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Redes, mediadoras e domínios de cuidados na epidemia da síndrome congênita do Zika

Networks, mediators and care domains during the zika congenital syndrome epidemic

RESUMO

Com base de uma pesquisa etnográfica junto a mães, prestadores e gestores de serviços assistenciais de saúde e equipes pesquisa na epidemia do Zika no Brasil a partir de 2015, este trabalho apresenta a atuação de oito mulheres na mediação e formação de redes em diferentes domínios de cuidado que cruzam o ambiente emergencial. Discute o conceito de mediação como multifacetado, polissêmico e transitório ocorrendo no “saber correr atrás” (de benefícios) de atores na conexão entre domínios familiares de cuidado que se organizam por uma moral de relacionalidade cotidiana, do domínio de serviços de atendimento e gestão com uma moral de preservação do sistema de atendimento, e do domínio de pesquisadores com uma moral de conhecimento. Argumenta que a prática de mediação usa e preserva as redes no domínio do mediador, mostrando a sua conexão complementar a outro domínio através de ações especificas, expressando emoções em diferentes intensidades que contribuem à confiabilidade mutua e consecução de serviços. Exemplifica a atuação de quatro mediadoras dos serviços de atendimento e de gestão, duas de equipes de pesquisa, e duas de associações que representam as famílias. Termina realçando a importância do tempo emergencial na criação de mediação mais intensa enquanto a transitoriedade do evento da epidemia desfavorece continuidades.

PALAVRAS-CHAVE:
Zika; epidemia; mediação; domínios de cuidado; transitoriedade

ABSTRACT

On the basis of ethnographic research with mothers, managerial and health care services and research teams during the Zika epidemic in Brazil since 2015, mediation activities of eight women in different care domains operating during the emergency situation are presented. The article discusses the concept of mediation as multifaceted, polysemic, and transitory, shown in cases of actors who “know how to go after” benefits in connections between family domains of care that are organized by a morality of everyday relationalities, managerial and professional care service domains by a morality of preservation of the service system network, and research domain, by a morality of knowledge. The practice of mediation is seen as preserving the social networks of mediators, who make complementary connections with other domains by way of specific acts, expressing emotions of different intensities which contribute to mutual confidence and the obtention of services. Examples are drawn for four mediators from the managerial and health service care, two from research teams, and two from associations that represent the families. Final considerations emphasize the importance of the time of emergency for the creation of more intense mediation, while the transient nature of the epidemic as an event is unfavorable for continuity.

KEYWORDS:
Zika; epidemic; mediation; care domains; transience

INTRODUÇÃO

Durante a Epidemia do Zika no Brasil, de 2015 a 2016, houve um acionamento intenso de uma rede interconectada de mães com filhos acometidos pela Síndrome Congênita do Zika (SCZ), profissionais de saúde e pesquisadores. Como doença desconhecida com graves consequências para recém-nascidos, a SCZ favorecia que todos na rede compartilhassem espaços intersectados na busca de entender a doença em si, responder com um tratamento eficaz e cuidar dos acometidos num ambiente emergencial altamente visível e repleto de interrogações para todos. Entre os interesses da equipe de pesquisa Etnografando cuidados estava contribuir para um diálogo entre as mães e os profissionais de atendimento, gestores e pesquisadores e associações nessa rede. Este trabalho descreve algumas especificidades importantes para entender a rede composta em torno da doença no contexto da epidemia e explora como as ideias de mediação e de cuidados são proveitosas para compreender interações na malha multifacetada de domínios de ação de diferentes agentes na mesma.

Depois de descrever as especificidades das condições temporais de epidemias, o artigo identifica as particularidades da epidemia da Síndrome Congénita do Zika e descreve as fontes de dados da equipe de pesquisa. Em seguida, apresenta as implicações da escolha de redes, de mediação e de domínios de cuidado para organizar a descrição da interação entre os diversos agentes durante a epidemia. A parte mais etnográfica do trabalho foca mais direta e detalhadamente em oito mulheres cuja atuação a partir dos realces principais dos seus domínios de cuidado - relacionais, de atendimento, de conhecimento - envolvem práticas de mediação entre mães e políticas públicas no contexto da epidemia. O artigo encerra com considerações sobre as particularidades observadas da epidemia e da relação entre mediação e domínios de cuidados e as relações Estado-cidadão.

AS PARTICULARIDADES DA REDE DA EPIDEMIA DA SÍNDROME CONGÊNITA DO ZIKA E A PESQUISA

Um dos objetivos da pesquisa Etnografando Cuidados, desenvolvida desde 2015, é buscar promover interlocução entre mães e serviços e mães e pesquisadores, fundamentada na ideia de que mais diálogo pode criar maior sensibilidade entre diferentes domínios de cuidado, promovendo respostas que, mesmo em meio a tensões e desentendimentos, resultam mutuamente benéficos para todos na condição da epidemia. Antes de apresentar o uso de mediação e de cuidados para facilitar a compreensão desta interação complexa, é preciso contextualizar as especificidades da Epidemia SCZ e a atuação da equipe de pesquisa.

Qualquer epidemia cria um efeito temporal de emergência que acelera a intercomunicação entre atores na busca de soluções rápidas para problemas criados pela sua existência. Redes de interação anteriormente montadas para tratar saúde são acionadas, rearticuladas e transformadas com novas conexões. O ambiente se torna mais intenso e as emoções afloram e são expressas como motivadoras de dedicações extraordinárias à descoberta mútua, e em constante avaliação, de maneiras melhores de cuidar da saúde, de conhecer a doença, de fornecer tratamento e de acolher pessoas necessitadas de cuidados. Muitas informações e ações são compartilhadas na provisoriedade, sendo elas parciais, tentativas, transitórias, truncadas, inovadoras, desbravadoras etc. Em quase todos os casos, essa provisoriedade visa a se projetar como caminho de cuidar melhor da resposta não somente imediata à epidemia, mas também como informação a permitir práticas pós-epidêmicas que evitem a sua volta.

Enquanto mais visível local, nacional e internacionalmente e potencialmente replicável em maior escala a doença, mais recursos para apoio às respostas se avolumam em função da ameaça da sua disseminação. Quando a epidemia passa, há um retorno a uma nova rotina, tomando em conta modificações nas interações e nas práticas que possam e que não possam perdurar. Há características muito específicas da epidemia do SCZ: desconhecida, internacionalmente visível, infantil, nordestina e feminina. Primeiro está o aguçado sentido de desconhecimento da doença. Não é uma epidemia de características identificáveis que brota novamente. É inusitada. Segundo: muito rapidamente chamou a atenção. Medidas de desenvolvimento humano historicamente incluem mortalidade infantil e esta doença se manifestava em bebês exclusivamente, gerando grande preocupação sobre a atenção à reprodução humana e o desenvolvimento social, das nações periféricas e potencialmente das centrais. A declaração de emergência de saúde de importância nacional ocorreu em dezembro de 2015, poucos meses depois da primeira suspeita aparecer. Menos de três meses adiante, tornou-se de importância internacional. Um edital desenhado nacionalmente, e publicado em 2016, articulou 71 pesquisas de abordagens variadas para “combater a Zika”. E vinham multiplicando ainda mais a quantidade de equipes de pesquisa e atores das mais diversas especialidades nas redes de tratamento incentivados com um incremento grande de fontes internacionais e nacionais de financiamento, muitos sendo articulados na Rede Nacional do Zika, criada em 2016. Terceiro: houve um realce ao Nordeste brasileiro, já que a distribuição regional dos casos acompanhou condições ambientais diferenciadas à presença do mosquito vetor, e a própria identificação da patologia ocorreu em 2015 nessa região. Por fim: a síndrome se apresentou primeiro como verticalmente transmitida (de mãe que teve Zika para o filho uterino) no nascimento de um número inusitado de bebês com microcefalia. Com o acompanhamento, percebeu-se uma quantidade de outros sintomas severamente restritivos ao desenvolvimento infantil (Albuquerque et al., 2017). Toda atuação é marcadamente entre mulheres cuidadoras por maternidade e por profissão, pois, além de focar nas mães com bebês acometidos, nas redes de atendimento à saúde materno-infantil, os profissionais são predominantemente femininos: pediatras, neuropediatras, obstetras e infectologistas. Há homens nessas especialidades. E, entre as mães, a minoria dá qualquer destaque à presença dos seus companheiros. Nem mesmo a descoberta de que também havia transmissão vertical masculina através da relação sexual com a mãe, tirou o foco das mulheres.

Na pesquisa Etnografando cuidados,1 1 “Etnografando Cuidados e Pensando Políticas de Saúde e Gestão de Serviços para Mulheres e Seus Filhos com Distúrbios Neurológicos Relacionados com Zika em Pernambuco, Brasil” do FAGES da UFPE com apoio de CAPES (8888.130742/2016-01), CNPq (440411/2016-5) e DECIT-MS e “Action Ethnography on Care, Disability and Health Policy and Administration of Public Service for Women and Caretakers of Zika virus affected Children in Pernambuco, Brazil,- FACEPE/ Newton Fund (APQ 0553-7.03/16). Os pesquisadores são Parry Scott, Marion Teodósio de Quadros, Ana Claudia Rodrigues da Silva, Luciana Campêlo de Lira, Silvana Sobreira Matos e Fernanda Meira de Souza. uma equipe de seis pesquisadores principais e uma dúzia de bolsistas acompanhou mães, serviços, e pesquisadores por quatro anos (2016 a 2021). A pesquisa inclui participação na vida cotidiana, com ênfase nos itinerários terapêuticos, entrevistas gravadas, elaboração de vídeos-narrativas de autoria das mães, e pesquisa documental com os grupos envolvidos. A pesquisa foi a única pesquisa antropológica entre as 71 aprovadas no edital nacional de 2016. A equipe envolvida dividiu sua atenção entre: 1) “As experiências de mulheres com filhos com a Síndrome Congénita de Zika (SCZ) e as suas articulações e desarticulações com o Estado”; e, 2) “A economia política de prevenção e resposta e as dinâmicas ao nível do Estado”. Tal organização tinha por princípio entender que para promover um diálogo entre cidadão e Estado haveria de estar por dentro das diferentes perspectivas de ação de cuidados que ocorriam a partir dos dois.

As observações, dados e narrativas apresentados neste trabalho resultam da consulta à convergência de todas as atividades de todos os pesquisadores da equipe, abrangendo 112 entrevistas transcritas, registros nos diários de pesquisa e produções visuais, compêndio de documentos e reportagens, e dezenas de publicações escritas (dissertações, teses, apresentações em anais, artigos, capítulos, livros e vídeos), sempre focando nos que se referem às agentes escolhidas para aprofundamento neste trabalho. Referimos às fontes específicas quando adequado. Mesmo tendo recebido permissão via Termos de Consentimento Livre e Esclarecido e documentos declaratórios da aceitação de identificar as pessoas entrevistadas, optamos por usar pseudônimos que protegem as suas identidades. O uso de substantivos femininos (como “as mediadoras”) realça a predominância feminina e a especificidade do grupo que escolhemos. Os substantivos masculinos coletivos tiveram a inclusão de “(as)” no final para marcar a composição mista da categoria quando não limitamos atenção apenas às mulheres.

As experiências de famílias com mulheres que pariram e/ou cuidam de um filho com a SCZ abrem um mundo de atenção redobrada às dimensões sociais das práticas reprodutivas e da oferta de cuidado no contexto de deficiência e incapacitação (Scott; Lira; Matos, 2020aSCOTT, R. Parry; LIRA, Luciana; MATOS, Silvana (orgs.). 2020. Práticas sociais no epicentro da epidemia do Zika. Recife: EDUFPE - Ebook.; Scott; Lira, 2020SCOTT, R. Parry; LIRA, Luciana. 2020. A gestão do tempo no tempo da emergência: o cotidiano das mães e crianças afetadas pela Síndrome Congênita do Zika. Ayé: Revista de Antropologia, vol.1, n. 1: 14 - 29.; Diniz, 2007DINIZ, Débora. 2007. O que é deficiência? São Paulo: Brasiliense.; 2016DINIZ, Debora. 2016. Zika: Do Sertão nordestino à ameaça global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.). As consequências do Zika vírus levam as pessoas afetadas e as redes de cuidadores à procura de serviços, exigindo a compreensão de doenças de sintomatologias diversas, cuidados constantes e de longa duração. As demandas extrapolam atendimento imediato, chegando a exigir também muita atenção a políticas contemplando direitos específicos das pessoas afetadas (Diniz, 2007DINIZ, Débora. 2007. O que é deficiência? São Paulo: Brasiliense.). Na prática de elaborar itinerários terapêuticos e buscar cuidados e acolhimento (Alves, 2015ALVES, Paulo César. 2015. Itinerário terapêutico e os nexus de significados da doença. Política e Trabalho, n. 42: 29-43.; Ayres, 2009AYRES, José Ricardo C. M. 2009. Cuidado: trabalho e interação nas práticas de saúde. Rio de Janeiro: CEPESC - IMS/UERJ - ABRASCO.; Scott, 2021SCOTT, R. Parry, 2021a. Cuidados, mobilidade e poder num contexto de epidemia: relações familiares e espaços de negociação”. Mana - Estudos de Antropologia Social, vol. 26, n. 3: 1-34. DOI 10.1590/1678-49442020v26n3a207
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; Scott; Quadros, 2008SCOTT, R. Parry; QUADROS, Marion Teodósio de. (Org.). 2008. A Diversidade no Ibura: gênero, geração e saúde num bairro popular do Recife. Recife: Editora Universitária.; Scott et. al., 2018SCOTT, R. Parry; LIRA, Luciana Campêlo de; MATOS, Silvana Sobreira de; SOUZA, Fernanda Maria; SILVA, Ana Claudia; QUADROS, Marion Teodósio de. 2018. Itinerários terapêuticos, cuidados e atendimento na construção de ideias sobre maternidade infância no contexto da Zika. Interface (Botucatu), vol. 22, n. 66: 673-84. DOI: 10.1590/1807-57622017.0425
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) se fabricam emoções expressas por mães decorrentes da vida cotidiana e da busca por meios de vida. Tais emoções aparecem com diferentes intensidades e significados, entre quem trabalham nas práticas profissionais de atendimento e na pesquisa. Assim, além do conteúdo descritivo das práticas quando relevante, enfatizamos intensidades e emoções.

A mediação ocorre nos encontros entre famílias e Estado, incluindo experiências de prevenção e controle de vetores; de busca por saúde, e de tentativas de acessar serviços de apoio social, transporte, educação e previdência. Todas as interações ocorrem em um ambiente marcado pela primazia de estratégias reprodutivas e de cuidados de mães que descobriram a presença da SCZ durante ou depois da gravidez. Este fator favorece a presença de profissionais mulheres relacionadas com a gestão da maternidade e a dedicação a cuidados (Corrêa, 1999CORRÊA, Sônia.1999. “’Saúde reprodutiva’, gênero e sexualidade: Legitimação e novas interrogações”. In: GIFFIN, Karen; COSTA, Sarah Hawker. (Org.). Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, pp. 39-49.; Ávila, 2003ÁVILA, Maria Bethânia. 2003. Direitos Sexuais e Reprodutivos: desafios para as políticas de saúde. Cadernos de Saúde Pública , vol. 19, (Sup.2): 465-469. DOI 10.1590/S0102-311X2003000800027
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; Scott, 2020aSCOTT, R. Parry. 2020a. “Sendo Prioridade entre as Prioridades. Fortalecimento mútuo e desentendimentos na articulação de cuidados entre casa, serviços e áreas de conhecimento”. In. SCOTT, R. Parry; LIRA, Luciana; MATOS, Silvana (orgs.). 2020. Práticas sociais no epicentro da epidemia do Zika. Recife: EDUFPE.; Scavone, 2004SCAVONE Lucila. 2004. Dar a vida e cuidar da vida: feminismo e ciências sociais. São Paulo: Unesp.; Tronto, 1997TRONTO, Joan. 1997. “Mulheres e cuidados: o que as feministas podem aprender sobre moralidade”. In: JAGGER, Alison. M; BORDO, Susan. R. (editoras). Gênero, corpo e conhecimento. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, pp. 186-203.).

A atuação de profissionais e trabalhadores dos serviços e pesquisadores precisa se moldar de acordo com as vivências da economia política de prevenção e resposta e as dinâmicas ao nível do Estado e atores associados a ele. A SCZ/Zika teve como epicentro o estado de Pernambuco (Scott; Lira; Matos, 2020SCOTT, R. Parry; LIRA, Luciana; MATOS, Silvana (orgs.). 2020. Práticas sociais no epicentro da epidemia do Zika. Recife: EDUFPE - Ebook.), a partir da descoberta do aumento exponencial do nascimento de bebês com distúrbios neurológicos (principal, mas não unicamente, manifestada por microcefalia). Há uma multiplicidade de pessoas cujas agendas de ação se curvam de acordo com as múltiplas demandas da organização proposta por agências municipais, estaduais e particulares em resposta às aplicações de políticas emergenciais nacionais e internacionais. Intensificam-se as práticas e o tempo dedicados aos diversos setores de prevenção, acolhimento e tratamento para os que apresentam a patologia e para os seus cuidadores (Scott, 2021aSCOTT, R. Parry, 2021a. Cuidados, mobilidade e poder num contexto de epidemia: relações familiares e espaços de negociação”. Mana - Estudos de Antropologia Social, vol. 26, n. 3: 1-34. DOI 10.1590/1678-49442020v26n3a207
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; 2020aSCOTT, R. Parry. 2020a. “Sendo Prioridade entre as Prioridades. Fortalecimento mútuo e desentendimentos na articulação de cuidados entre casa, serviços e áreas de conhecimento”. In. SCOTT, R. Parry; LIRA, Luciana; MATOS, Silvana (orgs.). 2020. Práticas sociais no epicentro da epidemia do Zika. Recife: EDUFPE.; 2020bSCOTT, R. Parry. 2020b. Fim da epidemia da síndrome congênita do Zika: pensão vitalícia e governança múltipla de domínios de cuidados”. Áltera: Revista de Antropologia, n. 11: 52-78. DOI 10.22478/ufpb.2447-9837.2020v3n11.51385
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; Vilella; Monteiro, 2005VILLELA, Wilza; MONTEIRO, Simone (Org.). 2005. Gênero e Saúde: Programa Saúde da Família em questão. São Paulo: ABRASCO - Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, UNFPA.). As práticas, o grau de colaboração e articulação entre setores, e as relações de accountability dos funcionários públicos, dos trabalhadores em saúde e em assistência social, e dos atores de formulação e implementação de políticas (Schraiber et. al., 1999SCHRAIBER, Lilia Blima; PEDUZZI, Marina; SALA, Arnaldo; NEMES, Maria Inês B.; CASTANHERA, Elen Rose L.; KON, Rubens. 1999. Planejamento, gestão e avaliação em saúde: identificando problemas. Ciência e saúde coletiva, vol. 4, n. 2: 221-242. DOI 10.1590/S1413-81231999000200002
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) configuram, semelhante às mães e famílias, uma comunidade profundamente afetada pela epidemia.

MEDIAÇÃO E DOMÍNIOS DE CUIDADO EM REDES DURANTE A EPIDEMIA

Inevitavelmente, o acesso dos agentes dos serviços e os pesquisadores aos recursos nos seus domínios de atuação principais fornece a eles atributos que os façam atores chaves para mães e famílias conseguirem o tratamento desejado para os filhos. Independentemente do exercício das suas funções de acordo com as regras que orientam a sua inserção profissional nas redes de relações internas ao domínio de cuidado onde costumam trabalhar, alguns ganham notoriedade entre as mães como particularmente sensíveis às suas demandas, por meios diversos. Brotam desta relação práticas compreensíveis como a de mediação. A mediação em rede precisa ser plural e versátil, e um dos argumentos principais deste trabalho é de que essa pluralidade e versatilidade é chave para a mediação render frutos no contexto da epidemia.2 2 Neste trabalho, “mediação” está tratada como imbricada à malha social cotidiana, fazendo com que as definições de áreas disciplinares que realçam a prática profissional de mediação como conciliação e pactuação se orientem por uma sistematização técnica que difere da que é tratada aqui.

Numa coletânea de capítulos etnográficos recente intitulada Saúde, mediações e mediadores (Teixeira et. al., 2017TEIXEIRA, Carla Costa; VALLE, Carlos Guilherme do; NEVES, Rita de Cássia (orgs). 2017. Saúde, mediações e mediadores . Brasília: ABA Publicações ; Natal: EDUFRN.), Garnelo (2017GARNELO, Luiza. 2017. “As mil e uma faces da mediação nas políticas e práticas de saúde”. In: TEIXEIRA, Carla Costa; VALLE, Carlos Guilherme do; NEVES, Rita de Cássia (org), Saúde, mediações e mediadores. Brasília: ABA Publicações; Natal: EDUFRN, pp. 12-22.: 12-13) sintetiza o quanto o aspecto Estado-cidadão permeia os estudos, declarando que interações mediadoras são “polissêmicas, multicêntricas e hierarquizadoras” e que elucidam, na sua onipresença, ”as políticas e práticas de saúde, seja focando nos modos como os poderes do Estado acionam seu aparato sanitário, seja em como as pessoas desenvolvem dimensões próprias do cuidado em suas vidas cotidianas”. É em redes que essas mediações ocorrem, ou como Luiza Garnelo (2017GARNELO, Luiza. 2017. “As mil e uma faces da mediação nas políticas e práticas de saúde”. In: TEIXEIRA, Carla Costa; VALLE, Carlos Guilherme do; NEVES, Rita de Cássia (org), Saúde, mediações e mediadores. Brasília: ABA Publicações; Natal: EDUFRN, pp. 12-22.: 13) caracteriza, é nos “nós críticos de malhas sociais”, evocando direitos, moralidade, equidade, cidadania e políticas, todas multifacetadas.

Quando Neves se debruça sobre mediação, no contexto de movimentos sociais, enfatiza democracia e cidadania (2010: 193):

O mediador é escolhido pela capacidade de correr atrás. Portanto, pela habilidade no trânsito do caminho solitário, assumindo as vitórias e as derrotas; gerindo, com a sensatez esperada segundo princípios da moral do grupo que representa, os efeitos da construção da identidade correspondente aos desdobramentos da circulação em espaços sociais distintos e distanciados da base. (Ênfase no original).

Na epidemia, não é fácil diferenciar os que são escolhidos, ou os que se escolhem, pois a atuação conjunta na malha coletiviza a ideia de poder responder a um evento que afeta todos: a base, que seriam as mães com seus filhos com SCZ, os(as) profissionais e os(as) pesquisadores(as). O próprio contexto cria uma excepcionalidade sem nivelar os que integram as relações na rede. Continuam diferenciados, cada um cuidando do que sabe e do que pode, e, em medidas diferentes, conectando-se com o que os outros cuidam na própria rede. Quando a prática de correr atrás em “espaços sociais distintos e distanciados” é seguida de interação, pode ser descrita como mediadora.

Epidemias são passageiras, mas as redes elaboradas em torno de práticas e políticas de saúde apresentam algumas regularidades que configuram espaços sociais de atuações que se mantém “distintos” entre si na rede. Chamo estes espaços de domínios de cuidado. Nesses domínios as práticas associadas a diferenciações e especializações dão realce a diferentes aspectos do “cuidar” e é nesta diferenciação que se cria a distância que habilita a mediação que possa engrossar a sensação de alcance de respostas à epidemia, gerando não somente conflitos, mas também um ambiente de cooperação e mutualidade entre os agentes.

Sucintamente, os domínios de cuidados observáveis incluem cuidados relacionais, cuidados de atendimento, e cuidados de conhecimento. No caso de uma epidemia, há um reforço à construção de bioidentidades (Rabinow, 1996RABINOW, Paul. 1996. “Artificiality and enlightenment: From sociobiology to biosociality”. Essays on the anthropology of reason. Princeton, NJ: Princeton University Press, pp. 91-112.; Rose, 2013ROSE, Nikolas. 2013. A política da própria vida: biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. São Paulo: Paulus.), nas quais questões de práticas do cuidar se sobressaem, subdividem-se e se misturam, tornando uma divisão em domínios intersectados flexivelmente discretos, uma descrição de espaços sociais que constroem adesões identitárias enquanto guardem distância entre si e promovam interação mediadora para aproveitar mutuamente dos seus atributos intersectados.

As famílias, sobretudo as mães/cuidadoras de filhos, reconstroem identidades em um domínio de cuidados relacional constituído na vida cotidiana modificada pelos novos itinerários terapêuticos impostos pela condição do seu filho. São relações de maternidade, de parentalidade, de conjugalidade, de solidariedade durável, e as possibilidades de fornecer sustento para o grupo que costuma morar e repartir recursos juntos. Nos percursos dos itinerários, elas interagem repetidamente com o domínio de atendimento e assistência dos agentes (trabalhadores, profissionais e gestores) dos sistemas de serviços do governo e particulares nas áreas de saúde, previdência, transporte, e educação, cujos cuidados dispensados são percebidos tecnicamente como parte de um sistema que pretende fornecer os serviços que as práticas das suas instituições oferecem aos filhos, mães e suas famílias. Na epidemia de uma doença desconhecida, a urgência da descoberta das características e consequências do vírus, aproxima as mães frequentemente a pesquisadores também, cuja dedicação é de cuidar do domínio de conhecimento que orienta as práticas de atendimento com informações científicas e práticas que possam contribuir para uma vida cotidiana mais palatável para as famílias e para o fluxo regular dos serviços.

Cada um dos domínios que se espalham pela rede que interconecta todos os integrantes se diferencia ao apresentar a identidade dos seus integrantes através de práticas com narrativas de variadas intensidades e emoções sobre moralidade, equidade, cidadania e políticas, sempre tingidas pela valorização relacional, de atendimento ou de conhecimento, conforme o domínio do seu senso de pertencimento principal. Os espaços de aproximação e distanciamento durante a mediação aparecem nas concordâncias e discordâncias sobre as suas práticas intersectadas.

A capacidade de circular em vários domínios e dialogar em vários registros nasce nas redes sociais que os próprios mediadores acionam em mais que um desses domínios como elo de conexão. Assim, o mediador age através de bases ambíguas de princípios de moral e de avaliação de ética e eficácia no processo de combinar domínios separados que dialogam entre si. Há tensões e dificuldades de inteligibilidade mútuas entre os domínios e suas morais, seus princípios de equidade, seus sentidos de cidadania e sua avaliação do alcance das políticas, mas isto não implica que o mediador seja conciliador, como comenta Rech (2017RECH. Carla Michele. 2017. Mediação social: uma revisão sobre o conceito. Revista Eletrônica Interações Sociais, vol. 1, n. 1: 97-114.: 102) citando Eric Wolf, sobre a administração de visões conflitantes que ainda permanecem conflitantes. A mediação ocorre em processos que requerem “produção e/ou ressignificação de sentidos ao longo da rede institucional” (Rech, 2017RECH. Carla Michele. 2017. Mediação social: uma revisão sobre o conceito. Revista Eletrônica Interações Sociais, vol. 1, n. 1: 97-114.: 104).

Rech (2017RECH. Carla Michele. 2017. Mediação social: uma revisão sobre o conceito. Revista Eletrônica Interações Sociais, vol. 1, n. 1: 97-114.), sintetizando argumentos da coletânea sobre mediação de Nussbaumer e Ros (2011NUSSBAUMER, Beatriz; RIOS, Carlos Cowan. 2011. Mediadores sociales: en la producción de prácticas e sentido de la política pública. Buenos Aires: Fundación CICCUS.),3 3 Beatriz Nussbaumer. e Carlos Ros organizaram a coletânea Mediadores sociales: en la producción de prácticas y sentido de la política pública (2011). Carla Michele Rech (2017) discute essa revisão do conceito de mediação. argumenta que os processos de mediação são contextuais e transitórios, formados na interconexão de domínios que são conjuntos coletivos diferenciados, sendo mais viável pensá-los como redes de relações operados por indivíduos, mais do que simplesmente pelos indivíduos em si. As singularidades e divergências entre a valorização de diferentes conteúdos em cada domínio constituem, quando juntas, um emaranhado de narrativas de morais e princípios que se visibilizam em ações e práticas concretas, expressões de emoções e intensidades de dedicação, borrando fronteiras. Os diálogos ressignificam os domínios e suas conexões desigualmente. Neves, citada por Rech (2017RECH. Carla Michele. 2017. Mediação social: uma revisão sobre o conceito. Revista Eletrônica Interações Sociais, vol. 1, n. 1: 97-114.: 110) sintetiza como estas ações de mediadores se relacionam com políticas públicas: “Por uma ação de bricolagem, pela acumulação de pequenos detalhes, eles administram acasos e elaboram respostas legítimas à ineficiência institucional e à falta de recursos”.

A importância aumentada da produção de narrativas de sucesso quando os holofotes internacionais e nacionais buscam uma resposta à emergência sanitária e a nação e suas comunidades de cidadãos e técnicos buscam referências positivas pelas suas ações, faz crescer a valorização das práticas de mediação. No caso das particularidades da epidemia do Zika, essas narrativas e práticas intensificam os seus significados quando se referem a conhecimento e desconhecimento, a prontidão e eficiência dos serviços, a práticas de mulheres mães e profissionais e a desenvolvimento humano e deficiência.

AS PRÁTICAS DAS MEDIADORAS: AÇÕES, EMOÇÕES E INTENSIDADES ENTRE DOMÍNIOS DE CUIDADO

São as mães com seus filhos, junto às pessoas que convivem com eles diariamente numa relação familiar, cujas vidas são radicalmente (re)definidas pela SCZ. Elas selecionam apoios possíveis entre os próprios familiares (outros filhos, irmãos, pai e avó, sobretudo) e seus parentes de acordo com a disponibilidade e sensibilidade à condição do filho com deficiência, quando adoece e quando não adoece. São intensivas as cobranças, próprias e alhures, do tempo e da mobilidade dedicados por ela e pelos seus próximos ao acompanhamento (Scott, 2021bSCOTT, R. Parry. 2021b, Women, Administered Insecurity, and Multiple Alignments to Assuage Gender Inequalities in the Brazilian Zika Epidemic. Frontiers in Global Women´s Health, vol. 2: 716612. DOI: 10.3389/ fgwh.2021.716612
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; Scott; Lira, 2020SCOTT, R. Parry; LIRA, Luciana. 2020. A gestão do tempo no tempo da emergência: o cotidiano das mães e crianças afetadas pela Síndrome Congênita do Zika. Ayé: Revista de Antropologia, vol.1, n. 1: 14 - 29.). Se a busca de tratamento de saúde, aquisição de assistência, educação, renda e moradia sempre compuseram o conjunto de atividades cotidianas dessas pessoas, a epidemia sela uma prioridade à busca de saúde do(a) filho(a) para poder organizá-las. Trabalhadores, profissionais e gestores que cuidam do sistema de tratamento de saúde são agentes chaves para o seu acesso e aproveitamento do que precisam do domínio de cuidados de atendimento (Scott, 2011aSCOTT, R. Parry, 2011a. Famílias Brasileiras: poderes, desigualdades e solidariedades. Recife: EDUFPE .; 2011bSCOTT, R. Parry. 2011b. “As famílias que os programas de saúde pública constroem no Brasil”. In: NASCIMENTO, Pedro; RIOS, Luís Felipe. (orgs). Gênero, saúde e práticas profissionais. Recife: EdUFPE.). Quando o conhecimento do problema de saúde ainda inexiste, os pesquisadores também se fazem presentes para construir o conhecimento para poder cuidar da saúde. É nestes domínios que se encontram mediadores.

As práticas de oito mulheres são descritas como casos da interação mediadora. Não é que inexistem homens que também mediam, mas a predominância feminina no campo de saúde materno-infantil e facilitação da preferência por uma construção de confiança entre mulheres em torno da valorização da maternidade fez ressaltar mulheres entre mediadoras4 4 Quando se faz referência a “mediadoras” nestes casos é em respeito às oito mulheres descritas aqui, e, a menos que haja referência específica ao contraste com mediadores homens, não uma diferenciação explícita de gênero entre mediadores e mediadoras em geral. (Scott, 2021bSCOTT, R. Parry. 2021b, Women, Administered Insecurity, and Multiple Alignments to Assuage Gender Inequalities in the Brazilian Zika Epidemic. Frontiers in Global Women´s Health, vol. 2: 716612. DOI: 10.3389/ fgwh.2021.716612
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). Com a maioria esmagadora de mulheres: mães, prestadoras de serviços e, em menor grau, pesquisadoras, escolhemos intencionalmente mulheres, misturando critérios de reconhecimento pelas mães e de observação da nossa equipe de pesquisa sobre as relações entre as pessoas e conteúdos presentes em entrevistas. Realce é dado à esfera de saúde, mas que é entendida como articulada com assistência social, previdência, educação e moradia como fulcros nodais que frequentemente dão substância a parte daquilo que é procurado em “espaços sociais distintos e distanciados”.

A mediação entre as famílias e os profissionais de serviços pode ser feita por uma pessoa que ocupa simultaneamente um espaço nestes mesmos domínios, mas se concentra na relação negociada entre os espaços na mediação. A mediadora não é um indivíduo isolado das relações sociais internas onde circula predominantemente dentro dos seus domínios de cuidado. De fato, ao mediar, ela cria possibilidades de contribuir para o reconhecimento entre pares no seu próprio domínio. A mediadora capaz de construir interlocução “ao longo da rede institucional” toda acumula múltiplos registros que alargam as suas possibilidades de ação. No domínio relacional, as relações sociais internas são de pessoas da família, parentes, amigos e vizinhos. No domínio de atendimento, são de pessoas dos seus espaços de trabalho na prestação de serviços na área da sua especialidade. No domínio dos pesquisadores, são das pessoas das equipes de pesquisa e contatos intra e interdisciplinares que avaliam a legitimidade dos seus conhecimentos.

Das oito mulheres apresentadas, quatro ocupam destaques por trabalharem no domínio de cuidados de atendimento; duas são de equipes de pesquisa no domínio do conhecimento; e duas são mães de crianças com deficiência que formaram associações para promover sociabilidade e direitos de pessoas acometidas por doenças e sequelas, tendo uma aproximação mais direta com o domínio de relações cotidianas múltiplas das mães. É quase infinito o campo de mediações de qualidades diferentes que estas oito mulheres acionam. Examinamos como cada mediadora emprega ações, emoções e intensidades na sua relação com as mães de pessoas com SCZ, com integrantes dos serviços, e com pesquisadores na interconexão entre domínios e na construção de uma mutualidade de benefícios.

NO DOMÍNIO DE CUIDADOS DE ATENDIMENTO

Uma infectologista, tão amiga quanto uma mãe: Dra. Renata5 5 Todas as mulheres, mesmo conhecidas publicamente, são referidas com um nome fictício de acordo com a prática informada anteriormente, nas primeiras seções do artigo.

Com forte inserção no setor de infectologia procurado por muitas das mães com crianças de SCZ, e com uma sala de atendimento com o ar franciscano de muitos serviços públicos administrados pelo Estado, a infectologista, Dra. Renata, que preferia ser chamada pelo primeiro nome, mas entendia quando as mães insistiam no título de doutora, havia retornado aos estudos, desta vez de doutorado, depois de anos de atendimento. Estudava, mas continuou com um ritmo intensivo de atendimento. Cativava as mães com uma sinceridade e discurso de maternidade emocionada, falando de saúde, e elogiando e apoiando as ações das mães para decidir mutuamente sobre melhores formas de atendimento. Exames requisitados, trazidos pelas mães, são consultados, mas a preferência desta médica, mesmo quando aparelhada com informação técnica atualizada, é pegar nas crianças, senti-las, e conversar com as mães sobre o observado e sentido. Não é fácil, pois mais de 100 crianças com SCZ passam por ela. Para conseguir exames, a estrutura do hospital onde realiza as suas principais atividades colabora, mas quando há algum equipamento quebrado ou indisponibilidade temporária, precisa fazer um grande esforço para achar alternativas. Nem sempre consegue, mas a sinceridade e transparência da busca, e o sofrimento próprio manifestado com a decepção quando falha, cria uma alta credibilidade, que nas palavras de várias cuidadoras: “A doutora é como uma mãe para a gente”.

Com a rotina de consultas puxada, ela acha tempo para aceitar muitos convites das mães para acompanhá-las nos seus espaços de sociabilidade (nas associações, em eventos públicos, apresentações e festas particulares). Esta horizontalidade relacional e localização profissional num vértice de circulação das mães querendo decifrar as causas dos problemas e maneiras de tratá-los, a torna uma pessoa “de confiança” para conversas abertas. É colaborativa, e suas relações “médico-paciente” tão bem cultivadas que, com a presença, torna-se “mais uma participante” quando mães, serviços, comissões, associações e pesquisas sociais anunciam eventos de importância para as mães.

Uma fisioterapeuta humanitária com clínica privada aparelhada: Penelope

Quando as famílias precisam de fisioterapia, estímulo precoce, e outras intervenções promotoras do desenvolvimento infantil, muitos não conseguem agendar atendimento para tantas coisas. Algumas encontram um espaço acolhedor na rede privada de serviços de saúde. O Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (CREFITO) agilmente constituiu um grupo de trabalho (GT) com uma dúzia de profissionais experientes com diversos conhecimentos e inserções nas redes de serviços. O GT perguntava como esses profissionais poderiam contribuir à resposta da nova epidemia com um grande número de crianças com múltiplas necessidades e sem atendimento. O esforço conjunto se fez bastante visível, logo cedo na epidemia participando em mutirões junto com outros profissionais. Além de muitos eventos e ações de produzir e circular informações sobre como lidar profissionalmente com a nova doença, estabeleceram uma ação “filantrópica” de cada clínica privada que topasse (voluntariamente!) oferecer no máximo cinco vagas para atender gratuitamente crianças necessitadas. Não queriam criar competição com espaços terapêuticos que já atendiam crianças com SCZ, pública ou particularmente, então restringiram o universo elegível aos efetivamente “desassistidos”.

A adesão de clínicas e profissionais não foi muito grande, mas Penelope, profissional experiente com assento no GT e com uma clínica muito bem aparelhada, disse que ficaria angustiada se não oferecesse esta ação filantrópica. Na vida profissional dela, após dois anos concursada, frustrada com a precariedade da assistência oferecida pelos serviços públicos, pediu demissão. Preferiu montar uma clínica privada com melhor capacidade de atender. Ela se emociona questionando práticas de altas sumárias e antecipadas das grandes clínicas do SUS e da saúde complementar, achando injusto criar barreiras ao tratamento de pessoas com limitações cognitivas. Critica a orientação privilegiando tempos de viabilidade de retorno - econômico, ou de sucesso no tratamento. Vê a frequente questionável opção de especialização em fisioterapia ortopédica como privilegiando durações de tratamento mais reduzidas e, portanto, mais lucrativas. Lamenta municípios inteiros sem nenhum especialista, planos de saúde sem abranger tratamentos necessários, e explica que alguns espaços adotam a ação inclusiva filantrópica por ela ajudar a criar uma imagem positiva do serviço, tornando-se até uma vantagem para novas demandas particulares. Ela se solidariza com a revolta das mães que participam em alguns eventos, sentindo-se cobaias de pesquisas. Relata que razão suficiente de fazer a ação filantrópica é quando a dedicação às crianças necessitadas resulta em pequenos ganhos, olhares de gratidão das mães, sentidos quase unicamente pelo profissional e pela própria mãe.

Como dona da clínica, desdobra-se entre administração, atendimento, reuniões do GT do CREFITO, organização e instrução de estagiários, consultas com colegas especialistas, mas conhece bem as cinco mães e crianças pacientes filantrópicas por SCZ, e outras três de SCZ atendidas por outros meios. Aponta com muita felicidade a importância da dedicação da mãe que chega pontual e regularmente andando e empurrando a cadeira de rodas diante da ausência de uma política pública de transporte. Saúde e planos terapêuticos organizados pela sua clínica, favorecem com convicção firme, perspectivas holistas e multiatendimento especializado conforme as necessidades de cada um.

Uma neuropediatra competente e articulada: Dra. Valéria

Uma das especialidades mais próximas às necessidades dos bebês nascidos com microcefalia é a neuropediatria. Recife tem poucos médicos com esta especialidade. Mulheres de duas gerações de uma só família acumularam capitais social e cultural extraordinários, dedicando-se à especialidade. Presente no serviço público e particular, a filha, nova geração, Dra. Valéria, é atualmente muito atuante nos serviços públicos, acompanhando recém-nascidos e crianças com complicações neurológicas. No auge da epidemia, o dado técnico mais relevante, percebido na gestação por ultrassonografia e outros exames ou apenas na hora do parto, é a circunferência cranial do bebê (abaixo de 31,9 cm em meninos, 31,5 cm em meninas). É assunto para profissionais de neuropediatria. A concentração de casos nesta hiperespecialidade em um expediente de atendimento facilita a percepção de altas ocorrências de problemas em curto período de tempo. Não seriam percebidas tão rapidamente por obstetras dedicadas ao acompanhamento mais demorado e individualizado de partos de todas as naturezas. Elas encaminham esses casos especiais, concentrando-os nas mãos especializadas da neuropediatria.

De frequência tão inusitada, os bebês microcefálicos levaram a doutora Valéria, jovem, porém experiente, a atender em várias instituições e também a agir como gerente-médica da Associação de Apoio à Criança Deficiente (AACD). Diz que sempre consulta e aproveita da experiência da sua mãe que a iniciou nessa carreira, ao desconfiar de alguma doença nova. A desconfiança intensificou quando apareceram vários casos juntos em um único dia no Hospital Barão de Lucena, em setembro de 2015. Reforçada pela sua recordação de outro caso desafiador semelhante no mês anterior, rapidamente, por telefone e WhatsApp, contatou a amiga infectologista, Dra. Renata, para examinar as causas, dialogou com o amigo infectologista, Dr. Cameron (que já vinha pesquisando a relação entre Zika e Guillain Barré entre adultos), contatou o muito receptivo secretário de saúde do estado de Pernambuco, com evidências convincentes da seriedade e urgência das suspeitas de nova doença, e em geral movimentou muita gente. A partir deste evento, iniciou-se uma rede extraordinariamente colaborativa e ágil de profissionais de saúde que conseguiram trazer holofotes para a capacidade pernambucana e brasileira de estimular a declaração da Emergência de Saúde de Importância Nacional (em dezembro) e, daí em diante, responder às suas demandas.

Esforços particulares resultantes da rede abriram ambulatórios e horários especiais que, em pouco tempo, redundaram em apoios de ações e recursos do governo, de fundações, da nação e de outras nações. Por ela, “a emergência é quando você precisa do governo, em pouco tempo precisa modificar todo o sistema de saúde para poder atender àquilo”. Enquanto isso, Dra. Valéria trabalha sobretudo na resolução do que chama de “quebra-cabeça da ciência” que os problemas destes recém-nascidos e crianças representam. Assevera que também é necessário voltar à rotina. Confirmações de muitos outros casos vinham de outros estados, sobretudo, mas não somente, no Nordeste. Exigia-se criar um conhecimento da doença, conseguir prever os prognósticos para a vida dessas crianças e suas mães, cuidadoras, sempre com atenção voltada para a capacidade de responder a demandas de atendimento com dados e ações informados. Era claro para ela e para os outros profissionais amigos das suas redes que isto exigia recursos do Estado e que não podia ser feito sem o estado de excepcionalidade.

A especialidade de neuropediatra promove pouca aproximação física entre pacientes e médica. A tecnologia intermedia fortemente a relação, as imagens e resultados de fluídos examinados comunicando com a especialista mais de que com o paciente e as mães cuidadoras. Assim a médica, com 130 pacientes com SCZ consultados com regularidades diversas, mantém uma postura didática de tradutora de exames, esforçando-se em demonstrar o que os exames permitem saber e o que ainda fica desconhecido. A repetida condição de desespero das mães e pais por não saberem o significado dos exames também promove uma aproximação entre médica e cuidadoras. A médica não circula apenas em reuniões científicas, dando palestras e cursos. Também orienta aos pais e a outros especialistas, respaldada nos exames e consultas. As famílias são convidadas a comparecer em muitos eventos, como o “Curso dos Pais de Micro” da Secretaria de Saúde, e a Oficina para Mães e Crianças com Microcefalia - Instituto Mara Gabrili, na Universidade Maurício de Nassau (este resultando em coleta de fluidos corporais). A neuropediatra mostra imagens de exames cranianos e taxativamente informa as práticas corretas, sendo muito cuidadosa de frisar o que ainda não conhece. Conscientíssima da importância desta nova síndrome, a neuropediatra intensificou participação compartilhando experiências em mutirões (quando não conflitaram com dias de atendimento). Nestes, uma população numerosa de diagnosticados com SCZ permitia acesso rápido às informações de coletas de fluidos, realização de exames, exames de prontuários e diversas outras atividades de pesquisa e apoio para famílias e crianças (Scott et. al., 2018SCOTT, R. Parry; LIRA, Luciana Campêlo de; MATOS, Silvana Sobreira de; SOUZA, Fernanda Maria; SILVA, Ana Claudia; QUADROS, Marion Teodósio de. 2018. Itinerários terapêuticos, cuidados e atendimento na construção de ideias sobre maternidade infância no contexto da Zika. Interface (Botucatu), vol. 22, n. 66: 673-84. DOI: 10.1590/1807-57622017.0425
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).

Pluriatividade em instituições diversas, junto com conhecimento especializado sobre crianças que nascem com alta probabilidade de necessidade de reabilitação haviam conduzido a neuropediatra a um cargo de alta direção na unidade recifense do principal centro-associação filantrópico nacional para crianças com deficiência (AACD). É justamente esta “capilaridade individual” da médica, junto com algumas atenções individuais com telefonemas em situações que exigem agilidade, que cria a fama, entre as mães, de ser uma pessoa que consegue vagas para exames e atendimento em locais que não costumam ser tão disponíveis para elas. As trocas de informações levam as mães a comentar sobre acontecimentos na vida pessoal dela que podem facilitar ou dificultar a consecução dos atendimentos desejados. Uma coisa é certa, se ela sugere que conseguirá a vaga, mesmo podendo demorar, a vaga sairá, especialmente quando é para a instituição que ela gerencia. Há mães que mudaram do interior para a cidade, poupando tempo e transporte, em função de vagas prometidas onde a neuropediatra acompanha a situação com muita atenção.

Com o passar do tempo, a neuropediatra se afastou da AACD, reorganizando seu uso de tempo. Mesmo com contato com muitas crianças SCZ em outros espaços, ela se queixa de não conseguir atender a todas na reabilitação na AACD. Ela endossa a prática de apostar no atendimento a crianças com demonstrado potencial de desenvolvimento, sem “zero aquisição”. Explica que os que não têm potencial devem ser referidos a centros de reabilitação múltipla próximos a suas casas, para realizar “manutenção”. Diz que implica em evitar piora do estado, e não em abandono ou descarte. Limitações cognitivas, junto com diversas outras dificuldades de crianças com Zika, têm que dar vez à garantia de um fluxo de atendimento de quem vinha chegando. Tem que cuidar do sistema de atendimento. A atividade profissional e o compromisso com a condição dessas mães se reforçam constantemente na diversidade de espaços onde ela continua prestigiada.

Uma administradora sensível e atenta às mães: Lavínia

Quando o número de bebês microcefálicos passou de nove por ano para nove por mês, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) decidiu fazer alguma coisa especial. A necessidade excepcional de informações quantitativamente completas, agilidade no fluxo de atendimentos, e um conhecimento aprofundado completo da experiência das mães e famílias, levou a SES a buscar uma psicóloga com experiencia profissional em educação e experiencia de vida no sertão e no Recife. Assim, Lavínia chegou para coordenar um programa especial para as acima de quatrocentas famílias/crianças afetadas por SCZ em todo o estado - o Núcleo de Atenção a Famílias e Crianças com Microcefalia (SCZ) (NAFCM). Esta ação inovadora, “nem propriamente de assistência, nem de vigilância”, segundo a coordenadora, recebeu respaldo da Secretaria, ligada diretamente à administração central. Tornou muito visível a resposta pernambucana ao combate ao Zika. Além de colaborar na compilação e organização de dados atualizados, mobilizam-se para auxiliar na resolução de casos que aparecem diariamente para atendimentos, desde os corriqueiros encrencados, até os mais urgentes e extraordinários. Cuidam da inserção prioritária nos serviços regulados do Estado e na rede suplementar.

Duas articulações complexas e intersectadas predominam no NACFM. A primeira articula diferentes setores da própria secretaria e de outras secretarias (ação social, transporte, educação, previdência e judicial) e associações das famílias. A segunda articula diretamente com as próprias famílias em todas as doze divisões regionais do estado com atenção de apoiadoras especialmente designadas para fazer o acompanhamento, facilitar as ações e ainda checar a evolução dos casos descartados.

As associações que representam as famílias valorizam a colaboração com NACFM de uma maneira bastante solidária, mesmo ocorrendo cobranças dos dois lados. Frequentemente, as associações administram conjuntamente as ajudas especiais do governo e distribuição de doações encaminhados via o Estado, capilarizando o alcance às famílias.

Cada regional conta com uma apoiadora (não há homens) especialmente contratada, fora dos quadros de funcionários, criando uma mediação tentacular, quase “na ponta”, na excepcionalidade da epidemia. Cada família é conhecida pessoalmente, não pelo simples nome “mainha”, mas pelo nome mesmo dela, ou pelo nome “mãe de...”, agregando aí o nome do(a) filho(a). O segundo tratamento reforça autorreferências das mães e à relação intensa criada com o filho. Este trabalho se configura como uma abordagem “integral” de saúde. Promove a formação de laços afetivos entre apoiadoras e famílias/mães/crianças de uma forma incomum em qualquer serviço público de saúde. São maneiras múltiplas de realizar uma maior aproximação às mães: promovendo grupos de apoio, aconselhando sobre atividades de atenção, ajudando no acesso a serviços de transporte, previdência, ação social e judicial. Com todos os problemas de saúde que as crianças enfrentam e críticas às falhas no atendimento, ainda constrói uma noção de que elas com os filhos são “prioridade entre as prioridades” (Scott, 2020aSCOTT, R. Parry. 2020a. “Sendo Prioridade entre as Prioridades. Fortalecimento mútuo e desentendimentos na articulação de cuidados entre casa, serviços e áreas de conhecimento”. In. SCOTT, R. Parry; LIRA, Luciana; MATOS, Silvana (orgs.). 2020. Práticas sociais no epicentro da epidemia do Zika. Recife: EDUFPE.) As apoiadoras levam as observações provenientes da pessoalidade da sua relação com as mães para reuniões mensais, realizando um compartilhamento com a administração do núcleo (Silva et al., 2017SILVA, Ana Cláudia Rodrigues da; MATOS, Silvana Sobreira de; QUADROS, Marion Teodósio de. 2017. Economia política do zika: realçando relações entre estado e cidadão. Revista AntHropológicas , vol. 28, n. 1: 1-24. DOI 10.51359/2525-5223.2017.231440
https://doi.org/10.51359/2525-5223.2017....
; Scott, 2021bSCOTT, R. Parry. 2021b, Women, Administered Insecurity, and Multiple Alignments to Assuage Gender Inequalities in the Brazilian Zika Epidemic. Frontiers in Global Women´s Health, vol. 2: 716612. DOI: 10.3389/ fgwh.2021.716612
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).

A coordenação do NACFM nessas atividades é sistemática e habilidosa. Há um esforço de unir os três “domínios” por meio de cursos para os pais, convidando pesquisadores e integrantes da rede de atendimentos para passar conhecimento atualizado da ciência para as mães, com sessões de perguntas e respostas visando a uma orientação bastante direta a elas e aos parceiros.

Em outras ocasiões, a troca de informações é entre pesquisadores que receberam anuência da Secretaria para pesquisar e os diversos setores responsáveis por atendimento. Quando tais pesquisas precisavam de dados sobre as características da doença, o NACFM costumava colaborar na organização de mutirões diagnósticos que encurtavam o tempo para as informações serem coletadas, acessando mais rapidamente as crianças e famílias. Em consequência, também, o NACFM é compreendido como o local mais adequado para o “retorno” das pesquisas. Convidam pesquisadores para uma reunião, convidam figuras associadas aos resultados a serem apresentados, assim, funcionando como receptor de informações com diversas utilidades para serviços e pesquisadores, além das mães e seus filhos(as).

NO DOMÍNIO DE CUIDADOS DO CONHECIMENTO

Uma articuladora com muita distinção: Dra. Ceres

O trabalho na Saúde Coletiva tem uma prática ambígua. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e um numeroso rol de integrantes clamam pela cidadania inclusiva em políticas públicas de saúde. O orgulho da participação no estabelecimento do SUS e a ideia de uma saúde coletiva capaz de atuar pelo bem de toda a sociedade, e interagir bastante com as redes de atendimento é compartilhada por profissionais de Saúde Coletiva/Medicina Social, organizações governamentais e não governamentais e a sociedade civil. A página da Abrasco anuncia: “Defendemos a democracia e Lutamos pelo SUS”. Ao mesmo tempo, tem uma relação diária com pacientes relativamente limitada, e quando tem, frequentemente ou é em grupo, ou ao nível de administração e políticas públicas.

A interlocução da Associação é discursivamente forte e inclusiva. Costuma gerir espaços favoráveis à expressão de cidadania, à responsabilidade coletiva, e à definição de elementos para planejamento e execução de políticas públicas, de preferência com conteúdo social evidente. São espaços onde se vê menos mães circulando cotidianamente. Para muitas mães, foi uma surpresa a notícia de que alguns médicos/as e pesquisadores/as (como Dra. Ceres), investigando a epidemia do Zika, ganharam prêmios em associações de saúde, e na conceituada revista Nature da área de ciências, em geral com destaque para ciências de saúde. Era mais surpresa porque não conheciam pessoalmente essas figuras condecoradas pelo mundo do conhecimento científico por estarem labutando a favor delas.

A experiente nacional e internacionalmente articulada epidemiologista, Dra. Ceres, faz uma mediação para cima e associativa. Cientificamente dedicada a realizar descobertas em torno da transmissão e efeitos populacionais de novas doenças infecciosas, após 25 anos na Universidade de Goiás, passou anos produtivos de circulação como profissional capacitada entre instituições de Saúde Coletiva no Recife. Foi contatada em setembro de 2015, por autoridades amigas do Ministério de Saúde que conheciam a sua capacidade, para virar pivô de uma articulação coletiva no que ela descreve como “uma situação de guerra” montada em torno de evidências de um novo surto de bebês nascidos com microcefalia. A gravidade urgente da situação resultou nela e seus colaboradores recomendarem ao Ministério uma declaração de emergência de saúde pública de importância nacional, reforçando um ambiente de agilização de recursos, publicações e redes de cooperação internacionais. Localmente conseguiram criar um ambiente de cooperação intensiva nesse campo competitivo de estudo, com o apelidado “Quartel Geral” numa sala cedida junto à direção do Aggeu Magalhães associada à Fundação Oswaldo Cruz Recife (FIOCRUZ) - onde dezenas de pesquisadores encontravam uma combinação de refúgio, trocas de informações e colaboração em projetos no Microcephaly Epidemic Research Group - MERG. Aproveitando a velocidade de informações em tempos de WhatsApp, assumiu a dimensão da ameaça, que, se fosse desmentida levaria ao questionamento da importância da doença, descoberta e fincada no Nordeste. Inicialmente, estava sendo vista com ceticismo por pesquisadores de outras regiões, mas confirmada a gravidade pela especialista de renome, projetou a comunidade local de pesquisa em saúde e de atendimento a uma notoriedade inusitada. Os participantes no grupo, um conjunto seleto de epidemiologistas, infectologistas e especialistas em medicina social e saúde reprodutiva se dedicava a encontrar apoio para pesquisas e, sempre quando possível, dialogar sobre estas atividades no seu grupo e com os bastante colaborativos gestores de políticas de saúde que buscavam desesperadamente soluções. Era o grupo de referência para a compreensão da Microcefalia, elogiando a colaboração coletiva, e liderando pesquisas.

Não é que o grupo não dialogava diretamente com as mães. Ele incluía um grupo com atividades diretas de pesquisa entrevistando mães sobre os impactos sociais da epidemia, e coadunava isso com uma articulação com agências internacionais como Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Panamericana de Saúde (OPAS) e instituições internacionalmente renomadas de pesquisa e financiamento. Embora não fosse a predileção principal da médica, questões de saúde reprodutiva e feminismo brotavam com força nos diálogos sobre a doença que se manifestava claramente na hora do parto. A articulação deste grupo, a partir do “Quartel Geral” permitiu uma ação reticular de diversas informações sobre a Síndrome Congênita do Zika.

A intensidade da circulação da informação, diariamente trazendo novidades, com informações geradas em colaboração cotidiana e em copromoção intensiva de mutirões centralizadores de informações clínicas e laboratoriais levou à disseminação de questões como a transmissão pelo mosquito Aedes aegypti devido aos ambientes insalubres, bem como pela transmissão sexual. Retroativamente, Dra. Ceres descobriu que a facilidade de recorrer à terminação de abortos em clinicas públicas durante um surto de Zika na Polinésia Francesa mascarou os efeitos no desenvolvimento neurológico das crianças em 2013, portanto dois anos anteriormente ao surto no nordeste e no Brasil. Uma enorme extensão e diversidade de outras danificações “submersas” foram descobertas, incluindo: problemas neurológicos, inclusive em bebês que não apresentavam microcefalia, convulsões repetidas, disfagia, problemas oftalmológicos, ortopédicos, respiratórios, ambulação limitada, e em geral desenvolvimento muito prejudicado (Albuquerque et. al., 2018ALBUQUERQUE, Maria de Fatima Pessoa Militão de; SOUZA, Wayner Vieira de; ARAÚJO, Thália Velho Barreto; BRAGA, Maria Cynthia; MIRANDA FILHO, Demócrito de Barros; XIMENES, Ricardo Arraes de Alencar; DE MELO FILHO, Djalma Agripino; BRITO, Carlos Alexandre Antunes de; VALONGUEIRO, Sandra; MELO, Ana Paula Lopes de; BRANDÃO-FILHO, Sinval Pinto; MARTELLI, Celina Maria Turchi. 2018. Epidemia de microcefalia e vírus Zika: a construção do conhecimento em epidemiologia. Cadernos de Saúde Pública, vol. 34, n. 10: e00069018. DOI 10.1590/0102-311X00069018
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).

Houve colaboração entre pesquisadores e a rede de atendimento. Por benéficas que fossem essas informações para aprofundar e redirecionar as orientações para as mães cuidarem dos seus filhos, a combinação de dados agregados através de cuidadosa vigilância e registro na ponta, e mutirões, quando as mães se sentiam agraciadas por exames e atendimentos que não estavam conseguindo por outros meios, também feriam as sensibilidades maternas por aguçar a sensação de os seus filhos serem cobaias cujos fluidos e imagens corporais eram de interesse alheio. A frequência da não entrega dos resultados dos exames como devolução da sua participação à qual tinham direito incomodava. Predominou uma mediação indireta e coletiva, distanciada (mais na prática do que emocionalmente) do mundo da vida cotidiana. Uma compensação, como diziam algumas mães foi que - “pelo menos eu sei que o meu filho está contribuindo para que a mesma coisa não aconteça com outras crianças no futuro”. Assim, na epidemia, a atenção de pesquisadores, jornalistas, estagiários e profissionais, muitas vezes repetindo as mesmas perguntas, e sem que houvesse outra interação e retorno direto, levou a uma indisposição de muitas mães de participar em pesquisa (especialmente quando não acompanhados com exames, doações e orientações).(Fleischer 2022FLEISCHER Soraya. (2022) “Tudo bonitinho”: Pensando ética na prática e peloavesso nas pesquisas sobre o Vírus Zika no Recife/PE. Revista AntHropológicas, 33(1), 2022. doi 10.51359/2525-5223.2022.252163
https://doi.org/10.51359/2525-5223.2022....
)

O domínio de cuidados de conhecimento privilegiou pesquisa para descobrir características de uma doença desconhecida, governando o cotidiano de profissionais de atendimento e das mães, indiretamente na inclusão na rede de atendimentos, e diretamente nos mutirões. Fornece pouco espaço para diálogo e retorno direto com as mães. A pesquisa demora em ter resultados confiáveis para aplicação em patologias desconhecidas. Dra. Ceres, falando sobre retorno para as mães lamenta a demora exclamando que “foi cientificamente o melhor que podia ser feito”. A mediação “à distância” conseguiu unir redes de pesquisa e redes de atendimento, e contribuiu para a surpresa das famílias atendidas de ter dado tanta notoriedade à pesquisadora e sua equipe que pouco conheciam.

Uma amiga pesquisadora que fala como uma de nós: Sílvia

Na pesquisa Etnografando cuidados, descrita anteriormente, há outra complexidade pela equipe ser de Antropologia. Um dos seus eixos dialoga com profissionais de atendimento, gestores, planejadores e outros pesquisadores, e no outro, acompanha mães nos itinerários terapêuticos realizando uma aproximação à vida cotidiana que seria impossível de fazer como parte de uma rotina de atendimento. Essa pesquisa, por concepção inicial, sabendo-se restrita temporalmente por depender de financiamento, pretendia ser mediadora, pois colocou como objetivo:

associar o conhecimento aprofundado da experiência de mulheres e suas redes familiares afetadas pelo vírus a um esforço de ampliar a sensibilidade e resposta do sistema de saúde de uma maneira que incorpore conhecimento mútuo e práticas colaborativas. Assim se contribui à realização de uma gestão mais cooperativa que impositiva, ao mesmo tempo em que mobiliza as pessoas mais associadas com o problema a ter mais escolha no tipo de cuidado que lhes convêm. (Projeto da pesquisa, acervo da pesquisa Etnografando Cuidados).

Muitas possibilidades de diálogo durante as práticas de atendimento sofreram limitações contra a inserção formal da equipe nesses espaços como medidas protetivas das instituições. Por isso, a equipe adicionou dois caminhos: 1) um curso de audiovisual com produção de filmes com roteiros e imagens das próprias mães mostrando seu conhecimento e experiência para exibir e disponibilizar presencialmente e em plataforma virtual; e 2) forte colaboração com as associações, cujo papel de mediação ativa mais se aproximava aos interesses da equipe. Como equipe, participamos em eventos diversos, andamos junto com as mães e sentimos as emoções - a fadiga, discriminação, raivas, desatenções e alegrias - junto com elas e com as associações que as representam. As duas pesquisadoras de pós-doutorado na dedicação à pesquisa de campo, Luiza e Sílvia, engajaram-se bem mais do que os professores/pesquisadores que acumulavam outras atividades de ensino, pesquisa e orientação. Em nome próprio e pela pesquisa, é à mediação realizada por uma delas que o artigo se dirige agora: Sílvia.

A cobertura da rede de atendimento e de pesquisa e a realização de entrevistas com figuras chaves de destaque e de rotina forneceu uma rede eventual de contatos importantes, efetiva para a elaboração do conhecimento e, secundariamente, para a facilitação de atendimentos. Alguns gestavam departamentos, unidades e atividades, mas muitos foram encontrados no trabalho enquanto se acompanhava as mães e filhos nos itinerários terapêuticos. Os primeiros contatos com as mães foram através da associação Aliança das Mães e Famílias Raras (AMAR). Posteriormente, o envolvimento bastante pleno com a União de Mães de Anjos (UMA) trouxe mais foco especificamente na SCZ. São as duas principais instituições dedicadas a cuidar das cuidadoras e das crianças acometidas por problemas de saúde que exigem atenção especial. Distribuição de doações, sessões de orientação sobre leis e direitos, festas e comemorações, participação em atendimentos nas sedes das associações e caravanas para o interior para articular contatos com outras instituições, idas conjuntas para feiras de soluções promovidas pela articulação governamental/ empresarial no Combate ao Zika, e incontáveis outras atividades criaram uma solidariedade, confiabilidade e união que culminaram em um convite para acompanhar as negociações para um salário vitalício para crianças com SCZ, com depoimento na audiência parlamentar nacional a favor delas (Scott, 2020bSCOTT, R. Parry. 2020b. Fim da epidemia da síndrome congênita do Zika: pensão vitalícia e governança múltipla de domínios de cuidados”. Áltera: Revista de Antropologia, n. 11: 52-78. DOI 10.22478/ufpb.2447-9837.2020v3n11.51385
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; Matos et. al., 2019MATOS, Silvana; QUADROS, M. T.; SILVA, Ana Claudia Rodrigues. 2019. A negociação do acesso ao Benefício de Prestação Continuada por crianças com Síndrome Congênita do Zika Vírus em Pernambuco. Anuário Antropológico, vol. 44, n. 2: 229-260. DOI 10.4000/aa.3993
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) na prática repetitiva brasileira de judicializar acesso a serviços não disponibilizados adequadamente aos usuários (Freire, 2019FREIRE, Lucas de Magalhães. 2019. A gestão da escassez: uma etnografia da administração. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado, Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.).

A pesquisa não dura o tempo que a maternidade dura, nem o tempo que as redes de atendimento operam. A finalização de uma pesquisa é traumática quando implica no corte da intensidade do envolvimento. Quando o compromisso ético, moral, pessoal e profissional de envolvimento é mantido, a relação entra em outro patamar, ainda solidária, porém com intensidade mais esporádica. Isto ocorreu a partir do final de 2019, quando a equipe se reduziu em muito. A pesquisa gera resultados imediatos e também de longa duração. Cria laços que ultrapassam atividades e tempo da pesquisa, mas é regida por prazos, como é cristalino para muitas mães. A mediação realizável pode perdurar quando ocorrem novas demandas e pelos vínculos pessoais, mas na mediação e defesa de atividades as ações mais relevantes costumam ocorrer durante a regência do prazo. Epidemias exigem pesquisas, mas também tem prazos. Lidar com mudanças de prioridades decorrentes da finalização de estados emergenciais muda a intensidade da mediação.

NAS ASSOCIAÇÕES DE MÃES CUIDADORAS: MEDIADORAS NASCIDAS NA MATERNIDADE

Duas mães: Uma rara - Porfíria, uma de micro - Gerusa

Organizar-se em função de demandas de atendimento para pessoas que sofrem de alguma doença rara faz parte de um processo de construção de bioidentidades reivindicadoras que a hegemonia do olhar biologizante permite e promove (Rabinow, 1996RABINOW, Paul. 1996. “Artificiality and enlightenment: From sociobiology to biosociality”. Essays on the anthropology of reason. Princeton, NJ: Princeton University Press, pp. 91-112.; Rose, 2013ROSE, Nikolas. 2013. A política da própria vida: biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. São Paulo: Paulus.). Costuma haver despesas exorbitantes (medicamentos, aparelhos ortopédicos, tratamentos, intervenções, consultas com especialistas, transporte) com as quais famílias sozinhas são impossibilitadas de arcar.

Porfíria, mãe de um filho com uma doença rara que gera deficiência, dois anos antes da epidemia, formou uma associação. Inovou, juntando diversas famílias que enfrentavam essa situação. Iniciou uma militância/campanha de protagonizar, mobilizando-se na promoção de eventos de caridade e visibilização, buscando apoios filantrópicos, articulando com redes de atendimento e acionando atores políticos para oferecer oportunidades de resolução dos problemas enfrentados. Ela é a favor de uma cidadania mais ampla por acreditar que não se devia limitar as buscas à área de saúde. As outras mães em situações semelhantes a ela precisam tanto de cuidado quanto precisam os próprios filhos. Implica não simplesmente em buscar doações e atendimentos favorecidos e parcerias com universidades, mas também em promover oportunidades de trabalho, geração de renda, lazer e alívio dos cuidados cotidianos, bem como de assessoria legal na busca de direitos. Outras mães se juntaram a ela, reunindo-se com regularidade alguns dias na semana. Criaram redes de apoio paulatinamente e com razoável visibilidade na cidade.

No meio do grupo, havia algumas mães que formaram subgrupos, também configurados por bioidentidades, com ou sem atividades formalmente registradas. A ideia era de as mães cooperarem entre si mais intensivamente. Associarem-se facilitava a realização de ações para favorecer os filhos. A mediação é plenamente a força motriz da associação.

No advento da epidemia, foi a Associação organizada por Porfíria que abrigava demandas de muitas mães com filhos com a SCZ, chamadas por um nome que ainda se usa: “mães de micro” (Fleischer; Lima, 2020FLEISCHER, Soraya; LIMA, Flavia (orgs). 2020. Micro: contribuições de antropologia. Brasília: Atalaia.). Contudo, o fluxo de pessoas ocasionou uma sobrecarga no cotidiano da associação, mesmo com o novo alento na busca de visibilidade e apoio. Inicialmente, a microcefalia decorrente do Zika contraída pela mãe na gravidez era rara, sempre descrita como “desconhecida”. Porém, não tardou para o número de acometidos que levaram à declaração de emergência de importância nacional e internacional ser tão grande que, no contexto da epidemia, as crianças não eram compreendidas mais como sujeitos com doenças “raras”. Algumas outras mães, juntas desde antes da epidemia, sentiam-se constrangidas pela presença de um conjunto tão grande de “micros”. Tornou-se uma palavra citada para significar “o ‘outro’ grupo que incomoda porque esconde as nossas demandas!” “As pessoas de fora somente querem saber dos micros!”

Uma das mães de micro, situacionalmente empreendedora, Gerusa, percebia as dimensões diferentes desse grupo. Separou e formou uma nova associação - a União de Mães de Anjos (UMA). As duas associações sobrevivem e cooperam no protagonismo pró-deficientes, uma realçando a diversidade e raridade das deficiências e condições especiais, e a outra ressaltando as especificidades da SCZ. As tensões, nem um pouco imobilizadoras, entre as duas são percebidas pelas mães que, mesmo quando participam em ambas, preferem esconder as camisas e materiais de divulgação da outra de acordo com o local onde estão.

Ambas as mães gestoras e líderes de associações trabalham muito promovendo ações a favor das cuidadoras e dos seus filhos. São campanhas e atividades para levantar recursos e doações de entidades diversas, privadas e públicas, e distribuições entre as mães associadas de acordo com as suas necessidades e apoio terapêutico, jurídico e afetivo. São as mediadoras mais direta e constantemente focadas na articulação entre atendimento e vida cotidianas das mães e filhos, sendo elas mesmas mães também. As suas redes de contatos são amplas, e ambas foram indiciadas para prêmios. São muito reconhecidas por dois lemas organizadores de ação: “cuidar das cuidadoras”, e “nada sobre nós, sem nós!”. A mensagem em ambos os casos é de inclusão e também da expectativa de uma vida que continua para famílias que precisam se reorganizar para cuidar e que reconhecem que os filhos terão a sua maneira de estar no mundo em uma vida que segue. As duas diretoras de associações são celebradas quando comparecem às atividades nas quais as suas opiniões são requisitadas como demandas legítimas, se não sempre alcançáveis, para as famílias. A divulgação nas redes sociais diversas frequentemente incorpora a celebração da relação entre essas mães e seus filhos, fonte de amor e dedicação que se perpetua e que não é transitória. As associações são a base para construir notoriedade para poderem se dedicar, adicionalmente, para articulações políticas desde os níveis nacionais até os locais, como uma frente parlamentar de apoio a pessoas com deficiência, uma federação de associações, candidaturas políticas e atividades beneficentes diversas.

MEDIAÇÃO, REDES E DOMÍNIOS DE CUIDADO NO CONTEXTO DA EPIDEMIA

A experiência de mães, profissionais e gestoras de serviços de saúde e pesquisadoras permite finalizar realçando, suscintamente, questões que merecem desdobramentos para a compreensão da dinâmica de mediação em contextos de epidemia. Primeiro aborda efeitos mais restritos à particularidade desta epidemia para realçar o contexto de observação da mediação vista neste caso, para depois fechar com considerações gerais das implicações deste estudo para a compreensão da epidemia, práticas de mediação e domínios de cuidado em geral.

A concentração dos casos no Nordeste do Brasil e a gravidade e novidade da SCZ conseguiu criar uma preocupação nacional e internacional para profissionais e pesquisadores de saúde que tiveram uma agilidade em se organizar internamente e acionar as redes extralocais em anunciar a gravidade e responder com apoios. Não é enaltecedor qualquer lugar ter notoriedade por ser epicentro de uma doença, especialmente quando ela se relaciona à precariedade de condições sanitárias que favorecem a proliferação dos mosquitos vetores. Ao mesmo tempo, para a região, a condição de vítima da população é contrabalançada pelo empenho dos seus pesquisadores e gestores, na maioria da própria região, cooperando e coordenados por pesquisadoras experientes de fora, cuja operação de canais de comunicação rápida e formação de redes de resposta e combate à epidemia estendem positivamente a imagem da capacidade científica e de atendimento especializado da região que tanto representa a si mesma na nação, quanto a nação no mundo. Estas afirmações da capacidade de ações desses domínios (científica e de atendimento) invertem uma hierarquia geopolítica predominante e assim conferem uma intensidade mais incrementada de valoração à qualidade das ações dos profissionais e cientistas ao exercer as suas mediações.

A síndrome movimenta o setor de saúde materno-infantil sobretudo. É importante lembrar que no Brasil e no Nordeste, a reprodução humana historicamente tem sido alvo predileto de controle com preocupações sobre o crescimento da população e sobre a mortalidade infantil, servindo assim como grandes motivadores da organização de serviços de saúde no país e especialmente no Nordeste. A mediação, que “nasceu” firmemente na saúde materno-infantil e no reconhecimento da doença, no atendimento imediato na infância com grande contribuição da experiência das mães e filhos, tem o desafio de dar sequência ao apelo das diretoras das associações e ampliar o escopo da atenção. Elas, também mães de pessoas com deficiência, insistem que as relações sociais de mães e dos seus filhos demandam esforços de mediação que possam ir muito além da saúde materno-infantil e chegar em outros setores capazes de acompanhar as suas demandas particulares de relações sociais. As relações a que aludem evoluem com o crescimento e desenvolvimento humano como famílias cuidadoras de pessoas com deficiência que continuam crescendo e que apresentam novas dificuldades como sujeitos com demandas particulares. Na passagem de epidemia para pós-epidemia, a diminuição progressiva da visibilidade, bem como esta ampliação de demandas que pode dispersar as redes de circulação e trocas de práticas de cuidar, levanta um obstáculo potencial à continuidade de mediação. Nesse cenário, a mediação deixa de ser tão focada e emergencial e chega a exigir uma rotinização em ações que conectam as redes de serviços e respeitam as mães e seus filhos e a complexidade das demandas.

O realce das mulheres neste trabalho não é um capricho. Além da historicamente observável generalização da predominância feminina em trabalhos cotidianos relacionados com saúde junto com a feminilização profissional do ato de cuidar na primeira infância e dos serviços relacionados com a maternidade e a infância, uma doença que se descobre nas investigações relacionadas à gravidez e ao parto confere o realce e dão uma tonalidade forte às emoções expressas. O enaltecimento da prática e das emoções do vínculo mãe-filho selam a importância da relacionalidade, mas vai além disso. No trabalho da mediação, percebe-se uma cidadanização protagonizadora que politiza as demandas dessas mães com consciência dos seus direitos, seja como agentes reivindicadoras diretas, seja como pessoas que apoiam as diretoras e outras protagonistas mais diretas. A mesma condição que retira muitas mães do mundo do trabalho remunerado para contribuir ao sustento do filho e as remete a itinerários terapêuticos extenuantes e à busca de serviços de assistência, as reinsere em organizações e em atos individualizados de mediação com agentes nos domínios de atendimento e de conhecimento científico. Isso faz com que a maternidade e a dedicação ao fornecimento de uma vida digna ao filho sejam motivos para reconhecer e reivindicar seus direitos e se reconhecerem como cidadãs.

A transitoriedade exige pressa. A epidemia é um contexto transitório que permite intensificações de atividades. A distribuição e conexão de atividades e relações entre domínios de cuidados favorece a mediação. Mutirões, marcações, capacitações, altas, consultas, exames, doações, articulação de comissões, programas filantrópicos, grupos tarefa, grupos de pesquisa, caravanas, cursos, orientações, etc. Emoções e intensidades acompanham a particularidade da epidemia, sublinhando a relevância dos significados compartilhados e a necessidade de uma resposta urgente.

Ações que costumam fazer com menor intensidade e expressão de emoções em outras situações ganham uma importância maior no contexto emergencial. A emergência sacraliza esforços de responder a ela. Prioriza a dedicação a este grupo específico afetado por SCZ com mais intensidade. A recompensa redunda em maior visibilidade de profissionais de pesquisa e de atendimento apreciando suas capacidades, e o conjunto se mantendo nos holofotes até que diminua a ocorrência (acabando a categorização como epidemia), e/ou que seja suplantada por outra emergência de maior abrangência e mais urgente, como, neste caso, a pandemia de Covid-19.

A mediação ocorre entre domínios diferentes que são percebidos como hierarquizados, mesmo transcorrendo em redes sempre múltiplas e entrecruzadas. É muito polimorfa, ao mesmo tempo em que obedece aos padrões organizativos hierarquizados dos serviços de saúde e dos serviços a ela relacionados. Na epidemia do Zika, ao realçar domínios de famílias, profissionais e gestores de saúde, e pesquisadores, fazer mediação tende a intensificar e fortalecer redes de relações construídas no próprio domínio de ação do mediador: sempre intensivas (de guerra, de dimensões acima do normal, urgentes, aglutinadoras para poupar tempo), as ações e emoções fazem referência ao conjunto de ideias sobre direitos, moralidade, equidade, cidadania e políticas que constitui o domínio de origem de cada mediador. Para pesquisadores, decifrar o quebra-cabeça de causalidade da doença e da resposta a ela motiva as interações e favorece especialistas em pesquisa. Para profissionais de atendimento, gestores e trabalhadores, almejam combinar o alcance à população afetada com uma atuação que preserva a operacionalidade do “sistema”. As redes relacionais mobilizadas primeiro são internas aos próprios domínios das mediadoras. Ganha importância o ato de interagir e trocar com outros pesquisadores e facilitadores de pesquisa (conhecimento), de outras pessoas que atendem ou gestam atendimento, agilizando acesso (atendimento), com outras mães (relacionais). São profissionais e outras pessoas associadas às especialidades movidas pela bioidentidade de quem é afetada pelo problema de saúde. Esta mesma bioidentidade, para os afetados, predominantemente de comunidades populares, mobiliza pessoas com quem se vai ter que conviver diariamente (relações de convivência na moradia e mobilidade cotidiana). Com a conexão da mediação, os domínios se reforçam internamente.

A habilidade de interagir nas próprias redes de relações das mediadoras é complementada por habilidades variadas de “correr atrás” de atores dos diversos domínios. Relacionando-se com mais pessoas, de dentro e de fora do seu domínio, e compartilhando emoções com intensidade com todos pode combinar facilmente com conseguir algum resultado mutuamente favorável. Associada a esta complementariedade, a confiabilidade da mediação se relaciona com uma adesão a práticas de outro domínio. A pesquisadora ou profissional de saúde que demonstra mais intensivamente emoções associadas às relações pessoais e compartilha a indignação com falhas, lacunas e injustiças, ganha mais confiabilidade das mães e associações. A profissional de saúde que se empenha em identificar os elementos que contribuem para novos conhecimentos terá mais aceitação no espaço de mediação com (ou como) pesquisadoras(es). Isto ocorre com expressões de diferentes intensidades, de ambas, profissionais e pesquisadoras, sobre a gravidade das necessidades e efeitos sobre a vida cotidiana das mães com filhos com SCZ. Ter angústia em não conseguir o que as mães e seus filhos precisam - mesmo quando o não conseguir expõe fraquezas e limites do sistema e do conhecimento - faz parte de interação mediadora que cria vínculos com essas famílias afetadas direta e cotidianamente pela SCZ. Com os muitos momentos evidenciados nas narrativas sobre as oito mulheres aqui presentes, nas suas falas e nas falas das famílias sobre elas, há um conjunto de ações que extrapolam os limites estreitos do domínio do pesquisador, do gestor e do profissional de atendimento e valorizam a sua relação com a família. Essas ações envolvem: conseguir atendimento filantropicamente, a inclusão de todos ou de muitos dos que necessitam atendimentos, ter informações para dar mais clareza sobre o futuro, participar de eventos com a presença das famílias, conhecer as famílias individualmente como parte das atribuições do próprio serviço, ajudar a pressionar para inclusão em algum serviço adicional etc. O inverso também ocorre, com as associações, as suas diretoras e as mães e famílias extrapolando os limites dos cuidados relacionais domésticos e afetivos, contribuindo para, e tendo acesso à construção de conhecimentos e de atendimento.

Uma questão motivadora inicial deste trabalho foi sobre a possibilidade de mediação contribuir para um diálogo Estado-cidadão que beneficiasse a todos. Quanto a isto, vale dizer que não há ausências neste contexto, e sim ênfases diferentes de articulação de todas as mulheres descritas. Todas prezam qualidade de relações sociais, efetividade de atendimento, e conhecimento fundamentado. Para os atores, o “prezar” se associa mais ao seu próprio domínio, acrescentado pelo que ganha através da mediação. Na transitoriedade da epidemia, essa valorização de características transborda para revisões sobre a rotinização futura. Costuma ressituar as pessoas no conjunto de valores que prevalecem no domínio onde conseguem se ver continuando futuramente. A pesquisadora, emocionada com relações vividas pelas famílias acometidas e querendo um melhor fluxo de atendimento, como pesquisadora atual e futura, olha mais para as descobertas e enigmas do conhecimento. A profissional/gestora, querendo organizar o serviço com as necessidades descobertas sobre a doença e minimizar os sofrimentos, preocupa-se sobre a perpetuação das mudanças no sistema de atendimento como espaço de atuação profissional. As mães e famílias, e suas associações, sabem que o tempo apertado de “correr atrás” de conhecimento e atendimento precisa ser aproveitado ao máximo enquanto dura. Elas se preparam para uma vivência que é ressignificada de uma maneira emocionalmente carregada, com as denominações de raras e anjos, amor e dedicação. Insistem em valorizar uma maternidade abnegada, por difícil e cansativa de viver que seja (Alves, 2020ALVES, Raquel Lustosa da Costa. 2020. “É uma rotina de muito cansaço”: Narrativas sobre cansaço na trajetória de cuidados das mães de micro em Recife/PE. Recife, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco.). Suas relações sociais se redimensionam (Scott, 2021aSCOTT, R. Parry, 2021a. Cuidados, mobilidade e poder num contexto de epidemia: relações familiares e espaços de negociação”. Mana - Estudos de Antropologia Social, vol. 26, n. 3: 1-34. DOI 10.1590/1678-49442020v26n3a207
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; 2021bSCOTT, R. Parry. 2021b, Women, Administered Insecurity, and Multiple Alignments to Assuage Gender Inequalities in the Brazilian Zika Epidemic. Frontiers in Global Women´s Health, vol. 2: 716612. DOI: 10.3389/ fgwh.2021.716612
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). Suas lideranças, também mães, visam a articulações futuras, pois vão continuar na mediação a partir do domínio em que estão. Certamente, atendimento à Síndrome Congênita do Zika no futuro não terá uma rotina tão prioritária. Isto já é realidade! De frequente e prioritária na epidemia ao futuro, sem epidemia, pode depender da valorização na categoria coletiva de demandantes de políticas de inclusão, repensada como para a não tão especifica categoria de deficiência ou mesmo de outra bioidentidade.

Como alertam Rech (2017RECH. Carla Michele. 2017. Mediação social: uma revisão sobre o conceito. Revista Eletrônica Interações Sociais, vol. 1, n. 1: 97-114.) e Neves (2010NEVES, Delma Pessanha. 2010. “Políticas públicas: mediação e gestão de demandas sociais”. Retratos de assentamentos, vol. 13, n. 1: 171-206. DOI 10.25059/2527-2594/retratosdeassentamentos/2010.v13i1.70
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) sobre a transitoriedade da mediação ressignificar as coisas, o que se consegue na intensidade de uma epidemia para atender demandas se fragiliza no fim da epidemia, por mais que tenha sido providenciado com declarações de continuidade. Com a passagem das emergências, internacional e nacional, encontrou-se a situação fragmentada descrita por Souza et. al. (2020SOUZA, Nathália Lira de; COELHO, Bernadete Perez, ARAÚJO JÚNIOR, José Luiz A.C. 2020. “A Descoberta: a alerta para microcefalia e outros sinais e sintomas associados a SCZ e a reorganização da rede de serviços de saúde em Pernambuco”. In: SCOTT, Russel Parry; LIRA, Luciana; MATOS, Silvana (orgs.). Práticas sociais no epicentro da epidemia do Zika. Recife: EdUfpe.). Após ressaltar diferenças nas percepções de profissionais de saúde, pesquisadores, gestores e cuidadoras (mães) das ações decorrentes da epidemia de SCZ, concluem que mesmo com ações de resposta bem concebidas nas políticas públicas, e com a diminuição da demanda em relação às expectativas no início da epidemia, a rede de atendimentos para SCZ permanece desarticulada com poucas perspectivas de reorganização futura. O advento da pandemia de Covid-19 reforçou a transitoriedade, dificultando atendimentos a SCZ, redirecionando prioridades de atendimento e pesquisa, mas perdurando demandas de mães e filhos. Prioridades na pandemia tomaram rumos diferentes informados por aspectos diferentes: geograficamente mais extensamente distribuída, contagiosa, não simplesmente transmitida por um vetor, com mortalidade de todas as gerações e gêneros. O conteúdo operado nas mediações é diferente mesmo que haja continuidade na forma de operar. As relações Estado-Cidadão exigem diferentes ações nos seus vários domínios, e isso gera um novo conjunto de mediações, e outra base de associativismo reivindicador de demandas.

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  • 1
    “Etnografando Cuidados e Pensando Políticas de Saúde e Gestão de Serviços para Mulheres e Seus Filhos com Distúrbios Neurológicos Relacionados com Zika em Pernambuco, Brasil” do FAGES da UFPE com apoio de CAPES (8888.130742/2016-01), CNPq (440411/2016-5) e DECIT-MS e “Action Ethnography on Care, Disability and Health Policy and Administration of Public Service for Women and Caretakers of Zika virus affected Children in Pernambuco, Brazil,- FACEPE/ Newton Fund (APQ 0553-7.03/16). Os pesquisadores são Parry Scott, Marion Teodósio de Quadros, Ana Claudia Rodrigues da Silva, Luciana Campêlo de Lira, Silvana Sobreira Matos e Fernanda Meira de Souza.
  • 2
    Neste trabalho, “mediação” está tratada como imbricada à malha social cotidiana, fazendo com que as definições de áreas disciplinares que realçam a prática profissional de mediação como conciliação e pactuação se orientem por uma sistematização técnica que difere da que é tratada aqui.
  • 3
    Beatriz Nussbaumer. e Carlos Ros organizaram a coletânea Mediadores sociales: en la producción de prácticas y sentido de la política pública (2011). Carla Michele Rech (2017RECH. Carla Michele. 2017. Mediação social: uma revisão sobre o conceito. Revista Eletrônica Interações Sociais, vol. 1, n. 1: 97-114.) discute essa revisão do conceito de mediação.
  • 4
    Quando se faz referência a “mediadoras” nestes casos é em respeito às oito mulheres descritas aqui, e, a menos que haja referência específica ao contraste com mediadores homens, não uma diferenciação explícita de gênero entre mediadores e mediadoras em geral.
  • 5
    Todas as mulheres, mesmo conhecidas publicamente, são referidas com um nome fictício de acordo com a prática informada anteriormente, nas primeiras seções do artigo.
  • CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA:

    Não se aplica.
  • FINANCIAMENTO:

    A pesquisa contou com financiamento do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior a partir de auxílios à pesquisa e financiamento de bolsas de estudo para as pesquisadoras e pesquisadores envolvidos com o projeto Etnografando Cuidados. Apoio também foi recebido do DECIT - Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério de Saúde do Brasil, do Newton Fund e da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (DECIT).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2021
  • Aceito
    22 Mar 2023
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