacional. O local é o objetivo, o poder volta a “emanar do povo”. Na impossibilidade de fazer com que o representante “mande obedecendo”, para citar o princípio zapatista, ele é posto de lado, ignorado. A cessão de soberania que o mandato representativo implica é relativizada, porque a comunidade volta a se articular para fazer valer a sua soberania ( Pimentel, 2012bPIMENTEL, Spensy K. 2012. Elementos para uma teoria política kaiowa e guarani. São Paulo, tese de doutorado, Universidade de São Paulo.). Em escritos mais recentes, alguns dos principais expoentes da Teia dos Povos têm, justamente, destacado a relação entre “autonomia” e “soberania”:

A cada prenúncio de um governo progressista ou de uma novidade eleitoral da esquerda, renovam-se esperanças que não tardam a se mostrar ilusões que nos afastam das conquistas concretas no campo da terra e do território. A outra face dessa moeda é o atrelamento político das organizações de esquerda a partidos associados aos governos progressistas ( Ferreira e Felício, 2021FERREIRA, Joelson; FELÍCIO, Erahsto. 2021. Por terra e território - caminhos da revolução dos povos no Brasil. Arataca, Teia dos Povos.: 52).

Mais recentemente, pensadores ligados à Via Campesina têm enfatizado a necessidade de novas reflexões sobre a autonomia nos movimentos camponeses latino-americanos, tendo em vista o cenário político geral e os efeitos da pandemia de Covid-19, como argumentaram Rosset e Barbosa, ( 2021ROSSET, Peter M., BARBOSA, Lia P. 2021. Autonomía y los movimientos sociales del campo en América Latina: un debate urgente. Aposta. Revista de Ciencias Sociales, n. 89: 8-31.). Os autores apontam que, apesar de antigo, o debate vinha ficando em suspenso durante o chamado ciclo progressista no continente. Agora, com a “desilusão” generalizada no continente com os resultados reais desses governos, eles sugerem que os movimentos camponeses reflitam com mais atenção sobre as propostas de autonomia territorial desenvolvidas ao longo das últimas décadas pelos movimentos indígenas e seus intelectuais orgânicos.

A Teia dos Povos, é importante dizer, foi pioneira nesse diálogo. Outro aspecto do cenário político brasileiro entre 2003 e 2013TEIA DOS POVOS. 2013. Carta da II Jornada de Agroecologia da Bahia. Arataca, 2013. Disponível em < https://povosdamata.orgbr. >. Acesso em 30 ago. 2021.
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que se conecta ao surgimento da Teia é que esse é um período em que as reivindicações dos movimentos indígenas e de comunidades tradicionais em geral passaram a ocupar um papel particularmente relevante na política nacional - além de se tornarem uma referência mais geral, internacionalmente, em função do acirramento do debate ecológico (cf. Porto- Gonçalves, 2006PORTO-GONÇALVES, Carlos W. 2006. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 458). Trata-se também de um momento histórico em que se verifica forte ascensão da chamada bancada ruralista, responsável por articular os interesses do agronegócio no país. Levando em conta as relações históricas entre o PT e o MST, além de outros movimentos camponeses, pode-se imaginar que a contraparte dessa política que buscou ocupar cargos no governo federal ou cargos eletivos foi, justamente, a intensificação das articulações, por parte dos governistas, para impedir que os movimentos mantivessem suas históricas estratégias de pressão pela criação de novos assentamentos - as ocupações de terra. 9 9 Importante observar que a crítica geral dos ativistas participantes da Teia à política partidária não impede que alguns deles entendam ser necessário dar atenção a ela, em nível local. Diversas candidaturas têm surgido a partir da Teia, e há pelo menos um vereador e um vice-prefeito eleitos que têm ligação com a rede. Não há unanimidade sobre o tema – e nem se espera que haja, pois, a proposta geral da rede é localizar pontos de convergência e focar neles, não nas divergências.

Ora, entre os movimentos imunes a essa estratégia de fagocitose/cooptação destacaram-se, justamente, os dos povos indígenas, aos quais, desde sempre, não se oferecia em escala a possibilidade de ocupar cargos eletivos ou comissionados, ou mesmo uma possibilidade real de atendimento das demandas ligadas à demarcação de terras, sobretudo - em função das pressões dos ruralistas. Assim, o movimento indígena mostrava-se incooptável e incontrolável.

Emestadoscomoo Mato Grossodo Sul(segundomaiorempopulaçãoindígena do país), os processos de demarcação de terra se tornaram o principal foco de tensão no campo (cf. Pimentel, 2012bPIMENTEL, Spensy K. 2012. Elementos para uma teoria política kaiowa e guarani. São Paulo, tese de doutorado, Universidade de São Paulo.). Na Bahia - terceira maior em população indígena do país -, a “reforma agrária do consenso” promovida pelo governo do estado conseguiu apaziguar apenas parcialmente, por meio da concessão de projetos sociais, parte das comunidades indígenas do extremo Sul do estado, antes envolvidas em conflitos inclusive com os próprios moradores de assentamentos ( Santos, 2017SANTOS, Arlete R. 2017. Aliança (neo) desenvolvimentista e decadência ideológica no campo - movimentos sociais e reforma agrária do consenso. Curitiba: CRV. DOI: 10.24824/978854440986.2
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: 81) 10 10 Embora seja possível detectar essa predominância, ainda aconteceram algumas novas retomadas (por exemplo, no entorno de Coroa Vermelha e de Mata Medonha, além de movimentos na região de Barra Velha, ocupando parte das terras identificadas no relatório de 2008). Para uma análise contemporânea da política entre os Pataxó, a partir da visão de uma importante liderança indígena na região, ver Jesus ( 2020). . Na região cacaueira, também, os Tupinambá de Olivença persistiram como um foco de insurgência frente aos interesses dos ruralistas na região, e é exatamente com esse grupo - juntamente com os Pataxó Hã-hã-hãe, da TI Caramuru-Paraguassu -, que a Teia se coliga desde o início. 11 11 A Reserva Caramuru- Paraguassu foi quase completamente loteada para não indígenas por autoridades ligadas ao governo da Bahia ao longo do século XX e recuperada a partir da organização dos indígenas da área em “retomadas”, entre os anos 70 e 80 (ver Souza, 2017).

Assim, o segundo movimento da Teia que a torna tão particular é o seguinte: movimentos sociais formados a partir da lógica da “representação” articulando- se, de forma insurgente, para ignorar e confrontar o “pacto de governabilidade”, conectam-se com movimentos de luta pela terra que iam por esse mesmo caminho, denunciando o custo inaceitável que o PT assumia ao rifar reivindicações populares em nome do pacto com setores como a bancada ruralista.

Note-se que esse movimento de aproximação envolve, ainda, um processo a partir do qual integrantes dos grupos camponeses deixam de perceber-se, unicamente, a partir dos critérios de “classe” que fundam vários dos movimentos sociais típicos do século XX, como o MST, passando a também identificar seus laços com os coletivos formados a partir de critérios étnicos e culturais, como indígenas e quilombolas (cf. Oliveira, 2020OLIVEIRA, Joelson. 2020b. Terra Vista, Terra-Mãe: existência grandiosa no campo. Belo Horizonte: Chão de Feira.; Ferreira e Felício, 2021FERREIRA, Joelson; FELÍCIO, Erahsto. 2021. Por terra e território - caminhos da revolução dos povos no Brasil. Arataca, Teia dos Povos.; entre outros 12 12 Destaco aqui a obra de Bogo ( 2003), autor historicamente ligado ao MST e atualmente residente no sul da Bahia, sendo importante referência para a Teia e presença frequente nos eventos da coalizão. ). E nesse sentido, nada mais significativo que um processo como o da Teia surja no Sul da Bahia, região onde, historicamente, o encontro entre as populações afro e indígenas foi expressivo 13 13 Como já observado por Goldman ( 2015), essa reflexão sobre o “encontro afroindígena” pode ser pensada com uma teoria própria do Sul da Bahia, sendo constantemente evocada por movimentos culturais e sociais da região. e parte do estado em que a parcela de não brancos - pretos, pardos e indígenas - chega perto de 80% ( IBGE, 2007INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). 2007. Síntese de Indicadores Sociais - Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira. Rio de Janeiro, MPOG.: 186).

A solidariedade que funda a Teia, portanto, não é apenas construída a partir de critérios racionais fundamentados em alguma teoria política, de qualquer base. Uma cena recorrente nos encontros da Teia, por sinal, são os rituais, geralmente realizados à noite, em que todos se congregam na dança e frequentemente são abençoados pelos Encantados, Orixás, Inquisses e Caboclos incorporados pelos presentes. Assim, a conexão construída pela Teia passa pelo afeto mútuo entre os seus mais diversos integrantes. É uma aliança cultural e, inclusive, espiritual e religiosa - e, nesse sentido, cosmopolítica (cf. Pimentel, 2021bPIMENTEL, Spensy K. 2021b. Teia dos Povos: afetos-encantos afro-indígenas-populares numa coalizão cosmopolítica. Tellus, ano 21, n. 46: 253-281. DOI: 10.20435/tellus. v21i46.795
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).

A soberania restituída, deve-se observar, não é apenas à comunidade visível (a olhos leigos) em um dado território. Os Encantados, Orixás, Inquices e Caboclos, amplamente distribuídos pelas comunidades da região, passam a também integrar a “assembleia” que tomará decisões em nome do coletivo, de forma destacada. Não só uma festa, um plantio, uma caça ou uma cura são decididas com a orientação desses seres. Eles também podem definir se ocorrerá ou não uma retomada de terras ou uma aliança política (no sentido tradicional), ou mesmo participar de um encontro de agroecologia ou de um seminário em uma universidade. Mais ainda, quando esses seres opinam e decidem, juntamente com a comunidade de humanos, o próprio território participa das decisões políticas, pois eles representam, muitas vezes, elementos daquilo que pessoas costumam descrever como “paisagem”, como as florestas, os rios, os montes.

Agroecologia e autonomia

Outro elemento importante para pensar a coalizão cosmopolítica proporcionada pela Teia está relacionado à forma peculiar como se compreende a agroecologia nessa rede. Vale observar que a ideia de realizar a transição agroecológica, para a Teia, não está fundamentada exclusivamente numa reflexão sobre um modelo de desenvolvimento para as comunidades, de “agregação de renda” ou algo semelhante. Na carta da 1ª Jornada de Agroecologia, em 2012, lia-se que “a agroecologia é mais que um modelo de técnicas agrícolas”, é “outra forma de desenvolvimento”:

Elencamos como problemáticas que dificultam a concretização da agroecologia: a precariedade da educação no campo e o fechamento de escolas no campo, o êxodo forçado da juventude camponesa, ausência de formação efetiva e contextualizada para os professores, a falta de equidade de gênero, submissão do Estado ao grande capital, uso de agrotóxicos, inoperância de políticas públicas que permitam o escoamento da produção agroecológica, modelo de segurança pública pautado em uma tradição escravocrata de extermínio e opressão dos nossos povos, dentre outros ( Teia dos Povos, 2012TEIA DOS POVOS. 2012. Carta da I Jornada de Agroecologia da Bahia. Arataca, 2012. Disponível em < https://povosdamata.org.br\>. Acesso em 30 ago. 2021.
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).

Assim, a agroecologia constituiu-se como elemento de uma reflexão muito mais ampla sobre a conjuntura nacional e global. A ideia de engajar-se no processo de “transição agroecológica” vai muito além de aprender um conjunto específico de técnicas, pormeiodaformaçãoadequada- dizrespeitoaumprocessodelutacoletiva que impele transformações na própria comunidade (como no caso das relações de gênero), na relação com o poder público (para cobrar uma educação adequada, por exemplo) e nas relações, também, com comunidades que, supostamente, não estariam ligadas à luta camponesa de forma mais direta.

Várias dessas orientações não são exclusivas da Teia, vale ressaltar. Se observarmos, por exemplo, a amplitude das alianças construídas hoje em torno da agroecologia a partir de redes como a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) ou a programação dos mais recentes Congressos Brasileiros de Agroecologia, veremos que várias das ideias que orientam a Teia difundem-se, hoje, de forma ampla em diversas redes. O XI CBA, em 2019, apresentou o tema: “Ecologia de saberes: ciência, cultura e arte na democratização dos sistemas alimentares”. Como se vê por sua programação, o evento se aproximava, em vários sentidos, ao que se tem visto nas Jornadas promovidas pela Teia. 14 14 CPara consultar a programação do CBA 2019 acessar o seguinte link: https://aba-agroecologia.org.br/wp-content/uploads/2019/09/Programac%CC%A7a%CC%83o_digital-XICBA1.pdf Acesso em 08 fev 2021

O que particulariza a experiência da Teia, afinal, é que ela surge a partir de territórios com uma imensa diversidade sociocultural ligada aos povos indígenas e de matriz africana. Nesse sentido, é possível observar que a discussão realizada em eventos como as jornadas parece gerar um círculo virtuoso entre os saberes advindos do movimento agroecológico - a partir de formações obtidas no diálogo entre agricultores e agrônomos ou agroecólogos - e os que são próprios de habitantes de territórios das comunidades tradicionais - indígenas, quilombolas, pescadores etc. É possível verificar, ainda, que, sobretudo em função de discussões de ordem étnico-racial, com inflexões políticas, a Teia tem realizado importantes aproximações com movimentos urbanos, sobretudo de Salvador, como o Reaja ou será morta, Reaja ou será morto, ou o Movimento Sem-Teto da Bahia (MSTB). Durante o período de pandemia de covid-19, em janeiro de 2021, a Teia dos Povos e a Brigada Ojefferson do MST realizaram um chamado público via internet convidando abertamente interessados em juntar-se a uma comunidade rural em formação, denominada “Quilombo Terra Livre”, no Baixo Sul da Bahia. Trata- se de uma iniciativa bastante recente, mas bastante representativa da disposição da Teia para associar-se com as populações urbanas. É frequente, nos debates no âmbito da Teia, a alusão à necessidade de aliança com os povos vindos da África que “ficaram sem terra, sem nada, e que hoje estão nas periferias das cidades, estão nos quilombos que restam” ( Oliveira, 2020OLIVEIRA, Joelson F. 2020a. “Movimentos sociais e conhecimento”. In: TUGNY, Rosangela; GONÇALVES, Gustavo. (org.). Universidade popular e encontro de saberes. Salvador: EDUFBA, pp. 159-174.: 23). Outros pronunciamentos recentes de lideranças ligadas à Teia têm destacado essa ideia de uma aliança entre campo e cidade, em torno de princípios associados à agroecologia. Mestre Joelson afirmou recentemente, em aula na Universidade Federal de Minas Gerais:

Não é um processo só dos camponeses que, você pode ter certeza, não têm condições de, sozinhos, enfrentar a força do agronegócio, que conta com alto financiamento dos bancos oficiais. É preciso estabelecer um diálogo com a sociedade, consciente que está nesse processo, para construir uma vida grandiosa no campo. E o povo do campo deve saber que precisa ter uma relação intrinsecamente forte com a natureza, com a preservação do meio ambiente, com a produção de água ( Oliveira, 2020OLIVEIRA, Joelson F. 2020a. “Movimentos sociais e conhecimento”. In: TUGNY, Rosangela; GONÇALVES, Gustavo. (org.). Universidade popular e encontro de saberes. Salvador: EDUFBA, pp. 159-174.: 26).

Tal associação, como discutido, não é exclusiva da Teia dos Povos, sendo uma orientação geral da Via Camponesa - interessa-nos destacar aqui, contudo, o relevo que esse chamado adquire no ideário da Teia, considerando as dimensões étnico-racial e cultural/religiosa que são destacadas, bem como uma percepção de conjuntura que leva em conta o aquecimento global e as transformações mais recentes do capitalismo internacional. A transformação pessoal e coletiva ligada à agroecologia não é vista apenas como um “nicho econômico”, é uma necessidade premente frente à realidade do colapso ambiental ora em curso no planeta. “Nós precisamos criar ambientes que sirvam de exemplo para quem ainda está vivendo nas cidades”, declarou, em uma reunião em 2017, Mestre Joelson.

Percebe-se que, no ideário da Teia dos Povos, essa aliança com os moradores das cidades se dá em pelo menos três dimensões: 1) a partir do comércio dos produtos orgânicos, numa relação que gere benefícios mútuos; 2) a partir da relação com as universidades, promovendo transformações necessárias à consecução dos projetos idealizados pela Teia, seja por meio da pesquisa, da extensão ou da titulação de alunos ligados aos movimentos do campo; 3) na promoção da consciência entre os moradores das periferias, pensadas como lugar onde vive uma maioria negra e mestiça, a fim de incentivar a migração de volta ao campo e fortalecer a luta pela defesa dos territórios negros, indígenas e camponeses.

A agroecologia foi mencionada de forma breve por Escobar ( 2014ESCOBAR, Arturo. 2014. Sentipensar con la tierra: nuevas lecturas sobre desarrollo, territorio y diferencia. Medellín: UNAULA.: 57) como potencialmente associada ao debate sobre as ontologias relacionais 15 15 Termo utilizado pelo autor em contraposição às “ontologias dualistas” coloniais/ capitalistas. As ontologias relacionais são as associadas às populações indígenas/ tradicionais e supõem que “nada pré-existe em relação às relações que o constitui” – nem humanos, nem não humanos ( Escobar, 2015:p. 93). na América Latina. Ainda assim, é incipiente a análise antropológica associada a suas potencialidades, enquanto catalisadora de coalizões cosmopolíticas - tão necessárias ao momento atual de enfrentamento do Antropoceno ( De La Cadena e Blaser, 2018DE LA CADENA, Marisol; BLASER, Mario (eds.). 2018. A world of many worlds. Duke University Press: Durham/London.; Marras, 2018MARRAS, Stélio. 2018. Por uma antropologia do entre: reflexões sobre um novo e urgente descentramento do humano. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, vol. 69: 250-66. DOI: 10.11606/issn.2316-901X.v0i69p250-266
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).

Conclusões

Ao propor a análise da Teia dos Povos como “coalizão cosmopolítica”, oferecemos dados para um campo emergente no âmbito da Antropologia ( Beck, 2008BECK, Ulrich. 2008. Reframing power in the globalized world. Organization Studies, vol. 29, n. 5. DOI: 10.1177/0170840608090096.
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; Marras, 2018MARRAS, Stélio. 2018. Por uma antropologia do entre: reflexões sobre um novo e urgente descentramento do humano. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, vol. 69: 250-66. DOI: 10.11606/issn.2316-901X.v0i69p250-266
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). Mesmo a literatura oriunda de pesquisadores orgânicos dos movimentos da Via Campesina (cf. Rosset e Barbosa, 2021ROSSET, Peter M., BARBOSA, Lia P. 2021. Autonomía y los movimientos sociales del campo en América Latina: un debate urgente. Aposta. Revista de Ciencias Sociales, n. 89: 8-31.) costuma traçar um quadro em que a autonomia, como categoria oriunda do debate político europeu, encontra-se com os pensamentos indígenas sobre as “autonomias” como se se tratasse de dois campos distintos de elaboração. Pretendi demonstrar que, na prática, em ambientes de coalizão como a Teia dos Povos, tem havido uma ampla interconexão cosmopolítica que vem gerando diversas transformações e mútuos devires, seja entre movimentos camponeses, indígenas, quilombolas, de pescadores ou mesmo movimentos urbanos.

Uma das noções chave para a criação dessas conexões é a agroecologia, que atua como uma espécie de “conector cosmopolítico” entre as mais variadas comunidades. Na região sul da Bahia, a agroecologia, no âmbito da Teia dos Povos, tem se mostrado peça fundamental para a criação de diversos projetos. Em torno da agroecologia fortalecem-se as demandas pelo reconhecimento dos conhecimentos tradicionais e pela transformação das escolas e das universidades na região (cf. Oliveira, 2020OLIVEIRA, Joelson F. 2020a. “Movimentos sociais e conhecimento”. In: TUGNY, Rosangela; GONÇALVES, Gustavo. (org.). Universidade popular e encontro de saberes. Salvador: EDUFBA, pp. 159-174.). É também a agroescologia que aparece como chave nas discussões para a obtenção da chamada “soberania alimentar”, tema caro aos movimentos camponeses. Nesse sentido, agroecologia e autonomia - pensada como autossuficiência - tornam-se temas inseparáveis:

Pois, se queremos alimentar nosso povo, nossos ancestrais e quem vem depois de nós, nossos filhos e filhas, nossos netos e netas, precisaremos sempre contar com a generosidade da terra. Reafirmamos, portanto, que todo território ou núcleo de base deve começar a sua transição agroecológica, se afastando dos venenos, da destruição da cobertura vegetal, da degradação dos solos. Uma verdadeira soberania alimentar só se dá numa terra saudável ( Ferreira e Felício, 2021FERREIRA, Joelson; FELÍCIO, Erahsto. 2021. Por terra e território - caminhos da revolução dos povos no Brasil. Arataca, Teia dos Povos.: 62).

Essa relação entre o que se denominava “autoconsumo” e a autonomia já havia surgido nos debates latino-americanos (cf. Ouviña, 2011OUVIÑA, Hernán. 2011. “Especificidades y desafíos de la autonomía urbana desde una perspectiva prefigurativa”. ADAMOVSKY, Ezequiel; ALBERTANI, Claudio; ARDITI, Benjamin; CECEÑA, Ana Esther; GUTIÉRREZ, Raquel; HOLLOWAY, John; BÁRCENAS, Francisco López; RIVAS, Gilberto López; MODONESI, Massimo; OUVIÑA, Hernán; REY, Mabel Thwaites; TISCHLER, Sergio; ZIBECHI, Raúl. 2011. Pensar las autonomias - alternativas de emancipación al capital y al Estado. México DF: Bajo Tierra/Sísifo, pp. 255-280.: 258). No âmbito da Teia, observa-se uma espécie de amadurecimento dessa reflexão, acoplando-a à discussão sobre a necessidade de uma transição agroecológica.

Giraldo ( 2018GIRALDO, Omar Felipe. 2018. Ecología política de la agricultura. Agroecología y posdesarrollo. San Cristóbal de Las Casas: El Colegio de la Frontera Sur.) sublinhou recentemente as relações entre agroecologia, soberania alimentar e autonomia, em sua crítica ao chamado “agroextrativismo” 16 16 O termo não tem o sentido com que é usado em português, tradicionalmente – referindo-se ao extrativismo vegetal de produtos como látex ou castanhas. Na obra de Giraldo, sublinha a analogia entre o extrativismo, especialmente o mineral – que define todo um modelo econômico implantado pelos projetos coloniais na América Latina – e a agricultura capitalista contemporânea, um modelo extremamente destrutivo cujo surgimento, a partir da chamada Revolução Verde, marca também o início do chamado Antropoceno, para alguns analistas ( Giraldo, 2018: 127). na América Latina. Em seu livro, o autor demonstra ser possível traçar uma história latino-americana da criação de projetos de apoio à agroecologia que se confunde de forma impressionante com a história das autonomias no continente - passando por Guatemala, México, Nicarágua e Cuba, entre outros locais, desde os anos 1970. Ainda que conte com menor visibilidade em relação a outras iniciativas zapatistas, em Chiapas, segundo ele, é possível destacar a existência de uma “rede de promotores agroecológicos”, aplicando a conhecida metodologia “Campesino a Campesino” ( Giraldo, 2018GIRALDO, Omar Felipe. 2018. Ecología política de la agricultura. Agroecología y posdesarrollo. San Cristóbal de Las Casas: El Colegio de la Frontera Sur.: 135).

Há mais de dez anos, quando surgiu a Teia dos Povos, já aparecia, na formulação de autores com vinculação histórica aos movimentos camponeses latino-americanos, a ideia de que a agroecologia representa uma “revolução” no continente:

Si bien en la región continúan aumentando las agroexportaciones y el uso de biocombustibles con sus consecuencias en el calentamiento global, los conceptos de soberanía alimentaria y rural surgidos de la perspectiva agroecológica están captando cada vez más la atención (Altieri e Toledo, 2011: 163).

A politização - ou a cosmopolitização, como descrita aqui - da agroecologia e sua conexão com o pensamento negro e indígena latino-americano sobre a autodeterminação e a autonomia constitui um desdobramento significativo dessas reflexões. A Teia dos Povos, como apontado, representa um exemplo bastante atual do potencial aberto por essas discussões.

Por outro lado, também os limites percebidos pela Teia, no ambiente político em que ela se desenvolveu nos últimos anos, indicam os desafios que conectam a tríade autonomia/agroecologia/território. Atreladas aos múltiplos interesses do capital, as elites locais, mesmo quando associadas a um governo dito “progressista”, não demonstram, muitas vezes, o interesse em apoiar processos que favoreçam de forma mais efetiva a autonomia nos territórios sem que essa aliança fuja a padrões clássicos do clientelismo - o famoso “toma-lá-dá-cá”.

São frequentes as denúncias e queixas, no âmbito da Teia, a respeito do envolvimento de atores ligados ao governo estadual - sejam do PT ou de sua base de apoio - com o favorecimento a iniciativas econômicas que afrontam as comunidades. É possível enumerar algumas dessas denúncias aqui, apresentadas ao longo dos anos nos vários eventos da Teia: projetos legislativos em prol da extinção da reserva extrativista de Canavieiras; impactos da expansão dos projetos de mineração na área de influência da Ferrovia da Integração Oeste-Leste (Fiol) - a qual convergirá para o novo Porto Sul, em Ilhéus, atualmente em construção, e resultado de parceria entre uma multinacional e o governo do estado; concessão de licenças ambientais por parte do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema) a projetos que implicam esbulho de parte de seus territórios para as comunidades tradicionais ou aproveitamento abusivo de recursos hídricos; favorecimento de diversos atores políticos a grandes empreendimentos turísticos, muitas vezes associados à grilagem de terras e expulsão das comunidades locais (cf. AATR, 2017ASSOCIAÇÃO DE ADVOGADOS DE TRABALHADORES RURAIS (AATR). 2017. No rastro da grilagem. vol. 1, n. 1.); defesa pública da Polícia Militar da Bahia, mesmo em ocasiões em que houve evidentes abusos, como no caso da Chacina do Cabula, que deixou 12 mortos em 2015.

Esse ambiente político retroalimenta a reflexão, nas comunidades, a respeito da necessidade de desenvolver estratégias autonômicas, em múltiplos aspectos. Ao mesmo tempo, contudo, no adverso cenário brasileiro atual, o desafio parece ser o de determinar metas e prioridades viáveis. Em outras regiões da América Latina, a relação entre os ideais projetados para uma “autonomia” e o sistema político partidário e estatal varia significativamente - desde o modelo nicaraguense, em que as comunidades indígenas da região autônoma da Costa Atlântica são reconhecidas há quase 35 anos como “parte indissolúvel do Estado indivisível da Nicarágua” ( Nicarágua, 1987NICARÁGUA. Lei n. 28 de 2 de septiembre 1987 - Estatuto de la Autonomía de las Regiones de la Costa Atlántica de Nicaragua. Disponível em: https://cpisp.org.br/lei-no-28-de-1987/ Acesso em: 20 set. 2021.
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até o caso chiapaneco, em que o Exército Zapatista de Liberación Nacional ( EZLNEZLN. 2005. “Sexta Declaración de la Selva Lacandona”. Enlace Zapatista, jun 2005. Disponível em: http://enlacezapatista.ezln.org.mx/sdsl-es/ Acesso em: 20 set. 2021.
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), propondo os conhecidos Acordos de San Andrés, que terminaram por não ser homologados pelo Congresso do país, em 2001, passou a estabelecer uma autonomia “unilateral”, criando “municípios autônomos rebeldes” (EZLN, 2006). Os neozapatistas, por sinal, têm cultivado tamanha aversão ao chamado “mau governo” que rejeitam enfaticamente até mesmo programas sociais de transferência de renda do governo mexicano: “As esmolas, têm que oferecê-las em outro lugar” ( EZLN, 2013EZLN. 2013. “Para: Alí Babá y sus 40 ladrones (gobernadores, jefe de gobierno y lamesuelas)”. Enlace Zapatista, 22 jan. 2013. Disponível em: http://enlacezapatista.ezln.org.mx/2013/01/22/para-ali-baba-y-sus-40-ladrones-gobernadores-jefe-de-gobierno-ylame-suelas/ Acesso em: 20 set. 2021.
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).

No caso das comunidades que, de alguma forma, participam da Teia dos Povos, podemos perceber que a redução da dependência em relação aos governos é um ideal comum, mas, na prática, as comunidades cultivam estratégias com ampla variabilidade. As formas de organização política comunitária não costumam ser objeto de debates mais detalhados na Teia, sendo consideradas assunto interno dos povos ou movimentos. Sabe-se, contudo, que movimentos como o MST cultivam há décadas modelos de autogoverno e autogestão, e que os povos indígenas e outras comunidades tradicionais da região têm formas tradicionais de discussão e decisão política (Jesus, 2021; Pimentel, Pataxó e Souza, 2020). Por outro lado, tais comunidades utilizam normal e amplamente serviços públicos em áreas tão variadas como saúde, educação e previdência.

Na prática, a discussão autonômica se dá, sobretudo, em torno da produção agroecológica, como se viu acima, e, de forma correlata, abrange o tema da descolonização do sistema escolar, buscando a ênfase na transmissão de saberes tradicionais ( Pimentel e Menezes, 2022PIMENTEL, Spensy K.; MENEZES, Paulo D. R. 2022. A Teia dos Povos e a universidade: agroecologia, saberes tradicionais insurgentes e descolonização epistêmica. Ambiente e Sociedade, vol. 25: 1-18. DOI: 10.1590/1809-4422asoc20200094r1vu2022L1AO
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). Há, na rede da Teia, comunidades com escolas autônomas, como Caxuté e Casa dos Bonecos; há, ainda, escolas públicas com um grau de controle da comunidade considerado satisfatório, como na Serra do Padeiro ( Pavelic, 2019PAVELIC, Nathalie. 2019. Aprender e ensinar com os outros: a educação como meio de abertura e de defesa na Aldeia Tupinambá de Serra do Padeiro. Salvador, tese de doutorado, Universidade Federal do Sul da Bahia (UFBA).); finalmente, um número considerável de comunidades padece com problemas relacionados à instabilidade do corpo docente e dos projetos pedagógicos em suas escolas, aliada à arbitrariedade das decisões relacionadas à administração escolar e a falta de condições materiais nas instituições, num sentido amplo - isso, para citar apenas algumas das reclamações mais comuns que podemos encontrar nos depoimentos durante eventos da Teia.

Assim, embora, por vezes, as comunidades optem por estratégias que incluem a demanda por recursos públicos para determinadas áreas, buscam, com as referidas discussões sobre as estratégias autonômicas, manter um horizonte de defesa firme da autodeterminação dos povos. Em uma região em que as comunidades têm vários séculos de experiências de contato acumuladas, a perspectiva vigente no âmbito da Teia, é, portanto, de manutenção de permanente vigilância anticolonial - considerando a realidade de “colonialismo interno” ( López Bárcenas, 2007LÓPEZBÁRCENAS, Alfredo. 2007. Autonomias Indígenas en América Latina. Oaxaca/México, Coapi/MC.) e também as permanentes iniciativas de criação de projetos financiados por agentes estrangeiros - sejam na área do turismo ou, mais recentemente, da mineração. 17 17SS Mencionamos aqui o autor indígena oaxaqueño López Bárcenas porque tem utilizado o conceito de colonialismo interno no âmbito dos debates sobre as autonomias indígenas latino-americanas. Para um estudo sobre a origem da utilização do termo, entre intelectuais afroamericanos e mexicanos, ver Iborra-Mallent e Montañez-Pico ( 2020). É, por fim, nesse sentido, que se articulam decisivamente as ideias de agroecologia, soberania e autonomia, em uma estratégia cosmopolítica em franca ascensão não só no Sul da Bahia, mas, como se viu, com significativos ecos em outras regiões do país e da América Latina.

Referências bibliográficas

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  • Financiamento:

    Esta pesquisa, de longa duração, teve, ao longo de seu curso, apoios pontuais da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), por meio de bolsas de iniciação científica.
  • 1
    Com menor intensidade, a rede também realizou articulações com grupos no Distrito Federal, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná, entre outros estados, para diferentes finalidades (visitas mútuas, participação em formações, cooperação técnica etc.)
  • 2
    Tal chamado concretizouse, por exemplo, com a participação de representantes da Teia dos Povos no Conselho Estratégico-Social (CES) da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), os quais, ao longo dos anos, apresentaram uma série de propostas para parceria com a instituição (cf. Menezes e Goes, 2020MENEZES, Paulo Dimas Rocha de; GÓES, Eva D. A. 2020. “Universidade pública e integração social”. In: TUGNY, Rosangela; GONÇALVES, Gustavo. (org.). Universidade popular e encontro de saberes. Salvador: EDUFBA, pp. 175-220.).
  • 3
    Para uma etnografia de um movimento baseado em assembleias comunitárias multilocais em diálogo com essas sugestões latourianas, ver Pimentel ( 2012aPIMENTEL, Spensy K. 2012b. Cosmopolítica kaiowa e guarani: uma crítica ameríndia ao agronegócio. R@u - Revista de Antropologia da UFSCar, vol. 4, n. 2: 134-150. DOI: https://doi.org/10.52426/rau.v4i2.81
    https://doi.org/10.52426/rau.v4i2.81...
    ).
  • 4
    Sobre a história do Terra Vista, há um trabalho produzido por uma das coordenadoras da Teia ( Santos, 2016SANTOS, Solange B. 2016. História do assentamento Terra Vista. Ilhéus, Trabalho de conclusão de curso, Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).). O sistema cabruca consiste, classicamente, no plantio de cacau sombreado em meio às árvores maiores da Mata Atlântica ( Piasentin, 2011PIASENTIN, Flora B. 2011. O sistema cabruca no sudeste da Bahia: perspectivas de sustentabilidade. Brasília, tese de doutorado, Universidade de Brasília.). Frente às dificuldades trazidas pelo fungo vassourade- bruxa, desde os anos 80, foram introduzidas inovações tecnológicas como o cacau clonado. O cacau agroecológico, por sua vez, é apresentado como uma alternativa ao tradicional emprego massivo de agroquímicos que, segundo a hipótese do movimento agroecológico, fragiliza o sistema produtivo, além de deixá-lo insustentável. Importante observar que o cacau cabruca é um sistema “tradicional” na região, porém mais associado à agricultura “comercial”, como descreve Guimarães (2017). Nas comunidades tradicionais do Baixo Sul, por exemplo, predominam o que o autor entende como “agroflorestas de quase tudo”, em que o cacau tem papel secundário.
  • 5
    Vide, por exemplo, este documento de 2012, resultante de ampla reunião convocada pela Via Campesina, o I Encontro Global sobre Agroecologia e Sementes Camponesas, em Surin (Tailândia): https://viacampesina.org/en/index.php/mainissues-mainmenu-27/sustainable-peasantsagriculture-mainmenu-42/1334-surin-declarationfirst-global-encounter-onagroecology-and-peasantseeds . Acesso em 03 fev. 2021.
  • 6
    Inspiração declarada para as Jornadas de Agroecologia da Bahia, segundo os integrantes mais antigos da Teia. As Jornadas do Paraná chegaram a sua 18ª edição em 2019. Para mais: https://jornadadeagroecologia.org.br/ Acesso em 14 maio 2021.
  • 7
  • 8
    Essa crítica é ampla e tem muitas fontes. A título de exemplo, vide as reflexões de Druck sobre a Central Única dos Trabalhadores (2006) e, sobre o MST, Boito (2012) e Hilsenbeck Filho ( 2013HILSENBECK FILHO, Alexander M. 2013. O MST no fio da navalha- dilemas, desafios e potencialidades da luta de classes. Campinas, tese de doutorado, Universidade de Campinas (Unicamp).).
  • 9
    Importante observar que a crítica geral dos ativistas participantes da Teia à política partidária não impede que alguns deles entendam ser necessário dar atenção a ela, em nível local. Diversas candidaturas têm surgido a partir da Teia, e há pelo menos um vereador e um vice-prefeito eleitos que têm ligação com a rede. Não há unanimidade sobre o tema – e nem se espera que haja, pois, a proposta geral da rede é localizar pontos de convergência e focar neles, não nas divergências.
  • 10
    Embora seja possível detectar essa predominância, ainda aconteceram algumas novas retomadas (por exemplo, no entorno de Coroa Vermelha e de Mata Medonha, além de movimentos na região de Barra Velha, ocupando parte das terras identificadas no relatório de 2008). Para uma análise contemporânea da política entre os Pataxó, a partir da visão de uma importante liderança indígena na região, ver Jesus ( 2020JESUS, Jerry Adriane S. 2020. Formas de exercício de poder: narrativas e alteridades nos processos de organização comunitária na aldeia pataxó Barra Velha. Salvador, dissertação de mestrado, Universidade Federal da Bahia.).
  • 11
    A Reserva Caramuru- Paraguassu foi quase completamente loteada para não indígenas por autoridades ligadas ao governo da Bahia ao longo do século XX e recuperada a partir da organização dos indígenas da área em “retomadas”, entre os anos 70 e 80 (ver Souza, 2017SOUZA, Jurema M. A. 2017. Remoções, dispersões e reconfigurações étnico-territoriais entre os Pataxó Hãhãhãi. Mediações, vol. 22, n. 2: 99-124. DOI 10.5433/2176-6665.2017v22n2p99
    https://doi.org/10.5433/2176-6665.2017v2...
    ).
  • 12
    Destaco aqui a obra de Bogo ( 2003BOGO, Ademar. 2003. Arquitetos de sonhos. São Paulo: Expressão Popular.), autor historicamente ligado ao MST e atualmente residente no sul da Bahia, sendo importante referência para a Teia e presença frequente nos eventos da coalizão.
  • 13
    Como já observado por Goldman ( 2015GOLDMAN, Marcio. 2015. Quinhentos anos de contato: por uma teoria etnográfica da (contra) mestiçagem. Mana - Estudos de Antropologia Social, vol. 21, n. 3: 641-659. DOI: 10.1590/0104-93132015v21n3p641
    https://doi.org/10.1590/0104-93132015v21...
    ), essa reflexão sobre o “encontro afroindígena” pode ser pensada com uma teoria própria do Sul da Bahia, sendo constantemente evocada por movimentos culturais e sociais da região.
  • 14
    CPara consultar a programação do CBA 2019 acessar o seguinte link: https://aba-agroecologia.org.br/wp-content/uploads/2019/09/Programac%CC%A7a%CC%83o_digital-XICBA1.pdf Acesso em 08 fev 2021
  • 15
    Termo utilizado pelo autor em contraposição às “ontologias dualistas” coloniais/ capitalistas. As ontologias relacionais são as associadas às populações indígenas/ tradicionais e supõem que “nada pré-existe em relação às relações que o constitui” – nem humanos, nem não humanos ( Escobar, 2015ESCOBAR, Arturo. 2015. “Territórios de diferencia: la ontologia política de los “derechos al território”. Desenvolvimento & Meio Ambiente 35. DOI: 10.5380/dma.v35i0.43540
    https://doi.org/10.20396/tematicas.v27i5...
    :p. 93).
  • 16
    O termo não tem o sentido com que é usado em português, tradicionalmente – referindo-se ao extrativismo vegetal de produtos como látex ou castanhas. Na obra de Giraldo, sublinha a analogia entre o extrativismo, especialmente o mineral – que define todo um modelo econômico implantado pelos projetos coloniais na América Latina – e a agricultura capitalista contemporânea, um modelo extremamente destrutivo cujo surgimento, a partir da chamada Revolução Verde, marca também o início do chamado Antropoceno, para alguns analistas ( Giraldo, 2018GIRALDO, Omar Felipe. 2018. Ecología política de la agricultura. Agroecología y posdesarrollo. San Cristóbal de Las Casas: El Colegio de la Frontera Sur.: 127).
  • 17SS

    Mencionamos aqui o autor indígena oaxaqueño López Bárcenas porque tem utilizado o conceito de colonialismo interno no âmbito dos debates sobre as autonomias indígenas latino-americanas. Para um estudo sobre a origem da utilização do termo, entre intelectuais afroamericanos e mexicanos, ver Iborra-Mallent e Montañez-Pico ( 2020IBORRA-MALLENT, Juan V.; MONTAÑEZ-PICO, Daniel. 2020. Los orígenes del ideal del ‘colonialismo interno’ en el pensamiento crítico del comunista afroamericano Harry Haywood: crónica de una conversación con Gwendolyn Midlo Hall. Tabula Rasa, vol. 35: 89-114. DOI: 10.25058/20112742.n35.04
    10.25058/20112742.n35.04...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2022
  • Aceito
    03 Maio 2023
Universidade de São Paulo - USP Departamento de Antropologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Prédio de Filosofia e Ciências Sociais - Sala 1062. Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária. , Cep: 05508-900, São Paulo - SP / Brasil, Tel:+ 55 (11) 3091-3718 - São Paulo - SP - Brazil
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