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Desenvolvimento de um processo de lixiviação dos concentrados de manganês em sais fundidos

Development of a leaching process of manganese concentrate in molten salts

Resumo

The NaCl- KCl system as fused-salt solvent for leaching has shown to have some advantages over traditional solvents. In this work the solubility of copper, nickel and cobalt oxide in this system, as impurities in manganese concentrate, was studied. The euthetic mixture of NaCl - KCl at 700ºC was used at several fusion times and the dissolved metals were determined by Atomic Absorption Spectrometry. The results have shown that in these conditions only copper was solubilized.

leaching; molten salts; manganese concentrate


leaching; molten salts; manganese concentrate

ARTIGO

Desenvolvimento de um processo de lixiviação dos concentrados de manganês em sais fundidos

Development of a leaching process of manganese concentrate in molten salts

Maria José de Sousa Ferreira da Silva; Maria José Marques; Cláudio Patrício Ribeiro Jr.

Departamento de Química - Universidade Federal de Minas Gerais - 31.270-901 - Belo Horizonte - MG

SUMMARY

The NaCl- KCl system as fused-salt solvent for leaching has shown to have some advantages over traditional solvents. In this work the solubility of copper, nickel and cobalt oxide in this system, as impurities in manganese concentrate, was studied. The euthetic mixture of NaCl - KCl at 700ºC was used at several fusion times and the dissolved metals were determined by Atomic Absorption Spectrometry. The results have shown that in these conditions only copper was solubilized.

Keywords: leaching; molten salts; manganese concentrate.

INTRODUÇÃO

Sem dúvida, a água, devido à sua abundância natural, foi sempre considerada como o solvente fundamental. No entanto, numerosos processos químicos não podem ser realizados em água, e seu emprego como solvente implica em algumas limitações. Na tentativa de solucionar esse problema, outros solventes têm sido estudados, dentre eles os sais fundidos.

Embora o uso dos sais fundidos seja datado das origens da tecnologia foi, essencialmente, nos últimos 40 anos que as pesquisas nesse meio conheceram um considerável desenvolvimento, traduzido pelo aparecimento de um número importante de publicações e livros especializados1 e pela realização de processos industriais oferecendo novas soluções tecnológicas.

Atualmente, pode-se citar, dentre outros, o emprego dos sais fundidos na Eletrometalurgia - obtenção de vários metais por eletrólise dos sais fundidos correspondentes e eletrorrefino2, na Metalurgia Clássica - tratamentos térmicos2, na Metalurgia Extrativa - tratamento de minérios por solubilização e precipitações seletivas3-5, no campo da Energia6 - baterias eletroquímicas de potência elevada, para armazenamento e/ou carreamento de energia solar, nas Sínteses Orgânicas7 e no Tratamento de Rejeitos8,9.

Este vasto campo de aplicações é explicado pelas características particulares dos sais fundidos. De fato, é possível considerá-los como uma classe particular de solventes: "os solventes ionizados a temperaturas elevadas". Numerosas substâncias são solúveis nesses meios e podem reagir entre si de forma equivalente a das soluções aquosas (reações ácido-base, oxidação-redução, precipitação, etc.). Além disso, o emprego dos sais fundidos apresenta algumas vantagens, como reações mais rápidas, alta condutividade elétrica, elevado domínio de eletroatividade e ampla faixa útil de temperatura. Assim, esses sais podem ser usados como agentes de lixiviação apresentando vantagens de rapidez e eficiência em relação aos solventes tradicionais10,11.

Não obstante o uso principal do manganês ser na produção de aço, ele é também importante e largamente usado na indústria não-metalúrgica. Frequentemente, o manganês é utilizado sob a forma de dióxido de manganês, mesmo que apenas como material de partida.

A maior aplicação não metalúrgica do MnO2 é na manufatura de baterias secas onde este é incorporado como agente despolarizante para prevenir a liberação de gás hidrogênio quando o polo é de carbono12. Entretanto, apenas o MnO2 de mais alta qualidade pode ser usado diretamente para este fim.

Os concentrados de minério de manganês contêm, além do MnO2 e dos óxidos Al2O3 e Fe2O3, outras impurezas como cobre, níquel e cobalto, provavelmente sob a forma de óxidos, com teores indesejáveis apesar de baixos ( da ordem de centenas de ppm).

Este trabalho teve por objetivo verificar a possibilidade de reduzir, em amostras sintéticas de minério de manganês, o teor dessas impurezas, através de um processo de lixiviação em sais fundidos, comparável ao desenvolvido por Combes et al., no caso do minério de titânio3, tornando-o então mais apropriado para a utilização na fabricação de pilhas secas.

PRINCÍPIO DO MÉTODO

O método consiste em deixar uma quantidade conhecida (~ 1g) do minério em pó, de granulometria fina (>200 mesh), em contato com uma quantidade, também conhecida (10-20g), da mistura eutética líquida (T > 670ºC) de NaCl - KCl. Após um certo tempo, variável, a mistura é resfriada à temperatura ambiente, ao abrigo da umidade e, em seguida, dissolvida em um volume conhecido de solução 0,10 mol/L de ácido clorídrico.

A quantidade das impurezas lixiviadas é obtida pela determinação dos íons correspondentes na solução aquosa, após filtração, segundo o método analítico adequado.

MATERIAIS E METODOLOGIA

Aparelhagem

A fusão de todas as misturas foi realizada em um forno mufla marca Lavoisier, modelo 100-C, após calibração.

Os teores dos metais lixiviados foram determinados em espectrômetros de absorção atômica marcas Hitachi modelo Z 8200 e Varian modelo AA 6.

Reagentes

Todos os reagentes utilizados foram de grau analítico, sem purificação prévia.

Preparação da Mistura Eutética

Foram misturados, em almofariz, 5,83 g de NaCl e 7,48 g de KCl, previamente secados a 120ºC, por 12 horas.

Preparação das Misturas Sintéticas do Minério de Manganês

As misturas indicadas abaixo foram preparadas adicionando-se 0,0100 g de cada um dos óxidos (NiO, CuO e Co3O4), a 10,00 g de MnO2.

a) MnO2/NiO

b) MnO2/CuO

c) MnO2/Co3O4

d) MnO2/NiO/CuO/Co3O4

e) MnO2/NiO/CuO

f) MnO2/NiO/Co3O4

g) MnO2/CuO/Co3O4

Todas as misturas foram mantidas em estufa a 120ºC, até o momento de sua utilização.

Realização do Ensaio

A mistura eutética foi fundida, em cadinho de porcelana, com um aumento gradativo de temperatura (~ 100ºC/15 minutos) até 700ºC. Ao fundido foi adicionado, cuidadosamente e sob agitação, 1,0000 g da mistura sintética, previamente preparada. Em seguida, foi processada a fusão a 700ºC, até o tempo máximo de 180 minutos, em intervalos de 30 minutos. O conteúdo de cada cadinho, resfriado à temperatura ambiente, foi dissolvido em uma solução 0,10 mol/L de HCl e filtrado para balão de 500 mL. O resíduo foi lavado com a solução ácida e o volume completado com água destilada.

A determinação dos teores de Cu, Ni e Co nos filtrados foi feita por Espectrometria de Absorção Atômica (EAA). Para cada mistura sintética foi feito paralelamente um branco constituído da mistura eutética contendo apenas o MnO2.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As misturas sintéticas utilizadas neste trabalho foram preparadas de forma que os valores esperados de concentração dos metais nas soluções analisadas por EAA, para 100% de lixívia, fossem 1,60 µg/mL de cobre e de níquel, 1,50 µg/mL de cobalto e 1,26 x 103 µg/mL de manganês. As fusões de todas as misturas foram realizadas em duplicata produzindo resultados com variações menores do que 5%. Todos os valores apresentados no texto correspondem à média das duas medidas.

Os resultados obtidos para a mistura sintética MnO2/NiO/CuO/Co3O4 são apresentados na tabela 1.

A análise desses resultados, num primeiro momento apenas em função da variação do tempo de fusão (30 a 180 minutos), mostra que o cobre é no máximo 87,5% e no mínimo 62,5% lixiviado durante o processo a 700ºC. Embora seja observada uma tendência de diminuição dos teores de cobre lixiviado esta não ocorre de forma linear. No que se refere ao níquel observa-se que menos do que 2,5% é lixiviado, independentemente do tempo de fusão. Já para o cobalto obtém-se um máximo de 20,0% de lixiviação após 30 minutos de fusão e um mínimo de 13,3% nos demais tempos. Apesar desses teores serem um pouco mais elevados do que os do níquel, ainda assim são muito baixos se comparados com o valor esperado. Quanto ao manganês a lixiviação é praticamente desprezível, com um máximo de 0,12% apresentando um comportamento semelhante ao do cobre no que se refere ao tempo de fusão.

Tendo em vista que, nas condições utilizadas, o processo parece satisfatório apenas para a lixiviação do cobre foi feito um estudo em função da temperatura de fusão, na tentativa de melhorar a lixiviação do níquel e do cobalto. Entretanto, os resultados obtidos à temperatura máxima estudada, 900ºC, não mostram qualquer aumento significativo nos teores desses elementos, enquanto que os valores relativos ao cobre permanecem inalterados. Além disso, a lixiviação do manganês ocorre mais intensamente, de uma forma não linear, atingindo valores da ordem de até 10%, o que é indesejável para o processo.

Com o objetivo de elucidar a flutuação dos resultados encontrados foi também estudada a possível influência de cada uma das impurezas na lixiviação das demais a 700ºC e nas mesmas condições de ensaio anterior. Este estudo foi realizado a partir das seguintes misturas sintéticas: MnO2/CuO, MnO2/NiO, MnO2/Co3O4, MnO2/CuO/NiO, MnO2/CuO/Co3O4 e MnO2/NiO/Co3O4.

A análise dos resultados obtidos pela EAA, para a lixiviação dos metais, sugere que existe não apenas interações entre os íons metálicos presentes em uma mesma mistura como também que essa interação é dependente do tempo de fusão. Além disso, em alguns casos, observa-se que há competição entre duas variáveis.

Na tentativa de determinar o efeito do tempo de fusão e da presença de um ou de dois óxidos sobre a lixiviação do terceiro, utilizou-se o método quimiométrico13 de planejamento fatorial 23 tomando como níveis superiores o maior tempo de fusão e a concentração máxima dos óxidos adicionados e como níveis inferiores o menor tempo de fusão e a ausência dos óxidos na mistura sintética. A escolha desses níveis se deve ao fato de que, considerando os erros experimentais, os extremos são os pontos que melhor tendem a representar o comportamento global do sistema, ou seja, a melhor relação sinal/ruído.

As matrizes de planejamento, elaboradas a partir de todas as possíveis combinações dos níveis, são apresentadas nas tabelas 2 a 4 onde os teores dos metais lixiviados foram aqueles obtidos pela EAA para cada uma de todas as misturas sintéticas em estudo.

[Cu] = 1,30 - 0,13 t - 0,13t [Co] + 0,10t [Ni] (1) [Ni] = 0,06 - 0,02 [Cu] + 0,02t [Co] - 0,02[Cu] [Co] (2) [Co] = 0,23 - 0,08t [Cu] + 0,07[Ni] + 0,05t [Ni] (3)

Com o auxílio do programa fatorial fornecido por Roy E. Bruns et al13 e dos dados das tabelas 2 a 4, foram encontradas as equações 1 a 3, nas quais t é o tempo de fusão, em minutos, e as concentrações dos íons são expressas em µg/mL, e traçados os gráficos das figuras 1 a 3 para o cobre, níquel e cobalto lixiviados, respectivamente.




A partir da análise da figura 1, relativa à lixiviação do cobre, observa-se que o aumento do tempo de fusão conduz a uma diminuição nos teores de cobre lixiviado, exceto quando apenas o níquel se encontra presente na mistura. Por outro lado, a lixiviação é máxima para o menor tempo de fusão, quando somente o cobalto está presente. Este resultado confirma a dependência da lixiviação do cobre com o tempo de fusão e mostra que esta também é função da presença ou da ausência de níquel e cobalto. Além disso, verifica-se ainda que o melhor tempo de fusão, neste caso, é de aproximadamente 90 minutos onde dois aspectos relevantes são notados. Este é o tempo no qual, embora a lixiviação do cobre não seja máxima, há a presença de todas as impurezas simultaneamente na amostra sintética e também a lixiviação é praticamente independente da presença e/ou ausência das demais impurezas. Essa dependência é melhor observada na equação 1 onde aparecem os dois termos tempo de fusão e concentração das impurezas.

Para o caso da lixiviação do níquel e do cobalto observa-se, pelas figuras 2 e 3 respectivamente, um comportamento semelhante ao do cobre, não obstante os seus baixos teores lixiviados. Analogamente, as equações 2 e 3 mostram os efeitos cruzados para esses casos. No entanto, esses efeitos são muito pequenos para mostrarem de forma significativa o comportamento do sistema, tendo em vista que os teores lixiviados são também muito pequenos.

CONCLUSÃO

A partir dos resultados apresentados pode-se concluir que a lixiviação do cobre, presente como impureza na amostra sintética, pode ser realizada pelo processo em sais fundidos a 700ºC, com um tempo de fusão de, aproximadamente, 90 minutos. Além disso, mostrou-se que, para este tempo, a presença ou não de níquel e/ou cobalto não interfere na sua lixiviação. Já o níquel e o cobalto não são lixiviados nestas condições.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Prof. Dr. Richard Combes da Université de Paris Nord, aos professores Dr. Valmir Fascio Juliano e Dr. Roy Edward Bruns pela valiosa colaboração, ao funcionário Marley Alisson P. de Assis pela digitação deste trabalho e à PRPq/UFMG pelo apoio financeiro.

Recebido em 3/5/96; aceito em 18/6/97

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 1997

Histórico

  • Aceito
    18 Jun 1997
  • Recebido
    03 Maio 1996
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